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XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais

Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018

A CULTURA DA CONECTIVIDADE NA EXPERIÊNCIA TELEVISIVA: 1


A Copa do Mundo na TV, nas ruas e nas redes

THE CULTURE OF CONNECTIVITY IN TELEVISION EXPERIENCE:


The World Cup on TV, on the streets and on the networks

Luiza de Mello Stefano 2


Universidade Federal de Juiz de Fora

Resumo

Com mais de um bilhão de horas consumidas por telespectadores e 1,7 bilhão de impressões no
Twitter (KANTAR IBOPE MEDIA, 2018), o fenômeno da social TV se destacou durante a
Copa do Mundo de 2018. O ato de compartilhar e debater a programação televisiva nas redes
sociais, em especial no microblog, mostrou-se consolidado no consumo midiático
contemporâneo. Através de uma análise quantitativa e comparativa acerca da audiência
televisiva e do engajamento nas redes durante os jogos da Copa do Mundo, buscou-se entender
como a cultura da conectividade reconfigura e complexifica a experiência televisiva. A
repercussão que o torneio mundial obteve revela que o consumo síncrono entre TV e redes
sociais tem se tornado cada vez mais indissociável. Por outro lado, os dados analisados
apontaram divergências que nos revelam outras perspectivas a respeito do cenário da social TV
no Brasil.

Palavras-chave: Conectividade; televisão; redes; Copa do Mundo; social TV.

Abstract

With more than a billion hours consumed by viewers and 1.7 billion impressions on Twitter
(KANTAR IBOPE MEDIA, 2018), the social TV phenomenon stood out during the 2018
World Cup. The act of sharing and discussing television programming in social networks,
especially in the microblog, was consolidated in the contemporary media consumption.
Through a quantitative and comparative analysis of the television audience and network
engagement during the World Cup games, we sought to understand how the connectivity culture
reconfigures and complicates the television experience. The repercussion that the world
tournament has achieved reveals that the synchronous consumption between TV and social
networks has become increasingly inseparable. On the other hand, the analyzed data pointed to
differences that show us other perspectives regarding the social TV scenario in Brazil.

Keywords: Connectivity; television; networks; World Cup; social TV.

Introdução

1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação e Culturas Digitais do XI Encontro dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018.
2
Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Juiz de Fora, luizamellost@gmail.com. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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Estamos vivenciando uma passagem da ideia midiática de comunicação para as


arquiteturas digitais, onde prevalecem a fundamentação complexa de ecologias conectivas (DI
FELICE, 2017). A digitalização e o surgimento de novas tecnologias fazem com que a
comunicação digital e em rede, com forte influência da cultura participativa, evolua para uma
cultura da conectividade. Segundo Van Dijck (2016), as características da conectividade se
materializam no surgimento de tecnologias de codificação que alteram a natureza das conexões,
assim como da criação e interação humana. Trata-se de um ecossistema no qual não é possível
estudar as plataformas de forma individual: os microssistemas se desenvolvem em conjunto,
hiperconectados, e reagem de maneira constante com as modificações dos demais. O resultado
ainda é transitório, mas se faz presente de forma cada vez mais visível em nosso dia a dia, como
veremos neste estudo.
Para Di Felice (2017), a conectividade possibilita que qualquer tipo de superfície ou
objeto comece a se relacionar e interagir entre si, criando uma ecologia conectiva. Portanto,
constitui-se como uma condição habitativa, ou seja, vai além da transmissão de mensagem de
um ambiente/pessoa para outro(a), mas está imersa na nossa forma de ser e agir. Com isso, não
só seres humanos, mas plataformas, redes e dados também se conectam, fazendo surgir um
fluxo no qual “[...] não é possível reconstruir uma fonte de emissão única, ou reconstruir uma
direção única, pois cada internauta, em tais habitats, construirá, de forma autônoma e única, a
sua rota de navegação” (DI FELICE, 2017, p. 100). Levamos em consideração que o atual fluxo
comunicacional é fértil, ubíquo, conectivo e vai além da ideia da unidirecionalidade que
caracterizou o paradigma da radiodifusão ou da bidirecionalidade que se fez presente com a
cultura digital. O ecossistema comunicacional contemporâneo expõe um modelo de rede
distributiva onde não há centro ou totalidade, externo ou interno, mas que prevalecem conexões.
É neste contexto que a simbiose entre televisão e web se torna mais evidente e o lugar
do usuário mais complexo e multifacetado. Partimos do pressuposto de que as características
de tal cenário, com a proliferação das redes sociais, fazem parte da ação de assistir TV,
ocasionando na impossibilidade de dissociar as duas ecologias. Dessa forma, sobressai o
fenômeno da social TV, defendido por Prouxl e Shepatin (2012) como o ato de compartilhar,
debater e divulgar a programação televisiva de maneira síncrona nas redes sociais,
principalmente no Twitter.
Sob essa perspectiva, esta pesquisa propõe colocar em debate a forma como o
ecossistema comunicacional e a cultura da conectividade têm modificado a experiência
televisiva através de um objeto de estudo mundial e midiaticamente relevante: a Copa do
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Mundo de 2018. Segundo dados divulgados pelo Kantar Ibope Media3, o jogo de estreia do
Brasil gerou 66,9 milhões de impressões no Twitter, com pico de comentários no gol de
Philippe Coutinho. Se acrescentarmos todos os jogos da primeira fase obtemos mais de um
bilhão de impressões, sendo 35% referentes aos tweets específicos sobre a seleção brasileira,
com destaque para os termos “Brasil”, “Neymar” e “Coutinho”. Os resultados da pesquisa
demonstram a força que o evento da magnitude da Copa tem nas redes.

