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TEMPLÁRIOS (5 AULAS DO PADRE PAULO)

A origem dos Templários só pode ser entendida a partir da história das


Cruzadas – as investidas militares realizadas para salvar o Oriente, em
especial os Lugares Santos, das mãos dos muçulmanos. Tudo começou com
o Concílio de Clermont, em 1095, quando o Papa Urbano II convocou a
cristandade à retomada de Jerusalém. O empreendimento foi um sucesso,
mas, ao invés de devolver o território de Outremer ("Ultramar") ao
Império Bizantino, os cruzados – que se consideravam traídos pelo
Imperador Aleixo – fundaram para si o Condado de Edessa (1095), o
Principado de Antioquia (1098), o Condado de Trípoli (1102) e,
principalmente, o Reino de Jerusalém, em 1099. Toda a faixa do mar do
chamado Crescente Fértil ficou sob domínio latino.

O fato é que esses territórios impediam a comunicação entre os povos


muçulmanos: os turcos otomanos, ao norte, o Califado de Bagdá, na Arábia,
e o Califado Fatímida, no Egito. A princípio, como não havia fortes alianças
entre eles, isso não representou um perigo eminente aos territórios
latinos. No entanto, os constantes assaltos sofridos por peregrinos no
caminho da Terra Santa indignavam os cristãos do Ocidente. Em um
episódio que ganhou grande repercussão na época, 300 peregrinos, em sua
maior parte de origem germânica, foram brutalmente assassinados,
enquanto se aproximavam de Jericó, às margens do Rio Jordão.

Em 1120, em resposta ao pedido de ajuda do Rei Balduíno II de Jerusalém,


um grupo de cavaleiros, disposto a uma vida de sacrifícios, se ofereceu
para proteger os cristãos na Terra Santa. Os Pauperes commilitones
Christi ("Pobres Cavaleiros de Cristo"), como eram chamados, encarnavam
duas realidades aparentemente contraditórias: a vida militar, com suas
batalhas e desafios físicos, e a vida religiosa, com suas austeridades e
muitas orações. Hugo de Payens (ou Payns, como preferem os franceses de
hoje), seu primeiro líder, viveu com os primeiros cavaleiros uma vida de
extrema pobreza. Por concessão de Balduíno, passaram a morar na
Mesquita de Al-Aqsa, onde fora construído o Templo de Jerusalém.

Dos primeiros anos de sua fundação, porém, é preciso ser honesto e


reconhecer que muito pouco se sabe. Teorias mirabolantes, que associam
os Templários a um "arquivo secreto", com uma "sabedoria escondida" no
antigo Templo de Salomão, não passam, pois, de invenções fantasiosas de
grupos gnósticos e esotéricos. Não se tem notícia dos primórdios da
Ordem justamente porque, durante os seus dez primeiros anos, os
Templários não fizeram nada de extraordinário.

Foi só a partir da ação e pregação de São Bernardo de Claraval que a


Ordem começou a ganhar força e prestígio. Não se pode ignorar a grande
influência que este doutor exerceu na Igreja medieval. Suas pregações
reuniam multidões e o abade era aclamado como santo ainda em vida.
Convencido por Hugo de Payens da importância dos cavaleiros de Cristo,
Bernardo apresentou a causa dos Templários ao Papa Honório II, que, no
Concílio de Troyes, em 1129, aprovou oficialmente a Ordo Pauperum
Commilitonum Christi Templique Salominici ("Ordem dos Pobres Cavaleiros
de Cristo e do Templo de Salomão").

Em seu escrito De Laude Novae Militiae, Bernardo ainda colocou os


fundamentos espirituais da Ordem. Além de ressaltar a vocação
específica a que foram chamados os cavaleiros do Templo, mostrou
teologicamente que as funções do guerreiro e do religioso não são
incompatíveis: enquanto este luta espiritualmente contra os seus vícios
internos, aquele trava uma guerra externa contra os inimigos de Cristo.

Então, a Ordem começou a receber numerosas doações e vários


combatentes – em grande parte nobres, já que o aparato militar era de
alto custo – passaram a integrar as suas fileiras. Embora algumas pessoas
não aceitassem os Templários, eles foram um grande sucesso, já que a
sociedade da Idade Média, assiduamente religiosa, dava grande incentivo –
moral e material – à ação de proteção e defesa dos Lugares Santos.

O primeiro selo da Ordem dos Templários traz a imagem de dois


cavaleiros sentados no mesmo cavalo. Muito se especula acerca do
significado dessa figura. Já foi dito que fazia uma referência à pobreza
dos cavaleiros, que, não tendo animais suficientes, tinham que partilhar o
mesmo cavalo. Até a acusações de homossexualismo este símbolo foi
associado. Porém, para a historiadora Barbara Frale, que trabalha no
Arquivo Secreto do Vaticano, o selo alude às personagens Rolando e
Olivier, do famoso poema épico La Chanson de Roland ("A Canção de
Rolando"). Na história, Rolando – parente de Carlos Magno – e Olivier
partem para combater os sarracenos na Península Ibérica. Os dois são um
misto de coragem e prudência, bravura e sabedoria – virtudes necessárias
para um bom cavaleiro templário. Ao mesmo tempo, suas características
se encaixam precisamente no programa de São Bernardo para a Ordem: a
ousadia e o destemor de Roland e a capacidade de Olivier de controlar as
próprias paixões.

Na verdade, a história mostra que, desde o começo, os Templários


precisarão se dividir: os mais sábios e prudentes ficarão na Europa,
cuidando da parte "técnica" e "burocrática" da Ordem – arrecadar víveres
e fundos, manter uma relação diplomática com os reis etc. –, enquanto os
corajosos e fisicamente aptos partirão ao Oriente.

Com o tempo, a Ordem crescerá a ponto de sobrepujar o próprio poder


real. De fato, nos séculos XII e XIII, com os Estados nacionais ainda em
formação, os príncipes tinham certa liderança, mas dependiam muito de
seus vassalos. Além disso, com o voto de pobreza que faziam os cavaleiros
templários, as arrecadações e depósitos recebidos pela Ordem ficavam
tão somente para a instituição, que passava a administrar tesouros
maiores que os dos reis.

