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O regime especial de fronteira na cidade de Tabatinga-AM: implementação,

fiscalização e controle aduaneiro.

Cristiano de Sousa Demboski (Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública)


cristiano.demboski@gmail.com
Viviane Costa Novo (Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública)
vivicostanovo@bol.com.br

Resumo: ​A região da tríplice fronteira amazônica, formada por Brasil, Peru e Colômbia, sempre
demandou atenção especial por parte das administrações públicas devido às dificuldades de se
fomentar o desenvolvimento e crescimento econômico da região. As grandes distâncias, dificuldade
de acesso e a ausência de infraestruturas de transporte e comunicação adequadas sempre foram
desafios enormes para essas localidades isoladas dos centros financeiros de seus respectivos países.
Convencidos de que as tentativas de implementações de regimes tributários individuais em cada
uma das cidades levou ao esgotamento do modelo devido à falta de cooperação regional, Brasil e
Colômbia decidiram investir na saudável integração econômica para buscar um desenvolvimento
mútuo às suas cidades de fronteira: Tabatinga e Letícia. Nesse contexto a análise do método
empregado, utilizando-se da liberalização do comércio internacional, por meio da criação de uma
atípica Área de Livre Comércio entre as duas cidades e do relaxamento dos requisitos aduaneiros
para importação e exportação, revela um modelo que, combinado com uma correta administração e
fiscalização aduaneira, pode ser replicado em outras cidades gêmeas de fronteiras brasileiras,
gerando excelentes benefícios econômicos e prosperidade para essas regiões. A facilidade de acesso
ao regime especial, a disseminação das informações e do conhecimento para os pequenos
empresários e os benefícios fiscais generosos são peças chave para o sucesso desse modelo.

Palavras-chave​: fronteira amazônica, tríplice fronteira, integração econômica, administração


aduaneira, regime especial de fronteira.

1. Introdução
Durante as últimas décadas as relações econômicas entre países têm vivenciado severas
transformações, passando de um modelo de localidades isoladas cujo objetivo inicial era importar a
menor quantidade de produtos possível (e em decorrência exportar ao máximo), seguindo a lógica
do mercantilismo, para uma economia globalizada e conectada, em que a alocação dos fatores
produtivos (terra, capital e trabalho) está sendo otimizada pela complementaridade de atributos de
cada nação.
Nesse contexto de integração, desafios estão sendo superados por meio de negociações e
marcos legais importantes, buscando harmonizar as regras econômicas e facilitar a circulação do
capital. Um dos primeiros níveis dessa integração pode ser obtido através de normas aduaneiras e
acordos comerciais de livre comércio e os casos internacionais têm apontado uma realidade em que
todos os atores envolvidos percebem um ganho econômico substancial nesse movimento.
Foi com esse espírito que as repúblicas do Brasil e da Colômbia, firmaram, em 2008, após
longa rodada de negociações, um acordo para estabelecimento do Regime Especial Fronteiriço para
as cidades de Tabatinga, Brasil, e Letícia, Colômbia, ratificado no Brasil apenas em 2015, pelo
decreto 8596/2015.
O objetivo deste acordo é a total integração econômica entre as cidades, dependentes
mutuamente de suas economias e que, ao longo do tempo, foram naturalmente tornando-se
complementares. A norma busca eliminar as barreiras alfandegárias e tributárias na importação e
exportação de produtos realizadas entre as duas cidades, promovendo a facilitação comercial
fronteiriça.

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Neste trabalho serão analisados inicialmente os aspectos geográficos e econômicos que
levaram Brasil e Colômbia a dispensarem atenção especial para essas localidades. Em seguida as
principais medidas legais utilizadas para prover competitividade econômica para a região, e, por
fim, a implementação prática do acordo concretizado pela Instrução Normativa 1.798, editada pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil em 15 de março de 2018, normas e técnicas utilizadas para
estabelecimento deste regime especial, as implicações jurídicas, o formato da administração
aduaneira e os impactos decorrentes desta implementação.

2. Referencial Teórico
2.1 Geografia
Composta por cerca de 65 mil habitantes (IBGE, 2019), a cidade de Tabatinga localiza-se no
sudoeste do estado do Amazonas, mais precisamente na microrregião do Alto Solimões, zona de
fronteira tríplice com a Colômbia (cidade de Letícia) e com o Peru (ilha de Santa Rosa).
A cidade é banhada pelo rio Solimões, principal meio de transporte, de movimentação de
mercadorias e ambiente de exploração econômica, principalmente através da pesca. As
infraestruturas de transporte presentes consistem em um Aeroporto Internacional, um porto público
e diversos portos privados com diferentes capacidades.

 
Figura 1: A Região da Tríplice Fronteira - Fonte: Google Maps

Tabatinga encontra-se no extremo oeste do estado do Amazonas, afastada por cerca de 1100
km da capital, Manaus.