Consumo televisivo na cultura da conectividade

A realidade que se apresenta nos dias atuais se faz possível a partir do surgimento, há
quase uma década, do quarto modelo de internet (Internet of Thing) que carrega consigo
também o Big Data. Esta evolução da internet, na verdade, é um novo tipo de conexão, que
potencializa a interação entre ambiente, superfícies e objetos, e faz emergir uma nova ecologia
interativa comunicativa que associa e conecta atores humanos e não-humanos, seres bióticos e
abióticos, juntamente com redes, plataformas e arquiteturas, criando uma quantidade
incalculável de dados que também entram em fluxo. Tais perspectivas são apresentadas por Di
Felice (2012; 2017), que defende a emergência de uma sociedade complexa em contínua
transformação feita de fluxos comunicacionais e de interações homem-máquina. Para o autor,
o processo de digitalização fez surgir uma nova situação social que acaba transformando não
só as entidades humanas, mas todo o planeta. A natureza da interação, neste contexto, não é
determinada mais pelo ambiente físico, mas pelos modelos de fluxos informativos que
atravessam esses espaços e começam a habitar toda a biosfera. Essa condição torna-se
extremamente visível com o advento e difusão dos dispositivos de mobilidade que reconfigura
fortemente a comunicação.
Os conteúdos se expandiram das mídias – puramente um meio ou ambiente que emite
informação, e estão soltos, sem origem ou destino. A sociedade está tão conectada na atualidade
que a oposição entre online e off-line, real e virtual, perdem o sentido, assim como o termo
“mídia” - se considerarmos que no cenário contemporâneo qualquer superfície está conectada
e emite informação. “Mídia” é apenas uma das expressões que se mostram incapazes de analisar
a complexidade das nossas interações com o meio ambiente e dispositivos de conexão, e,
portanto, precisam ser repensadas e ressignificadas. Di Felice (2012; 2016) sugere falarmos em
dispositivos de conexões, ecologias ou arquiteturas, nomenclaturas mais adequadas e

3
Disponível em <https://www.kantaribopemedia.com>. Acesso em: 23 ago. 2018.
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compatíveis para que possamos interpretar as mudanças comunicacionais a partir do advento


das redes sociais digitais e dos dispositivos móveis. Em resumo, o que Di Felice argumenta é
que o processo de digitalização produziu uma nova cultura ecológica, em que

[...] os sistemas informativos geográficos atribuem ao lugar e às coisas uma nova


dimensão que não pode ser mais delimitada na localidade geográfica, topográfica e
material, nem na percepção desta por parte do sujeito, mas por um conjunto de fluxos
informativos e de interações que conectam o lugar, as coisas, a banco de dados,
linkando informações e alterado continuamente, conforme os circuitos escolhidos ou
atravessados por pessoas, fluxos informativos, dados etc., o sentido do lugar (DI
FELICE, 2012, p. 4).

Tal proposta relaciona-se com o pensamento de Santaella e Lemos (2014), que


defendem que entidades humanas e não humanas ganham poder nas redes pelo número, em
extensão e estabilidade, de suas conexões. Enquanto Van Dijck (2016, p.60, tradução nossa4)
destaca que “a sociabilidade online é cada vez mais um resultado de uma coprodução entre
humanos e máquinas”. Para Santaella (2013, p.13), a fase ecológica da comunicação começa
nos anos 2000 com a difusão e popularização da internet, da web e das redes sociais. “A
ecologia das mídias consiste de tecnologias de informação e comunicação e de todas as
comunidades culturais a que elas dão origem e nelas se desenvolvem de acordo com os
protocolos, práticas, instituições e poderes que lhes dão forma e as dinamizam”.
Para Van Dijck (2016, p. 42, tradução nossa5) a comunicação em rede e a cultura
participativa evoluem para uma cultura da conectividade: “[...] uma formação imersa em
tecnologias de codificação cujas consequências excedem a arquitetura digital das plataformas”.
A essência do conceito reside na forma como as plataformas e arquiteturas digitais coexistem,
inter-relacionam e entram em simbiose constante, trocando informações, dados e fluxos a todo
momento. Para Di Felice (2017), a conectividade se apresenta como uma condição habitativa e
vai além da passagem de informação de uma pessoa para outra ou de um ambiente para outro,
mas está na nossa na forma essencialmente de ser e agir. Van Dijck (2016) elucida o surgimento
do que denominou de “ecossistema dos meios conectivos”, no qual microssistemas se
desenvolvem em conjunto e reagem de maneira constante com as modificações e estratégias
dos demais.

4
“La socialidad online es cada vez más el resultado de uma coproducción entre humanos y máquinas”.
5
“[...] una formación inmersa en tecnologías de codificación cuyas consecuencias exceden la arquitectura digital
de las plataformas”.
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A sociabilidade, a criatividade e o conhecimento são tecidos no tecido do ecossistema,


onde todas as atividades de codificação e exploração da conectividade ocorrem em
um único campo dominado pelo espírito corporativo (VAN DICJK, 2016, p 268,
tradução nossa6).

