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Medicina Legal e

Ciências Forenses

J. Guilherme Nobre nº 33909


Índice
Prêambulo ........................................................................................................................... 6
Introdução à Medicina Legal .............................................................................................. 7
Organização Médico-Legal em Portugal ........................................................................ 7
Perícia Médico-Legal ....................................................................................................... 8
Autópsia Médico-Legal ................................................................................................... 8
Anatomia Patológica Forense ......................................................................................... 9
Clínica Forense ................................................................................................................ 9
Psiquiatria e Psicologia Forenses .................................................................................... 9
Perícias Médico-Legais Urgentes.................................................................................... 9
Química e Toxicologia Forense ..................................................................................... 10
Genética e Biologia Forenses........................................................................................ 10
Nexo de Causalidade Médico-Legal ............................................................................. 10
Semiologia das Lesões Traumáticas ................................................................................. 12
Descrição da Lesão Traumática .................................................................................... 12
Agentes Externos........................................................................................................... 12
a) Mecânicos.................................................................................................................. 12
b) Armas Brancas........................................................................................................... 14
Projéteis de Armas de Fogo .......................................................................................... 15
Agentes Externos Físicos ............................................................................................... 17
a) Queimaduras ............................................................................................................. 17
b) Queimaduras Térmicas pelo Frio ............................................................................. 18
c) Eletricidade ................................................................................................................ 18
Agentes Externos Químicos .......................................................................................... 19
a) Queimaduras Químicas............................................................................................. 20
Asfixiologia ......................................................................................................................... 21
O que é a Asfixia? .......................................................................................................... 21
Fases de Asfixia .............................................................................................................. 21
Sinais Gerais de Asfixia .................................................................................................. 21
Tipos de Asfixia .............................................................................................................. 21
a) Asfixias Mecânicas/Anoxias Anóxicas ...................................................................... 21
b) Anoxias Anémicas ..................................................................................................... 23
c) Anoxias Circulatórias ................................................................................................. 23
d) Anoxias Histotóxicas ................................................................................................. 24
Afogamento ................................................................................................................... 24

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Toxicologia Forense ........................................................................................................... 25
Conceitos ....................................................................................................................... 25
Definição ........................................................................................................................ 25
Toxicocinética ................................................................................................................ 25
Tóxicos ........................................................................................................................... 26
Etanol ............................................................................................................................. 26
Medicamento ................................................................................................................ 27
Drogas de Abuso ........................................................................................................... 28
Pesticidas ....................................................................................................................... 29
Introdução à Clínica Forense ............................................................................................ 30
Perícia Médico-Legal ..................................................................................................... 30
Perícia Médico-Legal Urgente ...................................................................................... 31
Perito Médico ................................................................................................................ 31
Examinados.................................................................................................................... 31
Vítimas de Violência ...................................................................................................... 31
Avaliação do Dano Corporal ......................................................................................... 32
Conceitos Gerais ............................................................................................................ 32
Relatório Pericial ........................................................................................................... 32
Avaliação do Dano Corporal Pós-Traumático em Sede de Direito do Trabalho ............ 34
Descaraterização do Acidente ...................................................................................... 34
Responsabilidade .......................................................................................................... 35
Reparação ...................................................................................................................... 35
Avaliação do Dano Corporal ......................................................................................... 35
Danos Sofridos ............................................................................................................... 36
Exames de Revisão ........................................................................................................ 37
Registos Clínicos ............................................................................................................ 37
Avaliação do Dano Corporal Pós-Traumático em Sede de Direito Civil .......................... 38
Danos Temporários ....................................................................................................... 39
Danos Permanentes ...................................................................................................... 39
Dependências ................................................................................................................ 40
Causa e Etiologia Médico Legal da Morte ........................................................................ 42
Conceitos ....................................................................................................................... 42
Causa vs Mecanismo de Morte .................................................................................... 42
Causas e Mecanismos de Morte por Lesão Traumática ............................................. 42
Verificação vs Certificação do Óbito ............................................................................ 43

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Intervenção Médica em Caso de Óbito ........................................................................ 43
Boletim de Informação Clínica...................................................................................... 44
Autópsia Médico-Legal ................................................................................................. 44
Dispensa da Autópsia Médico-Legal ............................................................................ 45
Certificação do Óbito .................................................................................................... 46
Clínica Forense................................................................................................................... 47
Código de Processo Penal ............................................................................................. 47
Direito Penal .................................................................................................................. 47
Lesões Autoinfligidas ..................................................................................................... 48
Violência Doméstica ...................................................................................................... 48
Violência de Género ...................................................................................................... 49
Violência nas Relações de Intimidade (VRI) ................................................................. 49
Epidemiologia associada ao Homicídio e Femicídio na VRI ........................................ 49
Aspetos Particulares da Violência Doméstica .............................................................. 50
Fatores de Risco na Violência nas Relações de Intimidade ......................................... 50
Maus-Tratos................................................................................................................... 51
a) Crianças ..................................................................................................................... 51
b) Idosos......................................................................................................................... 52
Mutilação Genital Feminina.......................................................................................... 53
Tráfico de Pessoas ......................................................................................................... 54
Agressão Sexual ............................................................................................................. 54
Suspeita de Agressão Sexual......................................................................................... 56
Suspeita de Abuso Sexual ............................................................................................. 57
Cadeia de Custódia ........................................................................................................ 59
Tanatologia Forense .......................................................................................................... 61
Morte ............................................................................................................................. 61
Processo de Morte ........................................................................................................ 61
Verificação do Óbito...................................................................................................... 64
Morte Natural e Morte Súbita ...................................................................................... 65
Morte Súbita no Desportista ........................................................................................ 66
Síndrome de Morte Súbita Infantil (SIDS) .................................................................... 66
Perícias Psiquiátricas e Psicológicas ................................................................................. 68
Direito Penal .................................................................................................................. 68
Código Processo Cível ................................................................................................... 68
Objeto da Perícia ........................................................................................................... 69

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Código do Processo Penal ............................................................................................. 70
Pedido de Exames Periciais Psiquiátricos .................................................................... 70
Fundamentos Legislativos............................................................................................. 71
Perícias Psi em Sede de Direito Penal .......................................................................... 71
Conceito de (In)imputabilidade .................................................................................... 72
Perícia sobre a Personalidade....................................................................................... 73
Perícia em Sede de Direito Penal ................................................................................. 74
Perícia em Sede de Direito Civil .................................................................................... 75
Caso Particular de Avaliação do Dano Psico-Físico...................................................... 77
Direito de Família e Menores ....................................................................................... 77
Perícia em Sede de Direito de Família e Menores ....................................................... 78
Princípios do Relatório Pericial Psiquiátrico/Psicológico ............................................ 79
Relatório Pericial na Prática Privada ............................................................................ 80

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Prêambulo
Esta sebenta foi realizada com o intuito de facilitar o estudo para o exame de Medicina Legal e
Ciências Forenses, assim como de centralizar toda a informação no mesmo documento.
Esperemos que ajude!
A sebenta encontra-se organizada por temas, por forma a tentar integrar melhor os conceitos,
não correspondendo, portanto, à ordem das aulas.
Qualquer dúvida, incongruência ou erro, por favor enviem mail para
joseguilhermenobre@campus.ul.pt
Bom estudo!!!

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Introdução à Medicina Legal
Medicina Legal: trata-se da especialidade médica que se ocupa primordialmente da aplicação
de conhecimentos e metodologias médicas à resolução de questões de natureza jurídica e de
problemas para as pessoas e sociedade.
Usada na resolução de casos médico-legais e forenses, envolvendo o uso, de forma direta ou
indireta, não só conhecimentos e métodos extraídos de outras especialidades médicas, como
recorre ainda a um amplo conjunto de ciências e tecnologias.
Implica a observação, descrição, documentação, colheita, avaliação e interpretação científica
de evidências médicas decorrentes de investigação clínica e post-mortem necessárias para os
diferentes campos de direito penal, do trabalho, civil, família e menores, administrativo…
Tem como objetivo não só promover o diagnóstico (“o quê?”), mas também esclarecer sobre
as circunstâncias que rodearam o evento (“Quem?”, “Quando?”, “Onde?”, “Porquê?”,
“Como?”).
A familiaridade com padrões de lesão em relação a acidentes específicos deve permitir uma
distinção entre lesão autoinfligida, acidental, provocada por terceiros, e doença natural, quer
na pessoa viva, quer no cadáver. Para tal, há 2 momentos fundamentais na perícia médico-
legal:
1. Exame: caraterizado pela observação e descrição rigorosa dos achados;
2. Perícia: caraterizado pela interpretação da observação feita, conjugada com demais
informações que se obtenham, que pode determinar uma conclusão, após discutido o
nexo de causalidade entre o facto e o resultado.
Abrange um diversificado leque de atividades entre as quais a clínica forense (engloba áreas
como clínica médico-legal, psiquiatria e psicologia forenses) e a patologia forense (engloba
áreas como a tanatologia forense e anatomia patológica forense). Incorporam-se
inclusivamente a toxicologia forense, genética e a biologia forense.

Organização Médico-Legal em Portugal


O Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), divide-se em 3 delegações:
• Porto (Delegação Norte);
• Coimbra (Delegação Centro);
• Lisboa (Delegação Sul).
Assim como se subdivide em 32 gabinetes médico-legais e forenses, em todos o país,
principalmente nas capitais de distrito.
Ao INMLCF I.P. cabe, no exercício das suas atribuições periciais forenses, colaborar com
tribunais, com o Ministério Público e com órgãos de polícia criminal e demais serviços e
entidades que intervêm no sistema de administração da justiça, realizando os exames e as
perícias médico-legais e forenses que lhe forem solicitados, nos termos da lei, bem como
prestar-lhes apoio técnico e laboratorial especializados, no âmbito das suas atribuições
(correspondente ao decreto-lei nº 166/2012).

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Envolve também o desenvolvimento da atividade de formação, ensino, investigação e
divulgação científicas.
Apresenta o serviço de clínica e patologia forense, que se divide:
• Unidade Funcional de Patologia Forense (estudo das lesões traumáticas, quer na
autópsia, quer no ambiente clínico, apesar de estar mais focado nas autópsias; o termo
mais corretamente utilizado seria tanatologia forense; realiza autópsias médico-legais
e perícias de identificação de cadáveres e restos humanos, embalsamentos e estado de
peças anatómicas);
• Unidade Funcional de Clínica Forense.

Perícia Médico-Legal
Prova pericial: meio de prova (outros meios passam pela prova testemunho, prova
documental,….).
Tem lugar quando a percepção ou a apreciação de factos exigem especiais conhecimentos
técnicos, científicos ou artísticos. O exemplo de uma perícia não médico-legal é o pagamento
com notas falsas ou verificação da autenticidade de obras de arte, que requerem os
especialistas em questão para a validação da falsificação.
A função do perito, no fundo, é dar resposta ao objeto da perícia, isto é, traduzir conceitos
médicos complexos em termos compreensíveis a leigos (juristas).

Autópsia Médico-Legal
Acontecem em situações de morte violenta ou de causa desconhecida, sendo ordenadas pela
autoridade judicial, só após a constatação de sinais de incerteza de morte/óbito.
O principal objetivo é o esclarecimento da causa de morte e as circunstâncias em que a
mesma ocorreu.
As etapas da autópsia são as seguintes:
I. Exame do cadáver no local: como é que o cadáver se enquadra com o local onde foi
encontrado;
II. Análise de informação: informação relativa à identidade do cadáver, como faleceu,
possíveis testemunhas no local, entre outros…
III. Exame do hábito externo: analisar a superfície corporal do cadáver, antes de
qualquer intervenção
----------Necessita de ordem judicial sob risco de crime de profanação de cadáver----------
IV. Exame do hábito interno: observação do cadáver por dentro, assim como disseção de
órgãos;
V. Exames Complementares de Diagnóstico: recolha de partes cadavéricas para se
analisar por outras ciências forenses (sangue, tecidos,…);
VI. Relatório: elaborado com termos acessíveis a leigos com toda a informação a
esclarecer em circunstâncias em que a morte aconteceu.

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Anatomia Patológica Forense
Consiste nos exames de anatomia patológica, no âmbito das atividades das delegações e
gabinetes ou dos tribunais.

Clínica Forense
Realização de perícias médico-legais em pessoas que:
• Descrição e avaliação de danos provocados na integridade físico-psíquica;
• Direito penal, civil e do trabalho.
Direito penal: crimes contra a integridade física, contra a liberdade sexual e
autodeterminação sexual.
Direito do Trabalho: consiste na análise de acidentes de trabalho.
Direito Civil: análise de acidentes de viação, assim como outros seguros e contratos.

Psiquiatria e Psicologia Forenses


Psiquiatria forense: ciência auxiliar de direito que estabelece e define os elementos
necessários ao fundamento da opinião médica que informa o juiz a respeito da aplicação da lei
aos portadores de doenças e anomalias mentais.
Psicologia forense: área disciplinar que consiste na aplicação da psicologia e dos seus
quadros teóricos e metodológicos às questões judiciais.
O que avaliam as perícias destas áreas?
• Personalidade do indivíduo;
• Avaliação da capacidade e dever de testemunhas;
• Direito de família, nomeadamente, no que concerne às responsabilidades parentais;
• Processos de promoção e proteção;
• Avaliação da imputabilidade e perigosidade;
• Avaliação do dano psíquico;
• Avaliação da interdição ou inabilitação;
• Avaliação da capacidade testamentária.

Perícias Médico-Legais Urgentes


Acontecem na observação de vítimas de violências, tendo designadamente em vista colheitas
de vestígios ou amostras susceptíveis de se perderem ou alterarem rapidamente.
Um exemplo é o exame do local em situações de vítimas mortais de crime doloso.
Assim sendo, diariamente, há um perito em serviço de escala, em cada uma das delegações do
país.

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Química e Toxicologia Forense
Permite a pesquisa e determinação das seguintes substâncias, quer em amostras biológicas,
quer não biológicas:
• Álcool etílico;
• Substâncias medicamentosas;
• Pesticidas;
• Drogas de abuso;
• Monóxido de Carbono;
• Metais.

Genética e Biologia Forenses


Consiste na investigação biológicas de parentescos (como parentalidades), na identificação
genética de cadáveres e restos cadavéricos, assim como de vestígios biológicos colhidos no
âmbito de investigação criminal.

Nexo de Causalidade Médico-Legal


Permite admitir cientificamente a existência de uma ligação entre um qualquer evento e um
estado patológico, sendo diferente de imputabilidade jurídica, culpa ou responsabilidade.
Os critérios que nos permitem afirmar um nexo de causalidade médico-legal são os seguintes:
I. Natureza do traumatismo é adequada a produzir as lesões descritas;
II. Lesões são adequadas a produzir etiologia traumática;
III. Há adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal;
IV. Há encadeamento anátomo-clínico;
V. Há adequação entre a sede do traumatismo e a sede de dano corporal;
Poderá existir uma causa estranha ao traumatismo, designada por Concausa, nomeadamente:
a) Estado intercorrente: evento ocorrido no contexto ou após o evento inicial e que
pode ser causa do estado atual;
b) Predisposição: parecido com o estado anterior, mas era ignorado ou
assintomático;
c) Estado anterior:
1. Desencadeante: estado desconhecido ou assintomático que passa a
sintomático;
2. Descompensação: estado conhecido que estava estável e passou a
evolutivo;
3. Aceleração: estado conhecido que passou a evoluir num período mais
curto;
4. Agravamento: diferença na afetação da integridade físico-química, por
contributo do evento traumático.

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Para além disso, temos de tipificar o nexo de causalidade em:
• Certo: o evento (traumatismo) foi seguramente a causa das lesões e/ou sequelas
observadas;
• Hipotética: a análise dos critérios de nexo causalidade médico-legal não consente o
seu estabelecimento com segurança, mas o perito também não o pode afastar com
segurança;
• Direto: as lesões e/ou sequelas resultam diretamente do evento (traumatismo);
• Indireto: a filiação patogénica entre a causa e o efeito é indireta (ex: traumatismo com
hemorragia importante -> necessidade de transfusão -> infeção por HIV);
• Total: não existe outra causa para as lesões e/ou sequelas, além do evento;
• Parcial: há outra causa suscetível de ter contribuído para o estado atual,
nomeadamente as concausas e fatores que determinaram uma evolução desfavorável.

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Semiologia das Lesões
Traumáticas
Trata-se da descrição e interpretação das lesões traumáticas, constituindo-se como uma das
principais funções do médico, nomeadamente:
• Registar lesões traumáticas de forma concisa, mas completa;
• Considerar o seu significado médico-legal;
• Concluir quanto às circunstâncias em que foram produzidas.

Lesão: tecido anormal num organismo vivo, que pode ser causado por doença ou
traumatismo.
Lesão traumática: obrigatoriamente produzida por agente externo.

Descrição da Lesão Traumática


Para a descrição da lesão traumática, de forma sistematizada, usamos as seguintes
identificações:
a. Tipo de lesão: agente externo e natureza da lesão;
b. Localização: nómina anatómica;
c. Forma: forma geométrica;
d. Dimensões: unidades de medida.
Esta observação clínica deve ser transposta para registos clínicos registando: lesões
traumáticas observadas, diagnóstico e intervenções terapêuticas, devendo-se avaliar as
consequências.