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Do outro lado da fronteira brasileira, em território colombiano, encontra-se a cidade de
Letícia, capital do departamento do Amazonas (equivalente a um estado brasileiro). Sua
infraestrutura apresenta uma rede bancária de boa capilaridade, biblioteca pública e até um museu,
podendo assim ser considerada uma cidade provida de bons equipamentos urbanos (RIBEIRO,
2015), especialmente quando comparada ao lado brasileiro da fronteira.
Conforme se observa na figura 1, e de acordo com os mais recentes dados de estimativa
populacional do IBGE (2019) e do DANE (2019) as cidades de Tabatinga (Brasil) e Letícia
(Colômbia) estão conurbadas e juntas perfazem um total de cerca de 108 mil habitantes,
interligados por acesso rodoviário de forma contínua e ininterrupta.
Este fenômeno é conhecido como a formação de “cidade gêmea”, as quais são, conforme a
definição:
​“(...) adensamentos populacionais, cortados pela linha de fronteira, seja esta seca ou
fluvial, articulada ou não por obra de infra-estrutura, apresentam grande potencial de
integração econômica e cultural assim como manifestações localizadas dos problemas
característicos da fronteira” (MACHADO, 2005, pg. 256).

Devido à proximidade e a facilidade de acesso, as cidades possuem uma dinâmica


inteiramente compartilhada em que as deficiências de uma localidade são supridas pela outra e vice
versa.
Essa aglomeração urbana encontra-se geograficamente isolada dos demais polos comerciais
dos três países limítrofes por grandes distâncias (figura 2): Bogotá-COL (1095 km), Manaus-BRA
(1100 km) e Iquitos-PERU (371 km). A situação é agravada pela completa ausência do acesso
rodoviário, sendo os únicos modais disponíveis o aéreo e o hidroviário, fato que aumenta
consideravelmente os custos de fornecimento de mercadorias, deslocamento de pessoas e de
comunicações com a localidade.

Figura 2: O Isolamento da região em relação aos demais pólos comerciais. Fonte: Google Maps

2.2 Logística e Abastecimento


O cenário de isolamento apresentado pela localização geográfica leva à grandes desafios na
seara econômica e logística:
‑ Tabatinga: depende do abastecimento vindo da capital do Amazonas, Manaus, executado
exclusivamente pelo eficiente, porém lento, transporte fluvial. O modal aéreo é praticamente
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descartado devido aos altos custos e baixa disponibilidade de empresas aéreas na região (em
Setembro de 2019, apenas a empresa aérea Azul oferecia voos regulares para a cidade). Já o meio
de transporte rodoviário, conforme acima mencionado, inexiste na região;
‑ Letícia: enfrenta dificuldades logísticas ainda mais graves. A estrada Letícia-Tarapacá nunca
foi concluída. Já a opção fluvial é limitada pois os rios próximos (Amazonas e Içá) estão fora das
fronteiras colombianas levando a custos extras com a burocracia do trânsito internacional
(desembaraço aduaneiro e taxas alfandegárias). Por essas razões a cidade depende fortemente do
caro transporte aéreo. Essa dependência fica clara quando analisamos que, apesar de Letícia possuir
menos de 0,1% da população colombiana, o aeroporto local (Vásquez Cobo) movimentou, até junho
de 2019, cerca de 1,5% de toda a carga aérea transportada na Colômbia. (AEROCIVIL, 2019);

A situação apresentada pode ser complementada por meio da análise de características dos
modais de transporte disponíveis para a região:
- Rápido e caro, o modal aéreo conforma-se melhor ao transporte de mercadorias com alto
valor agregado, como eletrônicos, perfumarias e alimentos de alto custo;
- Lento e barato, o modal fluvial é excelente para o transporte de carga pesada e de baixo
valor agregado, como alimentos básicos, produtos de limpeza e higiene pessoal, pescado, dentre
outros.
Assim a realidade impõe que a dinâmica local ofereça a oportunidade de Tabatinga-AM ser
o grande fornecedor de alimentos, produtos de higiene, frango congelado, calçados, roupas, dentre
outros produtos básicos da região e a cidade de Letícia a zona comercial de eletrônicos,
eletrodomésticos, veículos e outros produtos industrializados.
Conforme será abordado no item 2.3.2 Letícia possui a vantagem de ser uma área de livre
comércio isenta dos tributos internos instituídos pela Colômbia, dessa forma possui fácil acesso aos
produtos advindos do Panamá, importando-os com preços bastante atrativos.
Complementando a rápida análise da dinâmica econômica na região cumpre anotar que o
lado peruano da fronteira destaca-se no fornecimento de cimento e materiais de construção, além de
alguns produtos para pesca (SOUZA, 2014).

2.3 Aspectos tributários


Cientes dos desafios que seriam enfrentados por localidades tão remotas, os governos
nacionais tentaram editar medidas de facilitação do desenvolvimento econômico local. O método
utilizado foi o de implementação de isenções tributárias que permitissem um maior interesse
comercial no estabelecimento de negócios nas cidades fronteiriças, situações que estão listadas a
seguir.

2.3.1 Tabatinga: Área de Livre Comércio - Lei 7965/1989


A lei 7965/89 fixou uma área de 20km² à margem esquerda do Rio Solimões onde deveria
ser instalada “a Área de Livre Comércio de Tabatinga - ALCT, que inclui espaço próprio para o
entrepostamento de produtos a serem nacionalizados ou reexportados.’ (BRASIL, 1989).
Uma unidade da SUFRAMA funciona no município para organizar a ALCT e, de acordo
com o artigo 3º da lei de criação seus benefícios (suspensão do imposto de importação e do imposto
sobre produtos industrializados) poderão ser utilizados nas seguintes situações de entrada de
mercadorias estrangeiras:
- ao seu consumo interno;
- ao beneficiamento, em seu território, de pescado, recursos minerais e matérias-primas de
origem agrícola ou florestal;
- à agropecuária e à piscicultura;
- à instalação e operação de atividades de turismo e serviços de qualquer natureza;
- à estocagem para comercialização ou emprego em outros pontos do Território Nacional;
- às atividades de construção e reparos navais;
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- à industrialização de outros produtos em seu território, segundo projetos aprovados pela
Superintendência da Zona Franca de Manaus, consideradas a vocação local e a capacidade de
produção já instalada na região;
- à estocagem para reexportação.