OS TEMPLÁRIOS E AS CRUZADAS (2 AULA)

Conhecer a história real dos Templários, com todas as suas facetas e


nuances, é imprescindível para que não se crie um esteriótipo romântico,
como pode acontecer quando se apresenta somente o lado glorioso da
instituição. É verdade que existiram homens virtuosos entre os Templários.
Alguns até mereciam ser canonizados pelo exemplo de heroísmo e
fidelidade a Cristo. Mas a história dos Templários, como a de qualquer
outra instituição formada por homens pecadores, possui também episódios
vergonhosos que precisam ser conhecidos.

Lembremo-nos de que o grande defensor dos Templários foi São Bernardo


de Claraval. Esse apoio, vindo sobretudo de um santo aclamado ainda em
vida, foi importantíssimo. Numa época em que a sucessão do Romano
Pontífice costumava ser rápida, devido às graves crises políticas em que
se vivia, o apreço de Bernardo de Claraval pelos Pobres Cavaleiros de
Cristo deu a eles a aprovação de não somente um, mas de três Papas, no
intervalo entre o Concílio de Troyes e a conclamação da segunda cruzada.
Também foi São Bernardo o responsável pela convocação dessa nova
investida militar, já que os apelos do Santo Padre e do rei não foram o
bastante para convencer a população.

Em 1144, os muçulmanos conseguiram dominar o Condado de Edessa, uma


espécie de Estado "tampão", criado durante a primeira cruzada, para
impedir invasores de chegarem a Jerusalém. O fato despertou a
preocupação do Papa Eugênio III, levando-o a convocar uma nova cruzada
em defesa da Terra Santa. Mas o apelo foi praticamente ignorado. Coube,
então, a São Bernardo, a pedido do rei da França, Luís VII, a missão de
convencer os fiéis cristãos da necessidade daquela nova batalha.

A segunda cruzada, no entanto, foi um grande fiasco. O dique que


segurava a frágil posse dos cristãos latinos sobre Jerusalém começou a
rachar. 50 anos depois da primeira conquista, os cristãos viam-se cada vez
mais acuados. E o líder muçulmano, Nur ad-Din, finalmente, conseguiu
vencê-los. Os cristãos, embora exercessem domínio sobre a cidade,
sempre foram minoria em Jerusalém, se comparados ao contingente de
outras populações. Com o término da primeira cruzada, poucos guerreiros
ficaram na Terra Santa. A maioria preferiu retornar para casa. A defesa
de Jerusalém, portanto, era praticamente impossível, dada a força dos
invasores. Apesar de temerem os cavaleiros cristãos, os muçulmanos
encontravam-se em maior vantagem para lutar. Os Templários, graças ao
seu prestígio, conseguiam atrair vários guerreiros, mas o custo para
pertencer à Ordem — viagem, armadura, armas e cavalos — era altíssimo,
o que tornava a missão ainda mais difícil.

Com a ascensão do general Salazar Saladino ao poder, então, os


muçulmanos pararam de brigar entre si e se voltaram ao inimigo comum: os
cristãos. Em Kingdom of Heaven ("Cruzada", no Brasil), 2005, o diretor
inglês Ridley Scott tenta construir uma imagem caricatural dos
Templários, apresentando-os como verdadeiros monstros ao mesmo tempo
em que retrata o general Salazar Saladino como um homem misericordioso.
Ora, essa é mais uma grande bobagem do cinema. Os dois lados possuíam
pessoas cruéis, contaminadas com o pecado original. Saladino, longe da
moral ilibada com que é representado, ganhou o trono matando o próprio
povo. Embora tenha contribuído para uma mudança religiosa no Egito e
tenha vivido pacificamente com os cristãos da região por muito tempo, o
general curdo massacrou milhares de sudaneses, inclusive mulheres e
crianças, para chegar ao poder.

Paralelamente, no Reino de Jerusalém, ocorria uma série de sucessões


reais. Balduíno IV morrera, vítima de lepra, deixando em seu lugar o
pequeno Balduíno V, filho de Sibila. Esta, por sua vez, assumiu a regência
logo em seguida, com a morte repentina do herdeiro. É preciso notar agora
a importância das Ordens militares. Elas é que davam legitimidade ao
monarca, já que faziam a sua escolta e protegiam a cidade. Assim se
compreende o papel dos Templários, como também dos Hospitalários (ou
Ordem de Malta, uma ordem militar e de caridade que, igualmente aos
Templários, defendia os peregrinos de Jerusalém). O cofre onde eram
guardadas as joias do rei possuía duas chaves: uma para os Templários,
outra para os Hospitalários. Sibila foi coroada sob aprovação das duas
cavalarias. Mas, com a chegada de seu marido, Guido de Lusignan, alguns
constrangimentos eclodiram.

Sibila desejava ver o marido coroado rei. Não era, porém, a vontade dos
Hospitalários. Guido era uma espécie de "novo rico", por assim dizer, e não
comungava da simpatia da Ordem de Malta. Por outro lado, Geraldo de
Ridefort, o mestre dos Templários, e outro cavaleiro, Reinaldo de
Châtillon, apoiavam a rainha no desejo de coroar Guido. Então, mesmo
contra a vontade dos hospitalários, Guido de Lusignan tornou-se rei de
Jerusalém, ao lado de Sibila.

A essa altura, em 1186, Salazar Saladino já havia dominado grande parte


do território outrora cristão. O confronto das duas tropas tornou-se
inevitável. Era preciso uma estratégia ousada para derrotar os
muçulmanos. Inspirado em sua experiência em guerras, Raimundo de
Trípole, chefe dos cristãos, decidiu esperar até que o exército de
Saladino se desgastasse, visto que estavam no deserto. Vendo a sensatez
do plano, Guido de Lusignan aprovou os métodos de Raimundo. A vitória
estava certa. Todavia, munido de toda imprudência e temeridade — vícios
evidentemente contrários à regra de São Bernardo de Claraval —, Geraldo
de Ridefort convenceu o rei de que a melhor estratégia, naquele momento,
era o ataque. O erro de Ridefort custou a Cidade de Jerusalém.