Pensando na natureza do que chamou de ecossistema dos meios conectivos, Van Dijck
propõe uma teoria que fosse adequada e nos permitisse entender de que forma as plataformas e
os usuários evoluíram. Para isso, o modelo proposto trata as plataformas tanto como
construções tecnoculturais quanto como estruturas socioeconômicas. Nessa abordagem, a
autora foca na análise de três pontos importantes: a tecnologia, os usuários e o conteúdo. Para
Van Dijck (2016), os atores tecnoculturais dificilmente conseguem se separar da estrutura
socioeconômica que as plataformas operam, ou seja, de suas propriedades, questões políticas e
modelos de negócio. Entretanto, todos esses elementos, apesar de serem significativos e
importantes para o que estamos chamamos de ecossistema digital conectivo, acabam
convergindo para um só ponto: o comportamento do usuário. Para a autora, o usuário tem um
papel extremamente importante: é complexo, multifacetado e cada vez mais guia as mudanças
feitas nas outras camadas e microssistemas. É a partir daí que surgem novos modelos de
negócio, com o objetivo de se adequarem à atual revolução das arquiteturas digitais,
redimensionando o foco nos usuários e em seus conteúdos e buscando formas de monetizar a
criatividade, atenção e a sociabilidade online (VAN DIJCK, 2016).
Imersa em tamanha complexidade linguística, conceitual e paradigmática, devemos
inserir o contexto dos meios comunicacionais, tanto os tradicionais quanto os emergentes,
coexistindo. Colocando o problema sob perspectiva do objeto dessa pesquisa, a televisão e a
experiência de assisti-la hoje se faz presente em um ambiente de fluxo comunicativo em rede,
descentralizado e distributivo.
Para chegarmos ao contexto em que a simbiose entre televisão e web se torna mais
evidente e impossível de ser ignorada, se faz necessário passar pelos demais modelos de
consumo televisivo, tais quais a TV broadcast, TV pós-network e TV expandida. A primeira
tem como particularidade o modelo de consumo com hora marcada, através de uma relação
few-to-many, ou no português “pouco para muitos”, na qual prevalece o fluxo unidirecional em
que o consumidor é visto como uma audiência massiva e o conteúdo é produzido e distribuído
unicamente por grandes conglomerados e empresas comunicacionais. Tal modelo, que surge na

6
“La socialidad, la creatividad y el conocimiento se trenzan en la tramadel ecosistema, donde todas las
actividades de codificación y de explotación de la conectividad ocurren dentro de un mismo ámbito dominado
por el espírity corporativo”.
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chamada Cultura de Massa (século XIX), começou a dar lugar para aquele que ficou conhecido
como TV pós-network. Nessa etapa, a relação de produção e consumo altera-se para a
perspectiva many-to-many (muitos para muitos) na qual as barreiras entre mídia e consumidor
começam a se dissipar e as funções a se equipararem. O telespectador não é mais visto como
uma audiência puramente quantitativa e massiva, mas prevalece a figura do público segmentado
e que possui gostos, preferências e características específicas. Com o advento das redes sociais
digitais, o consumo vai além do appointment TV, ou televisão com hora marcada, sob influência
unicamente do fluxo proposto pela grade de programação, mas se torna sob demanda com a
possibilidade do streaming e de um fluxo bidirecional. Neste contexto, a web e a TV começam
a pautar e influenciar uma a outra. Quando as práticas próprias do universo televisivo passam
a habitar também o ciberespaço, a TV se torna muito mais complexa: ela se expande e o
aparelho tradicional deixa de ser o único meio transmissor de conteúdo. Para Ferreira (2014, p.
124) “[...] a TV, ao passar para novas plataformas, se repete, mas também reconfigura, ainda
de maneira tímida”. Mas não é só o modelo televisivo que se modifica:

[...] as possibilidades destinadas ao interator abrangem decisões que antes ficavam


fora da sua alçada: a programação de conteúdo sob demanda, o acesso à rede, a
postagem de comentários, ou até mesmo o envio de conteúdos pelo próprio interator
(CAPANEMA, 2008, p.199).

O modelo da TV pós-network tem início com a Cultura Midiática, nos anos 90, e se
firma na Cultura da Convergência, nos anos 2000. Jenkins (2009) defende que o paradigma da
convergência dos meios representa uma transformação cultural ao depender fortemente da
participação ativa dos consumidores, que antes eram passivos, silenciosos, invisíveis e
previsíveis, e tornam-se migratórios, barulhentos e conectados socialmente (JENKINS, 2009).
A transição do consumidor “passivo” para o consumidor engajado, cada vez mais interessado
no processo de produção dos programas televisivos, contribuindo e participando ativamente,
caracteriza a cultura participativa. O sujeito consumidor de conteúdo passa a ser chamado de
interator (MACHADO, 2007). Para Cádima (2006, p. 113), trata-se de um novo paradigma
comunicacional e experimental que dá “[...] a cada cidadão a capacidade de ultrapassar a sua
condição limitada de consumidor ou de espectador e passar a ser um destinatário, um sujeito
operativo, reflexivo, participativo”.
Todavia, acreditamos que o momento contemporâneo requer novas formas de pensar a
relação entre produtor-receptor, o fluxo de conteúdo, as formas de consumo e as características
do espectador. Surge então a TV expandida e outras diversas nomenclaturas que tentam traduzir
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o novo momento televisivo que se apresenta imerso no ecossistema comunicacional conectivo.