As situações previstas também se aplicam na aquisição de mercadorias nacionais, cuja


transação poderá ser realizada mediante a isenção do IPI.
Como se observa, as hipóteses acima relacionadas fazem parte de uma tentativa de
estabelecimento de um aparato econômico relacionado, a grosso modo, à industrialização,
beneficiamento da piscicultura e agropecuária ou à reexportação.
No entanto, conforme estudo da Suframa (2015), apenas cerca de 60 estabelecimentos
comerciais estavam habilitados nos sistemas do órgão e aptos a usufruir de seus benefícios, sendo
que todos pertenciam à classe de “estabelecimentos comerciais”, ou seja, possuíam limitado acesso
aos benefícios disponibilizados.
O próprio estudo mencionado conclui que a baixa aderência dos empresários da região aos
benefícios apresentados pela Suframa deve-se, entre outros, ao “desconhecimento, por parte do
meio empresarial, da academia e dos gestores municipais, dos incentivos da Área de Livre
Comércio” (SUFRAMA, 2015).

2.3.2 Letícia: Regime Aduaneiro Especial e Isenção do Imposto sobre Valor Adicionado
(IVA)
Dentre os vários regimes de incentivo disponíveis para a região, podemos citar os dois com
maior abrangência e relevância, quais sejam:
- O decreto colombiano 390 de 2016, alterou a legislação aduaneira daquele país em diversos
pontos, dentre eles a criação de uma Zona de Regime Aduaneiro Especial para a cidade de Letícia.
Em suma, o regime especial permite que mercadorias estrangeiras importadas pelo aeroporto
internacional Vásquez Cobo, pelo porto de Letícia ou pelo ponto de fronteira terrestre localizado
entre Brasil e Colômbia, entrem na cidade sem o pagamento de tributos aduaneiros ou a necessidade
de licença de importação, amparados apenas pela fatura comercial e documento de transporte, desde
que não se trate de armas ou drogas proibidas naquele país. Os produtos importados desta forma
devem ser consumidos na localidade ou vendidos no mercado interno (ainda que se trate de
viajantes), caso contrário estarão sujeitos ao pagamento de todos os tributos devidos na operação;
- O artigo 270 da lei colombiana 223 de 1995, estabeleceu que as vendas internas ocorridas no
departamento do Amazonas estariam isentas do imposto sobre valor adicionado (IVA).

2.3.3 Comparativo
Somados os benefícios, a cidade de Letícia passou a possuir uma excelente vantagem
tributária sobre Tabatinga, pois, além de isenta de tributos internos, dispõe ainda da possibilidade de
importar mercadorias, em especial da região do Panamá, sem o pagamento das tarifas aduaneiras,
enquanto que o lado brasileiro dependia de uma série de condicionantes para usufruir dos
benefícios, além do fato de que o ICMS (tributo estadual sobre circulação de mercadorias,
equivalente ao IVA colombiano) nunca foi objeto de isenção e/ou redução por parte do governo
estadual.

2.4 Aspectos aduaneiros


Apesar de o cenário apresentado apontar para uma forçada integração comercial, o fato é que
as normas aduaneiras brasileiras jamais permitiram o fluxo de entrada de mercadorias estrangeiras.
Contrariando a lógica de complementaridade econômica, as importações sempre tiveram de
obedecer a rígidos trâmites operacionais para que fossem executadas de maneira legal, enquanto as
exportações, incentivadas pelo arcabouço legal, sempre foram liberadas e facilitadas.

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Essa situação prejudicou a integração e a tornou uma via de mão única: Letícia, dependente
dos produtos básicos de Tabatinga, tornou-se uma importadora de mercadorias brasileiras, enquanto
que a contrapartida jamais ocorrera, assim, os produtos de alto valor agregado trazidos pela cidade
nunca eram comercializados no lado brasileiro, ficando reservados para oferta aos turistas em visita
ao lado colombiano da fronteira, ou apresentados ao mercado brasileiro frutos do crime de
descaminho (importação realizada de forma irregular).
O cenário fica claro quando observamos que, de acordo com o Regulamento Aduaneiro
brasileiro (decreto 6.759 de 5 de fevereiro de 2009), “somente nos portos, aeroportos e pontos de
fronteira alfandegados poderá efetuar-se a entrada ou a saída de mercadorias procedentes do
exterior ou a ele destinadas” (BRASIL, 2009, p. 2). No entanto, o ponto de fronteira terrestre só
teve seu alfandegamento declarado em 11 de setembro de 2017, através do ADE SRRF02 9/2017 e
o porto público foi desalfandegado pelo ADE SRRF02 07/2014, assim, temos o seguinte cenário:

a) Até 2014: poderiam ser feitas importações para Tabatinga, mas apenas pelo porto público;
b) Entre março de 2014 até setembro de 2017: não havia meios legais de se realizar
importações para a cidade de Tabatinga;
c) A partir de setembro de 2017: as importações poderiam ser realizadas exclusivamente pelo
ponto de fronteira terrestre localizado na fronteira entre Brasil e Colômbia.

