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AULA 3

TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL PARA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Profª Laís Faria Masulk Cardozo


TEMA 1 – TREINO DE HABILIDADES SOCIAIS

Quando uma criança ou adolescente chega para um atendimento


psicológico, via de regra alguma dificuldade ou comportamento problema está
ocorrendo. Muitas das demandas atendidas nesses casos têm reflexos na
interação social, de diferentes modos. Logo, é imprescindível que o terapeuta
cognitivo conheça, compreenda e saiba avaliar e intervir no âmbito das
habilidades sociais.
Dificuldades em habilidades sociais podem ser compreendidas como:
déficit de aquisição, quando a criança ou adolescente não é capaz de emitir os
comportamentos habilidosos socialmente em resposta às demandas ambientais;
déficit de desempenho, quando a criança ou adolescente é capaz de emitir
comportamentos socialmente habilidosos, mas em frequência menor que a
esperada; e déficit de fluência, quando a criança ou adolescente é capaz de emitir
comportamentos socialmente habilidosos com frequência satisfatória, mas com
dificuldade e baixa proficiência (Del Prette; Rocha; Del Prette, 2011, p.50).
O aspecto positivo das habilidades sociais é que, à medida que são
estimuladas, podem contribuir para que a criança/adolescente deixe de
apresentar problemas de comportamento (Del Prette; Rocha; Del Prette, 2011, p.
47). Seu aprendizado pode ocorrer por diferentes vias, principalmente através dos
processos de instrução, modelagem e modelação (Del Prette; Rocha; Del Prette,
2011, p. 49). Por instrução, entende-se o aprender a partir das orientações
conferidas por outras pessoas, como quando um pai diz para o filho que não pode
responder grosseiramente ao amigo. Modelagem significa aprender um
comportamento a partir de consequências oferecidas a ele, que permitem o
reforçamento diferencial, como por exemplo quando o pai pune o filho por falar
grosseiramente com alguém e o reforça com elogios quando o filho fala
educadamente. A modelação significa aprender a partir do modelo que alguém
lhe confere, como quando o pai mostra ao filho o jeito correto de falar com o amigo.
Na infância, os principais agentes de socialização são pais, professores e amigos
(Del Prette; Rocha; Del Prette, 2011, p. 47). O mesmo pode ser observado na
adolescência, com maior ênfase para as amizades.
Quando se trabalha com as habilidades sociais, alguns pontos devem ser
considerados: a possibilidade de serem aprendidas ao longo da vida; o fato de
serem dependentes de cultura, valores, normas e regras pertencentes a um

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contexto; a necessidade de observar características sociodemográficas, etapas
do desenvolvimento e papéis sociais, dentro de cada cultura (Del Prette; Rocha;
Del Prette, 2011, p. 48-49).
Nesse contexto, o treino de habilidades sociais se evidencia como uma
estratégia de intervenção que pode ter como objetivo tanto a superação de déficits
e problemas associados às habilidades sociais, como a promoção de um
repertório mais amplo e generalizado (Del Prette; Del Prette, 2011, p. 74). O
processo de intervenção pode ser feito individualmente ou em grupo.
A definição dos objetivos para o treino de habilidades sociais deve se
basear no período de avaliação inicial, assim como para as demais demandas no
trabalho com crianças e adolescentes. Deve-se, nesse período, buscar identificar,
com auxílio dos adultos próximos ao paciente e da própria criança/adolescente,
quais são as habilidades consideradas socialmente importantes e de alto impacto
no funcionamento do paciente. Depois, busca-se estabelecer os tipos de déficits
observados, se de aquisição, desempenho ou fluência, e as possíveis
contingências relacionadas à manutenção desses déficits; além do
reconhecimento de quais os recursos comportamentais a criança/adolescente já
tem desenvolvido em seu repertório (Del Prette; Del Prette, 2011, p. 85).
Após essa etapa, os objetivos definidos devem visar a ampliação do
repertório de habilidades sociais, a melhora na frequência, funcionalidade e
fluência desses comportamentos, ou facilitar a manutenção e generalização das
aquisições obtidas durante o programa de intervenção (Del Prette; Del Prette,
2011, p. 86). Para tanto, podem ser utilizadas técnicas cognitivas e
comportamentais de contrato comportamental, reforçamento e reforçamento
diferencial, modelagem, desempenho de papéis, ensaio comportamental,
feedback, discriminação, esvanecimento, orientação do desempenho, instrução,
modelação, tarefas de casa, relaxamento, autorreforçamento e autoinstrução (Del
Prette; Del Prette, 2011, p.86).
De forma mais específica, de acordo com o tipo de déficit observado, os
procedimentos utilizados na intervenção podem ser (Del Prette; Del Prette, 2011,
p.87):