Neste momento a relação entre produtor e consumidor que não era recíproca, se expande
para a perspectiva all-to-all (todos para todos), ou seja, se torna horizontalizada e extremamente
democrática em que todos os atores envolvidos exercem a função de consumidor, produtor e
podem circular e distribuir conteúdo de forma síncrona e indiscriminada. É da bilateralidade da
comunicação, ou seja, o contato das arquiteturas digitais com os meios de comunicação
tradicionais que surge a evolução da audiência. A internet, a web 2.0 e o ambiente digital coloca
o poder nas mãos dos usuários, que participam ativamente da cultura e processos
comunicacionais.
Para Santaella (2013, p. 316) “[...] as mídias sociais abrem espaço para a criação de
ambientes de convivência instantânea entre as pessoas. Instauraram [...] uma cultura integrativa,
assimilativa, cultura da convivência que evolui de acordo com as exigências impostas pelo uso
dos participantes”. Os usuários atribuem sentido às plataformas ao procurarem construir laços
e comunidades em ambientes colaborativos e participativos. O fenômeno da convergência
midiática (JENKINS, 2009) que coloca em diálogo tradicionais e emergentes meios de
comunicação e suas formas de produção e consumo, explicita ainda mais as relações
contemporâneas de sinergia entre diversas arquiteturas e redes, proporcionando aos
consumidores diferentes maneiras de criar sua própria experiência midiática.
O perfil desse consumidor vai além das delimitações que caracterizam a audiência e o
público. Eles se tornam engajados, complexos, participativos e críticos, portanto, mais
semelhantes ao perfil dos fãs.

[...] aquele indivíduo, que antes se encontrava mimetizado à massa (culturas de massa)
e posteriormente aos grupos segmentados (culturas das mídias), emerge, pela primeira
vez, na pós-televisão, em sua individualidade. Seu papel passa a ser exercido de forma
personificada, na fronteira entre o amador e o profissional, e, desse modo, as novas
mídias passam a se relacionar com ele (CAMPANEMA, 2008, p.199).

A autora acredita que o processo de hibridização da televisão tradicional acaba


agregando novos suportes e modelos que “convergem em um único ponto: são digitais e em
rede” (CAMPANEMA, 2008, p. 194). A TV expandida reconfigura a experiência televisiva ao
possibilitar novas formas de participação, colaboração e de se consumir informação. Jenkins,
Ford e Green (2014) descrevem o atual momento televisivo como

uma passagem de um modelo baseado em assistir TV com hora marcada para um


paradigma baseado no engajamento. Sob o modelo de compromisso, os espectadores
comprometidos organizam suas vidas para estar em casa em determinado horário a
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fim de assistir aos seus programas favoritos (JENKINS; FORD; GREEN, 2014, p.
152).

Essas emergentes possibilidades alinham o apointment TV do primeiro paradigma


comunicacional com o consumo sob demanda e streaming proposto no modelo da TV pós-
network e fazem surgir uma espécie de consumo ubíquo, presente em toda parte. Esse novo
modo de distribuição bem como o de circulação do audiovisual diante da conectividade
reconfigura completamente o fluxo televisivo unilateral que caracterizou a era da radiodifusão
(WILLIAMS, 2016). Ele vai além dos sentidos, lados, caminhos e torna-se conectivo,
distributivo e descentralizado.
Para entendermos as características desse fluxo, recorremos as definições de rede
propostas por Recuero (2009). De acordo com a autora, diferente da rede centralizada que se
forma em torno de um nó central por onde acontecem e passam a maior parte das conexões, a
rede descentralizada possui vários centros que são constituídos por diversos grupos pequenos
de nós; o fluxo conectivo se faz presente nesse tipo de rede, “onde todos os nós possuem mais
ou menos a mesma quantidade de conexões” (RECUERO, 2009, p. 57), e, portanto, não há
hierarquização entre eles.
É importante destacar que tais modelos de consumo televisivo que apresentamos, apesar
de serem sequenciais, não se tratam de perspectivas evolutivas, ou seja, o surgimento de um
novo paradigma, seja ele no que diz respeito ao consumo, produção ou fluxo, não elimina o
antecedente. Na verdade, a grande mudança que a experiência televisiva revela na
contemporaneidade é a coexistência dos diversos modelos de recepção, circulação, distribuição
e perfil do telespectador. Temos que analisar a TV não em um processo evolutivo linear, mas
ecológico ecossistêmico.
Em resumo, ao falar de experiência televisiva na cultura da conectividade é preciso
destacar: 1) a aproximação entre emissor e receptor; 2) a interação entre ecologias, redes,
fluxos, dados e arquiteturas digitais; 3) a personificação de fluxo e ressignificação do consumo;
4) participação ativa, engajada e crítica dos fãs e; 5) a impossibilidade de dissociar TV e web.
No ecossistema comunicacional conectivo não há separações para que a TV saia de um
ambiente e se expanda para outro. Há o cruzamento e ligação entre as duas ecologias de forma
complexa. A televisão permanece em um ambiente conectado, em um fluxo conectivo,
recebendo influência constante dos demais atores presentes no ecossistema.