Mesmo que legalmente possíveis, as importações sempre sofreram severas restrições.


Desconsideradas as barreiras burocráticas (habilitação prévia, necessidade de um despachante
aduaneiro, utilização de sistema informatizado, dentre outras) as tarifas médias impostas aos
produtos estrangeiros giram na casa de 4,66% (RECEITA FEDERAL, 2006) e ainda há a incidência
do imposto estadual sobre circulação de mercadorias, ICMS, em média de 17% (SAID et al., 2014).
Em contrapartida as exportações brasileiras são e sempre foram bastante facilitadas, como
podemos observar da análise da Instrução Normativa SRF 118 de 10 de novembro de 1992. Em seu
artigo 1º, a norma disciplina ​in verbis:​ “As unidades da Secretaria da Receita Federal deverão
permitir a saída do território nacional, mediante a apresentação da Nota-Fiscal respectiva, de
mercadorias nacionais adquiridas no mercado interno” (RECEITA FEDERAL, 1992).
Apesar de a instrução prever um limite de U$2.000,00 para esse tipo de exportação
embasado unicamente em Notas Fiscais, cabe anotar que a praxe administrativa tem considerado
esse limite incidente por nota, costume que leva à prática do fracionamento tributário, ou seja, caso
a intenção seja a de exportar um total de U$10.000,00 basta ao vendedor emitir cinco notas fiscais
cujo valor não ultrapasse o limite de U$2.000,00.
Como podemos observar, esse sistema, apesar de inaplicável às mercadorias sujeitas ao
controle de outros órgãos anuentes (inciso II, art. 1º), desburocratiza todo o processo de exportação
para o vendedor brasileiro. Quando comparamos esse quadro à pesada regulação incidente ao
processo de importação, torna-se cristalino entender como, durante décadas, o fluxo comercial
legalizado funcionou em via de mão única na fronteira amazônica: exportações de Tabatinga para
Letícia e importações barradas.

3. Implementação do Regime Especial


Conforme analisado nos tópicos anteriores temos o seguinte cenário para a região:
isolamento geográfico, complementaridade econômica, incentivos tributários porém restrições de
ordem aduaneira.
Nesse sentido, identificado o problema de ordem aduaneira, surge a intenção de
desburocratizar a integração comercial entre as cidades através da promulgação dos seguintes atos
legais, em ordem cronológica:

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1. Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República da Colômbia, para o
Estabelecimento da Zona de Regime Especial Fronteiriço para as Localidades de Tabatinga, Brasil,
e Letícia, Colômbia, firmado em Bogotá, em 19 de setembro de 2008;
2. Entrada em vigor para a República Federativa do Brasil, no plano jurídico externo, em 21 de
novembro de 2013, nos termos de seu Artigo 19;
3. Decreto nº 8.596, de 18 de dezembro de 2015 promulga o Acordo entre o Governo da
República Federativa do Brasil e o Governo da República da Colômbia;
4. Instrução Normativa nº 1.798, de 15 de março de 2018, dispõe sobre o despacho aduaneiro
relativo às operações de importação e exportação abrangidas pelo Regime Especial Fronteiriço de
Tabatinga (Refront).

3.1 Análise da Instrução Normativa 1.798/2018


Editada em 15 de março de 2018 pelo secretário da Receita Federal do Brasil, a Instrução
Normativa (IN) 1.798/2018 estabeleceu o Regime Especial de Fronteira de Tabatinga (Refront),
definindo o modo como seriam efetuadas as operações de despachos de exportação e importação.

3.1.1 Benefícios e beneficiários


Os benefícios principais do Refront se dão em duas dimensões: benefício fiscal e
relaxamento das normas aduaneiras.
O benefício fiscal é declarado logo no artigo 2º da norma em apreço:
“As importações e as exportações de mercadorias realizadas ao amparo do
Refront são isentas dos tributos federais incidentes sobre as operações de
comércio exterior (...).”

Observamos que os países reservaram-se o direito de estabelecer listas de itens que não
estariam amparados pelas normas de liberalização, e assim foi feito por parte do Brasil, através da
Resolução Camex nº78 de 27 de setembro de 2016, a qual proibiu os seguintes itens de se
beneficiarem do regime:
a) Entorpecentes e drogas, conforme previsto no Anexo I da Portaria DPF nº 1.274, de 25 de agosto
de 2003;
b) Resíduos perigosos, conforme dispõe o Decreto nº 4.581, de 27 de janeiro de 2003; e
c) Armas e munições de qualquer natureza, conforme dispõe o Decreto nº 3.665, de 20 de novembro
de 2000.