Agentes Externos
a) Mecânicos
Devemos registar a natureza da ação, que neste caso, significa que o tipo de lesão traumática é
determinado pela superfície de contato entre o instrumento e o corpo da vítima. Podendo ser:
• Contundente: superfície de contato plana ou romba;
• Cortante: superfície de contato linear (gume);
• Perfurante: superfície de contato perfurante;
• Mistos (mesmo instrumento dá origem a lesões com caraterísticas de diferente
natureza de ação):
o Corto-perfurantes: ação de uma ponta ou, pelo menos, um gume;

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o Contuso-perfurante: superfície romba/plana e depende da forma/trajeto
derivado da elevada energia cinética do instrumento na vítima;
o Corto-contudente: superfície linear animada de grande energia cinética
(devido a elevado peso ou velocidade de instrumento).
Instrumentos Contundentes
Como exemplo de instrumentos contundentes temos:
• Naturais (mãos, pés, unhas, dentes …);
• Objetos;
• Armas;
• Solo (queda do próprio nível/queda de local elevado);
• Veículos (acidente de viação, “trucidação”).
Trata-se da ação de uma superfície romba na superfície corporal que comprime/esmaga os
tecidos, transmitindo-lhes energia cinética. O tipo de lesões (equimose, escoriações ou ferida)
dependem:
1. Direção da força aplicada na superfície corporal (perpendicular, oblíqua,
paralela/tangencial);
2. Intensidade da ação (EC= ½ m * v2);
3. Área de superfície de contato;
4. Caraterísticas do local de aplicação.
Equimose
A equimose é uma lesão vascular subcutânea, onde surge a área da hemorragia por rotura de
pequenos vasos sobre a pele intacta, com infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes devido
ao efeito de bomba do coração. A rotura dos pequenos vasos acontece por:
• Esmagamento: força aplicada comprime ou esmaga os vasos sanguíneos;
• Estiramento: força aplicada num tecido gera uma resistência aos movimentos dos
tecidos adjacentes, criando 2 planos adjacentes que se movem em sentidos opostos, ou
seja, a intensidade da força pode exceder a resistência dos vasos;
• Hematoma: rotura de vasos sob pele intacta, com coleção de sangue sob a pele, mais
nos locais onde o tecido conjuntivo é mais laxo.
De referir, a equimose pode não apresentar um ponto de aplicação específico.
Para além disso, é possível perceber em que período se encontra a equimose pois há uma
evolução por cores, sendo que este tempo de evolução é variável (dias-semanas). Esta
evolução acontece por degradação de hemoglobina através dos seguintes estádios:
1. Vermelho-arroxeado, roxo-azulado, preto-arroxeado;
2. Azul-esverdeado;
3. Verde-amarelado;
4. Amarelado, acastanhado.

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Escoriação
Consiste numa solução de continuidade da epiderme, que não atinge toda a espessura da pele,
apenas as camadas mais superficiais, sendo que, como não há vasos na epiderme,
teoricamente não sangra. Contudo, pode haver lesão de papilas dérmicas, originando aí uma
hemorragia. De destacar, que a escoriação apresenta sempre no ponto de aplicação.

Lesão Modulada
Trata-se de uma lesão figurada, que apresenta a forma ou o contorno do instrumento que a
produziu.

Ferida Contusa
Consiste numa solução de continuidade atingindo todas as camadas da pele, com exposição de
tecido celular subcutâneo, bordos e fundo irregular, com pontes de tecido e que, apresenta
uma equimose ou escoriação circundante.

Escara
Resulta de ação de natureza contundente persistente, associada a indivíduos com mobilidade
reduzida.

b) Armas Brancas
De acordo com a lei nº5/2006, 2º artigo, alínea m), arma branca é todo o objeto ou
instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-
contundente, de comprimento mínimo de 10 cm e independente das suas dimensões, as facas
borboleta, facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, estiletes
com lâminas ou haste e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões.
A natureza da ação poderá ser:
• Cortante: ação do gume;
• Corto-perfurante: ação do gume e ponta;
• Corto-contundente: ação do gume com elevada energia cinética (instrumento pesado
ou animado de grande velocidade);
• Perfurante: ação da ponta.

Ferida Cortante/Incisa
Trata-se de uma ferida que causa separação de tecidos à passagem do gume paralelamente à
pele, sendo mais comprida que profunda, de forma linear ou fusiforme, com bordos fundos e
regulares. É uma ferida mais profunda no início, tornando-se mais superficial no fim,
apresentando uma escoriação terminal.

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Ferida Corto-Perfurante
Consiste numa ação da ponta e do gume perpendicularmente à pele, sendo uma ferida mais
profunda que comprida e é uma importante causa de morte.

Ferida Corto-Contundente
Trata-se de uma ação do gume, com elevada energia cinética derivada de elevado peso do
instrumento ou elevada velocidade do mesmo.

Ferida Perfurante
Acontece através de uma superfície de contato punctiforme, mais profunda que comprida.
Originada ou por um movimento do instrumento perpendicular à pele, criando uma ferida
circular, ou por um movimento do instrumento oblíquo, criando uma ferida ovalada ou em
fenda.

Tipo de Lesões
Podem acontecer diversos tipos de lesões, nomeadamente:
• Lesão de defesa ativa: resulta da ação de agarrar ou afastar o instrumento, ocorrendo
normalmente presente na face palmar das mãos.
• Lesão de defesa passiva: resulta da ação de proteger o corpo com os membros,
estando mais presente no bordo cubital e face dorsal das mãos.
• Lesões de ensaio: acontece em locais acessíveis como punho, pescoço, entre outras…,
com lesões paralelas entre si, o que resulta da hesitação em causar a lesão traumática.

Projéteis de Armas de Fogo


Trata-se de ações de natureza contuso-perfurante através de:
• Instrumento cónico ou cilíndrico;
• Extremidade romba ou plana;
• Grande energia cinética devido a grande velocidade;
• Ferida contuso-perfurante com profundidade e trajeto.

As armas de fogo podem ser:


• Cano curto: cano com < 30 cm e dimensão total < 60 cm;
• Cano longo: cano com > 30 cm ou comprimento toal > 60 cm.
Relativamente às armas de fogo longas, algumas têm canos com estrias que, para além de
permitirem uma trajetória horizontal, imprimem um vetor de movimento angular, que mantém
a estabilidade da trajetória.

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A maioria das armas de fogo curtas também têm alma (interior do cano) estriada. As armas
longas podem-se também diferenciar em:
• Arma de fogo longa com alma estriada -> carabina;
• Arma de fogo longa com alma lisa -> espingarda.
Em termos de munição, esta é constituída por:
• Projétil (disparado pela arma);
• Cápsula (tem pólvora ou carga propulsora);
• Primer/fulminante (nos cartuchos, poderá existir uma
bucha que sele os projéteis)

Ferida de Entrada em Disparo de Contato


Trata-se de uma ferida de entrada circular, única, exceto em áreas com osso próximo da
superfície (origina uma ferida de aspeto estrelado e irregular). Os gases e produtos da
combustão são depositados no trajeto, no interior da ferida, sendo que não há orla de limpeza,
depósito de fumo ou tatuagem. Estas lesões são moduladas pelo cano da arma.
Ferida de Entrada a Curta Distância
Ferida única e circular, com queimadura dos pêlos e ele, com orla de contusão e orla de
limpeza, orla de tatuagem e depósito da nuvem de fumo. A trajetória do disparo influencia a
forma da ferida de entrada.
Orla de Tatuagem (indelével)
Consiste nos resíduos de disparo expelidos pelo cano da arma, projetados com elevada
energia cinética, a grande velocidade, incrustando-se na pele.
Orla de Tatuagem Delével (Depósito de fumo)
Trata-se de resíduos de disparo expelidos pelo cano da arma, que se depositam na pele,
desaparecendo com lavagem suave com água.
Orla de Limpeza
Resulta de resíduos de disparo que acompanham o projétil e fica na roupa do indivíduo,
podendo existir mesmo para disparos a longa distância, dado que viajam na superfície do
projétil. Estas orlas permitem identificar a distância do disparo e calcular a quantidade de
munição, identificando o projétil:
• Se orla de limpeza sem orla de tatuagem -> longa distância;
• Se orla de tatuagem sem orla de limpeza -> curta distância;
• Se ambas -> média distância.
Orla de Contusão
Existe uma ferida com área escoriada à volta, com uma equimose circundante, dando-nos a
ideia da direção do disparo.

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Ferida de Entrada a Longa Distância
Quanto maior a distância, maior a dispersão de projéteis e mais orifícios na pele, designados
orifício satélite. O cano da alma lisa origina uma ferida muito variável, nomeadamente uma
ferida central irregular com orifícios satélite, podendo deixar de existir ferida central.
Neste caso não há queimadura, orla de tatuagem, nem depósito da nuvem de fumo. No
entanto, há manutenção da área de limpeza e orla de contusão.
Trajeto no Corpo e Lesões nos Ossos do Crânio
O orifício no crânio tem forma de cone/bisel com menor diâmetro no lado de entrada e maior
diâmetro do lado de saída, permitindo identificar a direção do disparo.
Feridas de Saída
Apresentam caraterísticas variáveis. Normalmente são mais irregulares que feridas de entrada
e têm bordos evertidos. Não têm área de depósito de nuvem de fumo, área de limpeza nem
área de tatuagem. Pode existir uma orla de contusão, mas apenas se corpo estiver apoiado
contra superfície dura no local de saída do projétil (em situações normais não existe orla de
contusão).

Agentes Externos Físicos


a) Queimaduras
As queimaduras podem-se classificar em diversos graus, consoante a gravidade, tais como:
1. 1º grau: afeta apenas a epiderme, apresentando-se com rubor, mas sem soluções de
continuidade;
2. 2º grau: estende-se até à derme papilar, manifestando-se com flictenas, rubor na pele
adjacente (feridas de 1º grau), soluções de continuidade que surgem por rotura de
flictenas;
3. 3º grau: estende-se até à derme reticular, manifestando uma cor
esbranquiçada/amarelada, pele seca e podem existir flictenas, íntegras ou não;
4. 4º grau: ultrapassa a derme, apresentando uma cor esbranquiçada ou acastanhada,
dura, sendo que esta pele manifesta uma textura tipo couro;
5. 5º grau: afeta ossos e músculos, manifestando uma cor negra, com carbonização.
Queimaduras Térmicas
As queimaduras térmicas podem acontecer de diversos modos, nomeadamente:
• Sólidos quentes: tem bordos bem definidos, lesões modeladas, pêlos derretidos ou
destruídos;
• Líquidos quentes: apresenta formas e sulcos em relação com a ação da gravidade,
pêlos íntegros, sendo que pode atingir áreas que se encontravam cobertas;
• Vapores quentes: muito extensas, pouco profundas, podem atingir áreas previamente
cobertas;
• Chamas de fogo: apresenta limites mal definidos, lesões extensas, podendo existir
carbonização, com poupança de pregas cutâneas e áreas cobertas, mas com pêlos
queimados.

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Carbonização
Consiste na combustão da gordura subcutânea, que constitui massas de cor preta, no tecido
celular subcutâneo. Surge em tecidos com cor pálida/acastanhada, apresentando um aspeto
“cozido”. No fundo, ocorre coagulação de proteínas, com encurtamento e repuxamento de
músculos e tendões, flexão dos membros e postura de “pugilista”.
Efeitos Sistémicos
• Hipertermia;
• Golpe de calor;
• Desidratação.

b) Queimaduras Térmicas pelo Frio


Não ocorre carbonização. O mecanismo de queimadura pelo frio é o seguinte:
1. Vasoconstrição, que conduz a trombos, consequentemente ocorre isquemia dos tecidos
nas extremidades e, por conseguinte, necrose;
2. Estado pró-trombótico;
3. Hipotermia.

c) Eletricidade
Exposição a corrente elétrica
Os efeitos dependem de:
• Corrente (alternada vs contínua);
• Diferença de potencial (“Voltagem”);
• Intensidade (amperes);
• Resistência;
• Tempo de exposição;
• Percurso da corrente no corpo.
Queimadura Elétrica
Se há contato firme, surge área crateriforme moldada pelo objeto, semelhante a flictena, com
bordos elevados e rodeado por área pálida. Se exposição ocorrer por faísca, encontramos um
nódulo avermelhado ou múltiplos pequenos nódulos com área envolvente pálida. Muitas
vezes, as queimaduras elétricas são moldadas, com forma de material condutor/cabo elétrico.
Poderão existir figuras arborescentes, resultantes da exposição a corrente de alta intensidade
(ex: relâmpago), sendo que se traduz na tentativa da eletricidade em procurar o percurso de
menor resistência.
Efeito de Joule: passagem da corrente elétrica leva a produção de calor e ao surgimento de
queimadura térmica.

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Efeitos de Passagem da Corrente
Vai originar algumas consequências como:
• Paralisia dos centros respiratórios do cérebro;
• Fibrilhação ventricular;
• Paralisia dos músculos respiratórios;
• Espasmo muscular mantido (tetania);
• Marcas de entrada e de saída.
Corrente elétrica vai lesar devido à diferença de potencial existente em tecidos humanos. Se
existir corrente contínua, o músculo esquelético entra em fadiga por depleção de cálcio,
enquanto numa corrente A/C não acontece.
Fulguração
Consiste na exposição a eletricidade atmosférica. Estas vítimas apresentam:
• Perda de consciência;
• Queimaduras; Imediata

• Surdez;
• EAM;
• Hemorragia Cerebral; Tardio
• Cataratas;
• Morte

Radiação
Acontece por exposição a ondas eletromagnéticas que poderão ser de origem natural ou
artificial (ex: médicos). É causa de doenças profissionais como em médicos, enfermeiros,
técnicos e é regida pelo direito do trabalho. É causa de dano corporal em todos os anteriores,
doentes e público em geral, sendo regida pelo direito civil. A energia converte-se em calor e
vai originar queimaduras térmicas (ex: radionecrose). Os efeitos a longo prazo passam por:
• Neoplasias;
• Infertilidade;
• Malformações (grávida/feto).

Agentes Externos Químicos


Trata-se de uma substância química que em contato com pele ou mucosa pode originar efeito
de necrose celular, designado por queimadura química, especialmente por ácidos e bases
fortes.

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a) Queimaduras Químicas
Surgem nos locais onde o líquido é derramado, exceto no suicídio, que pode ser ingerido.
Têm limites bem definidos, com profundidade semelhante em toda a lesão. Forma sulcos,
orientados de acordo com a ação da gravidade, podendo existir sulcos. Deve-se reconstruir a
posição da vítima e circunstâncias da morte (etiologia médico-legal acidental, suicida ou
homicida). Quando ingerido podem existir lesões nos lábios, mandíbula, pescoço, peito e
mãos ou podem ser lesões modeladas, se existir um recipiente. As principais caraterísticas
destas queimaduras são:
• Muito variáveis;
• Identificar agente químico.

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Asfixiologia
O que é a Asfixia?
A palavra provém do grego, que significa: falta de ar. Resulta da incapacidade das células em
receber ou usar oxigénio:
Hipóxia: privação parcial de oxigénio;
Anóxia: privação total de oxigénio.
O encéfalo é o órgão mais sensível à falta de oxigénio.

Fases de Asfixia
1. Dispneia inicial: a diminuição de oxigénio conduz a perda de consciência em 15-20
segundos;
2. Convulsão: aumento de dióxido de carbono, que conduz a convulsões;
3. Dispneia terminal: ainda existem movimentos reflexos, com paragem cardíaca e
alterações irreversíveis.

Sinais Gerais de Asfixia


Assim que começa o processo de asfixia, surgem:
• Petéquias;
• Edema e congestão, por diminuição do retorno venoso;
• Cianose, principalmente nas mucosas, subungueal;
• Ingurgitamento das cavidades cardíacas direitas;
• Sangue fluído (não encontramos coágulos);
• Sinais locais de asfixia (que vão depender do tipo de asfixia).

Tipos de Asfixia
a) Asfixias Mecânicas/Anoxias Anóxicas
Sufocação: obstrução à passagem do oxigénio até aos alvéolos pulmonares.
Confinamento
Consiste numa asfixia por inalação de atmosfera inadequada, sendo que o diagnóstico
depende da informação circunstancial. Os principais mecanismos são:
• Quantidade de ar limitado por consumo de O2 e aumento da libertação de CO2;
• Deslocação de O2 por outros gases (ex: hélio).

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Compressão Torácica
Acontece quando há restrição de movimentos respiratórios, particularmente inspiratórios e
estabelece-se de forma gradual. Temos como exemplo os acidentes de viação, quedas de
estruturas ou derrocadas. O diagnóstico é feito através de:
• Sinais gerais de asfixia;
• Máscara equimótica: petéquias confluentes superiormente à área de compressão
(tórax, cabeça e pescoço);
• Palidez inferiormente;
• Informação circunstancial com exame do corpo no local.
Asfixia traumática: compressão rápida ou por objeto pesado, com aparecimentos de lesões
traumáticas (contundentes);
Asfixia postural: restrição de movimentos respiratórios pela posição do corpo.