Experiência televisiva entre fluxos: social TV


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Colocaremos em diálogo a ideia de fluxo que surge no cenário televisivo a partir da


perspectiva apresentada por Raymond Williams (1974) que caracteriza o fluxo presente no
paradigma da radiodifusão baseado na grade de programação. A ruptura do fluxo sequencial,
unidirecional e regular a partir da popularidade da internet, das redes sociais e novas
tecnologias, amplifica a capacidade de conexão, permitindo o surgimento de arquiteturas
digitais que não conectam somente redes, mas sobretudo pessoas, dados, conteúdos e os
próprios fluxos. No atual ecossistema comunicacional conectivo, em que TV e internet entram
em simbiose, com intensa troca de informações, as percepções de distância, linguagem e cultura
se transformam de forma ágil e dinâmica. As ideias de compartilhamento, participação e
conectividade são repensadas e potencializadas.
O fluxo unidirecional imerso na experiência televisiva tradicional é ressignificado para
uma perspectiva bilateral e passa a fluir entre as duas ecologias (TV e internet), até o momento
em que as fronteiras entre ambas se dissipam, fazendo emergir o que estamos chamando de
fluxo conectivo. Tal conceito se apresenta ainda em discussão e amadurecimento, porém,
particulariza-se na sua fluidez e ubiquidade, fazendo com que a noção de movimento, presente
na essência do conceito de fluxo, apareça em seu sentido mais puro. Diferente das perspectivas
anteriores, o fluxo conectivo é descentralizado e materializado em sua própria circulação;
extrapola as extremidades entre os meios de comunicação e coabita as diversas formas de
consumo e produção contemporâneas.
O ecossistema comunicacional, a cultura da conectividade e o paradigma
contemporâneo imerso em tais fluxos, têm modificado a experiência televisiva. Diante dessa
realidade que nos apresenta é possível identificar fenômenos, novas formas culturais e
particularidades no ato de assistir TV, que cada vez mais têm se tornado evidente e parte
fundamental do consumo cotidiano. No momento em que televisão e web entram em diálogo,
emerge o fenômeno da social TV.
A social TV manifestou-se a partir da nova relação de complementariedade e
conectividade entre televisão, redes sociais e o público (HILL, 2012), e se refere ao ato de
compartilhar, debater e divulgar a programação televisiva de maneira síncrona nas redes sociais,
principalmente no Twitter. O público, usuário e telespectador começam a participar
efetivamente da narrativa e todos os processos comunicacionais, que vão desde a produção,
distribuição, circulação até consumo e recepção do conteúdo.
O fenômeno não é uma novidade, mas se potencializa a partir do desejo do público de
interagir, de socializar e a buscar informações extras. Teixeira e Ferrari (2016, p. 246) defendem
que tais práticas se destacam no cenário de convergência com a internet e que a social TV “se
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refere ao hábito de postar comentários nas redes sociais sobre aquilo que está sendo assistido”.
O fenômeno torna a experiência de assistir TV mais complexa e interativa e ajuda a guiar o
usuário para assistir à TV e o telespectador a consumir conteúdo na internet e, mais do que isso,
contribui para que tanto usuários quanto telespectadores sejam, no final das contas, a mesma
coisa, consumindo ambas os conteúdos de forma síncrona e deslizando por esse fluxo de
maneira natural e quase imperceptível. Para Fechine e Cavalcanti (2017, p. 197), a “[...] TV
Social proporciona uma fruição de caráter mais coletivo numa temporalidade e sequencialidade
de propostas pela emissora, o que favorece, evidentemente, o modo histórico de organização da
TV baseado numa grade de programação”. A reconfiguração da experiência televisiva se
potencializa a partir desses fenômenos, que fazem com que falar, debater e comentar sobre TV
se torne tão importante e interessante quanto assisti-la.
Neste contexto, o Twitter, criado em 2006 em resposta à mobilidade e a difusão dos
dispositivos móveis, se populariza mundialmente em pouco anos e se consolida como a rede
social preferida para se discutir televisão (SANTELLA; LEMOS, 2014; VAN DICJK, 2016;
PROUXL; SHEPATIN, 2012). A plataforma se porta como um espaço colaborativo, em caráter
conversacional no qual a temporalidade é o que impulsiona a evolução do microblogging como
linguagem específica (SANTELLA; LEMOS, 2014; VAN DIJCK, 2016). As autoras destacam
também que o usuário do Twitter, especificamente, possui e desenvolve habilidades e
competências específicas e diferenciadas comparadas aos usuários de outras redes sociais. Isso
se deve a riqueza da ecologia cognitiva da plataforma e complexidade dos fluxos
informacionais.
A plataforma construiu uma linguagem que foi disseminada para outros ambientes e
contextos na cultura digital e não somente no meio online, mas também para a TV que, por sua
vez, tem se apropriado da dinâmica, estética, linguagem e do engajamento que o Twitter
propicia. Segundo Sigiliano (2017), o uso das hashtags7 e estratégias de social TV tem o
objetivo de estimular o telespectador a ligar a TV no horário original de exibição dos programas.
Para Van Dijck (2016), as funcionalidades e características do Twitter exploram a
conectividade entre usuários e comunidades de todo o mundo, os ajudam a iniciar conversações
colaborativas e múltiplas e a criar conteúdos adequados de acordo com sua necessidade. Os
usuários são vistos como “ativos, em sua maioria jovens, que sentem que o serviço legitima sua