Quanto ao relaxamento das normas aduaneiras, diferentemente do regime de importação


comum vigente no resto do Brasil, as operações ocorridas no âmbito do Refront dispensam o
registro de declarações ou licenças de importação, bem como o uso de sistemas informatizados ou
despachantes aduaneiros, sendo amparadas unicamente por meio da fatura comercial, no caso de
mercadorias vendidas na Colômbia, ou da Nota Fiscal Eletrônica, no caso brasileiro.
Há duas modalidades na isenção dos tributos federais para consumo: para pessoas físicas e
para pessoas jurídicas. Em ambos os casos, haverá a necessidade de que as empresas participantes
da negociação, ou os adquirentes pessoa física, sejam residentes e domiciliados nas cidades de
Tabatinga ou Letícia.
Interessante notar que a conjunção de isenção de tributos federais e dispensa de
formalidades aduaneiras para o consumo de pessoas físicas, na prática, liberou totalmente as
populações das duas cidades a realizarem suas compras diárias na localidade que mais lhe
interessar, sem que haja qualquer necessidade de se apresentar à fiscalização aduaneira de algum
dos dois países. É o que se depreende da leitura do artigo 4º da instrução normativa:
“Art. 4º As operações de importação e de exportação de bens para consumo
poderão ser processadas ao amparo do Refront desde que atendam, cumulativamente, às
seguintes condições:

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I - as operações deverão ser destinadas a pessoa física residente e domiciliada
nas localidades fronteiriças de Tabatinga ou Letícia; e
II - as operações deverão se restringir a artigos para uso e consumo familiar das
pessoas a que se refere o inciso I, compatíveis com suas necessidades, e desde que não
revelem, por seu tipo, volume ou quantidade, destinação comercial.
Parágrafo único. O ingresso e a saída dos bens de que trata o caput ​serão
processados com dispensa da declaração de importação ou de exportação, conforme o
caso, e com a exigência da fatura comercial ou nota fiscal emitida por pessoa jurídica
regularmente estabelecida em Letícia ou Tabatinga, que deve acompanhar os bens.” (grifo
nosso)

Para as operações envolvendo pessoas jurídicas existem alguns requisitos adicionais.


Previamente ao início das operações, o interessado deverá preencher formulário em que constarão
as informações da empresa e o documento de identificação do responsável legal. A empresa deverá
possuir CNPJ (cadastro nacional de pessoa jurídica) com status ativo e seu responsável deverá
apresentar CPF (cadastro de pessoa física) regular. Além disso a empresa deverá estar localizada na
cidade de Tabatinga/AM.
Os requisitos apresentados são simples e tornam o acesso ao benefício bastante fácil de ser
usufruído. Conforme a unidade da Receita Federal local, o processo é objetivo, não há análise de
mérito, satisfeitos os requisitos da norma a autorização é publicada no diário oficial da união num
prazo de até 7 dias úteis, na forma de um ato declaratório executivo, por tempo indeterminado.
Ainda que esse pedido seja negado por algum motivo durante a análise, a norma prevê a
possibilidade de recurso hierárquico ao Delegado da Alfândega do Porto de Manaus (§ 2º do art.
6º).
A competência para expedir o ato de habilitação é sempre do titular da Inspetoria da RFB
em Tabatinga (figura 3).

 
Figura 3: Modelo de ADE de concessão do regime. Fonte: DOU 13/5/2019, Seção 1, p. 15

3.1.2 Operacional
Todo o controle operacional de cargas e movimentações no âmbito do regime, de acordo
com a IRF-Tabatinga, vem ocorrendo dentro das instalações da própria unidade, afastada cerca de 1
km do ponto de fronteira, conforme indicado no ADE 9/2017:
“​Fica alfandegado e estabelecido como Ponto de Controle Aduaneiro vinculado ao referido
ponto de fronteira, o recinto instalado no prédio sede da Inspetoria da Receita Federal do
Brasil em Tabatinga (IRF/TAB), localizado à Rua Duarte Coelho, nº 11, bairro Portobrás,
Tabatinga/AM.”

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No cotidiano, a operação do regime foi desenhada para que fosse o mais simples possível.
No caso da exportação, está prevista a saída da mercadoria desde que acompanhada da nota fiscal
eletrônica e após carimbo da unidade aduaneira da RFB. Neste ínterim, apesar de não haver
previsão normativa, há, segundo informações da Inspetoria de Tabatinga, uma pequena integração
junto a aduana colombiana (Direccion de Aduanas y Impuestos Nacionales - DIAN) segundo a qual
seus agentes fiscais verificam, quando da transposição da fronteira, a presença do carimbo da
aduana brasileira.
Importante notar que existe a ressalva quanto a produtos controlados por outros órgãos
anuentes, em especial medicamentos e alimentos, os quais só serão autorizados após concessão
(mediante carimbo na nota fiscal) por parte do órgão competente.
Já para os procedimentos de importação as exigências são um pouco maiores. O veículo
transportador deve se dirigir do ponto de fronteira até a sede da unidade, portando consigo a fatura
comercial das mercadorias transportadas. Após, a fiscalização aduaneira realiza a conferência
documental, a conferência de carga e exige, caso necessário, a anuência dos demais órgãos
competentes. Após essa fase, aguarda a apresentação da Nota Fiscal de Entrada por parte do
adquirente brasileiro (o importador). Finalizados os trâmites, o transportador pode deixar o recinto e
realizar a entrega, já com a mercadoria nacionalizada para todos os efeitos tributários e aduaneiros.

3.1.3 Demais obrigações


Todo beneficiário do regime possui o dever de, mensalmente, reportar a unidade da RFB em
Tabatinga declaração consolidada de importações e exportações que promover de acordo com as
regras do regime. Além disso deve manter em boa guarda, pelo período de cinco anos, toda a
documentação relativa às operações.
Por fim, é fundamental notar que o benefício está restrito às localidades de Tabatinga e
Letícia, ou seja, a mercadoria nacionalizada sob o regime do Refront, não está autorizada a deixar a
região em direção ao interior brasileiro (ou colombiano), sendo permitidas apenas saídas,
previamente autorizadas, para manutenção de equipamentos. Já a movimentação definitiva de
mercadorias importadas com benefícios do Refront para outras localidades está condicionada ao
pagamento de todos os tributos que incidiriam na operação e a não observação dessas regras
enquadra o infrator no crime de descaminho.