Obstrução dos Orifícios Respiratórios


Obstrução das narinas e da boca, quer por mãos, que apresenta:
• Lesões traumáticas nos tecidos moles em redor dos orifícios respiratórios;
• Estigmas ungueais;
• Etiologia médico-legal homicida;
Quer seja por objeto maleável, que se apresenta com:
• Podem não existir lesões traumáticas;
• Qualquer etiologia médico-legal.
O diagnóstico é feito com base na informação circunstancial e com exame do corpo no local.
Engasgamento
Obstrução ao nível das vias aéreas superiores (laringe, traqueia ou brônquios), por alimentos
ou corpos estranhos. Diferente do edema da glote onde se podem encontrar sinais
relacionadas com exposição ao alergénio (picada de inseto, venopunção…).
Soterramento
Obstrução das vias aéreas periféricas (pequeno calibre) por fragmentos de pequenas
dimensões (areia, terra).
Aspiração de Material Estranho
Obstrução das vias aéreas periféricas (pequeno calibre) e alvéolos pulmonares. Há inspiração
de material pastoso ou líquido como conteúdo gástrico, sangue (morte violenta vs natural),
água e muco (ex: pneumonia).

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b) Anoxias Anémicas
Neste tipo de anoxia, há compromisso das trocas gasosas na membrana alvéolo-capilar, com
diminuição da hemoglobina disponível para transportar O2 e diminui o oxigénio em
circulação.
Hipovolemia
Acontece por hemorragia significativa, que diminui os eritrócitos disponíveis para transporte
de oxigénio, podendo ter origem traumática ou não traumática.
Inalação/Intoxicação por CO
O monóxido de carbono forma ligação irreversível com a hemoglobina, formando
carboxihemoglobina, que impede a captação e transporte O2. Nas vítimas por intoxicação por
CO, identificamos livores (manchas de coloração arroxeada que surgem a favor da gravidade)
carmim e lesões pelo fumo. Confirmamos o diagnóstico através do doseamento da
carboxihemoglobina.

c) Anoxias Circulatórias
Asfixias por constrição de pescoço, obstrução a nível cervical, de passagem de sangue
oxigenado para o cérebro (e do retorno de sangue venoso do cérebro). Pode ou não coexistir
sufocação porque pode, ou não, existir compressão da via aérea.
Enforcamento
Constrição do pescoço por meio de um laço, sendo a força aplicada pelo peso do corpo da
vítima. O mais comum é a etiologia médico-legal suicida, mas não é exclusiva. O principal
sinal geral de asfixia é a máscara equimótica. Pode existir um sulco, normalmente alto ou
situado na região submandibular ou em V invertido, com vértice no ponto de suspensão. A
suspensão incompleta ocorre deteta-se através de:
• Sulco que pode surgir em posição mais baixa;
• Mais horizontal;
• Pode simular estrangulamento;
• Diagnóstico mais difícil.
Estrangulamento
Constrição por meio de um laço, em que a força aplicada por outro meio que não o peso da
vítima. Aparece um sulco mais horizontal e num nível inferior. Surge em qualquer etiologia
médico-legal.
Esganadura (Estrangulamento Manual)
Constrição do pescoço por meio de mãos, não existindo nenhum sulco e estando muito
relacionada com a etiologia médico-legal homicida. Contudo, manifestam-se lesões
traumáticas produzidas pelas mãos:
• Mãos e dedos -> equimoses e escoriações;
• Unhas -> estigmas ungueais (escoriações modeladas).

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d) Anoxias Histotóxicas
No fundo, vai ocorrer inibição da respiração celular e de enzimas da fosforilação oxidativa. A
administração de cianetos promove:
• Inibição do citocromo oxidase mitocondrial;
• Livores rosados;
• Ausência de lesões traumáticas;
• Sinais de irritação ou lesões nas mucosas respiratórias e digestivas superiores (agente
externo químico).
Estão presentes em qualquer etiologia médico-legal.

Afogamento
Trata-se de uma asfixia por imersão em meio líquido que resulta da entrada de água nas vias
aéreas. Pode-se observar:
• Espuma de bolhas finas e aderentes à mucosa das vias aéreas, resultante da mistura de
água, muco e surfactante;
• Cogumelo de espuma: espuma de bolhas finas exteriorizadas pelos orifícios
respiratórios.
Vai apresentar diferentes propriedades consoante:
1. Água doce:
a. Hipotónica, ocorrendo hemodiluição e, consequente, hemólise;
b. Alteração equilíbrio Na+/K+;
c. Arritimia, nomeadamente fibrilação ventricular e, consequentemente,
morte;
2. Água salgada:
a. Hipertónica, com consequente hemoconcentração;
b. Pode causar edema pulmonar agudo e hipoxia;
c. Asfixia por obstrução dos alvéolos, que pode originar sufocação.

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Toxicologia Forense
Conceitos
Tóxico: substância que provoca no organismo a nível celular ou molecular, alterações de
elementos bioquímicos fundamentais para a vida e tem efeito dose-dependente.
Veneno: substância tóxica que tem capacidade inerente de produzir efeitos deletérios sobre o
organismo.
Toxina: substância tóxica produzida na natureza.
Intoxicação: conjunto de doenças (sinais e sintomas) que resultam da presença no organismo
de um tóxico.

Definição
A toxicologia estuda:
• Propriedades físicas e químicas do agente tóxico;
• Efeito dos agentes tóxicos;
• Métodos de análise em amostras;
• Diagnóstico de intoxicações;
• Interpretação de resultados laboratoriais;
• Métodos de tratamento das intoxicações.
A toxicologia forense aplica-se a conhecimentos e técnicas de toxicologia na resolução de
problemas legais.

Toxicocinética
Absorção
Transferência de uma substância química, do seu local de exposição para a circulação
sistémica. As principais vias de absorção são:
• Digestiva;
• Parentérica;
• Respiratória;
• Cutânea.
Devem ser investigadas as circunstâncias em que ocorreu a administração do tóxico.

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Distribuição
Transferência das substâncias da circulação sistémica para o espaço extracelular, podendo
entrar nas células. Ocorre uma ação sobre células -alvo (sinais e sintomas).
Armazenamento: acumulação de substâncias em local que pode ser diferente do local de
ação.
Isto permite o diagnóstico clínico e colheita de amostra para exame analítico.
Metabolismo
Conjunto de reações químicas, catalisadas por enzimas, que transformam as substâncias
químicas nos seres vivos. Os metabolitos podem ser:
• Metabolito ativo: aumenta ou mantém toxicidade;
• Metabolito inativo: diminui ou não há toxicidade;
• Destruição do tóxico
Permite a interpretação do exame analítico.
Excreção
Processo físico de remoção de substâncias químicas ou dos seus metabolitos para o meio
externo através de urina, bílis, fezes, ar expirado, suor, saliva… É necessária a colheita de
amostras para o exame analítico.

Tóxicos
Voláteis: etanol;
Substâncias medicamentosas: psicotrópicos (ansiolíticos, antipsicóticos, antidepressivos),
anestésicos, analgésicos, etc…
Drogas de abuso: opióides, canabinóides, cocaína, anfetaminas, alucinogénios, outros…
Pesticida: paratião, paraquato, dimetoato…
Metais pesados: arsénio, alumínio, mercúrio, etc…

Etanol
Consumo tem implicações legais, quer no código da estrada, quer no código penal. As
intoxicações agudas podem acontecer com as seguintes etiologias médico-legais:
1. Acidentais:
a. Acidentes de viação;
b. Acidentes de trabalho;
c. Outros acidentes;
d. Morte por intoxicação etílica aguda;
2. Homicida:
a. Concentração de etanol elevada em vítimas;
b. Morte por intoxicação etílica aguda é rara;

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c. Interação com outras substâncias.
Consumo Crónico
Pode ter algumas consequências como:
• Doença hepática crónica -> cirrose;
• Pancreatite;
• Miocardite;
• Encefalopatia da Wernicke-Korsakoff;
• Doenças psiquiátricas;
• Morte.
Toxicocinética
A principal via de absorção é digestiva, sendo que a distribuição ao SNC é onde se produzem
os principais efeitos agudos. A metabolização é hepática, em 90% dos casos, podendo ocorrer
interações medicamentosas. A excreção acontece 5-10% pela urina, sendo que também poderá
ser excretada na saliva, ar expirado e suor.
O doseamento do etanol no ar expirado é o que permite estimar a sua concentração no sangue,
usada para fazer cumprir o código da estrada.
Toxicodinâmica
O álcool apresenta efeitos estimulantes, inicialmente, e depressores mais tardiamente e as
manifestações são as seguintes:
• Euforia, excitação, perda de autocontrolo, desinibição, aumento do tempo de reação,
alterações visuais -> contribui para acidentes de viação;
• Desinibição, perda de autocrítica, instabilidade emocional, irritabilidade e
agressividade -> crimes contra integridade física, vida e liberdade sexual;
• Alteração/degradação sensitiva e cognitiva, discurso lentificado, dificuldade de
marcha, sonolência -> acidentes;
• Depressão de centros cardíaco, respiratório e vasomotoras, coma e depressão
respiratória -> morte.

Medicamento
Trata-se de toda a substância/associação de substâncias apresentada como possuindo
propriedade curativas ou preventivas de doenças em seres humanos ou do seus sintomas ou
que possa ser usada/administrada no ser humano com vista a estabelecer um diagnóstico
médico ou exercer uma ação farmacológica, imunológica ou metabólica a restaurar, corrigir
ou modificar funções fisiológicas.

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Intoxicações Medicamentosas
Poderão ser acidentais:
• Toma inadvertida;
• Interações com outros medicamentos;
• Erro na administração;
• Auto-prescrição.
Ou poderão ser suicídio:
• Acesso fácil;
• Conhecimento dos efeitos;
• Ausência de violência física;
• Associação entre psicofármacos e etiologia médico-legal suicida;
Ou poderá ainda ser homicídio.
Para determinar a etiologia médico-legal é necessário saber informação circunstancial, como
o exame do corpo no local e informação testemunhal, a informação clínica, o efeito
toxicológico e, no caso do óbito, preencher o BIC e os registos clínicos.

Drogas de Abuso
Consumo com fins não terapêuticos e que pode ter efeitos estimulantes, depressores ou
alucinogénicos, a nível do SNC. A dependência poderá ser:
• Metabólica com síndrome de privação e sinais e sintomas;
• Psíquica com alterações do comportamento;
• Efeitos adversos desaparecem com consumo.
Tolerância: necessidade de doses maiores para obter o mesmo efeito.
Efeitos
Poderão ser diretos:
• Euforia e hiperexcitabilidade;
• Delírios;
• Alucinações;
• Depressão/apatia.
Ou indiretos como:
• Angústia;
• Ansiedade;
• Insónia;
• Alterações cognitivas, de personalidade e de comportamento.

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O risco aumentado acontece quando há exposição a violência/criminalidade (furto, roubo,
prostituição, mendicidade), frequentemente em meios mais marginais para aquisição/consumo
de substâncias. Acontece inclusivamente aumento da suscetibilidade a acidentes e risco de
contrair doenças.
Etiologia Médico-legal
Mortes relacionadas com drogas de abuso podem não ser atribuíveis diretamente ao efeito
tóxico da droga de abuso, mas podem existir mortes relacionadas com a circunstância das
drogas de abuso.
A morte provocada diretamente por droga de abuso pode ocorrer isoladamente ou associada a
outras substâncias.
A legislação do combate às drogas e regime jurídico do consumo de estupefacientes envolve:
• Combate ao tráfico de drogas;
• Limitar a produção e consumo;
• Tratamento espontâneo (deve-se garantir o sigilo);
• Exame médico, nomeadamente se há indícios de que a pessoa é consumidora habitual,
pondo em grave risco a sua saúde ou revelando perigosidade social, pode ser ordenado
pelo Ministério Público da comarca da sua residência, e exame médico adequado.

Pesticidas
Substâncias usadas para destruir fauna e flora prejudicial à agricultura, sendo
carateristicamente muito tóxicos. Quanto à etiologia médico-legal poderá ser:
• Acidental (trabalho, domésticos…);
• Suicida (fácil acesso);
• Homicida (raro).

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Introdução à Clínica Forense
Perícia Médico-Legal
De acordo com a portaria nº 19/2013, as UFCF são responsáveis pela realização de exames e
perícias em pessoas, com os seguintes objetivos:
a. Para descrição e avaliação de danos provocados na integridade psicofísica, nos
diversos domínios do Direito, designadamente Penal, Civil e Trabalho;
b. De natureza psiquiátrica e psicológica forenses;
c. Outros atos neste domínio, designadamente avaliações de natureza social.
No fundo, a perícia médico-legal serve para avaliar danos corporais, por parte de peritos
médicos usando conhecimentos técnico-científicos, num determinado quadro jurídico.
Envolve os diferentes âmbitos do Direito, apresentando metodologias comuns, mas diferentes
parâmetros e finalidades.
Meio de prova: é ordenada por entidades judiciais ou judiciárias, sendo que pode ser
solicitada por entidades privadas.
Ato Médico: segue a leges artis.
Perícias no Âmbito do Direito Penal
Tem como finalidade proteger bens jurídicos (vida, integridade física, liberdade e
autodeterminação sexuais, etc…), assim como punir o agressor. Envolve os seguintes crimes:
1. Crimes contra Integridade Física:
a. Ofensa à integridade física simples (artº 143 do Código Penal);
b. Ofensa à integridade física grave (artº 144);
c. Violência Doméstica (artº 152);
d. Maus-tratos (artº 152 - A);
2. Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (artº 163-176 do Código
Penal).
Perícias no Âmbito do Direito de Trabalho
Tem como finalidade avaliar o dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência
de acidente de trabalho, com redução das capacidades de ganho, assim como tratar e
compensar o trabalhador.
Perícias no Âmbito do Direito Civil
Funciona de acordo com o princípio jurídico da reparação integral dos danos. Isto é, numa
ofensa à personalidade física ou moral, todos os danos devem ser avaliados, e instituído o
direito à indeminização.
Para além da avaliação do dano, devem ser realizados as seguintes funções:
• Avaliação do estado de saúde (para Contratos de seguro e ações de despejo);
• Identificação (Determinação do sexo e estimativa de idade biológica).

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Perícia Médico-Legal Urgente
De acordo com a lei 45/2004, artigo 13º, a perícia médico-legal urgente permite assegurar
com brevidade a observação de vítimas, para colheita de vestígios ou amostras, mas também o
exame do local em situações de vítimas mortais de crime doloso ou em que exista suspeita de
tal.

Perito Médico
O perito médico é o responsável pelas perícias, relatórios e pareceres por si realizados. Este
goza de autonomia, mas está obrigado a respeitar as normas, modelos e metodologias em
vigiar no INMLCF.
A principal função é dar resposta ao objeto de perícia, usando termos simples, compreensíveis
por não médicos (juristas), de modo a permitirem o acesso à informação relevante. Para a
correta administração da justiça, a perícia deverá obedecer aos princípios seguintes:
• Isenção;
• Imparcialidade;
• Rigor;
• Objetividade.

Examinados
As vítimas de violência poderão ser por: agressão, acidente de viação, acidente de trabalho ou
outros acidentes.
Trauma: consiste num evento súbito e inesperado, não familiar à vítima, sendo fora do seu
controlo e ameaçando o seu bem-estar. Poderá implicar stress e mecanismos de adaptação
diferentes. O trauma poderá ser físico ou psicológico.

Vítimas de Violência
Quando a vítima de violência chega aos serviços de saúde:
• Assistência (quando urgente) é prioritária;
• Deve-se documentar história (anamnese) e lesões (exame objetivo) nos registos
clínicos;
• Deve-se referenciar e proteger;
• Informar sobe serviços disponíveis;
• Informar sobre reações físicas, psicológicas e emocionais são de esperar;
• Informar sobre o plano de tratamento/seguimento;
• Devolver o controlo à vítima.

Medicina Legal e Ciências Forenses 31


Avaliação do Dano Corporal
O objeto da perícia corresponde à pessoa no seu todo. Envolve 3 pontos cruciais:
1. Corpo: os aspetos biológicos;
2. Funções: capacidades físicas e mentais, independentemente do meio que a rodeia;
3. Situações de vida: confronto entre a pessoa e o meio físico, social e cultural (AVD,
atividades de lazer, trabalho, etc…).
É importante considerar o evento traumático, e avaliar os danos temporários, nomeadamente
as lesões. De seguida, poderá acontecer uma de 2 situações:
• Cura -> Restitutio ad integrum;
• Consolidação -> danos permanentes (sequelas).