Saladino venceu os cristãos na famosa Batalha de Hattin, em 1187. Foram


presos o rei Guido, 230 templários e Reinaldo de Châtillon. Este último, um
velho inimigo de Saladino, acabou mártir, após se recusar a converter-se
para o Islã. Guido de Lusignan, por sua vez, beneficiou-se da compaixão de
Saladino. "Um rei não mata outro rei", teria dito o general curdo ao rei
cristão.

O destino dos 230 templários não encontrou a mesma compaixão de


Saladino, alardeada pelo filme de Ridley Scott. Templários, na concepção
de Saladino, deviam ser mortos. Não se podia fazer com eles o que era
feito com outros tipos de prisioneiros, como negociações por propriedades
de terra, entre outras coisas. Prisioneiros comuns, quando soltos, fugiam
para outras regiões. Mas aqueles cavaleiros não eram prisioneiros comuns;
eram homens que haviam dado suas vidas pela Igreja, pela fé em Jesus
Cristo. Por isso, ou se convertiam ao Islã, ou deviam ser mortos. E, para
espanto do general muçulmano, nenhum dos 230 guerreiros vacilou na fé.
Preferiram a morte. Aqui se percebe o quão equivocadas são essas teorias
de que os Templários eram, na verdade, gnósticos infiltrados na Igreja.
Gnósticos não morrem por Jesus. Os Pobres Cavaleiros de Cristo eram
verdadeiramente bons cristãos.

A notícia de que Jerusalém havia sido tomada pelos muçulmanos caiu como
uma bomba na Europa. Não se admitia que a terra onde vivera Jesus
estivesse sob domínio dos pagãos. Uma nova cruzada foi organizada, agora
por três reis: Frederico Barba-Ruiva, Filipe Augusto e Ricardo Coração de
Leão. Foi a mais bem organizada de todas as cruzadas. Todavia, o jogo de
interesses acabou por miná-la pouco a pouco, levando os cruzados a um
novo fracasso.

ORGANIZAÇÃO E MISSÃO DOS TEMPLÁRIOS (3 AULA)

A Ordem dos Templários foi algo totalmente inédito na história da


Igreja*. Revolucionário, pode-se dizer. Em sua regra De laude novae
militiae, com a qual apresenta o perfil de um autêntico templário, São
Bernardo de Claraval conseguiu conciliar as virtudes necessárias a um
monge (mansidão, prudência, temperança) com as virtudes necessárias a
um cavaleiro (coragem, fortaleza, justiça), dando origem a uma
organização religiosa e militar que não era nem de monges, nem de
cavaleiros seculares. Não eram monges porque não podiam fugir do mundo.
Seu trabalho era precisamente entre as pessoas, oferecendo proteção aos
peregrinos e lutando contra os invasores de Jerusalém. Não é preciso
dizer o quão alheio ao espírito monástico isso significa. Por outro lado,
também não eram cavaleiros comuns, pois deviam combater os vícios da
alma: luxúria, soberba, ira, gula etc. Assim o santo explica: "Pretendo falar
de um novo tipo de cavaleiro, absolutamente desconhecido nas eras
precedentes, que, sem poupar energias, trava uma luta num duplo fronte:
uma luta contra a carne e o sangue, mas também contra os espíritos
malignos espalhados nos ares." [1] A realidade de Rolando e Olivier. Dois
guerreiros em um único cavalo. Tratava-se mesmo de algo inovador.

É claro que essa tensão entre vida monástica e secular geraria alguns
problemas práticos. Exemplo: a castidade era lei para todos os membros.
Mas como vivê-la? O cilício não poderia ser usado, porque era prejudicial à
saúde física. Como guerreiros, os Templários precisavam ser homens
fortes e totalmente aptos a uma batalha. O jejum monástico também
estava fora de cogitação. Era necessária uma alimentação suficientemente
nutritiva. São Bernardo de Claraval, com a clarividência típica de um
grande santo, soube encontrar a solução: uma alimentação frugal; nem
muito leve, nem muito forte. Ademais, os Templários não podiam ser
recrutados desde a infância, porque não era possível prever se aquele
menino seria um bom cavaleiro. Havia um teste entre os adultos. Por isso,
como no caso de Hugo de Payens, os Templários eram geralmente viúvos.
Como fosse uma época em que a expectativa de vida não era muito grande
— Ricardo Coração de Leão, por exemplo, morreu aos 42 anos —, existiam
muitos rapazes nessa situação.

Ademais, a regra de São Bernardo proibia estritamente conversas sobre


experiências sexuais. Também durante as guerras, quando era necessário
juntar-se aos cavaleiros seculares, os Templários deviam ficar em
alojamentos separados. Com isso, a Ordem visava protegê-los de
ambientes frívolos e assuntos imorais. Ora, todos eles eram homens já
vividos, com seus 30 ou 40 anos de idade, e queriam expiar seus pecados
passados. Trata-se, é verdade, de um conceito estranho para nossa
geração, dada a ênfase errônea que se coloca sobre a misericórdia divina,
como se o pecado não fosse uma coisa grave e o inferno não existisse. Mas,
aqueles cavaleiros desejavam indulgências pelo seu passado inglório. Era
uma oportunidade de fazer algo realmente importante em suas vidas.
Tratavam-se também de pessoas de fé, que acreditavam no dogma do
purgatório e, sobretudo, no que dizia Santo Tomás de Aquino: a menor
pena no purgatório é mais sofrível que a maior pena deste mundo, a cruz. E,
no meio de tantos homens, é óbvio, existiam aqueles com um histórico
sexual não muito publicável, por assim dizer.