3.1.4 Aspectos finais


Com a edição da IN 1.798/2018 o comércio entre as cidades foi praticamente liberalizado, o
que tornou a região, tecnicamente, numa Área de Livre Comércio, pois, segundo Luz (2008, p. 367)
esta é a forma de integração em que “(...) dois ou mais países não cobram entre si impostos na
importação nem na exportação e são eliminadas todas as demais formas de restrição”.
Em que pese as barreiras pontuais relacionadas a produtos perigosos, armas e suas
munições, dentre outros, pode-se dizer que o Refront foi o passo final para permitir uma maior
integração econômica, a integração necessária, entre as duas cidades fronteiriças.
No entanto, uma última barreira legal persiste e, atualmente, tem desequilibrado a balança
novamente em desfavor do lado brasileiro: com incidência garantida sob toda aquisição de
mercadorias, inclusive daquelas provenientes do exterior, o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços, o ICMS, não foi alvo da desoneração e continua impactando as possíveis
importações por parte dos comerciantes brasileiros.

3.2 Configuração do controle aduaneiro


Além de seus efeitos jurídico-tributários, a implementação do Refront demandou adaptações
por parte da administração aduaneira local. Não seria mais possível continuar se adotando o clássico
sistema de controle baseado em postos de fronteira fixos, supervisionando a entrada e saída de
veículos e viajantes, modelo amplamente utilizado pela aduana brasileira nas demais cidades
fronteiriças do Brasil.
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No caso de Tabatinga, conforme verificado na figura 1, este tipo de controle torna-se
amplamente ultrapassado já que o enorme fluxo de pessoas e veículos diariamente realizando a
passagem internacional pelas vias de acesso (regulares ou não) tornaria impraticável a fiscalização
aduaneira sem o dispêndio de enormes recursos. Além disso, a implementação do Refront
simplesmente anulou a necessidade deste controle permanente, haja vista que as mercadorias
adquiridas por pessoas físicas passaram a ficar dispensadas de qualquer controle aduaneiro.
Assim, com a entrada em vigor do regime especial restou consolidado o modelo ​sui generis
de controle aduaneiro adotado pela Inspetoria da Receita Federal do Brasil em Tabatinga, o qual
classificamos como controle ​a posteriori.
Este controle baseia-se em dois princípios: controle de saídas e vigilância e integração com
os demais órgãos públicos.

3.2.1 Controle de saídas


Ao invés da preocupação com a entrada de mercadorias no território brasileiro, o advento do
Refront permitiu que a unidade da RFB em Tabatinga (Inspetoria da Receita Federal em Tabatinga)
alterasse o foco de suas atenções apenas para a saída irregular.
Desse modo, foram identificados os seguintes pontos de saídas e seus respectivos controles:
‑ Aeroporto Internacional de Tabatinga: dispondo de apenas um voo regular com destino à
Manaus/AM, operado pela companhia Azul, o tráfego de viajantes no local é controlado com a
presença física da fiscalização no despacho de bagagem e pela análise preliminar da lista de
passageiros, conforme requisição junto a empresa aérea. Esses dois métodos são aplicados para que
seja executado um efetivo controle de cota de bagagem dos viajantes. Observamos que este é um
procedimento comumente utilizado na chegada de voos internacionais nas demais localidades do
país, mas, como mencionamos, em Tabatinga o controle é feito a ​posteriori, o​ u seja, é diferido do
momento da entrada no território brasileiro (ponto de fronteira) para o momento da saída da zona do
regime especial, assim, mesmo tratando-se de voo nacional cabe a presença da fiscalização
aduaneira no recinto.
‑ Correios e demais ​courriers:​ alvo fácil para a ação de contrabandistas, em especial para o
envio de entorpecentes para o exterior, o controle no recinto é efetuado previamente, por meio da
declaração de conteúdo diretamente na unidade de fiscalização aduaneira, a qual realiza o controle
das cotas mensais de importação por parte da pessoa física, e, esporadicamente, com a presença da
fiscalização aduaneira realizando a inspeção nas mercadorias dos recintos.
‑ Portos: da mesma forma que para os Correios, o envio de mercadorias pelos portos
organizados da cidade só é autorizado mediante documento expedido pela Inspetoria de Tabatinga.
A conferência da documentação é realizada pelas equipes da Polícia Federal que realizam os
controles de segurança e combate ao tráfico de drogas na região.

3.2.2 Vigilância e integração com demais órgãos públicos


Considerando a situação de dificuldade e escassez de recursos na região, não causa espanto
a constatação de que a maioria dos órgãos públicos locais não possuem o aparato de pessoal e de
infraestrutura para, sozinhos, cumprirem suas missões institucionais.
Dessa forma a solução encontrada é a integração, troca de informações e
complementaridade realizada entre cada instituição localizada na região, por exemplo, das seguintes
maneiras:
‑ Marinha do Brasil: responsável pela segurança do tráfego hidroviário, a Marinha do Brasil
colabora com a aduana brasileira através do controle das embarcações que entram e saem do
território brasileiro, apenas admitindo seu trânsito após anuência da autoridade aduaneira;
‑ Polícia Federal: atuando especialmente na repressão ao tráfico de drogas, a Polícia Federal
mantém fiscalização de segurança nos portos e aeroporto da região, atuando ainda na base fluvial
“Anzol”, responsável por inspecionar as embarcações que passam pela região do rio Solimões.