Conceitos Gerais
Cura médico-legal: recuperação total das lesões sofridas;
Consolidação médico-legal: lesões vão evoluir e originar sequelas. Diferente da
estabilização médico-legal, cuja reabilitação e reintegração familiar, social e profissional
bloqueiam a evolução da lesão.
Nexo de causalidade (já anteriormente explicado), segue os critérios de Simonin, que são os
seguintes:
• Natureza do traumatismo é adequado a produzir as lesões descritas;
• Lesões são adequadas a uma etiologia traumática;
• Encadeamento anátomo-clínico;
• Adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal;
• Adequação temporal entre o traumatismo e dano corporal;
• Exclusão de pré-existência de dano corporal;
• Exclusão da existência de uma causa estranha ao traumatismo.

Relatório Pericial
Segue o modelo em vigor no INMLCF, contendo os seguintes tópicos:
1. Prêambulo
Local onde se ocorre a identificação do processo, o tipo e data do exame, assim como o
número de processo do Tribunal. Para além disso, é identificado também o examinado.
2. Informação
É descrita a história do evento, os dados documentais e os antecedentes.
A história do evento é onde se descreve o relato do examinado, a descrição do traumatismo,
nomeadamente a data, o local, o tipo de traumatismo e as circunstâncias. Para além disso,
consideramos também as consequências do traumatismo como lesões traumáticas, assistência

Medicina Legal e Ciências Forenses 32


médica, tratamento, complicações, seguimento da consulta, datas de alta (internamentos,
consultas) e reinício/alterações da atividade profissional.
Os dados documentais são fundamentais para a avaliação do dano corporal, especialmente se
as lesões já apresentarem alguma evolução. É onde se procede à descrição cronológica dos
elementos relevantes que constem na documentação como: data do evento traumático, lesões
traumáticas, estabelecimentos de saúde onde foi assistido, tratamentos, complicações,
seguimento em consulta, exames complementares de diagnóstico, data de alta e outras
avaliações do dano já realizadas.
Por fim, os antecedentes são relevantes e podem influenciar o resultado final do evento em
apreço, assim como auxiliar no nexo de causalidade médico-legal. Deve-se avaliar os
antecedentes familiares e pessoais, nomeadamente patológicos e/ou traumáticos.
3. Estado atual
Devem ser avaliadas as queixas, o exame objetivo e os exames complementares de
diagnóstico.
As queixas são analisadas a dois níveis:
• A nível funcional: avalia-se a postura, deslocamento e transferências, a manipulação
e apreensão, a comunicação, a cognição e afetividade, o controlo de esfíncteres, o
sentido e percepção, a sexualidade e procriação e os fenómenos dolorosos;
• A nível situacional: envolve os atos de vida diária, a vida afetiva, social e familiar e a
vida profissional ou de formação.
No exame objetivo é necessário avaliar o estado geral da pessoa, descrevendo
minuciosamente as lesões ou sequelas, nomeadamente o topo, localização, cor e dimensões.
Deve-se também descrever alterações resultantes de estado anterior e fazer a
fotodocumentação, com escalas, do geral para o particular e, claro, com consentimento do
examinado.
Os ECD devem ser solicitados pelo perito para perícias complementares de especialidade e
devem-se referir, inclusivamente, a data e local da realização, assim como descrever as
conclusões dos exames.
4. Conclusões Preliminares
Apenas se incluem se não for possível concluir a perícia, pois não se atingiu a
cura/consolidação médico-legal, é necessária mais informação clínica e mais perícias/exames
complementares.
Devem-se indicar os elementos necessários para concluir a perícia, fundamentando a
necessidade dos mesmos.
5. Discussão
A discussão envolve a fundamentação do nexo de causalidade médico-legal, da data de cura
ou consolidação médico-legal, interpretando o exame efetuado e fundamentando a valorização
dos parâmetros do dano, quer se trate de danos temporários ou permanentes.
6. Conclusões
Inclui o nexo de causalidade médico-legal, a data de cura/consolidação médico-legal e outros
parâmetros do dano a atribuir.
Este é um capítulo curto e conciso.

Medicina Legal e Ciências Forenses 33


Avaliação do Dano Corporal
Pós-Traumático em Sede de
Direito do Trabalho
De acordo com a lei 98/2009 (Lei dos acidentes de trabalho), deve ser avaliado o dano
corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho, com redução
das capacidades de ganho.
Acidente de Trabalho: aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza
direta ou indiretamente a lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a
redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
O conceito do acidente de trabalho estende-se às seguintes situações:
1. No trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste;
2. Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito
económico para o empregador;
3. No local de trabalho ou fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou de
atividade de representante dos trabalhadores;
4. No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora
do local de trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal
frequência;
5. No local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal
efeito;
6. No local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento
em virtude de anterior antecedente e enquanto aí permanecer para esse efeito;
7. Em atividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por
lei aos trabalhadores com processo de cessação do contrato de trabalho em curso;
8. Fora do local ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços
determinados pelo empregador ou por ele consentidos.

Descaraterização do Acidente
Para avaliação do dano provocado, deve ser descaraterizado o acidente quando:
• For dolosamente provocado pelo sinistrado;
• Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
• Provier de ato ou omissão que importe violação das condições de segurança, sem
causa justificativa;
• Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado.

Medicina Legal e Ciências Forenses 34


Responsabilidade
A responsabilidade provém do empregador para a companhia seguradora, seguindo o artº 283
do Código de Trabalho.

Reparação
A reparação pode acontecer de 2 formas:
1. Espécie: através do acompanhamento e tratamento médico, de intervenções cirúrgicas,
próteses, entre outros…;
2. Dinheiro: através do pagamento de indemnizações, pensões ou subsídios.
As indeminizações por incapacidade para o trabalho são determinadas com base na avaliação
por partes dos serviços médico-legais. Isto tudo com base na apreciação idónea do seguimento
e da avaliação da seguradora.
Resumindo, após o acidente de trabalho, o processo é enviado para uma seguradora, onde será
avaliado pelos seus peritos médicos. Os peritos médicos da seguradora avaliam o caso e, só
enviam para o Tribunal do Trabalho se os tratamentos tiverem duração > 6 meses ou se é
imputado um dano permanente ou se a vítima não concordar e participar ao Tribunal de
Trabalho. Quando chega ao Tribunal de Trabalho, este vai comunicar com o INMLCF de
modo a pedir uma perícia médico-legal que, assim que realizada, envia o relatório de volta ao
Tribunal de Trabalho. De seguido, o procurador vai proceder a uma tentativa de conciliação e
acontece uma de duas situações: ou há acordo ou não há acordo e segue para uma junta
médica (composta por 3 médicos: 1 representa o sinistrado, outro representa a seguradora e
outro representa o tribunal), para ser reavaliado e dada uma decisão final.

Avaliação do Dano Corporal


Quanto à avaliação do dano corporal, temos de ter em conta o evento traumático, no que
concerne à história do evento e aos dados documentais disponíveis. Desta forma, no evento
traumático temos de considerar:
• Mecanismo do traumatismo/lesional;
• Lesões resultantes;
• Tratamentos realizados;
• Intercorrências.
Com tudo, é essencial avaliar os antecedentes pessoais, tendo em conta a predisposição
patológica e incapacidade, de acordo com a lei 98/2009, em que se considera:
1. A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação
integral, salvo se tiver sido ocultada;
2. Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença
anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como
se tudo resultasse da mesma.
Para além disso, tem de contabilizar o estado atual, ou seja, as queixas e o exame objetivo. De
seguida, tem de ser estabelecido o nexo de causalidade médico-legal, considerando o evento e
a alteração na integridade físico-psíquica.

Medicina Legal e Ciências Forenses 35


Danos Sofridos
Inicialmente, vamos ter danos temporários, que poderão originar: Incapacidade Temporária
Absoluta (ITA) ou Incapacidade Temporária Relativa (ITR). De seguida, acontece a cura ou
consolidação médico-legal.
Por fim, vão surgir danos permanentes que poderão ser:
• Incapacidade Permanente Parcial (IPP);
• Incapacidade Permanente Absoluta (IPA);
• Incapacidade Permanente Absoluta Trabalho Habitual (IPATH);
• Dependências.
Danos Temporários
Incapacidade Temporária Absoluta (ITA): corresponde ao nº de dias em que a pessoa não
tem capacidade para realizar as suas tarefas laborais, como se fosse uma baixa médica.
Avaliam-se os dias em que a pessoa fica sem trabalhar.
Incapacidade Temporária Relativa (ITR): corresponde ao nº de dias em que a pessoa tem
pelo menos 50% da sua capacidade para realizar as suas tarefas laborais. Avaliam-se os dias
em que a pessoa trabalha condicionada, assim como a percentagem da capacidade de trabalho.
Cura/ Consolidação Médico-Legal
Cura Médico-Legal: acontece quando há recuperação total das lesões sofridas;
Consolidação médico-legal: acontece quando as lesões não evolem favoravelmente, ad
integrum, o que resulta em sequelas.
Danos Permanentes
Incapacidade Permanente Parcial (IPP): consiste na perda de capacidade de trabalho em
resultado de uma ou mais disfunções como sequelas finais das lesões inicias e é avaliada de
acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças
Profissionais (TNI), no decreto-lei nº 352/2007, Anexo I. Assim sendo, este é calculado com
base na regra da capacidade restante, tendo em conta as sequelas múltiplas e a IPP anterior.
Trata-se de um coeficiente expresso em %.
Incapacidade Permanente Absoluta (IPA): trata-se da perda total da capacidade de
trabalho, por impossibilidade de realizar todo e qualquer trabalho. No fundo, acontece quando
o IPP corresponde a 100%.
Incapacidade Permanente Absoluta Trabalho Habitual (IPATH): consiste na
incapacidade da vítima realizar a atividade profissional que desempenhava à data do acidente.
No entanto, mantém capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta
incapacidade atendendo a: idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade
concreta da integração profissional. Esta incapacidade é atribuída pela Junta Médica.
Dependências: corresponde a sequelas que lesam a vítima de tal forma que esta necessita de
pelo menos um dos seguintes itens:
• Ajudas medicamentosas;
• Tratamentos médicos regulares;
• Ajudas técnicas;

Medicina Legal e Ciências Forenses 36


• Ajuda de 3ª pessoa;
• Adaptação do domicílio, local de trabalho ou veículo.

Exames de Revisão
Os exames de revisão consistem na modificação da capacidade de trabalho ou de ganho da
vítima, proveniente de alterações das sequelas pro melhoria, recaída, recidiva, agravamento
e/ou outros tratamentos. Pode ser requerida pelo sinistrado ou pelo responsável pelo
pagamento, uma vez em cada ano civil.

Registos Clínicos
Trata-se da recolha e descrição de toda a informação disponível e o mais pormenorizada
possível, permitindo auferir o nexo de causalidade médico-legal, contendo as seguintes
informações:
• Caraterísticas e circunstâncias do doente;
• Exame objetivo com registo das lesões traumáticas;
• Exames Complementares de diagnóstico;
• Diagnóstico;
• Terapêutica.

Medicina Legal e Ciências Forenses 37


Avaliação do Dano Corporal
Pós-Traumático em Sede de
Direito Civil
Tem o objetivo de restabelecer tão exatamente quanto possível o equilíbrio destruído pelo
dano e recolocar a vítima na situação em que esta se encontraria se o ato produtor das lesões
não tivesse ocorrido. Exige uma compensação para o lesado (vítima) e uma sanção para o
lesante (quem produz o crime).
O principal bem jurídico tutelado é a integridade físico-psíquica. Tem de acontecer uma
avaliação personalizada, atendendo as caraterísticas específicas das vítimas e as suas situações
de vida, assim como tem de existir uma reparação integral do dano, quer sejam danos
patrimoniais ou não patrimoniais.
Nos danos patrimoniais, consideramos despesas ou perdas, tendo de ser indemnizadas.
Nos danos não patrimoniais, consideramos a saúde, bem-estar, bom nome, entre outros,
tendo a vítima de ser compensada.
Em termos latos, os danos patrimoniais são:
• Repercussão temporária na atividade profissional;
• Repercussão permanente na atividade profissional;
• Dependência de ajudas.
Enquanto que os danos não patrimoniais são:
• Défice funcional temporário;
• Quantum Doloris;
• Défice funciona permanente na integridade físico-psíquica;
• Dano futuro;
• Dano estético permanente;
• Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer;
• Repercussão permanente na atividade sexual.
A avaliação do dano corporal é em tudo semelhante, à da sede de Direito de Trabalho.

Medicina Legal e Ciências Forenses 38


Danos Temporários
Défice Funcional Temporário
Período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentida da
cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização de atos correntes da
vida diária, familiar e social, excluindo-se aqui a repercussão na atividade profissional. Esta
poderá ser:
• Total: períodos de internamento e/ou de repouso absoluto;
• Parcial: inicia-se logo que a evolução das lesões passe a consentir algum grau de
autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações.
Repercussão Temporária na Atividade Profissional
Período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentida da
cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à
sua atividade profissional habitual. Inclui não só a atividade profissional, mas também a
atividade escolar e outras atividades lucrativas como doméstica, agrícola, etc… Poderá ser:
• Total;
• Parcial: logo que a evolução das lesões consinta algum grau da autonomia na
realização das mesmas atividades, ainda que com limitações.
Quantum Doloris
Valorização do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de
danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões. Inclui o
sofrimento físico e moral. Apresenta uma avaliação quantitativa numa escala de 1-7 porque,
apesar de ser subjetivo, é avaliado segundo os seguintes critérios:
• Natureza e contexto do evento traumático;
• Tipo e número de lesões;
• Tratamentos realizados e suas complicações;
• Duração e complexidade da recuperação funcional.

Danos Permanentes
Défice Funcional Permanente na Integridade Físico-Psíquica
Refere-se à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão
nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das
atividades profissionais. Segue as regras da Tabela de Avaliação de Incapacidades
Permanentes em Direito Civil (TIC), fazendo parte do Anexo II do Decreto-Lei nº 352/2007.
É avaliado em pontos (0-100), sendo que a pontuação acontece em função da intensidade e
gravidade.
Dano Futuro
O agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura,
por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico. Trata-se de uma
mera previsão, não sendo atribuída pontuação. Pode levar a eventual reabertura do processo,
apesar de ser difícil, se não impossível.

Medicina Legal e Ciências Forenses 39


Repercussão Permanente na Atividade Profissional
Corresponde ao rebate das sequelas no exercício da atividade profissional habitual da vítima à
data do evento, isto é, na sua vida laboral. Consiste numa avaliação qualitativa através de:
1. Sequelas são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual;
2. São compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicando esforços
acrescidos;
3. São impeditivas do exercício da atividade profissional, sendo, no entanto, compatíveis
com outras profissões na área da sua preparação técnico-científica;
4. São impeditivas do exercício da atividade profissional, bem assim como de qualquer
outra dentro da área da sua preparação técnico-científica.
Dano Estético Permanente
Repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação
personalizada da sua afetação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante
os outros. Apesar de tudo tem dupla subjetividade, induzida quer pelo perito, quer pela vítima,
que é colmatada pela descrição pormenorizada das sequelas (fotodocumentação). Trata-se de
uma avaliação quantitativa numa escala de 1 a 7.
Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer
Impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas atividades lúdicas, de
lazer e de convívio social, que exercia de forma regular e que para ela representavam um
amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal, não estando aqui em causa
intenções ou projetos futuros, mas sim atividades comprovadamente exercidas previamente ao
evento traumático em causa e cuja prática e vivência assumia uma dimensão e dignidade
suscetível de merecer a tutela do Direito, dentro do princípio da reparação integral dos danos.
No fundo, há perda da alegria de viver. É também uma avaliação quantitativa numa escala de
1 a 7.
Repercussão Permanente na Atividade Sexual
Limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual decorrente
de sequelas físicas e/ou psíquicas, não se incluindo aqui os aspetos relacionados com a
capacidade de procriação. Consiste numa avaliação quantitativa numa escala de 1 a 7.

Dependências
Ajudas Medicamentosas
Necessidade permanente de recurso a medicação regular, sem a qual a vítima não conseguirá
ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária.
Tratamentos Médicos Regulares
Necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou
agravamento das sequelas.
Ajudas Técnicas
Necessidade permanente de recurso a tecnologia para prevenir, compensar, atenuar ou
neutralizar o dano pessoal, com vista à obtenção de maior autonomia e independência
possíveis nas atividades da vida diária.

Medicina Legal e Ciências Forenses 40


Adaptação do Domicílio, Local de Trabalho ou Veículo
Necessidade de recurso à tecnologia a nível arquitectónico, de mobiliário e/ou de
equipamentos, no sentido de permitir a realização de determinadas atividades da vida diária a
pessoas que, de outra maneira, o não conseguiriam fazer.
Ajudas de 3ª Pessoa
Ajuda humana apropriada à vítima, que se tornou dependente, como complemento ou
substituição na realização de uma determinada função ou situação de vida diária. Nessa 3ª
pessoa tem de se ter em conta se é diferenciada/indiferenciada, quanto tempo por dia é a ajuda
e se ocorre uma substituição total, parcial um incentivo ou uma supervisão.
(O preenchimento dos registos clínicos é semelhante à sede do Direito do Trabalho.)