Segundo São Bernardo de Claraval, quatro pontos eram essenciais para um


bom templário: vigor físico, coragem associada ao sentido de honra,
lealdade ao grupo e espírito de sacrifício. Essas virtudes também estavam
presentes no caráter de um cavaleiro comum; porém, ligadas aos vícios. O
uso desmedido da violência, a título de exemplo. Um cavaleiro secular não
tinha temperança no uso de sua força. Usava-a de forma indiscriminada. E
isso era motivo de orgulho, ou seja, de mais um pecado capital. A
arrogância fazia parte da vida de quase todo cavaleiro. O mesmo não se
podia dizer dos Templários. Graças à regra de São Bernardo, eles foram
capazes de encontrar uma humildade adequada à sua vocação. Vale a pena
ler esta censura do De laude novae militiae contra as vaidades dos
cavaleiros seculares:
Vós ajaezais os cavalos com panos de seda, e sobre as
armaduras trazeis não sei quantos véus flutuantes. Pintais
as lanças, os escudos e as celas. Guarneceis com ouro, prata
e gemas as rédeas e as esporas. Cultivais uma cabeleira
como a das mulheres, que constitui obstáculo para a vista.
Dificultai o andar com túnicas longas e vaporosas. Escondeis
tenras e delicadas mãos em amplas mangas envolventes.

Por mais que se considerem as exortações de São Bernardo apenas


idealizações — é o que pensa a nossa historiadora Bárbara Frale —, não se
pode contestar a eficácia de sua regra. Os Templários eram treinados
para aprender a obedecer. Existia um esquema de humilhação da pessoa,
ao mesmo tempo em que se incentivava o orgulho por pertencer à
instituição. É verdade, muitos excessos aconteceram. Falaremos deles nas
próximas aulas. Mas notem: no treinamento militar, mesmo no atual, uma
das coisas mais importantes para a formação de um bom soldado é fazê-lo
dobrar-se ao superior. O bom soldado não pensa, obedece. E isso se torna
evidente quando se observa a altivez natural de todo ser humano. É
preciso uma escola de humilhação.

No início, o templário devia obediência apenas ao mestre. Foi somente


depois, com o crescimento da Ordem e a divisão em províncias, que surgiu
a figura do grão-mestre. Ele, que era escolhido por meio de uma eleição,
possuía jurisdição sobre todos os membros. Todos lhe eram submissos,
inclusive os procuradores e tesoureiros das várias províncias. Qualquer
gasto só podia ser autorizado pelo grão-mestre. Vejamos o caso de São
Luís da França, na sétima cruzada. Após conquistar Damieta, no Egito, o
monarca francês quis tomar a cidade do Cairo. Mas a batalha acabou em
um grande desastre. São Luís foi aprisionado em Mansurá, e só poderia
ser solto mediante o pagamento de um resgate. Problema: o grão-mestre
dos templários havia morrido durante a batalha e, por isso, o tesoureiro
não podia tocar no tesouro, pois não tinha permissão. A solução foi um
assalto. Eis a obediência de um templário.

Vejamos mais uma exortação de São Bernardo à Ordem:


Corte o cabelo curto, convencido do dito do apóstolo, que é
uma vergonha para o homem tratar da cabeleira. Nunca
penteados, raramente lavados. Apresentem-se de barba
enxuta, fétidos de poeira, a pele escura pelo uso da couraça
e pelos raios de Sol.

Em uma sociedade como a nossa, marcada pelo pensamento esquerdista —


igualitarismo, coletivismo e repúdio a tudo o que cheira hierarquia —, a
regra de São Bernardo é escandalosa. Não se concebe que um recruta seja
humilhado. Os Templários, no entanto, foram uma ordem eficaz, enquanto
se mantiveram fiéis aos ensinamentos de São Bernardo, precisamente
porque agiram inspirados pela obediência e pela lealdade. O testemunho
dos cavaleiros, que, no famoso Cerco de Antioquia, quando os muçulmanos
já estavam prestes a tomar toda a cidade, bloquearam o caminho com o
próprio corpo, a fim de defender os cristãos, fala mais alto que qualquer
crítica. Enquanto os mundanos debandavam, a grande maioria dos
Templários mantinha-se resistente.

DECLÍNIO E EXTINÇÃO DOS TEMPLÁRIOS (4 AULA)

1291. É um ano decisivo para a história dos Templários. Com a tomada de


Acre pelos muçulmanos, os Pobres Cavaleiros de Cristo têm a sua última
grande batalha em defesa da Igreja. São João do Acre (hoje, um distrito
de Israel) era o único reino cristão que restara após todos os confrontos
das Cruzadas. Perdê-lo significaria uma tragédia. Mas o destino, ou a
providência divina, haveria de selar aquele momento com uma derrota para
a cristandade. O saldo de mortos foi enorme. A fortaleza dos Templários,
onde os cavaleiros haviam escondido alguns cidadãos para protegê-los da
guerra, foi palco de uma cena horrível: devido à pressão do exército
muçulmano, o prédio acabou ruindo. A maioria morreu soterrada. Os
cavaleiros sobreviventes fugiram para a ilha de Chipre, onde escolheram o
novo grão-mestre da Ordem: Jacques de Molay.

Nascido em 1244, em um pequeno vilarejo francês chamado Vitrey,


Jacques de Molay entrou muito cedo para a Ordem: aos 21 anos. Serviu
durante toda a sua vida em Jerusalém, envolvendo-se em várias guerras.
Como grão-mestre, ao perceber o risco que a Ordem corria pelo fim
dos Estados cristãos, já que a razão da existência dos cavaleiros de São
Bernardo era precisamente a proteção desses reinos, quis convencer o
papa a iniciar uma nova cruzada.

O clima político, no entanto, era bastante desfavorável a uma nova marcha


para Jerusalém. Dois grandes monarcas — Filipe IV, da França, e Eduardo
I, da Inglaterra — brigavam entre si. As guerras e os conflitos
diplomáticos pululavam, arrastando os dois reinos a uma dívida terrível.
Filipe IV (também conhecido como Filipe, o Belo), vendo o declínio da
economia francesa e a escassez de recursos para financiar seu exército,
decidiu cobrar impostos do clero, algo então proibido. A medida, como era
de se esperar, não agradou nem um pouco ao papa. A repreensão não
tardou. Em 1296, Bonifácio VIII emitiu a Bula Clericis laicos, rechaçando
severamente a política do rei Filipe. E, assim, iniciava-se outro conflito;
agora, entre a Santa Sé e a monarquia francesa.