 Déficits de desempenho: ampliar a frequência de emissão de certas


habilidades, com orientação para pais, professores e outras pessoas

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próximas à criança/adolescente, com consequências ao desempenho
adequado apresentado a partir de reforçamento e feedback.
 Déficits de aquisição: ensinar novas habilidades à criança/adolescente a
partir da modelagem, modelação, instrução e ensaio comportamental,
através do planejamento de contingências que viabilizem a ocorrência do
comportamento alvo e a manutenção posterior no ambiente natural.
 Déficits de fluência: melhorar a proficiência em relação à topografia e
funcionalidade da habilidade em questão. Para tanto, são utilizadas
estratégias de acesso a modelos socialmente competentes, com instrução,
reforçamento e feedback.

Ao se realizar um programa de treinamento de habilidades sociais, deve-


se dedicar atenção especial à generalização dos comportamentos trabalhados em
sessão; o mesmo deve ser feito com outros trabalhos no contexto clínico. A
intervenção só deverá ser considerada eficiente se forem observados resultados
que se prolonguem no tempo, que se estendam para outros ambientes e em
relação a outras pessoas. Para que o objetivo da generalização seja atingido, a
intervenção deve envolver a família e a escola (Del Prette; Del Prette, 2011, p.
92).
Um recurso terapêutico importante deve ser utilizado independentemente
do tipo de déficit observado: a tarefa de casa, com os objetivos principais de:
avaliar e fortalecer as aquisições obtidas em sessão; permitir e avaliar a
generalização dos comportamentos aprendidos; e facilitar o aprendizado de
comportamentos “adicionais” relacionados ao treinamento, como aprender a fazer
análises funcionais do próprio comportamento (Del Prette; Del Prette, 2011, p. 95).

1.1 Intervenções nas classes de habilidades sociais

Como já estudado, as habilidades sociais são compostas por sete classes


principais: autocontrole e expressividade emocional, civilidade, empatia,
assertividade, capacidade de fazer amizades, solução de problemas interpessoais
e habilidades sociais acadêmicas (Del Prette; Rocha; Del Prette, 2011, p.49). Para
cada uma delas, o programa de intervenção prevê atividades diferenciadas. Serão
abordadas aqui as principais estratégias para seis classes. A classe de
autocontrole e expressividade emocional será excluída, pois já foi abordada de

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forma conjunta com as abordagens cognitivas de reconhecimento e nomeação
das emoções e manejo e controle da raiva.

1.1.1 Civilidade

Crianças e jovens desenvolvem normas para seus grupos caracterizadas


por tipologia dos cumprimentos, preferência por certos acessórios, preferência por
jogos, clubes, artistas, brincadeiras e assuntos para conversação (Del Prette; Del
Prette, 2011, p. 137). Crianças e adolescentes com déficits na habilidade de
civilidade tenderão a não conseguir permanecer por muito tempo em conversas e
a serem excluídas do grupo, por demonstrarem características que as distanciam
das normas estabelecidas.
Os déficits nessa habilidade normalmente se referem à fluência e ao
desempenho e menos frequentemente à aquisição, o que significa que a criança
ou adolescente tem os comportamentos relacionados a essa habilidade em seu
repertório, mas não consegue aplicá-los com a frequência e proficiência
esperadas (Del Prette; Del Prette, 2011, p.139).
Para o trabalho em relação aos déficits, deve-se estar atento a momento,
contexto e topografia do desempenho (Del Prette; Del Prette, 2011, p.1 39).
Algumas estratégias que podem ser utilizadas são histórias sociais, dramatização,
autoinstrução e automonitoramento.