7
Segundo Santaella e Lemos (2014, p. 108) “As hashtags são indexadores de temas, tópicos e/ou palavras-chave
que agregam todos os tweets que as contêm em um mesmo fluxo, onde é possível observar a formação de uma
comunidade ao redor do uso específico da #hashtag. Este fluxo comum possibilita a todos os usuários
acompanhar a discussão de um tema e/ou divulgar informações pertinentes em tempo real”.
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contribuição individual para diálogos com outras pessoas ou seus esforços coletivos para se
fazerem ouvir em debates públicos” (VAN DIJCK, 2016, p. 123, tradução nossa8). No Twitter
o engajamento é em tempo real e os internautas detêm o controle das conversas. Atualmente a
plataforma constroi redes de impacto que podem ganhar imensa visibilidade e alcance em
questão de minutos.

Arquibancada digital e seus milhões de torcedores

Estádio lotado, redes sociais também. Durante os 30 dias de transmissão da Copa do


Mundo da FIFA de 2018, assistir aos jogos junto à família e amigos tornou-se uma experiência
incompleta. Era necessário somar à essa equação uma nova prática que tem se tornado mais
comum e que se mostrou difundida com o maior torneio esportivo do mundo: comentar e dividir
opiniões com outros milhares de espectadores espalhados por todo o mundo sobre o que estava
sendo consumindo naquele momento. Os dados que iremos expor a seguir comprovam o desejo
dos torcedores – telespectadores e usuários simultaneamente, em se tornarem comentaristas e
participantes colaborativos na rede.
A Copa do Mundo, assim como outros eventos esportivos mundiais, tem o potencial de
emocionar e engajar o público por natureza. A televisão, na mesma perspectiva, carrega consigo
um importante papel de unir e integrar seu público que se potencializa com o fenômeno da
social TV e as particularidades das redes sociais. Como resultado, observamos o surgimento de
uma arquibancada digital, onde milhares de torcedores se juntam para torcer e acompanhar suas
seleções preferidas de forma colaborativa e conectada. As conversas, antes restritas somente ao
público que estava geograficamente perto, se expandem para um ambiente que mantem limites
invisíveis e imensuráveis e passam a incluir atores de qualquer lugar do planeta. Com isso, o
consumo televisivo, há tempos, já não se restringe mais apenas aos lares dos brasileiros. Através
de um fluxo contínuo e ininterrupto, a TV transmite informação que vai se espalhar e propagar
nas redes de forma instantânea e, muitas vezes, imensurável.
As transmissões das partidas do maior evento esportivo do mundo movimentaram a
internet. Os comentários tornam-se impossíveis de serem acompanhados devido ao volume e
rapidez com que foram publicados. Segundo dados da Kantar Ibope Media9, no total, mais de

8
“activos, en su mayoría jóvenes, que sienten que el servicio legitima su contribución individual a diálogos com
otras personas o sus esfuerzos colectivos por hacerse oír em los debates púbicos”.
9
Disponível em: < https://www.kantaribopemedia.com/os-dados-da-primeira-fase-da-copa-do-mundo-2018/>.
Acesso em: 2 out. 2018.
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Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018

43,9 milhões de pessoas acompanharam pela televisão aos jogos da seleção brasileira na
primeira fase. Quando consideramos os telespectadores que assistiram também as outras
seleções, esse número sobe para cerca de 59 milhões de pessoas – considerando transmissões
em emissoras abertas e canais pagos.
Dentre as três partidas do Brasil, o confronto com a Sérvia foi aquele que teve maior
audiência somada das emissoras10 com 62 pontos de audiência, seguido da partida com a Costa
Rica, 60%*, e depois o confronto com a Suiça, 55%* - este último número representa uma
audiência de mais de 25 milhões de telespectadores. Com relação aos jogos das outras seleções,
a partida acompanhada pelo maior número de telespectadores brasileiros foi o confronto entre
Alemanha e México que obteve 36* pontos de audiência11.
Expandindo o consumo para as redes sociais, o Twitter concentrou os principais
comentários, debates e produções de memes referentes ao maior torneio esportivo do mundo.
Apesar do Facebook12 ter tido um papel significativo, cada vez mais o microblogging de 240
caracteres tem caminhado para se firmar como a principal plataforma para se comentar televisão
na web. Isso se deve em grande parte às ferramentas e particularidade do Twitter, que
incentivam a formação de comunidades em torno de uma temática específica (com o uso das
hashtags) e conversações múltiplas e colaborativas. Juntando tais características com o fator
emocional, dramático e afetivo do futebol, temos um cenário perspicaz para se analisar.
Durante a fase de grupos da Copa do Mundo os números no Twitter foram expressivos,
contudo, apresentam uma perspectiva intrigante: nem sempre o engajamento nas redes nos dias
de jogos foi proporcional à sua audiência na TV. Os dados referentes à pesquisa da empresa
Kantar Ibope Media13 mostram que os dias em que houve maior audiência na TV não foram
aqueles que tiveram mais impressões14 no Twitter. Na fase de grupos, destaca-se, entre os jogos
do Brasil, a disputa contra a Costa Rica, Servia e Suíça, respectivamente (figura 1). Na TV,
como vimos, o jogo que obteve maior audiência foi entre Servia e Brasil. Por outro lado, o jogo
da seleção com menor audiência na TV manteve-se com menor repercussão no Twitter: a
partida de estreia contra a Suíça que gerou 66,9 milhões de impressões.