Bonifácio VIII era um homem decidido, cujo intuito principal era a


reorganização da Igreja. O estilo contundente e incisivo, porém, chocava-
se com o de alguns membros da cúria, gerando antipatias, oposições e até
acusações graves. A Igreja, como o resto do mundo, vivia um período
conturbado. São Celestino V há pouco havia renunciado ao papado. O Trono
de Pedro exigia não somente um santo, mas um bom administrador, que
soubesse pôr ordem na casa. Surgiu então o imponente Bonifácio VIII,
muito diferente da figura tímida e frágil de seu predecessor. Não
demorou muito para que essa personalidade forte se chocasse com os
interesses da monarquia francesa.

Dois importantes cardeais ajudaram a alimentar a crise. Durante uma


viagem em que se trazia certa quantia de dinheiro para a Santa Sé, a
comitiva papal foi assaltada. Tempo depois, descobriu-se que o roubo havia
sido planejado por dois purpurados da família Colonna, velha inimiga do
Santo Padre e armadora de intrigas dentro do Sacro Colégio. Bonifácio
VIII não hesitou um momento. Depôs os dois traidores. Mas a briga não se
encerrou por ali. Os mesmos cardeais, sedentos de vingança, começaram a
lançar dúvidas sobre a eleição de Bonifácio. Filipe embarcou nas mentiras,
acusando o papa de ser um herege satanista. Era seu conselheiro e
chanceler Guilherme de Nogaret, um político maquiavélico e ambicioso,
quem o encorajava a atacar a autoridade pontifícia com toda espécie de
intrigas e invencionices. Anos mais tarde, ele também se voltaria contra os
Templários [1].
O auge da tensão entre a coroa francesa e a Santa Sé se deu com a
publicação da Bula Unam Sanctam, na qual Bonifácio VIII afirma a
supremacia papal. Foi um verdadeiro terremoto, sobretudo para Filipe IV,
que, àquela altura, mais envenenado do que nunca pelo seu chanceler,
desejava estabelecer uma espécie de cesaropapismo. Em 1303, mesmo sob
ameaça de excomunhão, o monarca francês convocou um Concílio para
destituir o Santo Padre. A resposta foi imediata. Bonifácio VIII, com a
bula Super Patri Solio, excomungou Filipe, para ira do rei e de seu
conselheiro.

A confusão entre Bonifácio VIII e Filipe IV resultou numa das páginas


mais tristes da história pontifícia: O Atentado ou Bofetada de Anagni.
Era verão e, como de costume, o Papa descansava em seu palácio, em
Anagni, quando uma tropa de 600 homens, liderada por Guilherme de
Nogaret, invadiu a cidade, exigindo a renúncia de Bonifácio VIII. "Eis a
minha cabeça, eis a minha tiara: morrerei, é certo, mas morrerei papa",
teria replicado Sua Santidade ao chanceler [2]. Diz a lenda que Nogaret,
ouvindo o desaforo do papa, mandou que o esbofeteassem — daí o
nome Bofetada de Anagni. Após a morte de Bonifácio VIII, humilhado e
com graves problemas mentais depois do ocorrido no palácio de férias, e
com o falecimento repentino — e, ainda hoje, misterioso — de seu
sucessor Bento XI, subiu à Cátedra de Pedro o Cardeal Bertrand de Gouth.
Um francês. Qui sibi nomen imposuit Clemens V [3].

Clemente V foi coroado papa em Lyon, na França [4]. O Santo Padre


desejava criar um clima mais diplomático com o rei Filipe, depois de todas
aquelas polêmicas com Bonifácio VIII. Nota: Clemente V era um homem de
fé católica. Acreditava nos dogmas da Igreja, nas Sagradas Escrituras, na
Tradição Apostólica etc. Mas não possuía a fortaleza de seu teimoso
predecessor. E, por isso, terminou por ceder às pressões do rei e, para
não destruir a Igreja — concluía ele —, destruiu os Templários.

Como tudo aconteceu? Filipe IV queria mais dinheiro. A economia francesa


estava um completo desastre. Como a população estivesse irada e
praticamente disposta a derrubá-lo do trono, o rei pediu abrigo à
fortaleza dos Templários na França. Nesta estadia, o rei descobriu a
enorme fortuna que os Templários franceses possuíam. A seu pedido, uma
quantia considerável lhe foi emprestada. Esse dinheiro, no entanto,
deveria ser usado para a nova cruzada, desejada por Jacques de Molay.
Quando o grão-mestre soube do empréstimo, ficou furioso e decidiu
expulsar seu tesoureiro. A decisão levou a uma série de conflitos entre o
rei, o papa e alguns membros da cavalaria. Com efeito, veio a grande
bomba: a acusação de que os Templários seriam hereges, apóstatas e...
sodomitas. Foi o provincial francês da Ordem, Hugo de Pairaud, o
responsável por trazer os escândalos à tona, provocando a abertura do
processo que levaria os Pobres Cavaleiros de Cristo à extinção.

Guilherme de Nogaret infiltrou alguns membros entre os Templários, a fim


de descobrir mais dificuldades. No interrogatório, porém, os pontos
problemáticos resumiam-se ao Rito de Iniciação. Segundo depoimentos, os
neófitos eram submetidos a algumas humilhações graves como, por
exemplo, oscular partes íntimas do corpo do superior. Além disso, havia o
teste de obediência: o rapaz recém admitido era torturado até blasfemar
contra Cristo.