1.1.2 Empatia

Para o trabalho em relação a esta habilidade, Del Prette e Del Prette (2011,
p. 156) apontam para a importância de encorajar a criança/adolescente a vivenciar
tipos e intensidades variadas de emoções, o que deve ser feito com monitoria de
adultos próximos. Para tal objetivo, podem ser utilizados recursos como filmes,
teatro, livros, músicas e atividades de cuidado com plantas e animais (Del Prette;
Del Prette, 2011, p. 156). O trabalho em relação à temática das diferenças e de
ajuda aos outros, a partir de histórias sociais, também é indicado.

1.1.3 Assertividade

Crianças e adolescentes com déficits em assertividade estão em risco de


se submeterem à vontade de colegas e de adultos, encontrando dificuldades para
superar essa dependência (Del Prette; Del Prette, 2011, p. 177). Por outro lado,
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porém, os comportamentos assertivos podem ser vistos de forma negativa, sendo
comparados à rebeldia, teimosia ou oposição, principalmente quando a criança
ou adolescente está inserido em um ambiente no qual um perfil autoritário de
educação prevalece (Del Prette; Del Prette, 2011, p. 179-181). Assim, uma forma
de trabalhar essa habilidade, mas sem trazer consequências negativas à
criança/adolescente, é desenvolver o pensar assertivamente, e não somente o
comportar-se assertivamente. A partir disso, o trabalho deve ter três objetivos (Del
Prette; Del Prette, 2011, p.179-181):

1. Trabalhar com o paciente a aquisição e aplicação do conceito de


reciprocidade, entendendo que ele tem direitos, mas também deveres para
com o outro dentro de uma relação. Uma estratégia indicada para esse
trabalho é a inversão de papéis, para que a criança/adolescente possa
perceber se, caso fosse o outro, continuaria aceitando o que defendia como
o seu direito.
2. Ensinar a criança/adolescente a discriminar o que é relevante e o que é
irrelevante nos relacionamentos interpessoais, de forma a aumentar sua
resistência às frustrações que cada situação pode trazer.
3. Desenvolver a capacidade de avaliar e predizer as possíveis
consequências do comportamento assertivo, fazendo então a opção por
comportar-se ou não de tal modo.

Algumas estratégias que podem ser utilizadas são: Registro de


Pensamentos Disfuncionais (RPD), dramatizações e modelação.

1.1.4 Solução de problemas interpessoais

Para intervenção com relação a essa habilidade, indica-se que sejam


seguidos os passos da estratégia cognitiva de solução de problemas. Del Prette
e Del Prette (2011, p. 200) ressaltam, porém, que antes de iniciar esse trabalho,
o terapeuta deve discutir com a criança ou adolescente alguns princípios
norteadores. São eles: 1. problemas são acontecimentos naturais e,
consequentemente, fazem parte da existência, e assim não precisam ser vistos
como coisas más ou como origens de infelicidade; 2. pensar antes de tomar a
decisão; 3. problemas, em sua maioria, podem ser resolvidos; 4. assumir a
responsabilidade pelo problema, de modo a levar a criança/adolescente a
reconhecer sua participação nos acontecimentos e experiências da vida; 5.
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enfatizar o que se pode, mais do que o que não se pode fazer; 6. agir dentro do
que é legal e socialmente aceitável; 7. as soluções devem fazer parte da
possibilidade e da capacidade de cada um, trazendo à luz a compreensão de que
existem problemas que ultrapassam o campo de ação possível a cada pessoa
(Del Prette; Del Prette, 2011, p.200).

1.1.5 Fazer amizades

As dificuldades em fazer amizades podem estar relacionadas a déficits em


outras classes de habilidades sociais, como assertividade e empatia e em
comportamentos sociais – baixa frequência de sorriso e contato visual, dificuldade
em fazer perguntas interessantes ao outro, bem como a presença de
comportamentos disruptivos que dificultam o contato social, por exemplo:
agressividade, hiperatividade, negativismo, isolamento, crítica e hostilização do
outro (Del Prette; Del Prette, 2011, p. 219).
Com isso, o trabalho em relação a outras habilidades sociais pode impactar
diretamente nos laços de amizade, sem que este aspecto seja necessariamente
o objetivo principal da intervenção no momento. Além disso, alguns
comportamentos que estão presentes no início e na manutenção das relações de
amizade são essenciais e devem ser alvo de intervenções nos casos em que
forem observados déficits. São eles: fazer perguntas, cumprimentar de acordo
com o jargão dominante e criar e discriminar ocasião para autorrevelação, através
da elaboração de perguntas pessoais (Del Prette; Del Prette, 2011, p. 224-225).
Para intervir em tais comportamentos, indica-se fortemente o trabalho em grupo.
Estratégias comumente empregadas são o uso de histórias sociais, modelação,
dramatização, criação de histórias e exposição a situações sociais com
supervisão.