10
A pesquisa considerou os seguintes canais: Globo, SporTV, SporTV 2 e Fox Sports em 15 mercados: Grande
São Paulo, Grande Rio de Janeiro, Grande Belo Horizonte, Grane Curitiba, Grande Porto Alegre, Distrito
Federal, Campinas, Grande Florianópolis, Grande Salvador, Grande Recife, Grande Fortaleza, Grande Vitória,
Grande Goiânia, Grande Belém e Manaus. Os números marcados com um asterisco (*) não foram transmitidos
por todas as emissoras listadas.
11
Um ponto medido pela empresa Kantar Ibope Media equivale a 245.702 domicílios e a 688.211 espectadores.
Disponível em: < https://goo.gl/Bv4a9k>. Acesso em: 13 nov. 2018.
12
A Copa do Mundo foi o evento mais comentado na história do Facebook segundo o site
https://meiobit.com/291329/copa-do-mundo-evento-mais-comentado-historia-facebook/. Acesso em 4 out. 2018.
13
Disponível em: < https://www.kantaribopemedia.com/copa-do-mundo-2018/>. Acesso em: 2 out. 2018.
14
Número de vezes em que os tweets (publicações) relacionados ao assunto foram visualizados na plataforma.
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Se levarmos em conta as outras seleções, o confronto com maior número de impressões


no Twitter ficou com a disputa entre Portugal e Espanha que, na TV, obteve menos audiência
que o jogo da Alemanha e México que alcançou o maior número de telespectadores brasileiros
(figura 1).

Figura 1 - Dados da audiência na TV e da repercussão no Twitter dos jogos da fase de grupos da Copa do
Mundo. Fonte: Kantar Ibope Media (2018).

Esse conflito nos dados da TV e da internet mostra que, apesar da hipótese levantada
nesse trabalho de que telespectadores e usuários consumam simultaneamente os dois meios,
nem sempre é isso que se materializa na prática. Os dados evidenciam que ainda há uma parte
da audiência que prefere se manter passiva frente ao conteúdo que lhe é dado, ou seja, apenas
consome e não se engaja ativamente; outros, entretanto, se transformam em interatores e, pelos
dados apontados, podem inclusive “assistir” televisão somente a partir dos comentários e das
repercussões nas redes, não necessariamente ligam à TV para consumir. Tal abordagem pode
ser uma justificativa para as divergências nos dados. Desta forma, é evidente que assistimos e
consumimos conteúdo televisivo com diferentes graus de engajamento, sendo usuários
participativos em alguns casos ou apenas audiência passiva em outros. A difusão da social TV
e novas formas de consumo não excluem as tradicionais. É mais adequado, entretanto, falarmos
em coexistência de modelos.
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Coincidindo ou não os números na TV e nas redes, é fato que o ambiente de simbiose


entre as duas ecologias se mostrou movimentado durante o Mundial. Ainda de acordo com os
dados apresentados por Kantar Ibope Media (2018), se considerarmos todas as transmissões
dos jogos da primeira fase da Copa, os comentários exclusivamente no Twitter durante as
partidas geraram um bilhão de impressões. As partidas da seleção brasileira concentraram 35%
deste total. Dentre as temáticas debatidas pelos usuários, destacam-se os termos “Brasil”,
“Neymar” e “Coutinho”, que representam fielmente o desempenho da seleção nessa etapa do
torneio.
Na segunda fase da disputa, que engloba as oitavas, quartas, semifinal, a disputa do
terceiro lugar e a final, os números mantiveram-se significativos (figura 2). O jogo do Brasil e
México rendeu 62 pontos de audiência, enquanto a disputa de maior destaque entre as demais
seleções na televisão brasileira foi entre Uruguai e Portugal, com 38 pontos. Nas quartas de
final o confronto entre Brasil e Bélgica rendeu 60 pontos de audiência, enquanto, mais uma vez,
a seleção uruguaia, agora contra a francesa, obteve a maior audiência, com 32 pontos. Após
este confronto, somente a final, entre Croácia e França, superou tal número.
Nas redes, os números que já eram expressivos, aumentaram. Nas oitavas de final, o
jogo da seleção brasileira obteve 177,4 milhões de impressões no Twitter e foi responsável pelo
maior pico de comentários durante uma partida de toda a Copa do Mundo, que aconteceu no
momento em que o jogador Firmino fez um gol. Nos outros jogos, se por um lado a maior
audiência na TV ficou com a disputa entre Uruguai e Portugal, no Twitter, os usuários se
engajaram mais durante o jogo entre França e Argentina, com mais de 60 milhões de
impressões.
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Figura 2 - Dados da audiência na TV e da repercussão no Twitter dos jogos


da fase final da Copa do Mundo. Fonte: Kantar Ibope Media (2018).