Medicina Legal e Ciências Forenses 41


Causa e Etiologia Médico Legal
da Morte
Conceitos
Morte Natural: resulta diretamente da doença e das respetivas alterações orgânicas
espontâneas.
Morte violenta: resulta direta ou indiretamente da ação de agente externo.
Morte indeterminada: quando não é possível uma classificação em natural ou violenta.
Suicida: causada pelo próprio, com intenção de pôr termo à vida.
Homicida: causada por outrem (não é necessária demonstração de intenção de matar).
Acidental: não causada intencionalmente pelo próprio, nem causada por outrem.
Indeterminada: violenta, mas não é possível a classificação em homicida, suicida ou
acidental.

Causa vs Mecanismo de Morte


Causa da morte: condição médica (doença ou lesão) que inicia a cadeia de eventos letais que
culmina na morte.
Mecanismo de morte: cadeia de eventos fisiológicos que ligam a causa de morte ao
momento em que as funções vitais cessam e a morte ocorre.
Ao formular a causa de morte, o perito médico deve considerar potenciais mecanismos de
morte envolvidos, mas o eventual mecanismo não será considerado para inscrição no
certificado de óbito nem no relatório de autópsia.

Causas e Mecanismos de Morte por Lesão Traumática


Direta
Pode acontecer por destruição dos centros vitais (quer seja de forma estrutural, funcional ou
outra) ou por choque (hipovolémico, cardiogénico ou outro).
Indireta
Pode surgir por choque séptico, embolias ou síndrome de disfunção multiorgânica. Os
processos fisiopatológicos podem ser:
• Prévios: diabetes, hemofilia, aneurismas;
• Concomitantes: contaminação bacteriana, embolia;
• Posteriores: complicações sépticas, úlceras de pressão

Medicina Legal e Ciências Forenses 42


Verificação vs Certificação do Óbito
Verificação: constatação da cessação de funções vitais.
Certificação: emissão de um documento no qual deve constar a causa de morte.
Ambas são competências do médico.

Intervenção Médica em Caso de Óbito


a. Confirmar e verificar o óbito e preencher a ficha de verificação do óbito (registar
informação relevante como antecedentes pessoais, alterações verificadas pelo
observador a nível do hábito externo, entre outras);
b. Óbito nas instituições de saúde, necessita do preenchimento do BIC (boletim de
informação clínica);
c. Aguardar pela decisão do Ministério Público;
d. Se dispensa da autópsia médico-legal, deve-se certificar o óbito e emitir a respetiva
guia de transporte.
Óbito Verificado em Instituição de Saúde (lei nº 45/2004 art 15º)
1. Em situações de morte violenta e quando óbito for verificado em instituições públicas
de saúde, deve ser o seu diretor/diretor clínico:
a. Comunicar o facto, no mais curto prazo, à autoridade judicial competente,
remetendo-lhe, devidamente preenchido, o BIC aprovado pela portaria
conjunta dos Ministérios da Justiça e da Saúde, bem como qualquer outra
informação relevante para averiguar causa e circunstância da morte;
b. Assegurar permanência do corpo em local apropriado e preservar vestígios que
importem examinar;
2. Compete ao conselho diretivo do Instituto propor alterações ao BIC;
3. Nos casos em que seja ordenada autópsia, a autoridade judiciária envia ao serviço
médico-legal ou ao médico contratado que a irá realizar, juntamente com o despacho
que a ordena, a cópia do BIC.
Óbito Verificado Fora das Instituições de Saúde (lei nº 45/2004 art. 16º)
1. Em situações de morte violenta, e quando o óbito é verificado fora das instituições de
saúde, deve a autoridade judicial:
a. Inspecionar e preservar o local;
b. Comunicar o facto, no mais curto prazo, à autoridade judiciária competente,
relatando-lhe os factos para averiguação da causa e circunstância da morte;
c. Providenciar, no caso de crime doloso, pela comparência do perito médico, o
qual procede à verificação do óbito, se nenhum outro médico tiver
comparecido previamente, assim como ao exame do local sem prejuízo das
competências legais da autoridade policial à qual compete a investigação.;
2. Quando haja lugar ao exame do local, é elaborada informação pelo perito médico, a
enviar à autoridade judiciária.;

Medicina Legal e Ciências Forenses 43


3. No caso das restantes situações que se verifiquem em comarcas não compreendidas na
área da região de atuação do instituto ou GML, compete à autoridade de saúde da área
a verificação do óbito (nas mesmas condições do ponto 1);
4. O disposto em 3 aplica-se na impossibilidade de contatar perito;
5. Em situações em que não haja certeza do óbito, bombeiros devem conduzir pessoa ao
SU mais próximo, com máxima brevidade;
6. Em 1, remoção de cadáveres é promovida pelas autoridades policiais, consoante local
onde é verificado o óbito, para casa mortuária do serviço médico-legal da área, ou na
sua inexistência, para o hospital ou cemitério mais próximo:
a. Após verificação do óbito e realização do exame de vestígios nos casos
descritos no ponto 1;
b. Por determinação da autoridade judiciária competente.

Boletim de Informação Clínica


Permite a identificação do indivíduo, a informação circunstancial (relativa às circunstâncias
anteriores à admissão hospitalar na instituição de saúde ou local de verificação do óbito), a
identificação do médico que presta a informação (nome, morada profissional, contato), a data
de elaboração e a informação clínica, nomeadamente:
• Situação clínica;
• Antecedentes gerais relevantes;
• Diagnóstico final ou provável;
• Locais de internamento;
• Evolução clínica na enfermaria;
• ECD relevantes;
• Terapêutica clínica e/ou cirúrgica mais relevante e/ou manobras de reanimação
prestadas;
• Produtos biológicos colhidos na instituição de saúde;
• Outros elementos relevantes;
• Observações adicionais.

Autópsia Médico-Legal
Principais Objetivos
1. Determinação da causa de morte;
2. Diagnóstico diferencial entre morte natural e violenta (homicida, suicida ou acidental);
3. Identificação;
4. Esclarecimento de circunstâncias da morte.

Medicina Legal e Ciências Forenses 44


Principais Etapas
• Análise da informação/documentação disponível (polícia, clínica, social, etc…);
• Exame do hábito externo (incluindo vestuário e outros objetos que acompanham o
cadáver);
• Exame do hábito interno;
• Exames complementares de diagnóstico (toxicologia, anatomia patológica,
genética…);
• Elaboração do relatório de autópsia.
Regime Jurídico da Perícia Médico-Legal e Forense (lei nº 45/2004 art. 18º)
1. AML tem lugar em situações de morte violenta ou causa ignorada, salvo se existirem
informações clínicas suficientes que associadas aos demais elementos permitam
concluir, com segurança, pela inexistência de suspeita de crime, admitindo-se a
possibilidade de dispensa de autópsia;
2. Tal dispensa, nunca se poderá verificar em situações de morte violenta atribuível a
acidente de trabalho ou de viação com morte imediata;
3. A AML pode ser dispensada nos casos em que a realização pressupõe o contato com
fatores de risco particularmente graves e susceptíveis de comprometer a salubridade
ou afetar a saúde pública;
4. Compete ao presidente do conselho diretivo do Instituto autorizar a dispensa de
autópsia nos casos 1, 2 e 3, mediante comunicação escrita, no mais curto prazo, à
entidade judiciária competente.

Dispensa da Autópsia Médico-Legal


Informação Circunstancial
Envolve vários documentos como o auto de notícia, que contém:
• Antecedentes pessoais;
• Informação testemunhal;
• Exame do local.
Assim como o BIC que contém:
• Descrição da patologia/lesões traumáticas observadas;
• ECD (imagiológicos e analíticos);
• Diagnósticos feitos;
• Terapêuticas instituídas;
• Evolução Clínica
Exame do Corpo no Local
Em situação de crime doloso ou suspeita de tal, deve haver descrição e recolha de vestígios e
evidências no local, com exame preliminar do cadáver e entrevista de testemunhas/familiares.

Medicina Legal e Ciências Forenses 45


Exame do Hábito Externo
Deve ser avaliada a informação, vestuário e objetos pessoais, caraterísticas físicas que
permitam a identificação, sinais positivos de morte e sinais gerais, lesões traumáticas e sinais
de intervenção terapêutica.

Certificação do Óbito
Definição
Emissão do certificado de óbito é necessária para:
• Registo na conservatória do Registo Civil;
• Disposições fúnebres;
• Guia de transporte.
Importante para estudos epidemiológicos, onde as mortes de causa natural permitem melhor
organização dos cuidados de saúde e mortes de causa violenta permitem prevenção e estudos
de criminologia.
Parte I
Causa direta da morte: doença, traumatismo ou complicação que levou diretamente à morte.
Constitui última consequência ou efeito da causa básica. Exclui mecanismo de morte.
Causa intermédia da morte: doença ou estado mórbido que constitui condição antecedente,
direta ou indiretamente relacionada com a causa direta de morte ou que identifica o agente
externo que produziu as lesões mortais.
Causa básica de morte (etiologia médico-legal): doença/lesão que iniciou cadeia de
acontecimentos patológicos que conduziram diretamente à morte ou as circunstâncias do
acidente ou violência que produziram lesões fatais.
Causa originária de morte: doença, estado mórbido ou qualquer circunstância que antecede
a causa básica e que lhe está na origem ou que desencadeou todas as causas indicadas nas
alíneas anteriores.
Parte II
Inclui outros estados mórbidos, fatores ou estados fisiológicos que podem ter contribuído +ara
a morte, mas não mencionados na parte I (ex: gravidez, HTA, diabetes…). Envolve também
elementos da informação clínica e da observação em autópsia.

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Clínica Forense
Código de Processo Penal
A perícia é a atividade de avaliação dos fatos relevantes realizada por quem possui especiais
conhecimento, tendo lugar quando a percepção ou apreciação dos fatos exigirem especiais
conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Constitui um elemento de prova, não
substituindo outros elementos. A perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou
serviço oficial apropriado.

Direito Penal
Dentro do código do Direito Penal, os artigos relacionados com crimes contra integridade
física são os seguintes:
Artigo 143º - Ofensa à integridade física simples
1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3
anos ou com pena de multa;
2. O procedimento criminal depende da queixa, salvo quando a ofensa seja cometida
contra agentes das forças e serviços de segurança, no exercício das suas funções ou
por causa delas;
3. O tribunal pode dispensar de pena quando:
a. Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores
agrediu primeiro; OU
b. O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.

Artigo 144º - Ofensa à integridade física grave


Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:
1. Privá-lo de importante órgão ou membro, ou desfigurá-lo grave e permanentemente;
• A privação total ou parcial, não apenas anatómica mas também da função;
• Desfiguração deve ser avaliada quanto à:
o Permanência;
o Gravidade;
2. Tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades
intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo,
os sentidos ou a linguagem;
• Dano permanente ou temporário;
• Capacidade de trabalho -> possibilidade de exercício da profissão, bem como de
qualquer outra atividade não profissional;

Medicina Legal e Ciências Forenses 47


• No relatório pericial, a informação relativa à afetação temporária da capacidade de
trabalho (geral e profissional), quantificada em número de dias.
3. Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica
grave ou incurável; OU
• Doença particularmente dolorosa:
o Causadora de elevado sofrimento físico;
o Temporária ou permanente;
• Diagnóstico de anomalias psíquicas pode justificar avaliação por Psiquiatria
Forense.
4. Provocar-lhe perigo para a vida;
• Perigo concreto vs perigo potencial (abstrato);
• Perigo concreto para a vida apenas quando se verifica um perigo sério, atual,
efetivo e não remoto ou meramente presumido para a vida do lesado;
• Intenção de matar: pronúncia não compete ao perito médico.
…. É punido com pena de prisão de 2-10 anos.
Objetivo da perícia médico-legal no Direito Penal: tipificação da ofensa e atribuição da
sanção penal, tendo em conta a compatibilidade da história/lesões, compatibilidade da
natureza do instrumento/lesões, fixação dos dias de doença, descrição de eventuais sequelas,
perigo para a vida e identificação do agressor.
As conclusões médico-legais no Direito Penal, deverão incluir:
1. Natureza do instrumento e compatibilidade com a informação;
2. Dias de doença para o trabalho (geral e profissional);
3. Consequências permanentes ou sequelas e enquadramento no artigo 144º (foi um
perigo para a vida do lesado?).

Lesões Autoinfligidas
Trata-se de lesões agrupadas e paralelas entre si, geralmente feridas incisas. Acontecem em
zonas acessíveis ao membro superior dominante, superficiais, nas zonas menos dolorosas,
evitando áreas mais desfigurantes. Normalmente, há vestígios de lesões antigas semelhantes.

Violência Doméstica
É definida de acordo com os termos do art. 152º do Código Penal o seguinte:
• Todos os atos, reiterados ou não, de violência física, sexual, psicológica ou
económica, que ocorram na família, ou na unidade doméstica, entre:
o Cônjuges ou ex-cônjuges;
o Entre quem mantenha ou tenha mantido relação análoga à dos cônjuges ou de
namoro, independentemente do sexo do agressor e da vítima e ainda que sem
coabitação;
o Entre progenitores de descendente comum em primeiro grau;

Medicina Legal e Ciências Forenses 48


• Ou relativamente a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente, em razão da:
o Idade;
o Deficiência;
o Doença;
o Gravidez;
o Dependência económica.
…. É punido com pena de prisão de 1-5 anos.
…. Se o agente:
a. Praticar o fato contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no
domicílio da vítima; OU
b. Difundir através da internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados
pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de
uma das vítimas sem o seu consentimento.
… É punido com pena de prisão de 2-5 anos.

Violência de Género
A violência de género acontece como resultado das expetativas sociais normativas de papel
associadas a cada género (desigualdade de género), nomeadamente entre “sexo forte” vs “seco
fraco”. Assenta nas relações desiguais de poder entre os dois géneros e é maioritariamente
praticada por homens contra mulheres. Poderá ser violência física, psicológica, sexual,
financeira e/ou emocional.

Violência nas Relações de Intimidade (VRI)


A violência entre pessoas que partilham uma relação íntima não se restringe às unidades
familiares de conceito patriarcal, tal como a violência entre casais homossexuais existe e não
é linearmente enquadrável na violência de género. Consistem em abuso que ocorre entre duas
pessoas que têm ou tiveram uma relação íntima, independentemente do sexo e da orientação
sexual dos intervenientes.

Epidemiologia associada ao Homicídio e Femicídio na VRI


De acordo com o Observatório de Crimes de Homicídio, cerca de 25% dos homicídios
acontecem em mulheres em contexto de VRI, e do total 37% dos homicídios acontecem em
contexto de VRI. 17% do número total de homicídios a nível mundial acontece em mulheres
no decurso de violência doméstica. Em Chipre, França e Portugal, o femicídio corresponde a
80% do total de casos de homicídios em mulheres.

Medicina Legal e Ciências Forenses 49


Aspetos Particulares da Violência Doméstica
A violência doméstica é um círculo vicioso, onde pode surgir assédio persistente (stalking e
cyber-stalking) ou mesmo pornografia de vingança. Os efeitos da violência doméstica podem-
se manifestar da seguinte forma:
• Diminuição da autoestima, depressão e síndrome de Stress Pós-traumático;
• Absentismo laboral e diminuição da produtividade;
• Aumento da despesa pública com saúde e justiça;
• Transmissão transgeracional de violência.

Fatores de Risco na Violência nas Relações de Intimidade


Os fatores de risco para que possa ocorrer violência nas relações de intimidade e consequente
homicídio e femicídio passam por:
• Aumento da frequência e gravidade da violência física (com recurso a compressão
extrínseca, uso de agentes químicos, térmicos ou objetos);
• Violência física contra terceiros;
• Práticas criminosas que não do tipo VRI;
• Uso ou ameaça ou acesso fácil a arma de fogo;
• Existência de violência sexual;
• Tentativa de homicídio da vítima e/ou familiares;
• Verbalização de ideação suicida por parte do agressor;
• Atos de controlo e perseguição da vítima;
• Problemas de saúde mental por parte da vítima e/ou agressor;
• Dependência de substâncias por parte da vítima e/ou agressor;
• Instabilidade financeira e/ou profissional;
• Violação de ordens judiciais ou conflito relacionado com a guarda ou contato com os
filhos;
• Rotura relacional recente;
• Necessidades especiais (gravidez, pós-parto, doença debilitante) e/ou reduzida rede de
apoio sociofamiliar;
• Convicção da vítima sobre se o agressor é capaz de a matar ou mandar matar.