1.1.6 Habilidades sociais acadêmicas

Tem sido evidenciada a relação entre déficits de habilidades sociais, baixo


rendimento escolar e dificuldades de aprendizagem (Del Prette; Del Prette, 2011,
p. 237), justificando a importância de se estudar a relação entre tais esferas.
Indica-se que a intervenção nessa habilidade seja feita preferencialmente no
ambiente escolar. Podem ser realizadas dinâmicas de grupo nas quais seja

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necessária a cooperação e trocas entre os participantes, sejam eles alunos ou
professores.

TEMA 2 – PATOLOGIAS NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

O modelo cognitivo de terapia “postula que os problemas psicológicos e os


transtornos mentais são uma acentuação do funcionamento adaptativo normal”
(Assumpção et al., 2017, p. 30), de modo que há um exagero da forma como são
processadas as informações. A visão negativa exagera a ameaça ou o desafio e
a visão positiva exagera a recompensa (Assumpção et al., 2017, p. 30). Nesse
ínterim, na abordagem cognitivo-comportamental, autores têm compreendido as
patologias identificadas no grupo infanto-juvenil de acordo com dois vieses:
aquelas em que os aspectos principais estão relacionados às distorções
cognitivas e aquelas associadas a deficiências cognitivas (Barkley, 1997; Kendall;
MacDonald, 1993, citados por Knapp et al., 2003, p. 184).

2.1 Patologias caracterizadas por deficiências cognitivas

As patologias consideradas como pertencentes a esse grupo implicam


estratégias diferentes de resolução de problemas, associadas a uma imaturidade
cognitiva geral, sendo o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH)
um dos principais exemplos (Kendall; MacDonald, 1993, citados por Knapp et al.,
2003, p. 184). Nesse grupo encontram-se outros transtornos do
neurodesenvolvimento e transtornos mentais comuns à infância e adolescência,
nos quais ocorrem alterações neurobiológicas e comportamentais presentes já
desde o nascimento, e relacionadas ao funcionamento cerebral. Logo, crianças
ou adolescentes com patologias desse grupo tendem a responder mais
lentamente às intervenções e a se beneficiarem de protocolos de atendimento
sem número de sessões ou tempo definido (Kendall; MacDonald, 1993, citados
por Knapp et al., 2003, p. 184).
Durante as aulas serão abordados os seguintes quadros caracterizados,
principalmente, por deficiências cognitivas: TDAH e Transtorno do Espectro
Autista pertencentes à classe de Transtornos do Neurodesenvolvimento; e
Transtorno de Oposição Desafiante, Transtorno de Conduta e Transtorno
Explosivo Intermitente, pertencentes à categoria diagnóstica de Transtornos
Disruptivos, do Controle de Impulsos e da Conduta.

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2.2 Patologias caracterizadas por distorções cognitivas

As patologias pertencentes a esse grupo são caracterizadas por distorções


do pensamento como generalização e catastrofização. Os principais exemplos
são os Transtornos Depressivos e os Transtornos de ansiedade (Kendall;
MacDonald, 1993, citados por Knapp et al., 2003, p. 184).
Nas próximas aulas, vamos abordar os seguintes quadros: Transtorno de
Ansiedade de Separação (TAS), Fobia Específica, Transtorno de Ansiedade
Social (Fobia Social), Transtorno de Pânico e Transtorno de Ansiedade
Generalizada (TAG), pertencentes à categoria dos Transtornos de Ansiedade;
Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC); e Transtorno Depressivo Maior,
Transtorno Depressivo Persistente (Distimia) e Transtorno Disruptivo da
Desregulação do Humor, pertencentes à classe diagnóstica dos Transtornos
Depressivos.