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4. Efeitos da implementação do Refront
Os efeitos foram mensurados de duas maneiras: através da extração de dados públicos para
análise e por meio de formulário de pesquisa enviado ao empresariado local por meio eletrônico, os
quais poderiam enviar suas respostas no período de 15/09 à 20/09.
Infelizmente o número de respostas foi bastante baixo (apenas cinco), sendo todos os
respondentes titulares de empresas optantes pelo Regime Especial, conhecedoras de seus benefícios
e cujos administradores participaram de algum evento informativo.
Ainda assim podemos considerar a amostra significativa, haja vista tratar-se das respostas de
cerca de 13,5% dos empreendimentos habilitados no regime, conforme será analisado a seguir.

4.1 Adesão dos empresários ao regime


Mesmo o mais bem desenhado e implementado regime jurídico será inócuo caso seu
público-alvo não o adote. Assim, para analisarmos a taxa de adesão do empresariado de
Tabatinga/AM ao regime especial, utilizaremos as informações disponibilizadas pelos órgãos
públicos em seus sítios da internet.
Inicialmente, dados da Receita Federal consultados em 15 de setembro no sistema público
“Normas RFB”, indicam um total de 37 atos declaratórios executivos de concessão do regime para
empresas locais.
Podemos considerar, de maneira absoluta, tratar-se de um número bastante baixo, em
especial quando confrontado com o número total de CNPJ´s com situação ativa na cidade: 1851
(REDESIM, 2019), ainda que este número não represente de forma fidedigna a real quantidade de
estabelecimentos comerciais em operação.
A baixa adesão pode ser explicada, em parte, de acordo com comentários dos pesquisados,
devido à dificuldade representada pela incidência do ICMS na importação, pela ausência dos
demais órgãos anuentes para operacionalização dos benefícios fiscais e devido a não participação da
cidade de Santa Rosa (Peru) e, também, conforme conclusão obtida por estudo da Suframa (2014),
pelo desconhecimento dos administradores quanto às diversas possibilidades de benefícios
tributários disponíveis na região.
Os dois principais ramos de atividade das empresas habilitadas são os de materiais de
construção e comércio em geral, responsáveis por 80% das respostas ao questionário. Esse é um
quadro já esperado e confirmado pelas informações obtidas junto aos servidores da Inspetoria de
Tabatinga, os quais informaram a predominância na exportação de areia, seixo, cimento e ração
animal.

Fonte: Questionário aplicado junto aos beneficiários do Regime Especial

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Quanto à motivação para utilização do regime, torna-se claro o papel do incentivo fiscal,
responsável pela decisão de adesão de 80% dos entrevistados.

Fonte: Questionário aplicado junto aos beneficiários do Regime Especial

4.2 Principais mercadorias movimentadas


De acordo com as pesquisas com empresários da região e segundo dados da Inspetoria da
RFB em Tabatinga, o perfil das trocas comerciais permaneceu o mesmo observado antes da
implementação do regime: exportações de materiais de construção (principalmente areia e pedra
seixo), gêneros alimentícios (óleo, arroz) e produtos de limpeza.
Ainda segundo a Inspetoria de Tabatinga, um item de destaque foi o incremento nas
exportações de ração animal. Cumpre anotar que, devido à insuficiência de pessoal, a unidade da
Receita Federal local não registra dados estatísticos do comércio internacional.

Fonte: Questionário aplicado junto aos beneficiários do Regime Especial

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Observe-se que, ainda que 60% dos entrevistados afirmem utilizar o benefício para
exportação e importação, as importações permanecem congeladas, tendo sido realizado, segundo a
Inspetoria de Tabatinga, um único procedimento deste tipo desde a entrada em operação do regime
(abril de 2018).

4.3 Dificuldades identificadas


Para o empresariado local, conforme dados colhidos em pesquisa, a incidência do ICMS na
importação torna o regime pouco atrativo, haja vista que ao cruzar a fronteira a mercadoria
imediatamente torna-se mais cara sem que haja qualquer razão comercial para tal.
Ainda, considerando a restrição geográfica do benefício, não seria possível encaminhar os
produtos importados, de maneira legal, para outras cidades da região, inviabilizando assim o
interesse comercial na operação.
Além da já citada dificuldade encontrada pela incidência do ICMS, uma outra dificuldade
identificada é a restrição apresentada a um dos ramos mais cobiçados e importantes para a região: o
dos gêneros alimentícios frescos, em especial frutas, verduras e pescado.
Conforme explanado no item 3.1.2 e constante do § 1º do art. 8º da IN RFB 1.798, as
mercadorias sujeitas a controles específicos só serão liberadas mediante autorização do respectivo
órgão anuente.
Essa restrição, na prática, tornou-se um bloqueio devido à ausência destes órgãos na
localidade. Isso porque cabe a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e ao Ministério
da Agricultura, por meio do seu Serviço de Vigilância Agropecuária (VIGIAGRO), de maneira
complementar, a fiscalização e anuência quanto a importação de gêneros alimentícios em geral.
No entanto, conforme pesquisa realizada no site das duas entidades em setembro de 2019,
não há unidades desses órgãos públicos na cidade de Tabatinga/AM, configurando assim uma
situação em que simplesmente não se pode importar determinados tipos de produtos, ainda que a
norma o preveja.
Cumpre anotar a difícil situação do setor pesqueiro. Em que pese tratar-se de notória
atividade econômica da região, suas exportações regulares estão impraticáveis devido às regulações
estatais necessárias à anuência de suas vendas, situação que, segundo informações obtidas junto a
Polícia e Receita Federal, estão levando ao aumento exponencial do contrabando de pescado.