Medicina Legal e Ciências Forenses 50


Maus-Tratos
São definidos nos termos do Código Penal, no art. 152º-A com o seguinte:
1. Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda sob a responsabilidade da sua direção ou
educação ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em
razão da idade, deficiência, doença ou gravidez é:
a. Lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus-tratos físicos ou psíquicos,
incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ou a
tratar cruelmente;
b. A empregar em atividades perigosas, desumanas ou proibidas; OU
c. A sobrecarregar com trabalhos excessivos.
…. É punido com pena de prisão de 1-5 anos.

a) Crianças
Os fatores de risco onde ocorrem maus-tratos a crianças são:
• Entre os 2-4 anos de idade;
• Indesejado/portador de deficiência;
• Intolerância à frustração/álcool, o que leva a atos impulsivos em casa.
Perante uma situação de maus-tratos a crianças, as red flags a que devemos estar atentos são:
• Ausência ou explicação inconsistente para as lesões;
• Criança “desajeitada” é apontada como culpada;
• Atraso na procura de cuidados de saúde;
• Lesões/sequelas não tratadas/ antigas.
Os maus-tratos em crianças mais comuns são os traumatismos de natureza contundente, com
fraturas dos arcos costais posteriores, espiraladas/oblíquas/metafisiárias (úmero, fémur, tíbia)
ou do crânio (múltiplas, bilaterais, radiárias ou que atravessam suturas). Podem existir
inclusivamente queimaduras (em splash, imersão ou contato), a síndrome do bebé abanado ou
síndrome de Munchausen por procuração (transtorno fictício imposto a outra pessoa).
Nestas situações deve ser descrito o evento, nomeadamente no que concerne à data e hora,
agente e mecanismo de ação e tipo de supervisão e localização dos cuidadores durante o
evento. Deve também escrever-se a história clínica pormenorizada, tendo em conta:
• Peso, altura e perímetro cefálico;
• Comportamento habitual;
• Antecedentes patológicos e nível de desenvolvimento psicomotor;
• Antecedentes patológicos familiares;
• História familiar.
O exame objetivo, deve ser realizado com a criança despida da cabeça aos pés para
documentação das lesões, relativamente ao tipo, localização, forma, tamanho e caraterísticas
particulares.

Medicina Legal e Ciências Forenses 51


b) Idosos
A maioria dos casos de abuso não ocorre em lares ou instituições, mas sim em ambiente
doméstico e é perpetrado por familiares ou cuidadores pagos e pode incluir negligência
emocional/psicológica, financeira/material ou físico/sexual.
Os red flags a que devemos estar atentos perante a possibilidade de maus-tratos a idosos são:
• Padrões de comportamento pouco usuais do idoso/cuidador;
• Situações conflituosas entre o idoso e o alegado agressor;
• Recusa do cuidador em deixar o idoso sozinho com o médico;
• Vestuário inadequado;
• Despreocupação evidente na nutrição e higiene;
• Apatia, depressão;
• Ausência de óculos, próteses auditivas ou dentárias;
• Sinais de restrição física;
• Atraso inexplicável entre a lesão/doença e a procura de assistência médica;
• Disparidade entre explicação fornecida pela vítima e o abusador suspeito.
Alguns exemplos de perguntas que se podem fazer relativamente a maus-tratos nos idosos
podem ser os seguintes:
• Físico: Tem medo de alguém em casa? Alguma vez lhe bateram, esbofetearam ou
pontapearam? Alguma vez foi amarrado no seu quarto?
• Emocional/psicológico: Alguma vez se sente sozinho? Alguma vez foi ameaçado
com castigos ou institucionalização? Costuma ter acesso às notícias? O que acontece
quando discorda de quem cuida de si?
• Sexual: Alguma vez foi tocado sem permissão?
• Financeira: É-lhe roubado dinheiro ou usado de forma que considera inapropriada?
Alguma vez foi forçado a assinar documentos contra a sua vontade? Alguma vez foi
forçado a fazer compras contra a sua vontade? O cuidador depende de si para abrigo e
suporte financeiro?
• Negligência: Tem falta de óculos, aparelho auditivo ou prótese dentária? Alguma vez
foi deixado sozinho por longos períodos de tempo? Alguma vez não recebeu
assistência ou ajuda quando necessitou?
Perante uma situação de perigo devemos fazer o seguinte:
1. Informar o/a utente da avaliação que o/a profissional realizou da situação de perigo em
que se encontra e fornecer-lhe possíveis estratégias a seguir, estabelecendo um plano
de segurança. Transmitir-lhe que não se encontra só;
2. Manter a vítima em segurança, protegendo-a do contato com o/a agressor/a e, em caso
de necessidade, contatar as Forças de Segurança;
3. Tratar lesões física e prestar apoio emocional;
4. Contatar Linha de Emergência Social 144, caso necessário;

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5. Preencher Formulário de Denúncia de Crime e enviar para o Ministério Público;
6. Sinalizar a situação à Equipa de Prevenção de Violência em Adultos (EPVA).

Mutilação Genital Feminina


Considera-se que estamos perante um crime de mutilação genital feminina, de acordo com os
pressupostos presentes o art- 144º do Código Penal, quando acontece o seguinte:
1. Quem mutilar genitalmente, total ou parcialmente, pessoa do sexo feminino através de
clitoridectomia, de infibulação, de excisão ou de qualquer outra prática lesiva do
aparelho genital feminino por razões não médicas é punido com pena de prisão de 2-
10 anos;
2. Os atos preparatórios do crime previsto no número anterior são punidos com pena de
prisão até 3 anos.
A mutilação genital feminina classifica-se do seguinte modo:
• FGM/C tipo Ia: remoção do prepúcio/capuz clitoriano;
• FGM/C tipo Ib: remoção do clitóris no interior do capuz clitoriano;
• FGM/C tipo IIa: remoção dos lábios menores da vulva;
• FGM/C tipo IIb: remoção parcial ou total do clitóris e dos lábios menores da vulva;
• FGM/C tipo IIc: remoção parcial ou total do clitóris e lábios maiores e menores da
vulva;
• FGM/C tipo IIIa: remoção e reposicionamento dos lábios menores sem excisão do
clitóris;
• FGM/C tipo IIIb: remoção e reposicionamento dos lábios maiores sem excisão do
clitóris;
• FGM/C tipo IV: sem classificação, no fundo, consiste em qualquer procedimento que
afete o aparelho genital feminino sem razões médicas, como por exemplo, piercings,
incisões ou cauterizações.

Medicina Legal e Ciências Forenses 53


Tráfico de Pessoas
Tendo em conta o art. 160º do Código Penal, o tráfico de pessoas acontece quando alguém
oferece, entrega, alicia, aceita, transporta, aloja ou acolhe, outra pessoa através de violência,
rapto, ameaça grave, ardil/fraude, abuso, autoridade/incapacidade/vulnerabilidade para
exploração sexual/laboral, extração de órgãos, adoção ilegal, mendicidade ou criminalidade.
Trata-se de um crime opaco, complexo, de carácter transnacional, com redes organizadas, de
forma global e lucrativo para quem o pratica. Aproveita-se de: assimetrias económicas,
desemprego, vulnerabilidade, pobreza, discriminação, violência de género, baixa escolaridade
ou conflitos armados.

Agressão Sexual
Agressão sexual define-se como: toda a atividade sexual na qual a vítima é forçada ou
constrangida a participar por um determinado agressor, com ele próprio, consigo mesma ou
com uma terceira pessoa, contra a sua vontade, por manipulação afetiva, física, material ou
abuso de autoridade, de maneira evidente ou não, seja o agressor conhecido ou não, haja ou
não evidência de lesão ou traumatismo físico ou emocional, e independentemente do sexo das
pessoas envolvidas.
O número de vítimas de crimes sexuais tem estado a aumentar todos os anos, sendo a maioria
do sexo feminino, solteira/o e numa família nuclear com filhos. Acontece mais nas faixas
etárias dos 11-17 anos e dos 35-44 anos.
50-90% das agressões sexuais não são objeto de queixa judicial, o que causa na vítima:
embaraço e humilhação, medo da crítica/exclusão social, receio de interrogatórios e exames,
medo de perder a relação com o agressor, sentimento de culpabilidade, medo do agressor,
ignorância dos direitos e descrença na justiça.
Os crimes de natureza pública são os seguintes:
• Ofensa à integridade física grave;
• Violência doméstica;
• Maus-tratos;
• Coação sexual (se < 18 anos);
• Violação (se < 18 anos);
• Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência (se < 18 anos);
• Abuso sexual de pessoa internada;
• Abuso sexual de criança (< 14 anos);
• Abuso sexual de menores dependentes (14-18 anos);
• Recurso à prostituição de menores;
• Pornografia de menores;
• Mutilação genital feminina;
• Tráfico de pessoas.

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Os crimes de natureza semipública são: crimes sexuais em adultos (exceto violência
doméstica, abuso sexual de pessoa internada e o lenocínio, vulgo “chulo”) ou atos sexuais
com adolescentes (14-16 anos).
Os crimes públicos não necessitam de queixa, pois a notícia do crime leva o Ministério
Público a instaurar um processo, independentemente de vontade da vítima, sendo que
denúncia pode ser feita pela polícia ou serviços médico-legais e é obrigatória por parte de
polícias e funcionários públicos.
Os crimes semipúblicos dependem de queixa até 6 meses após a ocorrência do crime
propriamente dito, por parte de polícias e serviços médico-legais, sendo que Ministério
Público exerce ação penal.
De acordo com o art. 164º do Código Penal, define-se violação do seguinte modo:
1. Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tonado
inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a. A sofrer ou praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral;
OU
b. A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos;
2. Quem, por meio não compreendido no número anterior, constranger a pessoa:
a. A sofrer ou praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral;
OU
b. A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos.
…. É punido com pena de prisão de 1-6 anos.
De acordo com o art. 171º do Código Penal, define-se abuso sexual de crianças do seguinte
modo:
1. Quem praticar ato sexual de relevo ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo
com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1-8 anos;
2. Se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução
vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão
de 3-10 anos;
3. Quem:
a. Importunar menor de 14 anos, praticando ato previsto no art. 170º; ou
b. Atuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou
objetos pornográficos;
c. Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais…
é punido com pena de prisão até 3 anos;
4. Quem praticar os atos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido
com pena de prisão de 6 meses - 5 anos;
5. A tentativa é punível.

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De acordo com o art. 173º do Código Penal, define-se atos sexuais com adolescentes, do
seguinte modo:
1. Quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou
levar a que ele seja praticado por este com outrem, abusando da sua inexperiência, é
punido com pena de prisão até 2 anos;
2. Se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução
vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão
até 3 anos;
3. A tentativa é punível.
Para além disso, são punidos os atos sexuais praticados contra a vontade da vítima (maior ou
menor), assim como atos sexuais com vítimas menores de 14 anos, mesmo que “consentidos”,
por se entender que tal afeta gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade e da
sua sexualidade também os atos sexuais de relevo com menores dos 14-16 anos, para os quais
tenha sido dado consentimento, mas ao qual falta a necessária maturidade da vítima
(abusando da sua inexperiência).
De acordo com o art. 177º do Código Penal, a agravação ocorre quando:
• As penas previstas são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se o
agente for portador de doença sexualmente transmissível;
• As penas previstas nos artigos 163º a 168º e 171º a 174º são agravadas de metade, nos
seus limites mínimo e máximo, se dos comportamentos descritos resultar gravidez,
ofensa à integridade física grave, transmissão de agente patogénico que crie perigo
para a vida, suicídio ou morte da vítima.

Suspeita de Agressão Sexual


Há suspeita de agressão sexual quando:
• Testemunhas que referem atos de natureza sexual em indivíduo inconsciente;
• Paciente encontrado despido sem explicação;
• Indumentária cortada, manchada ou rasgada, sem explicação;
• Roupa interior ausente ou vestida do avesso;
• Presença de mordedura em locais sugestivos;
• Lesões anogenitais agudas;
• Lesões figuradas, queimaduras ou marcas de restrição;
• Sinais de compressão no pescoço.

O papel do profissional que contata primeiro com a vítima assenta na compreensão das
dificuldades da vítima, no que concerne à revelação, apresentação da queixa e na sua
interpretação/aceitação dos factos, tranquilizar e transmitir confiança à vítima e não emitir
juízos de valor.

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Suspeita de Abuso Sexual
Perante uma suspeita de abuso sexual deve-se fazer o seguinte:
1. Colheita de informação sumária sobre o caso:
• Idade da vítima;
• Tipo de contato sexual;
• Relação entre vítima/abusador;
• Ato isolado/reiterado;
• Tempo decorrido;
2. Estabelecer a urgência da situação:
• É ponderado:
i. Tipo de abuso;
ii. Tempo decorrido desde o abuso (< 72 h);
iii. Interesse de proceder a imediato exame físico e colheita de
vestígios/amostras de lesões traumáticas e suspeita de IST ou gravidez;
iv. O melhor interesse da vítima;
3. Contatar outros profissionais de saúde:
• Se situação urgente, deve-se assegurar a observação de lesões e eventual
colheira de vestígios ou amostras, contatando-se o perito médico-legal
escalado e, caso não haja perito médico-legal, proceder de acordo com o
protocolo.

Protocolo de Colaboração SNS-CPCJ-PJ-INMLCF


Objetivos:
1. Clarificar os termos da articulação funcional entre estas entidades na assistência médica a
crianças e jovens menores de 18 anos que possam ter sido vítimas de abuso sexual;
2. Fixar os termos da colaboração dos médicos do SNS com INML na realização da
observação, colheita e acondicionamento de vestígios ou amostras.

4. Fornecer informação sobre preservação de eventuais vestígios:


• Não mudar de roupa nem lavar;
• Conservar pensos higiénicos, tampões, preservativos;
• Se mudou de roupa conservar a que usava na ocorrência;
• Não tomar banho nem lavar qualquer parte do corpo;
• Não lavar as mãos nem limpar as unhas;
• Não escovar dentes nem lavar a boca;

Medicina Legal e Ciências Forenses 57


• Não pentear o cabelo;
• Não urinar nem defecar (se necessário, colher para amostra);
• Não comer, beber ou fumar.
5. Orientar/proteger a vítima:
• Tratar;
• Providenciar exame médico-legal;
• Profilaxia IST ou gravidez;
• Proteção e acompanhamento psicossocial.

Numa agressão sexual urgente (< 72 h), sem possibilidade de contatar perito médico-legal,
deve-se iniciar a entrevista com a vítima, na primeira parte, devemos fazer a descrição do
abuso/agressão perguntando:
A. Descrição do abuso/agressão:
• Circunstâncias em que aconteceu a agressão física? Com que instrumento?
Que lesões?
• Ameaças verbais ou aliciamento?
• Intoxicação conhecida ou suspeita? Com que substâncias? Em que quantidade?
Que sintomas?
B. Comportamento da vítima após a agressão (pretende-se avaliar possível destruição
de vestígios):
• Lavagens?
• Mudou de roupa?
• Comeu, bebeu, urinou?
• Fez tratamentos?
C. Antecedentes pessoais:
• Completos, incluindo IST, ginecológicos (DIU, anticoncepção) e consumos;
D. Queixas

Ao exame objetivo, deve-se avaliar o comportamento, estado mental, colaboração e, no caso


das crianças, o desenvolvimento psicomotor.
Em termos de exames complementares, devem-se fazer colheitas de acordo com atos
alegados, antes do exame físico, usando luvas, bata e máscara, e embalando separadamente as
peças de vestuário com envelopes de papel para o vestuário. Identificam-se as amostras com
data/hora da colheita, tipo de amostra, nome da vítima e nome de quem procedeu à colheita.
Por fim, sela-se, refrigera-se (4ºC) e entrega-se ao OPC.

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A toxicologia forense é abordada se há suspeita de uso de drogas predadoras, nomeadamente
por:
• Perda de consciência completa;
• Memória fragmentada, por períodos breves, intermitentes de memória visual e/ou
auditiva;
• Tonturas, confusão, sonolência e discurso arrastado;
• Perturbação das capacidades motoras.
As “rape drugs” são facilmente ocultáveis, baratas, sem sabor, odor ou cor, com efeito rápido
e de eliminação rápida do organismo. Podem ser misturadas com álcool para potenciar os seus
efeitos, tornando a vítima reativa, embora com pouca ou nenhuma memória do que se passou.
A vítima reage sem inibição, muitas vezes de uma forma física ou sexualmente cooperante.
É preciso realizar microbiologia/virologia para descartar IST e pesquisa de β-HCG para
excluir gravidez.

Cadeia de Custódia
A cadeia de custódia permite manter e documentar a história cronológica da evidência, de
modo a garantir idoneidade e rastreabilidade das evidências, sob escrutínio judicial. Basta que
um elo da cadeia falhe para que todo o processo de obtenção de uma prova seja posto em
causa e, eventualmente, não consideração da evidência, ilibando um criminoso ou não
inocentando alguém inocente.
Assim sendo, a colheita deve ser adequada a cada tipo de análise, em contentores adequados a
cada tipo de amostra, fechados, selados, etiquetados inequivocamente e mantidos à
temperatura adequada. As requisições devem ser devidamente preenchidas, com transporte e
recepção adequados.
Os exames complementares veem frequentemente negativos devido a:
1. Grande intervalo de tempo entre abuso e exame:
• Atraso na revelação/denúncia;
• Atraso na solicitação do exame;
2. Frequentemente não resultam vestígios:
• Cicatrização rápida e muitas vezes total das lesões anogenitais;
• Ausência de penetração ou práticas sexuais menos invasivas;
• Penetração sem lesões, nos jovens;
• Ejaculação fora das cavidades ou uso de preservativo;
• Lavagem, atos fisiológicos
Apesar de tudo, a ausência de lesões traumáticas e de vestígios biológicos não invalida a
possibilidade de se ter verificado agressão sexual.