TEMA 3 – TRANSTORNOS DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um transtorno


do neurodesenvolvimento e faz parte do grupo de patologias caracterizadas por
deficiências cognitivas. A característica principal é um padrão persistente de
desatenção e/ou hiperatividade que interfere no funcionamento ou
desenvolvimento (APA, 2014, p. 61). Suas principais características envolvem a
presença de prejuízos no controle inibitório e em funções executivas 1,
relacionados a alterações de funcionamento do córtex pré-frontal e a conexões
com circuito subcortical e córtex parietal (Barkley, 2010, citado por Pereira;
Mattos, 2011, p. 498); e manifestações comportamentais que englobam falta de
controle e aderência comportamental, dificuldade em iniciar e terminar uma tarefa,
dificuldade no seguimento de regras em diferentes ambientes e reação negativa
a recompensas demoradas (Strayhorn, 2002; Hinshaw, 2000, citados por Knapp
et al., 2003, p.183).

1 Grupo de funções que consistem na capacidade da pessoa em se envolver com sucesso em


comportamento independente, intencional e autodirigido, sendo necessário, para tanto,
habilidades de identificação do objetivo, planejamento, organização e controle do comportamento
(Lezak; Howieson; Loring, 2004; Sohlberg; Mateer, 2015). Na terminologia de funções executivas,
estão incluídas as funções cognitivas de memória operacional, controle inibitório e flexibilidade
cognitiva (Miyake et al., 2000; Diamond, 2013).
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No TDAH, podem ser diagnosticados diferentes subtipos relacionados à
forma de apresentação dos sintomas, de acordo com os critérios diagnósticos
baseados no Manual Diagnóstico DSM-V (APA, 2014). O primeiro subtipo é o de
apresentação predominantemente desatenta, caracterizado por padrão
persistente de déficit atencional evidente em diferentes ambientes, principalmente
relacionado a dificuldades em permanecer atento por um tempo em um mesmo
estímulo, em finalizar o que começou, em organizar-se, entre outros
comportamentos.
O segundo subtipo é o de apresentação predominantemente
hiperativa/impulsa. Nele, ficam evidentes agitação psicomotora e dificuldades no
controle de impulsos e na autorregulação, o que desencadeia, frequentemente,
comportamentos agitados e impulsivos. Por comportamento impulsivo entende-se
ações executadas sem intenção, deliberação e decisão; o autor não a percebe
como inadequada, de modo a tentar evitá-la ou adiá-la (Reis, 2017, p.189).
Por fim, tem-se o subtipo de apresentação combinada, no qual há a
ocorrência tanto do déficit atencional quando da hiperatividade/impulsividade
(APA, 2014, p. 60). O TDAH é mais frequentemente diagnosticado em meninos,
e no sexo feminino há maior prevalência do subtipo de apresentação
predominantemente desatenta (APA, 2014, p. 63).
O tratamento farmacológico é decisivo para melhora dos sintomas do
TDAH, e muitas pessoas questionam a eficácia da Terapia Cognitivo-
Comportamental (TCC) no trabalho com pacientes que tenham esse diagnóstico.
Muitos estudos comparativos que buscam avaliar a eficácia dos dois tipos de
tratamento acabam por apontar pouca resposta da intervenção com TCC, porém
costumam avaliar esse aspecto com base nos critérios diagnósticos clínicos,
esquecendo-se de sintomas emocionais, pensamentos disfuncionais e sua
relação com o comportamento. Características como baixa autoestima, problemas
na relação interpessoal, resistência ao aprender e envolver-se com novas
atividades acadêmicas, dificuldades de organização e planejamento não
apresentam boa evolução apenas com o tratamento medicamentoso, pois tendem
a comprometer de maneira significativa a qualidade de vida de crianças e
adolescentes com diagnóstico de TDAH (Pereira; Mattos, 2011, p. 498). É em
relação a esses comportamentos e características que a TCC pode contribuir para
um bom prognóstico do quadro (Knapp et al., 2003, p. 185).

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A TCC surge então com o objetivo de interromper o ciclo vicioso criado
pelos déficits presentes no TDAH, buscando ensinar aos pacientes maneiras
efetivas de compensar os prejuízos (Safren et al., 2008; Barkley, 2010, citados por
Pereira; Mattos, 2011, p. 498).