De fato, não se pode duvidar da autenticidade dessas acusações. O


famoso Pergaminho de Chinon, no qual se encontra a assinatura de vários
templários confessando suas práticas, inclusive a de Jacques de Molay,
desfaz qualquer suspeita. O Rito de Iniciação dos Templários, embora não
estivesse previsto na regra original de São Bernardo de Claraval, padecia
mesmo de sérios problemas. Contudo, o testemunho de fidelidade a Cristo
e à Igreja que os Templários deram ao longo dos séculos, ora pelas
guerras em defesa dos cristãos, ora pelo próprio martírio, afasta também
as acusações de que seriam hereges, apóstatas ou sodomitas. O Rito de
Iniciação, em que pese o erro e a gravidade, tratava-se apenas de algo
simbólico. Não possuía relevância para a formação dos membros da Ordem.
Por isso, não se justifica a sua extinção. O processo que os condenou não
passou de uma grande jogada política: não se procurou a verdade, mas a
condenação de um inocente [5]. O rei queria resolver o problema
econômico da França e tomar o lugar do Papa como autoridade religiosa.

Clemente V, ciente de que não existia base suficiente para uma


condenação, quis absolver os Templários. Doente, todavia, o Santo Padre
não teve condições de enfrentar a oposição de Filipe IV. E, em 1314, a
Ordem acabou dissolvida, tendo seus membros e pertences direcionados
para outras instituições semelhantes [6]. Jacques de Molay, por sua vez,
também não escapou da fúria de Filipe IV. Mas sua pena foi mais dura.
Mesmo inocente, foi condenado à fogueira por crime de heresia. Eis as
suas últimas palavras, no dia de sua morte [7]:
Senhores, ao menos, deixai-me unir um pouco minhas mãos e
a Deus fazer uma oração, pois esta é a época e a ocasião.
Vejo aqui meu julgamento em que morrer me convém
livremente. Deus sabe quem errou e pecou. Logo chegará o
infortúnio àqueles que nos condenaram erroneamente. Deus
vingará nossa morte. Senhores, sabeis, sem calar, que todos
os que nos são contrários, por nossa causa irão sofrer.
Nesta fé quero morrer. Eis minha fé. E vos peço que, para a
Virgem Maria, de quem Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu,
volteis o meu rosto.

Aos 72 anos de idade, Jacques de Molay morreu queimado em uma ilha,


olhando para a Catedral de Notre Dame, de Paris. A Ordem dos
Templários, organizada por São Bernardo de Claraval, nasceu sob os
auspícios de Nossa Senhora e morreu voltada para os mesmos
misericordiosos olhos da Mãe de Deus.

TEMPLÁRIOS: LEGADO E FICÇÃO (ÚLTIMA AULA)

Jacques de Molay, o último grão-mestre dos Templários, chegou ao fim da


vida como um criminoso. Antes de ser morto em uma fogueira, porém,
proferiu um discurso feroz contra seus algozes: "Deus sabe quem errou e
pecou. Logo chegará o infortúnio àqueles que nos condenaram
erroneamente. Deus vingará nossa morte." [1] É claro que palavras tão
duras não deixariam de suscitar certo thriller. A Ordem dos Templários,
vimos na aula anterior, foi dissolvida não porque era gnóstica, herética ou
algo parecido [2]. Também não se tratou de uma reação aos grotescos
métodos do Rito de Iniciação. O próprio Pergaminho de Chinon, como
revelou a nossa já conhecida historiadora Bárbara Frale, mostra que
Clemente V ia absolver a cavalaria de São Bernardo de Claraval. Jacques
de Molay era inocente. Foram as pressões de Filipe IV, maquiavelicamente
planejadas por seu conselheiro Nugaret, que levaram à injusta condenação
dos Pobres Cavaleiros de Cristo e de seu último grande líder.
É de um senhor chamado Geoffrey de Paris, uma testemunha ocular do
assassinato Jacques de Molay, o relato sobre o terrível discurso. Para
espanto geral, em pouco menos de um ano, os principais personagens
envolvidos no processo de condenação do último grão-mestre dos
Templários estavam mortos [3]. A série de estranhas coincidências, era
óbvio, despertou a fértil imaginação de alguns italianos. E, assim, graças,
sobretudo, a um cartunista chamado Ferreto de Vincenza, nasceu o
primeiro mito sobre os Templários: a maldição de Jacques de Molay.

A lenda criada por Vincenza dizia que o líder dos Pobres Cavaleiros de
Cristo havia dado um prazo de um ano para a morte de seus inimigos. Nota:
Guilherme de Nugaret já estava morto na época. Ora, não se pode atribuir
uma maldição a quem já havia falecido. Clemente V, por sua vez,
encontrava-se moribundo. Sua morte repentina não era, pois, imprevisível.
O inusitado na história seria tão somente o falecimento de Filipe IV, aos
46 anos de idade, devido à queda de um cavalo, após um derrame. Em que
pese a veracidade ou não da lenda, no entanto, trata-se simplesmente de
um suspense inofensivo. Todos os cronistas do período haviam se
posicionado a favor de Jacques de Molay. Estavam convencidos de que era
inocente das acusações e vítima de um conluio. Por isso, não há por que se
preocupar.

Muito diferente é o caso da Maçonaria. 450 anos após o trágico fim dos
Templários, quando não existia qualquer dúvida a respeito da
determinação de Clemente V para que os extinguissem, surge a teoria de
que a Ordem de São Bernardo era, pasmem, uma sociedade secreta. Foi o
início do que podemos chamar de Templarismo.

A Maçonaria sempre gostou de pseudo histórias. A razão para isso é a


necessidade de convencer as pessoas a se inscreverem em suas lojas. Os
maçons surgiram como um típico clube inglês, desses que fazem a cabeça
de onze a cada dez rapazes britânicos. Com vistas a atrair um número
maior de adeptos, os membros começaram a propagar a ideia de que, na
verdade, a Maçonaria teria se originado de um grupo de pedreiros
medievais. O conto fez sucesso na Inglaterra. Mas, frente a uma
sociedade nobiliárquica e aristocrática como a francesa, seria preciso
muito mais que uma historinha de pedreiros para engambelar os
contemporâneos de Rousseau, Voltaire e Diderot.