Na rodada seguinte, o cenário não se repetiu: tanto o jogo do Brasil quanto e de maior
audiência na TV de outras seleções também foram os mesmos que engajaram mais o público
nas redes. A disputa contra a Bélgica totalizou 158,2 milhões de impressões e foi a partida com
maior participação feminina na audiência, representando 52% do total. Ao levarmos em conta
o conjunto de todos os jogos, o público feminino compunha apenas 45% dos participantes nas
redes. Entre os jogos das quartas de final das demais seleções, o confronto entre Uruguai e
França rendeu 32 pontos na audiência e quase 23 milhões de impressões no Twitter, mais que
o dobro que a disputa com menos engajamento nas redes - Suécia e Inglaterra. Na semifinal o
cenário foi totalmente inverso, enquanto o jogo com maior audiência na TV rendeu 31 pontos
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e 28,9 milhões de impressões, o confronto entre Croácia e Inglaterra ficou com 29 pontos de
audiência, porém, mais de 34 milhões de impressões no Twitter.
Por fim, a grande final da Copa do Mundo da Rússia foi acompanhada por mais de 20
milhões de telespectador no Brasil15, 44 pontos de audiência, e rendeu cerca de 80 milhões de
impressões no Twitter, sendo o jogo de outras seleções com maior engajamento nas redes. O
pico de tweets foi registrado no momento em que o francês Mbappé, eleito o jogador revelação
do torneio, marcou o 4º gol da França (KANTAR IBOPE MEDIA, 2018).
Se a seleção brasileira não conseguiu o hexa, fora de campo os fãs deram um show à
parte. Em um cenário mundial, os usuários brasileiros foram o que mais tweetaram durante a
Copa em todo o mundo, totalizando mais de 17 milhões de comentários. Além disso, quatro
dos dez jogos mais comentados no Twitter foram da seleção Brasileira, com destaque para
Brasil e Bélgica que foi o jogo mais comentado de todo o mundial, com mais de 8 milhões de
tweets, número superior até mesmo a final da Copa (KANTAR IBOPE MEDIA, 2018). Esses
dados mostram uma perspectiva de crescimento do uso das redes sociais, em especial do
Twitter, para se comentar a programação televisiva e mais ainda: quando falamos em um evento
de dimensões globais, o Brasil se destaca - os usuários brasileiros são os mais engajados na rede
em todo o mundo.

Considerações Finais

O público tem feito a televisão mudar. O mercado tradicional do audiovisual, por outro
lado, não dá sinais de esgotamento. Hoje a comunicação está em todo lugar, a qualquer hora, a
um clique, a um tweet. Ela torna-se móvel, ubiqua, conectiva. A relação entre televisão e redes
sociais, materializada no fenômeno da social TV, evidencia uma nova forma de consumo: em
qualquer momento do dia, basta acessar a internet para saber o que está sendo transmitido na
TV naquele momento. Apesar de escolhermos para esta pesquisa um evento esportivo
mundialmente consumido e de grande repercussão, a conexão entre as duas ecologias já é
percebida em diversos outros gêneros, formatos e produtos televisivos, como os reality shows,
as telenovelas e séries ficcionais.
Com mais de um bilhão de horas consumidas por telespectadores e 1,7 bilhão de
impressões no Twitter (KATAR IBOPE MEDIA, 2018), a social TV se destacou durante a Copa
do Mundo da Rússia. Observou-se a construção de um ambiente que foi muito além da TV e se

15
Disponível em: < https://www.kantaribopemedia.com/mais-de-20-milhoes-de-telespectadores-assistiram-a-
vitoria-da-franca-na-copa/> Acesso em: 2 out. 2018.
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fez presente nas ruas e, indiscutivelmente, na web. O grande número de comentários, memes e
outras produções compartilhadas fez com que acessar rapidamente o Twitter fosse o suficiente
para saber o que estava acontecendo em tempo real no Mundial. Os dados apresentados nos
revelou que o atual paradigma comunicacional propõe novas formas de assistir TV a partir de
uma simbiose cada vez mais complexa e difícil de ser ignorada entre redes sociais e televisão.
O que estamos propondo ressaltar é o consumo televisivo que há algum tempo já se expande
para além da TV, sobretudo com forte participação, engajamento e influência das redes sociais.
Em meio a análise quantitativa da repercussão da Copa do Mundo no Brasil, uma
divergência entre os números que, apesar de não ter sido um padrão e ainda apresentar
contradições, levantou questões e perspectivas que devem ser aprofundadas em estudos futuros.
Se a social TV se caracteriza pelo ato de assistir TV e comentar nas redes sociais ao mesmo
tempo, a falta de sincronia entre os jogos mais assistidos na primeira tela e aqueles com maior
participação nas redes, comprova que há outros critérios que devem ser abordados e analisados
com maior atenção para que possamos entender, afinal, o que emerge do encontro entre os dois
maiores meios de comunicação da atualidade.
Obviamente não podemos desconsiderar o poder que a televisão ainda tem em todo o
mundo. Porém, é inegável o movimento que surge na “segunda tela” que têm invertido e
complexificado as preferências de consumo. Mas qual será o segredo dessa interação? Enquanto
o mercado ainda busca respostas, os usuários, fãs, espectadores, roubam a cena e mostram seu
poder frente às dinâmicas comunicacionais.

Referências

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