TEMA 4 – INTERVENÇÕES NO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE


ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

A maior parte dos modelos cognitivos de intervenção nos casos de TDAH


unem estratégias cognitivas e comportamentais para um resultado satisfatório. Os
objetivos principais da terapia envolvem a psicoeducação do paciente, da família
e da escola, a identificação e manejo dos déficits nas funções executivas,
melhorando da autoestima, trabalhando com evitações e pensamentos negativos
e fortalecendo estratégias de enfrentamento e técnicas para redução dos
prejuízos (Pereira; Mattos, 2011, p. 499).
O primeiro passo no processo de terapia cognitiva, para crianças e
adolescentes com TDAH, é uma adequada avaliação diagnóstica (Kapp et al.,
2003, p. 183). Em seguida, durante o período de conceitualização cognitiva, é
importante que seja estabelecida a hierarquia de prioridades a serem trabalhadas.
Esta pode ser feita a partir da construção de uma escada de dificuldades, em
conjunto com a criança, na qual devem ser incluídos, também, problemas
apontados pelos pais e pela escola (Petersen; Wainer, 2011, p. 71). Outras
estratégias que podem ser utilizadas nesse momento são a introdução de
medalhas de bronze, prata e ouro e de adesivos, com o objetivo de avaliar a
evolução gradual da criança (Petersen; Wainer, 2011, p.71).
Iniciada a intervenção, a psicoeducação deve ser a primeira etapa,
buscando abordar com o paciente e pessoas de seu convívio sobre as
características e consequências do quadro (Petersen; Wainer, 2011, p. 71). Em
seguida, inicia-se a intervenção com a criança ou adolescente; a estratégia mais
utilizada é a resolução de problemas (Knapp et al., 2003, p. 186), pois é ela que
atuará diretamente sobre a dificuldade em relação às funções executivas
(Petersen; Wainer, 2011), em especial o controle inibitório e a autorregulação,
características básicas da impulsividade. Esta interfere negativamente na
identificação e interpretação correta de sinais sociais, especialmente os
apresentados de modo sutil, como tom de voz, expressão facial e linguagem

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implícita e figurada (Del Prette; Del Prette, 2011, p. 203). O trabalho com a
impulsividade deve incluir, também, o treinamento de pais e a reestruturação
cognitiva em relação à criança (Petersen; Wainer, 2011, p. 71).
Com as dificuldades nas funções executivas, bem como em fazer o
feedback sobre seu próprio comportamento, crianças e adolescentes com
diagnóstico de TDAH tendem a agir sem pensar nas consequências ou sem o
planejamento adequado para atingir seu objetivo. Para tanto, beneficiam-se do
uso das estratégias de automonitoramento e autoinstrução (Knapp et al., 2003, p.
187; Petersen; Wainer, 2011, p. 26). O trabalho com a autoinstrução inclui os
seguintes passos, de acordo com Ervin et al. (1999, citados por Knapp et al., 2003,
p.185) e Kendall (1993, citado Knapp et al., 2003, p. 185): o terapeuta realiza uma
tarefa e fala alto enquanto o paciente observa; a criança realiza uma tarefa similar
à do terapeuta e fala, ao mesmo tempo, os passos para si mesma em voz alta; o
terapeuta realiza outra tarefa enquanto sussurra as autoinstruções; a criança
realiza tarefa semelhante e também sussurra as autoinstruções; o terapeuta faz
uma tarefa usando a linguagem internalizada, com pausas e sinais
comportamentais de que está pensando; a criança realiza uma tarefa usando a
autoinstrução privadamente. As etapas devem ser treinadas várias vezes e em
diferentes locais. Autores como Knapp et al. (2003), por exemplo, apontam que
essa estratégia pode não apresentar bons resultados, pela dificuldade da criança
ou adolescente em generalizar o que foi aprendido em sessão para outros
ambientes.
Outro aspecto observado em crianças e adolescentes com diagnóstico de
TDAH, e que é passível de intervenção pela TCC, é a ocorrência de oscilações
de humor, principalmente com a presença da raiva. Frequentemente, apresentam
problemas para lidar com a frustração, e motivos irrelevantes para qualquer outra
criança desencadeiam respostas emocionais intensas (Knapp et al., 2003, p. 189).
Devido aos prejuízos das funções executivas, especialmente quanto à
autorregulação de seus afetos, é comum que também emoções positivas gerem
afetos e comportamentos intensos. Logo, as intervenções em TCC devem
objetivar manter o humor e a colaboração também nessas situações (Petersen;
Wainer, 2011, p. 72).
O Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD), como uma das técnicas
mais amplamente utilizadas na TCC, no trabalho com pessoas com diagnóstico
de TDAH, tende a ter seu uso limitado, pois estão mais presentes deficiências
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cognitivas e não distorções cognitivas (Knapp et al., 2003, p.186). Por outro lado,
ele pode ser aplicado para ajudar a criança ou adolescente a entender que por
trás do comportamento existem etapas, ou seja, eventos antecedentes,
pensamentos e sentimentos, uma vez que essa compreensão se encontra
limitada pelo comportamento de agir sem pensar (Knapp et al., 2003, p. 186). Além
disso, o RPD pode ser fundamental para a compreensão dos inúmeros feedbacks
negativos que uma criança ou adolescente com diagnóstico de TDAH recebe,
favorecendo o autoconhecimento e a compreensão de crenças negativas
distorcidas a respeito de si mesmo, além de poder ser útil no tratamento de
comorbidades, como transtornos depressivos ou de ansiedade (Pereira; Mattos,
2011, p. 502).
Outras estratégias que podem ser usadas na intervenção com crianças e
adolescentes com diagnóstico de TDAH são:

 Planejamento e cronogramas: mostra-se como um importante recurso, na


medida em que crianças com diagnóstico de TDAH têm dificuldades para
planejar e se organizar.
 Sistema de fichas: muitas vezes esse modelo leva os pais a questionarem
se a criança não começará a responder sempre esperando algum tipo de
gratificação. É importante destacar, porém, que pessoas com diagnóstico
de TDAH têm um sistema intrínseco de motivação que não funciona
adequadamente, de modo que precisam de muito estímulo para realizar
tarefas repetitivas. No início, o estímulo deve ser externo, até que comece
a perceber que consegue fazer e sinta prazer com isso. Outra vantagem
dessa estratégia é poder trabalhar o comportamento impulsivo, pois eles
tendem a gastar com coisas menores, os pontos que vão acumulando, e
não pensam a longo prazo para obter algo maior, uma vez que têm
dificuldades em adiar a gratificação. Para se obter a generalização dos
comportamentos aprendidos em sessão, deve-se orientar os pais a
utilizarem a mesma estratégia em casa. Essa estratégia pode ser também
utilizada com outros filhos, sem o transtorno. Deve-se alertar aos pais para
não utilizarem recompensas de muito longo prazo, pois devido à dificuldade
com o sistema intrínseco de motivação, as crianças/adolescentes tendem
a não responder a tal estratégia (Knapp et al., 2003, p. 190).

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 Punições: podem ser usadas em resposta a comportamentos muito
perturbadores. Porém, deve-se ficar atento para que a punição não se
transforme em um reforço positivo, pois às vezes isso contribui para a fuga
ou esquiva de algo aversivo, e acaba mantendo o comportamento
perturbador (Knapp et al., 2003, p.192).
 Tarefas de casa: importantes para a obtenção da generalização do
comportamento aprendido em sessão, principalmente se tratando de um
transtorno em que há a dificuldade de feedback e autorregulação, o que
dificulta a execução de comportamentos adequados diante de situações
que variam um pouco em relação à situação do treino (Knapp et al., 2003,
p. 192).

Destaca-se que o tratamento do TDAH pode, em alguns momentos, sofrer


um longo período de interrupção da terapia, com retomadas quando as
circunstâncias de vida ou as demandas mudarem (Tuckman, 2007, citado por
Pereira; Mattos, 2011, p. 499).

TEMA 5 – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do


neurodesenvolvimento e faz parte do grupo de patologias com predomínio de
deficiências cognitivas. É caracterizado por déficits persistentes na comunicação
e interação social em diferentes contextos e padrões restritos e repetitivos de
comportamento, interesse ou atividades (APA, 2014, p. 50). Crianças e
adolescentes com diagnóstico de TEA apresentam déficits importantes em
habilidades sociais, na medida em que podem apresentar dificuldades em
estabelecer trocas emocionais, em envolver-se em uma conversa, em adequar-
se a contextos sociais diversos, em compartilhar brincadeiras, em fazer amigos,
entre outros padrões de prejuízos nessa área (APA, 2014, p.50). O
desenvolvimento da comunicação verbal e não verbal está alterado, de modo que
mostram padrão de atraso na aquisição da linguagem quando são crianças
pequenas, e podem apresentar fala com diferenças na prosódia, entonação e
vocabulário, o que os fazem parecerem mais formais. Ao longo de seu
desenvolvimento, demonstram também dificuldades em imitar, apontar e adequar
expressões faciais às situações.