Em 1737, Andrew Michael Ramsay, um maçom escocês popularmente


conhecido como Chevalier Ramsay, teve a grande sacada de relacionar a
origem da Maçonaria às Cruzadas — e, mais especificamente, a alguns
cavaleiros desejosos de descobrir a arte para a construção do Templo de
Salomão: "Nossos ancestrais, os cruzados, reuniram-se, vindos de todas as
partes da cristandade, na Terra Santa, desejando assim reunir em uma
única fraternidade os indivíduos de todas as nações." [4] Era o impulso que
a organização precisava para deixar de ser um simples clube inglês,
supostamente fundado por pedreiros medievais, e tornar-se uma
instituição poderosa, ligada às figuras mais importantes da Idade Média e
da antiguidade: os reis, os príncipes, os nobres, os duques, os barões e,
principalmente, os cavaleiros. A França ficou de joelhos.

Ramsey contava que "as palavras de guerra que os cruzados diziam uns
para os outros para resguardá-los das surpresas dos sarracenos, que
frequentemente surgiam entre eles para matá-los", eram, na verdade, os
segredos transmitidos pelo pacto de honra com os Cavaleiros de São João
de Jerusalém. Detalhe: os Cavaleiros de São João de Jerusalém não eram
os Templários, mas os Hospitalários. Ramsey nunca disse algo sobre a
Ordem de São Bernardo de Claraval. Os Templários apareceram depois.
Ademais, a essa fantasia absurda, o chevalier escocês acrescentou o culto
às deusas Ceres, Ísis, Minerva, Diana etc. Isso dava um simbolismo maior à
Maçonaria. Não é por acaso que os três primeiros graus dos maçons têm
nomes de pedreiros e os 30 restantes — os graus filosóficos — recebem
nomes de cavaleiros cruzados.

Aqui deve ser feita a pergunta: como pessoas influenciadas pelo


Iluminismo, dito o criador do século da razão, o pai do esclarecimento, o
remédio para o obscurantismo medieval e supersticioso, foram
literalmente seduzidas pelo canto de sereia da Maçonaria? Há uma
explicação. O Iluminismo mudou a mentalidade social. Na Idade Média,
havia uma clara distinção entre o que era competência da ciência natural e
o que era competência da filosofia e da teologia. A ciência, sabemos, é
apenas um recorte da realidade. Não oferece respostas a tudo. Que
fazemos neste mundo?, por que vivemos?, para onde vamos? São perguntas
formuladas à filosofia e à teologia. Essas duas disciplinas são o que nos
serve as premissas válidas para nosso conhecimento sobre o mundo. Era
assim, ao menos, na Idade Média. Com o Iluminismo, a deusa razão ocupou
o lugar da filosofia e da teologia. O chão em que a sociedade pisava lhe foi
arrancado, restando-lhe somente o misticismo esotérico, já que a ciência
moderna, com suas sucessivas refutações e negações de autores, não é
capaz de explicar as verdadeiras dúvidas da humanidade. Não é de pouca
monta que a maioria dos pensadores e cientistas iluministas é formada por
esotéricos — Newton era um alquimista. Homens da ciência, céticos
empedernidos, capazes de acreditar nos contos mais estapafúrdios da
literatura [5].

Que dizer de uma sociedade, considerada tão crítica e intelectualmente


desenvolvida, que confia em um romancista metido a historiador como
Keith Laidler, por exemplo? Esse senhor é autor de um livro no qual, não
se sabe com que autoridade, documentos ou evidências, afirma ter
descoberto a origem do famoso Baphomet, uma divindade teoricamente
adorada pelos Templários. Segundo Laidler, Baphomet seria, acreditem, a
cabeça embalsamada de Cristo, encontrada pelos cavaleiros templários
durante os primeiros anos em que a Ordem viveu no Templo de Salomão.
Não. Não é piada. Keith Laidler escreveu mesmo isso. E há quem considere
um despautério não dar crédito a pseudo historiografias como as desse
autor e outros similares. "Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja,
muitas vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o
relativismo" — dizia certo cardeal —, "isto é, deixar-se levar 'aqui e além
por qualquer vento de doutrina', aparece como a única atitude à altura dos
tempos hodiernos." [6] Os marxistas pensam assim. Os psicanalistas
pensam assim. Os maçons pensam assim. A fé sem a razão é cega. A razão
sem a fé é louca.

Neste contexto, surgiram inúmeros charlatães, ora em busca de sucesso


pessoal, ora dedicados ao sucesso da Maçonaria. Na Alemanha, George
Frederick Johnson começou a vender falsos títulos nobiliárquicos de
cavaleiros templários. A trapaça se garantia por meio de uma lenda
segundo a qual os essênios teriam segredado uma missão aos Cônegos do
Santo Sepulcro, e que, agora, essa missão estaria a cargo dos Grão-
Mestres da Maçonaria [7]. Somente quem chegasse aos últimos graus da
instituição desvelaria o segredo.

Um pastor protestante, professor da mesma universidade onde Kant


lecionava na época, acreditou na conversa. Seu nome era Johann August
Starck. A fim de progredir profissionalmente, Starck propagou o conto
sobre os Templários e a Maçonaria, levando muitos a crerem na existência
do Baphomet e de outros tesouros lendários. Nesse grupo se inclui o
príncipe alemão Fernando de Brunswick. O soberano do Sacro Império
Romano-Germânico chegou a fazer uma longa viagem pela Europa, em
busca dos líderes maçônicos. Ao pedir respostas sobre os Templários,
numa carta dirigida ao conde Joseph de Maistre, um maçom que mais
tarde se tornaria um importante conservador, o príncipe obteve a seguinte
resposta: "Le fanatisme les créa, l'avarice les abolit :voilà tout. — O
fanatismo os criou, a avareza os destruiu. E isto é tudo". Nada
surpreendente, vindo de um maçom.