4.3.1 A situação da Inspetoria de Tabatinga


Responsável pelo atendimento aos contribuintes e viajantes da região, a Inspetoria da
Receita Federal em Tabatinga tem sofrido para desempenhar adequadamente seu papel
institucional, haja vista as dificuldades causadas pela indisponibilidade de aparato e pessoal.
A crise fiscal enfrentada pelo governo federal vem produzindo profundas marcas no controle
exercido pela autoridade aduaneira na localidade tendo a inspetoria sofrido uma redução do seu
quadro de pessoal à metade do que dispunha em 2015:

2015 2019

4 auditores-fiscais 1 auditor-fiscal

1 analista-tributário 1 analista-tributário

3 agentes administrativos 2 agentes administrativos


Tabela 1 - Força de trabalho da IRF-Tabatinga.
(Fonte: SA3 - Sistema de Apoio às Atividades Administrativas da RFB.
Acesso interno, em 15 de setembro de 2019.)

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Conforme visita a unidade, suas instalações físicas estão debilitadas e com goteiras, só há
um veículo disponível em condições de uso e não existem embarcações a disposição para a
necessária fiscalização fluvial.
Segundo o inspetor-chefe da unidade, espera-se ainda mais reduções do quadro de pessoal
até o final de 2019, situação que poderá levar a inspetoria ao seu limite operacional. Além disso, a
proposta de lei orçamentária para 2020 (PLOA 2020) prevê uma redução de cerca de 30% no
orçamento da Receita Federal do Brasil, fato que poderá agravar as dificuldades encontradas na
região para a execução de um sistema de fiscalização aduaneira efetivo.

5. Conclusão e Recomendações
A integração comercial, especialmente entre duas localidades tão remotas quanto Letícia e
Tabatinga pode ser a única opção disponível para o florescimento do desenvolvimento humano na
região.
A simples concessão de regimes tributários diferenciados, sem levar em conta o aspecto
integrativo e complementar das economias regionais, é condição necessária porém não suficiente
para trazer a prosperidade local.
Depois de décadas de isolamento, essa oportunidade pode ter sido criada com o advento do
Regime Especial de Fronteira de Tabatinga, o passo final necessário para a integração da economia
formal na região, travada por pesado trâmites aduaneiros que ao longo do tempo tornaram o
comércio uma via de mão única, em que o Brasil exporta, mas jamais pode adquirir produtos das
demais localidades de fronteira.
Em que pese as dificuldades e escassez de recursos, o desenho da administração aduaneira
foi executado de maneira a facilitar a operacionalização do regime, sendo outros pontos fortes a
simplicidade dos requisitos exigidos para obtenção, operação e manutenção dos benefícios,
traduzidos em reduzidas exigências tributárias acessórias para ambos os casos e um bom incentivo
fiscal, concretizado na isenção total dos tributos federais incidentes no comércio exterior.
No entanto, as análises finais desta pesquisa indicam que a pouca propagação do
conhecimento, a não integração do lado peruano da fronteira, a ausência dos demais órgãos públicos
de controle na localidade e os limites impostos pela falta de integração do governo estadual ao
processo, acabaram inibindo uma maior adesão do empresariado da região.
Ainda, a atual situação de grave crise fiscal tem prejudicado a atuação dos órgãos de
controle e, no limite, inviabiliza as operações de importação e exportação, como nos casos da
ANVISA e do VIGIAGRO, cuja ausência prejudica a existência do Refront.
Dessa forma podemos concluir que as seguintes ações devem ser executadas em curto prazo
para uma melhor efetividade do regime especial e da consequente integração comercial:
‑ Urgente promulgação de lei estadual que efetive a isenção do ICMS na entrada de
mercadorias amparadas pelo Refront, de maneira a equiparar os benefícios fiscais vigentes no lado
colombiano da fronteira;
‑ Instalação de unidades dos órgãos anuentes necessários (Vigiagro, Anvisa, etc) ou,
delegação de competência as suas contrapartes estaduais e municipais; e
‑ Incremento nas ações de capacitação e divulgação do conhecimento, não só em relação ao
Refront, mas também a todos os benefícios fiscais passíveis de utilização na localidade, em especial
àqueles relacionados à Área de Livre Comércio de Tabatinga.
No momento a maior utilização do Refront vem sendo facilitar ainda mais o fluxo comercial
de exportação do Brasil, haja vista que o Regime Especial não comporta limite de valor,
diferentemente dos US2.000,00 exigidos, por nota fiscal, para a IN SRF 118/92, situação que,
apesar de benéfico para a produtividade dos comerciantes brasileiros, ainda é insuficiente para a
disseminação geral de uma economia integrada entre as duas cidades da região.
Por todo exposto, acreditamos que a implementação do Regime Especial de Fronteira de
Tabatinga é uma grande oportunidade para Tabatinga e Letícia, dependendo unicamente de esforço
institucional da esfera governamental para sua promoção e aperfeiçoamento.
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