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Os principais desafios inerentes à atividade pericial são:
• Antiguidade dos fatos;
• Dificuldade em obter dados sobre antecedentes/evolução das lesões;
• Dificuldade em estabelecer o nexo de causalidade;
• Subjetividade inerente à avaliação;
• Simulação/dissimulação
Esta dificuldade em obter elementos sobre os antecedentes/evolução das lesões pode advir do
facto presente no art. 10º da lei 45/2004 de 19 de agosto, que diz se devem: “solicitar
informações clínicas referentes aos examinados em processos médico-legais, diretamente aos
serviços clínicos hospitalares, serviços clínicos de companhias seguradores ou outras
entidades públicas ou privadas, que as devem prestar no prazo máximo de 30 dias”. Os
registos clínicos incluem: antecedentes, ECDs realizados e suas conclusões, diagnósticos,
tratamentos efetuados e respetiva evolução e datas (nomeadamente da alta).
O registo clínico ideal envolve:
1. Identificação da vítima e da relação com o agressor;
2. Data e hora do episódio de violência;
3. Informação prestada pela vítima, incluindo alguns detalhes específicos como
instrumentos usados;
4. Descrição de caraterísticas e natureza das lesões sofridas;
5. Avaliação e cuidados clínicos prestados;
6. Referenciação e encaminhamento da situação.

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Tanatologia Forense
Morte
Morte em Direito: facto que determina a cessação jurídica da personalidade.
Morte em Biologia: processo de sucessão de fases de desestruturação progressiva do
funcionamento integrado do organismo como uma unidade biológica.
Em geral, define-se como cessação irreversível e permanente das funções circulatória e
respiratória ou cessação irreversível de todas as funções do cérebro, incluindo o tronco
cerebral, sendo que a determinação da morte deve ser feita de acordo com os padrões médicos
aceites.
Verificação do óbito: constatação da cessação das funções vitais.
Certificação do óbito: documentação das causas de morte.

Processo de Morte
1. Período Agónico – Mecanismos de Morte
Trata-se de período irreversível onde se desenvolvem os mecanismos de morte. São
inespecíficos quanto à causa de morte. Podem ser causados por: lesão patológica, alteração
metabólica ou lesão traumática. Em geral, pode-se dar alterações da condução elétrica
cardíaca, que pode influenciar os centros de regulação da função cardíaca e respiratória que,
por sua vez, poderá causar hipoxia.
2. Período de Morte Somática ou Relativa
Os sinais negativos de vida devido a cessação das funções vitais são os seguintes:
• Ausência de movimentos inspiratórios;
• Ausência de batimentos cardíacos;
• Ausência de atividade cerebral;
• Ausência de reflexos/resposta a estímulos dolorosos.
Estado vegetativo: atingimento de funções superiores, mas não o tronco cerebral.
Morte cerebral: atingimento do tronco cerebral (centros de respiração).
A certificação de morte cerebral requer a demonstração da cessação das funções do tronco
cerebral e da sua irreversibilidade.
As condições para o diagnóstico clínico de morte cerebral são as seguintes:
• Ausência de respiração espontânea;
• Conhecimento da causa e irreversibilidade da situação clínica;
• Coma sem resposta motora à estimulação dolorosa;
• Ausência de reflexos do tronco cerebral.

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Deve-se sempre excluir: hipotermia, alterações endócrino-metabólicas, depressores do SNC,
bloqueadores neuromusculares.
O diagnóstico clínico de morte cerebral é realizado através das condições clínicas
supramencionadas, com dois conjuntos de provas (no mínimo) com intervalo adequado à
situação clínica e à idade, por 2 médicos especialistas (em Neurologia,
Neurocirurgia/experiência em UCI), sendo que nenhum dos médicos poderá ser da unidade
que assiste o doente, nem poderá pertencer à equipa de órgãos ou tecidos.
3. Período de Morte Intermédia
São estabelecidos os sinais positivos de morte, que são os seguintes:
• Fenómenos abióticos (precoces):
o Desidratação cadavérica;
o Arrefecimento cadavérico;
o Livores cadavéricos;
o Rigidez cadavérica;
• Fenómenos transformativos/bióticos (tardios):
o Destrutivos:
▪ Autólise;
▪ Putrefação;
o Conservadores:
▪ Mumificação;
▪ Saponificação
a) Desidratação Cadavérica
Consiste na evaporação de líquidos do cadáver para o ambiente, favorecido por temperatura
elevada e ventilação. Em geral ocorre perda de peso, sendo que localmente há
apergaminhamento cutâneo, desidratação de mucosas expostas e a nível ocular, começamos a
observar: opacificação da córnea, afundamento do globo ocular e mancha esclerótica de
Sommer-Larcher/Tache noir.
b) Arrefecimento Cadavérico
Trata-se do processo gradual, com progressiva diminuição da temperatura do cadáver até
igualar a do meio em redor. Os fatores de variação são a causa de morte, fatores individuais e
fatores ambientais.
Cronotanatognose: determinação do intervalo que vai desde a morte efetiva até aquando da
descoberta do cadáver.
c) Livores Cadavéricos
Consiste na acumulação de sangue não circulante nos vasos da pele das regiões de declive,
tratando-se de um fenómeno puramente mecânico. Surgem manchas vermelho-arroxeadas nas
zonas de declive não sujeitas a pressão. Constitui-se como um dos primeiros sinais de morte e
podem ocorrer mesmo antes da morte em doenças que implicam acentuada desidratação como
a cólera. Podem não ser observáveis.

Medicina Legal e Ciências Forenses 62


Consoante a cor poderemos determinar a causa de morte:
• Rosado: hipotermia, refrigeração;
• Carmim: intoxicação por monóxido de carbono, com COHb;
• Vermelho-acastanhado: intoxicação por MetHb.
Também poderemos avaliar quanto à intensidade, sendo que é dependente da fluidez do
sangue e da causa da morte, ou seja, os livores cadavéricos são menores se tiver existido
hemorragia/anemia (menor quantidade de sangue e de pigmento de Hb).
Os livores cadavéricos podem ser:
• Móveis: se morte ocorreu até 6h;
• Fixos: se morte ocorreu após 10/12h.
Outro fator a ter em conta é a distribuição, que poderá demonstrar alguma incoerência da
posição em que o cadáver foi encontrado e a localização dos livores, ou seja, pode indiciar
uma manipulação post mortem do cadáver.
d) Rigidez Cadavérica
Consiste na contratura dos músculos, resultante de alterações relacionadas com a diminuição
do ATP. Inicialmente, o cadáver está flácido, sendo que de 2-3h até um máximo de 8-12h
após a morte ocorre rigidez cadavérica e, se a morte ocorreu há mais de 24h, volta a
apresentar uma flacidez secundária. A intensidade da rigidez é proporcional com o grau de
desenvolvimento muscular.
e) Autólise
Conjunto de processos fermentativos anaeróbios nas células por ação de enzimas, sem
intervenção bacteriana. Geram-se alterações nos fluídos, tecidos e órgãos. As estruturas
constituídas na maior parte das fibras musculares são mais resistentes ao processo de autólise
(nomeadamente o coração, útero e próstata).
f) Putrefação
Consiste num processo destrutivo por ação de bactérias quer endógenas (microbioma local)
quer exógenas. Apresenta uma evolução por 4 períodos:
1. Cromático: acontece cerca de 24h após a morte, surge uma mancha verde abdominal,
devido à formação de ácido sulfídrico que degrada a hemoglobina;
2. Enfisematoso: acontece alguns dias após a morte, começamos a observar uma
distensão abdominal, exoftalmia, prolapsos, descolamento da epiderme, tudo isto
derivado da acumulação de gases produzidos pelas bactérias;
3. Liquefativo: surge meses após a morte, e consiste na destruição progressiva dos
órgãos através da liquefação, onde epiderme se separa da derme, através da formação
de bolhas cutânea. Isto conduz a diminuição do volume corporal;
4. Esqueletização: surge anos após a morte, consistindo no desaparecimento das partes
moles e destruição progressiva dos órgãos.
Este processo ainda é bastante influenciado por fenómenos individuais:
• Influências constitucionais (mais rápida em obesos e crianças);
• Influências patológicas (mais rápida em feridas graves, sépsis…)

Medicina Legal e Ciências Forenses 63


Assim como sofre influências ambientais, como humidade, frio, calor, arejamento e fauna. O
estudo dos insetos que influenciam o estado de putrefação é designado por Entomologia
Forense.
g) Mumificação
Acontece em temperaturas altas, com baixa humidade e boa ventilação. Baseia-se na secura
extrema dos tecidos, com perdas de fluídos por evaporação e circulação de ar, limitação do
crescimento bacteriano (putrefação) e preservação de sinais de lesões traumáticas/asfixias.
h) Saponificação
Consiste na transformação da gordura em adipocera, ocorrendo em ambientes húmidos, por
ação de microrganismos anaeróbios. Vai preservar lesões/patologias em zonas com gordura e
raramente conserva o cadáver inteiro.

Verificação do Óbito
De acordo com a lei 141/99 de 28 de agosto, estabelecem-se os princípios em que se baseia a
verificação da morte. O art. 2º define morte como cessação irreversível das funções do tronco
cerebral. Quanto à verificação do mesmo, o art. 3º afirma o seguinte:
1. A verificação da morte é da competência dos médicos;
2. Cabe à Ordem dos Médicos definir, manter atualizados e divulgar os critérios
médicos, técnicos e científicos de verificação da morte.
O art. 4º explica o processo de verificação:
1. A verificação da morte compete ao médico a quem, no momento, está acometida a
responsabilidade pelo doente ou que em primeiro lugar compareça, cabendo-lhe lavrar
um registo sumário de que conste:
a. A identificação possível da pessoa falecida, indicando se foi feita por
conferência de documento de identificação ou informação verbal;
b. A identificação do médico pelo nome e pelo número da cédula da Ordem dos
Médicos;
c. O local, a data e a hora de verificação;
d. Informação clínica ou observações eventualmente úteis:
i. Sinais negativos de vida (registar ausência de sinais positivos de
morte);
ii. Sinais positivos de vida (caraterizar);
iii. Lesões traumática;
iv. Antecedentes patológicos;
v. Informação do local que possa estar relacionada com a morte.
2. Em estabelecimentos de saúde públicos ou privados o registo da verificação de morte
deve ser efetuado no respetivo processo clínico;
3. Fora dos estabelecimentos de saúde o registo pode ser efetuado em papel timbrado do
médico, de instituição ou outro, sendo entregue à família ou à autoridade que
compareça no local;

Medicina Legal e Ciências Forenses 64


4. Nos casos de sustentação artificial das funções cardiocirculatórias e respiratórias, a
verificação de morte deve ser efetuada por 2 médicos, de acordo com o regulamento
elaborado pela Ordem dos Médicos.
De forma resumida, acontece o seguinte:
1. Verificação de óbito fora das instituições de saúde -> redigir auto de verificação do
óbito e entregar à família ou à autoridade policial;
2. Verificação do óbito em instituição de saúde -> registo da verificação do óbito no
processo clínico.
Se a morte for de causa ignorada ou violenta, tem de se preencher o Boletim de Informação
Clínica e/ou circunstancial e, de seguida, comunicar ao Ministério Público.

Morte Natural e Morte Súbita


Morte natural: resulta diretamente da doença (síndrome ou estado mórbido) e das respetivas
alterações orgânicas espontâneas, mesmo com tratamento adequado e sem intervenção de
agente externo.
Se esta ocorrer fora das instituições de saúde:
• Com assistência médica: o médico assistente que tenha dirigido o tratamento da
doença até à morte, ou que tenha visitado ou dado consulta extra-hospitalar ao doente
dentro da semana que tiver precedido o óbito, dever certificar o óbito;
• Sem assistência médica: verificação do óbito é feita pelo médico do INEM/delegado
de saúde, a autoridade policial comunica ao Ministério Público, sendo que se MP
dispensar investigação médico-legal, o delegado de saúde faz a certificação do óbito.
Se a causa for ignorada, o processo de atuação depende onde ocorre o óbito. Se for fora da
instituição de saúde há preenchimento de um documento de verificação do óbito, sendo que
de seguida é a autoridade policial que comunica ao Ministério Público. Se ocorrer em
instituição de saúde, é preenchido o BIC e depois é comunicado o óbito ao Ministério
Público. De seguida, em instituição de saúde, se há dispensa de autópsia médico-legal,
quem faz a certificação do óbito é o médico assistente. Se há ordem de autópsia médico-
legal, quem faz a certificação do óbito é o médico legista. Se for fora de instituição de saúde,
tem de ser removido o cadáver para os serviços médico-legais, realiza-se o exame do hábito
externo, procede-se à autópsia médico-legal (caso não seja dispensada) e de qualquer das
formas, quem certifica o óbito é o médico-legista.
Morte Súbita: é aquela que ocorre em até 24 horas após o início dos sintomas, em indivíduo
sem patologia prévia (da qual fosse expectável a morte). Necessita de investigação médico-
legal, devendo-se analisar circunstâncias da morte (incluindo exame do local), a informação
clínica e procedendo-se à autópsia completa.
As causas de morte súbita podem ser as seguintes:
1. Patologia Cardíaca:
• Artérias coronárias: aterosclerose (80%) ou não aterosclerose (espasmo,
disseção, hipoplasia…);
• Sistema de condução (doença de lenègre, Doença de Lev, Síndrome de Wolff-
Parkinson-White…);

Medicina Legal e Ciências Forenses 65


• Miocárdio (miocardiopatia hipertrófica, dilatada, restritiva, DAVD,
miocardite, doença cardíaca hipertensiva);
• Válvulas (estenose aórtica, prolapso da válvula mitral…)
• Mecanismo de morte: arritmia, IC ou tamponamento;
2. Patologia não cardíaca:
• Vascular (disseção/rotura de aneurisma da aorta);
• SNC:
i. Hemorragia intracraniana espontânea (rotura de aneurisma do polígono
do cérebro);
ii. Hemorragia intracerebral (Aterosclerose, HTA, mais na artéria cerebral
média);
iii. Meningite (meningococcémia, Síndrome de Waterhouse-Friderichsen);
• Sistema Respiratório:
i. Pneumonia/broncopneumonia;
ii. TEP;
• Sistema Digestivo:
i. Hemorragia Digestiva Alta;
ii. Perfuração de úlcera gástrica.
• Epilepsia (SUDEP)

Morte Súbita no Desportista


Trata-se da morte súbita que ocorre durante a prática de atividade física vigorosa. Os
objetivos específicos deste tipo de autópsia médico-legal são:
• Diagnóstico de causa de morte natural;
• Excluir causa de morte violenta (intoxicação/doping, lesões traumáticas).
As causas mais comuns em jovens adultos (< 35 anos) são: miocardiopatia hipertrófica,
arritmias e malformações coronárias, enquanto em indivíduos mias velhos é a doença cardíaca
isquémica por aterosclerose.
As implicações médico-legais deste tipo de morte consistem na necessidade de exames
médicos de aptidão para a atividade física, que apresenta responsabilidade médica, enquanto
se for morte violenta, poderá envolver seguros.

Síndrome de Morte Súbita Infantil (SIDS)


Consiste na morte súbita e inesperada de crianças com menos de 1 ano, num episódio fatal
durante o sono, inexplicada após investigação exaustiva, que inclui autópsia completa, revisão
das circunstâncias de morte e da história clínica.

Medicina Legal e Ciências Forenses 66


Apresenta incidência de 1,5-2 por 1000 nados vivos, constituindo-se como principal causa de
morte neonatal em períodos desenvolvidos, com pico de incidência entre os 2-4 meses e mais
comum no sexo masculino.
Os principais fatores de risco são:
• Decúbito ventral;
• Sobreaquecimento;
• Aleitamento artificial;
• Tabagismo (pais);
• Rebreathing (aumento do CO2 e diminuição do O2);
• Inverno;
• Infeções respiratórias ligeiras;
• Idade materna < 20 anos.
A investigação médico-legal envolve o exame do local e a averiguação se foram efetuadas
manobras de reanimação, a entrevista familiar e a autópsia completa e minuciosa. Na
autópsia, nomeadamente no exame do hábito externo, avaliam-se os dados antropométricos,
dismorfias ou outras alterações e identificação de lesões traumáticas, asfixia ou maus-tratos.
De seguida, procede-se ao exame do hábito interno, que deve metódico, completo, com
avaliação de possibilidade de sinais asfíxicos, sinais de inflamação do trato respiratório, tendo
particularmente cuidado com autópsia do pescoço. Em termos de exames complementares de
diagnóstico, devem ser pedidos:
• Radiografia (corpo inteiro);
• Toxicologia (sangue, urina, fígado, rim);
• Histologia (painel alargado);
• Microbiologia/virologia (hemoculturas, nasofaringe, brônquios, pulmões);
• Metabólica/genética (sangue, baço, bílis, urina).
Se exame do local, entrevista familiar e autópsia completa forem negativas, devemos partir
para diagnóstico de exclusão.