Em 1776, na famosa Baviera, a Maçonaria foi responsável pela criação de


outro personagem misterioso envolvendo os Templários: os Illuminati.
Tratava-se de um grupo que, de acordo com seu fundador, Adam
Weishaupt, deveria obediência aos superiores desconhecidos. Os
Illuminati, além do caráter secreto e esotérico, tinham pretensões
revolucionárias. Por isso, acabaram abolidos, em 1785, pela polícia alemã. O
curto tempo de vida do grupo, no entanto, não foi o suficiente para
sufocar a aparição de outras histórias fantasiosas. Algo curioso entre as
sociedades secretas é que elas nunca mantêm segredos. Pelo contrário,
são as que mais fazem panfletagem de suas intenções. Charles-Louis Cadet
de Gassi, por exemplo, espalhou aos quatro cantos a Histoire secrète et
abrégée des initiés anciens et modernes, templiers, francs-maçons,
illuminés, inspirando anarquistas, conspiradores e revolucionários. Dentro
da Igreja, por sua vez, a coincidente condenação dos papas aos Templários
e aos Jesuítas fez com que a dúvida esotérica também deitasse raízes
sobre a Companhia de Jesus. Foi o padre jesuíta Augustin Barruel quem
teve o trabalho de desfazer o equívoco. Mas custou um preço: defendendo
os jesuítas, padre Barruel acabou reproduzindo os mesmos estereótipos
dos maçons em relação à Ordem de São Bernardo de Claraval e aos
Illuminati. As meias explicações do sacerdote podem ser lidas no seu
livro Illuminati: O Código Iluminado.

O Templarismo em nosso dias

A literatura ficcional contemporânea também se encarregou de escrever


algumas páginas mirabolantes para os Templários. Tudo começou no século
XIX, com o escritor Sir Walter Scott. Em um livro chamado The Talisman,
de 1825, Scott lançou as bases para o que mais tarde viria a ser o filme do
seu quase homônimo Sir Ridley Scott. Assim como em Kingdom of Heaven,
2005, The Talisman retrata Ricardo Coração de Leão como um homem
cruel e inescrupuloso, enquanto Saladino aparece como compassivo e
misericordioso. Os Templários são tachados de zelotes religiosos
devotados à luxúria e ao assassinato. Como contraste, os Hospitalários são
bonzinhos e, vejam só, críticos da religião.

Na esteira do que já se havia escrito, Michael Baigent, Richard Leigh e


Henry Lincoln publicam The Holy Blood and the Holy Grail (O Santo Graal
e a Linhagem Sagrada), agora em 1982. O enredo é bastante familiar:
Jesus e Maria Madalena se casaram, gerando o que futuramente seria a
dinastia merovíngia. Durante o movimento das Cruzadas, com a descoberta
de textos antigos que continham esse segredo, criou-se uma sociedade
secreta — o Priorado de Sião —, a fim de que ela restaurasse o poder da
linhagem de Jesus num governo europeu — uma clara alusão à União
Europeia. Os Templários eram o braço armado do priorado. Os monarcas
franceses e a Igreja Católica, porém, não gostaram da ideia. Por isso,
ainda hoje o Santo Graal (a linha de sangue de Jesus) é escondido a sete
chaves. A mesma ladainha é repetida por Lynn Pickett e Clive Prince,
apenas com algumas modificações. Em The Templar Revelation: Secret
Guardians of the True Identity of Christ (A Revelação dos Templários –
Os guardiões secretos da verdadeira identidade de Cristo), de 1997, lê-se
a seguinte pérola: Jesus, um rival e ex-discípulo de João Batista, fundou
uma religião que não tem nada a ver com o cristianismo, mas com o culto a
Ísis. Essa nova religião nasceu de uma relação sexual ritualizada entre
Jesus e Maria Madalena — que Deus os perdoe por essa blasfêmia infeliz —, em que
ambos teriam o mesmo poder. A malvada Igreja Católica, não surpreende, escondeu esses
fatos. Mas um grupo de seguidores de Jesus manteve a fé viva: os gnósticos, os cátaros
e… os Templários. Isso explica por que a Igreja os condenou por heresia. Ela só não
esperava que Leonardo Da Vinci deixasse códigos em suas pinturas para que as pessoas
fossem capazes de descobrir a mentira. And last but not least, em 1998, é lançado o mais
ridículo de todos: The Head Of God: The Lost Treasure of the Templars (A cabeça de
Deus: O tesouro perdido dos Templários), de Keith Laidler, sobre a suposta cabeça
embalsamada de Jesus. Falamos do dito cujo anteriormente.

Que resta a dizer, então, sobre O Código da Vinci, de 2003? Ora, evidentemente, não
precisamos explicar mais nada sobre a farsa criada por Dan Brown, a não ser a criminosa
inserção do Opus Dei no meio da confusão. Dan Brown fez aquilo tão somente para criar
uma caricatura grotesca da obra fundada por São Josemaria Escrivá e, assim, afastar as
pessoas de qualquer coisa relacionada ao Opus Dei. Quem conhece o trabalho admirável
dos numerários, super-numerários e outros membros da Prelazia, sabe o quão importante
é a Obra para a Igreja nos dias de hoje. Cilícios dilacerantes só existem na cabeça de
escritores medíocres. Somente um contumaz inimigo da Igreja Católica para inventar
tamanha mentira como a desse filme. O descalabro chega a um nível tão absurdo, que Dan
Brown comete a gafe imperdoável de colocar um monge albino como membro do Opus Dei,
quando o carisma dos filhos de São Josemaria Escrivá é exclusivamente a vida secular:
"Amo os religiosos, e venero e admito suas clausuras, seus apostolados, seu afastamento
do mundo — seu contemptus mundi —, que são outros sinais de santidade na Igreja. Mas
o Senhor não me deu vocação religiosa, e desejá-la para mim seria uma desordem" [8].

Em suma, são esses os principais mitos em torno da Ordem dos Templários. Devido à
perda de seus arquivos, durante a invasão dos muçulmanos à Ilha de Chipre, uma lacuna
foi aberta na vida e obra dos Pobres Cavaleiros de Cristo. E isso sempre será uma
oportunidade imperdível para teóricos da conspiração e, como se viu, carreiristas e
charlatães inimigos da fé.

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