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Quanto aos padrões restritos e repetitivos de comportamento,
crianças/adolescentes com diagnóstico de TEA tendem a ter preferência por um
mesmo tipo de brincadeira ou por um mesmo brinquedo; interessam-se por um
assunto específico e aprofundam-se no conhecimento dele. Mostram dificuldades
em ser flexíveis diante de mudanças, como quando ocorrem alterações de rotina,
em se adequar a um contexto de conversa sobre assuntos diferentes do seu
interesse ou em se inserir em brincadeiras que fogem ao que seja de costume.
Os padrões restritos e repetitivos também se mostram no interesse por
movimentos repetitivos, como ao fixar-se em objetos com movimentos giratório,
bem como na apresentação de movimentos motores repetitivos denominados
estereotipias (movimento de flap com as mãos, saltos, entre outros), e mesmo em
repetições na fala, chamadas ecolalias (repetem falas de personagens, de outras
pessoas ou as suas próprias).
A hiper ou hiporreatividade sensorial também se caracteriza por um padrão
restrito e repetitivo, e significa resposta sensorial inadequada a diferentes
estímulos ambientais. A hiperreatividade caracteriza-se por reação exacerbada a
um estímulo sensorial (sonoro, visual, tátil, olfativo ou no paladar), e a
hiporreatividade caracteriza-se por reação mínima a tais estímulos. Alguns
exemplos são: indiferença ou sensação intensa de dor; irritabilidade diante de
sons altos, como em lugares cheios, ou de liquidificador e secador de cabelo;
alimentação significativamente restrita, mostrando preferência por tipos de
alimentos específicos e não aceitação por variar os padrões; incômodo ao usar
determinados tipos de tecidos, ou roupas com etiquetas, de gola etc.; recusa pelo
contato físico com outras pessoas, evitando abraços e outras carícias.
O TEA pode estar associado a uma condição médica ou genética, como
Síndrome de Rett, Síndrome de Down e Complexo da Esclerose Tuberosa. Pode
também ser diagnosticado em comorbidade com outros transtornos do
neurodesenvolvimento ou outros transtornos mentais. Isto é, mais de um
diagnóstico pode ser dado, simultaneamente, para pessoas que recebem o
diagnóstico de TEA. O TDAH, o Transtorno de Oposição Desafiante (TOD) e os
Transtornos Específicos de Aprendizagem são quadros que comumente podem
ser diagnosticados em conjunto com o TEA (APA, 2014, p. 58).
Outro aspecto importante de ser considerado no diagnóstico de TEA é o
nível de gravidade no qual ele se apresenta. Para tanto, a gravidade dos déficits
e o nível de apoio necessário são organizados em nível 1 (exigindo apoio), nível
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2 (exigindo apoio substancial) e nível 3 (exigindo apoio muito substancial) (APA,
2014, p. 51). No nível 1 são incluídas crianças e adolescentes considerados com
grau leve. Nesse grupo, as dificuldades estão presentes ao estabelecer conversas
e iniciar interação. Apresentam fala expressiva desenvolvida, mas não
conseguem utilizá-la de forma a contribuir para o estabelecimento de relações
satisfatórias; para tanto, precisam de suporte e mediação. No nível 2 há o prejuízo
social mesmo na presença de apoio, e os déficits estão presentes tanto na
comunicação verbal quanto na não verbal. No nível 3, os déficits na comunicação
social verbal e não verbal são graves e limitam muito a interação social, de modo
a estabelecerem alguma relação somente para satisfazer suas necessidades;
apresentam pouca resposta positiva diante da mediação. Em todos os grupos há,
também, inflexibilidade no comportamento, que leva a prejuízos significativos no
funcionamento, em graus diferentes (APA, 2014, p. 52).

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REFERÊNCIAS

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transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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