Medicina Legal e Ciências Forenses 67


Perícias Psiquiátricas e
Psicológicas
Direito Penal
Encontram-se sempre sob a responsabilidade do Tribunal e é onde a base de facto é
pressuposta e as conclusões jurídicas após perícia, compreendem a perigosidade, a intenção
de matar e a regulação no exercício de responsabilidades parentais.

Código Processo Cível


De acordo com o art.467º, na designação dos peritos, está descrito o seguinte:
1. A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é
requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado
ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito,
nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na
matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte;
2. As partes são ouvidas sobre a nomeação do perito, podendo sugerir quem deve realizar
a diligência; havendo acordo das partes sobre a identidade do perito a designar, deve o
juiz nomeá-lo, salvo se fundamentalmente tiver razões para pôr causa a sua idoneidade
ou competência;
3. As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos
médicos contratados, nos termos previstos do diploma que as regulamenta;
4. As restantes perícias podem ser realizadas por entidade contratada pelo
estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, desde que não tenham qualquer
interesse em relação ao objeto em causa nem ligação com as partes.
O art. 152º afirma quem realiza através dos seguintes pressupostos:
1. A perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou,
quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre pessoas
constantes de listas de peritos existentes em cada comarca ou, na sua falta ou
impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de
reconhecida competência na matéria em causa;
2. Quando a perícia se revelar de especial complexidade ou exigir conhecimentos de
matérias distintas, pode ela ser deferida a vários peritos funcionando em moldes
colegiais ou interdisciplinares.
No que concerne ao Serviço de Psiquiatria Forense, o Decreto-Lei nº 96/2011, nomeadamente
o art. 30º afirma:
1. Ao Serviço de Psiquiatria Forense compete a realização de perícias e exames
psiquiátricos e psicológicos solicitados à Delegação;
2. Sem prejuízo da competência definida no número anterior, os exames e serviços
solicitados deverão ser distribuídos pelos diversos serviços públicos e privados que, de
acordo com a lei em vigor, possuam competência para a sua realização.

Medicina Legal e Ciências Forenses 68


Para exames e perícias no âmbito da psiquiatria e psicologia forenses, a lei 45/2004 de 19/08,
secção V, art. 24º, afirma o seguinte:
1. Os exames e perícias de psiquiatria e psicologia forense são solicitados pela entidade
competente à delegação do Instituto da área territorial do tribunal que os requer;
2. Sempre que a delegação não disponha de especialistas nestas áreas em número
suficiente para assegurar a resposta às solicitações, pode deferir os exames e perícias a
serviços especializados do SNS.
Enquanto isso, o art. 2º da mesma lei, afirma que:
1. As perícias médico-legais são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos
gabinetes médico-legais do INMLCF…;
2. Excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias
referidas no número anterior, poderão ser realizadas por entidades terceiras, públicas
ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto.
O art. 476º, em relação à fixação do objeto da perícia diz o seguinte:
1. Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte
contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua
ampliação ou restrição;
2. Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o
respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere
inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao
apuramento da verdade.
De acordo com o art. 477º, a perícia é oficiosamente determinada quando o juiz indica, no
despacho em que determina a realização da diligência, o respetivo objeto, podendo as partes
sugerir o alargamento a outra matéria.
No art. 154º, relativamente ao despacho que ordena a perícia, afirma-se que:
1. A perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade
judiciária, contendo o nome dos peritos e a indicação sumária do objeto de perícia,
bem como, precedendo audição dos peritos, se possível, a indicação do dia, hora e
local em que se efetivará;
2. Quando se tratar da perícia sobre as caraterísticas físicas ou psíquicas de pessoa que
não haja prestado consentimento, o despacho previsto no número anterior é da
competência do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o
direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado.

Objeto da Perícia
A necessidade legal do cumprimento no disposto do art. 476º e 477º do CPC e/ou 154º CPP e
a necessidade técnico-cientifíca do cumprimento do disposto dos mesmos artigos, implicam
que a metodologia a aplicar não pode ser confundida com o próprio objeto, sendo uma clara
contradição o Tribunal impor (e por maioria da razão as partes requererem ou tentarem impor)
se a perícia deve ser psicológica ou pelo contrário psiquiátrico.
A interferência das partes na legis artis (requerendo a forma como é feita a perícia) é à partida
enviesar invalidando conclusões técnico-científicas, sendo que perícia não será mera
inquirição por funcionários hospitalares.

Medicina Legal e Ciências Forenses 69


Uma perícia não é um relatório social, nem uma decisão, sentença ou acórdão e muito menos
um cumprimento de uma inquirição por Carta precatória.
A perícia psicológica, tem de se enquadrar dentro dos seguintes princípios gerais do Direito:
• Princípio da imediação;
• Princípio da celeridade;
• Princípio da economia processual;
• Princípio da intervenção mínima de Estado.

Código do Processo Penal


De acordo com o art. 155º, relativamente aos consultores técnicos, afirma o seguinte:
1. Ordenada a perícia, o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis
podem designar para assistir à realização da mesma, se isso ainda for possível, um
consultor técnico da sua confiança;
2. O consultor técnico pode propor a efetivação de determinadas diligências e formular
observações e objeções, que ficam a constar do auto;
3. Se o consultor técnico for designado após a realização da perícia pode, salvo no caso
previsto na alínea a) do nº4 do artigo anterior, tomar conhecimento do relatório;
4. A designação de consultor técnico e o desempenho da sua função não podem atrasar a
realização a perícia e o andamento normal do processo.
No que concerne à obrigatoriedade de sujeição a exame, constando no art. 3º da lei 45/2004,
afirmam-se os seguintes pressupostos:
1. Ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este
se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que
ordenado pela autoridade judicial competente, nos termos da lei;
2. O examinado pode, nos termos do disposto no artigo 155º do CPP, com as necessárias
adaptações, fazer-se acompanhar por pessoa da sua confiança para a realização do
exame pericial;
3. A autoridade judicial competente pode assistir à realização dos exames periciais.
Apesar de tudo, pode existir recusa, se houver risco de intervenção do perito (ser considerada
suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua
imparcialidade), sendo que a recusa pode ser solicitada pelo Ministério Público, assistente ou
pelas partes civis. Pode existir inclusivamente escusa, pedida pelo perito com base na falta de
condições indispensáveis para a realização da perícia, sendo que o Ministério Público,
arguido, assistente e partes civis podem solicitar recusa com base nos motivos anteriores.

Pedido de Exames Periciais Psiquiátricos


Podem ser requeridos exames periciais psiquiátricos quando:
• Comportamento perturbado observado em Tribunal;
• Crime bizarro;
• História de doença mental;

Medicina Legal e Ciências Forenses 70


• A pedido do advogado;
• Natureza do crime: homicídio e violência sexual
Resumidamente, as entidades requisitantes (Magistrados, autoridades administrativas,
INMLCF e outras) podem fazer requisição de exames periciais (foros: penal, civil, trabalho,
família, disciplinar), que tendo em conta a coordenação, recepção, triagem e estatística, serão
distribuídas as requisições dos exames pela entidades requisitadas (DPSM, INMLCF), para a
realização dos exames clínicos e complementares, elaborando o relatório pericial, donde
prosseguirá a investigação e será entregue às entidades requisitantes.

Fundamentos Legislativos
No Direito Penal ou Criminal, tendo em conta a temática da psicologia e psiquiatria
forenses, existem os seguintes fundamentos legislativos:
• Estado de Toxicodependência D.L. 15/93, art 52º;
• Avaliação do dano Penal art. 144º;
• Inimputabilidade por anomalia psíquica art. 20º do Código Penal;
• Medidas de segurança, perigosidade e tratamento título VI do Código Penal;
• Delinquentes por tendência, perigosidade e tratamento art. 83º CP;
• Alcoólicos equiparados, perigosidade e tratamento art. 86º, 87º e 88º do CP.
No Direito Civil, podemos encontrar os seguintes fundamentos:
• Interdições/acompanhamento art. 138º CC;
• Inabilitações/acompanhamentos art. 152º do CC;
• Reparação do dano e obrigação de indemnização secção VIII do CC.
No Direito do Trabalho, temos os seguintes fundamentos:
• Reparação do dano;
• Regime especial de trabalho;
• Reforma por incapacidade;
No Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes, o principal fundamento são as
medidas disciplinares, tal como no Regulamento de Disciplina Militar.

Perícias Psi em Sede de Direito Penal


Na quase totalidade dos pedidos pretende-se avaliação de pressupostos médico-legais de
(in)imputabilidade. Ainda que com recurso a exame complementar de diagnóstico, o conteúdo
é essencialmente médico-psiquiátrico por necessariamente ligado a patologia, ou no mínimo a
condição capaz de afetar gravemente a capacidade de avaliação e determinação, ou se
quisermos a inteligência e a vontade.
De acordo com o artigo 20º do C.P., relativamente à inimputabilidade em razão de anomalia
psíquica, afirma-se o seguinte:

Medicina Legal e Ciências Forenses 71


1. É inimputável quem, por força de anomalia psíquica, for incapaz, no momento da
prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa
avaliação;
2. Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não
acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no
momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude ou para se
determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída;
3. A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas pode
constituir índice da situação prevista no número anterior;
4. A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo
agente com intenção de praticar o facto.

Conceito de (In)imputabilidade
O facto punível é o facto típico, ilícito e culposo, tendo em conta o seguinte:
• O princípio da legalidade: Nullum crime, nulla penae sine lege (“ou é ou não é”);
• A contrariedade à ordem jurídica e consequentemente a sua não aceitação;
• A censurabilidade do facto objetivo praticado e a sua compreensão pela ordem
jurídica, ainda que não o aceite, sendo as principais causas para ponderar exclusão de
culpa as seguintes:
o Estado de necessidade desculpante;
o Ausência de consciência de ilicitude;
o Obediência indevida desculpante;
o Erro sobre a ilicitude/erro sobre elementos do tipo;
o Inexigibilidade.
A ausência de consciência de ilicitude de um doente mental que não consegue distinguir o
Bem do Mal, por fatores independentes de si, não compreensíveis, antes explicáveis à luz da
Doença, que o priva da inteligência e vontade, é causa de exclusão da sua culpa, que não pode
assim ser-lhe imputável. É pois inimputável em razão de anomalia psíquica se e só se
estiverem presentes esses pressupostos, que são assim alvo de avaliação pelo perito.
Atenção que o psiquiatra não se pergunta se o doente tem culpa, isso é tarefa do tribunal;
pergunta-se sim se é capaz medicamente de a ter, o que acontecerá se a patologia não impedir
a consciência da ilicitude, e assim ele for capaz de se avaliar e de se determinar de acordo
com a sua própria avaliação naquele momento e para aquele facto concreto e apesar de uma
eventual doença psiquiátrica.
Do ponto de vista jurídico, a inimputabilidade (em razão da anomalia psíquica) consiste na
destruição por essa anomalia, das conexões reais e objetivas entre o agente e o facto, de tal
modo e em grau que torne impossível a compreensão do facto como facto do agente. O agente
torna-se assim como um objeto passivo dos processos funcionais.
Desta forma, a inimputabilidade é um conceito normativo, e assim jurídico, ou seja, em rigor
não compete aos peritos afirmar da existência de uma inimputabilidade. O que os peritos
fazem é verificar pressupostos médico-legais que a lei prevê (substrato biopsicológico). Após
esse juízo que é técnico-científico caberá inteiramente ao Tribunal declarar a inimputabilidade
(substrato normativo).

Medicina Legal e Ciências Forenses 72


Perícia sobre a Personalidade
De acordo com o art. 160º, do Código do Processo Penal, afirma-se o seguinte:
1. Para efeito de avaliação da personalidade e da perigosidade do arguido pode haver
lugar a perícia sobre as suas caraterísticas psíquicas independentes de causas
patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização;
2. A perícia deve ser deferida a serviços especializados, incluindo os serviços de
reinserção social, ou, quando isso não for possível ou conveniente, a especialistas em
criminologia, em psicologia, em sociologia ou em psiquiatria;
3. Os peritos podem requerer informações sobre os antecedentes criminais do arguido, se
delas tiver necessidade.
No que concerne à realização das perícias em si, de acordo com os pressupostos do art. 160º -
A do C.P.P., afirma-se o seguinte:
1. As perícias referidas nos artigos 152º e 160º podem ser realizadas por entidades
terceiras que para tanto tenham sido contratadas por quem as tivesse de realizar, desde
que aquelas não tenham qualquer interesse na decisão a proferir ou ligação com o
assistente ou com o arguido;
2. Quando, por razões técnicas ou de serviço, quem tiver de realizar a perícia não
conseguir, por si ou através de entidades terceiras para tanto contratadas, observar o
prazo determinado pela autoridade judiciária, deve imediatamente comunicar-lhe tal
fato, para que esta possa determinar a eventual designação de novo perito.
Traços de personalidade associados à violência
• Impulsividade;
• Baixa tolerância à frustração;
• Inabilidade para tolerar críticas;
• Comportamentos anti-sociais repetitivos;
• Conduzir de forma rude;
• Egocêntricos e não empáticos;
• Relações afetivas superficiais;
• Projeção e falta de capacidade introspetiva.
Fatores de risco para violência
• Inserção e controlo do pensamento;
• Alucinações de comando;
• Plano específico;
• Acesso a meios letais e à vítima;
• Abuso na infância;
• Comportamentos impulsivos;
• Planos sem viabilidade;

Medicina Legal e Ciências Forenses 73


• Traumatismos cranianos ou de parto;
• Personalidade prévia.
De acordo com o art. 131º do C.P.P., a capacidade e dever de testemunhar ocorre através dos
seguintes pressupostos:
1. Qualquer pessoa que não se encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade
para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei;
2. A autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para
prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade e
puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo;
3. Tratando-se de depoimento de menor de 18 anos em crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual de menores, pode ter lugar perícia sobre a personalidade;
4. As indagações, referidas nos números anteriores, ordenadas anteriormente ao
depoimento não impedem que este se produza.

Perícia em Sede de Direito Penal


A perícia prevista no art. 131º do C.P.P. transmite uma confusão entre a capacidade de
testemunhar e veracidade do testemunho. A perícia não pode nem deve ser usada como prova
testemunhal, que só é válida, se for recolhida com respeito pelas normas processuais,
nomeadamente em consonância com os princípios da oralidade e da imediação numa relação
de proximidade com o tribunal.
Esta perícia é frequentemente confundida por Psiquiatras/Psicólogos, e por vezes até por
Juristas, que a pretendem ver como, não para avaliar as capacidades de testemunho, mas como
avaliadora da credibilidade de depoimentos.
Enfatiza-se que o perito não se deve pronunciar sobre a veracidade de um testemunho,
competência essa que é do tribunal, e ainda que possa expor considerações sobre a estrutura
lógica, quantidade de detalhes, contexto, elaboração e estrutura da narrativa, descrição de
interações, correções espontâneas, detalhes supérfluos, admissão de falhas de memória, que
de algum modo ajudem o tribunal a ajuizar a credibilidade de um testemunho. Considera-se
perigosos verter aos autos matéria subjetiva, apresentada como científica, e que à partida se
presume “subtraída à livre apreciação do julgador”.
Os aspetos objetivos desta perícia são:
• Avaliação clínica da personalidade;
• Instrumentos de avaliação e traços/caraterísticas em abstrato;
• Importância da avaliação de aspetos cognitivos: memória, atenção, processamento da
informação cognitiva, planeamento executivo.
Os aspetos subjetivos baseiam-se no seguinte:
• Coerência (lógica e plausibilidade);
• Verbalização espontânea (resposta a questões abertas);
• Detalhes suficientes;
• Contextualização e descrição das interações;

Medicina Legal e Ciências Forenses 74


• Estrutura da narrativa;
• Admissão ou não de algumas falhas de memória.
De acordo com o acórdão da Relação de Lisboa (nota 19 do acórdão 7071/2005-3 de
18/01/2006), afirma o seguinte: “Cuja credibilidade não pode assentar na perícia psicológica
efetuada, perícia essa cuja realização apenas está prevista no C.P.P. para os menores de 16
anos (…) e porque o perito apenas pode e deve pronunciar-se sobre a capacidade da pessoa
em causa conservar em memória e reproduzir os acontecimentos que presenciou, ou seja,
sobre os aspetos percetivos e cognitivos do depoimentos, e não sobre a sua credibilidade. Esse
juízo pertence, inexoravelmente, ao tribunal”.
Os critérios de Daubert, a que deverá obedecer uma prova pericial, para ser qualificada
como tal, são os seguintes:
1. Existência de hipótese científica testável;
2. Já testada;
3. Percentagem de erro conhecida;
4. Sujeita a revisão interpares/cientificamente publicado;
5. Genericamente aceite pela comunidade científica.

Perícia em Sede de Direito Civil


Destinava-se no passado a avaliar a capacidade ou (in)capacidade para gerir pessoas e bens
(art. 138º CC), sendo que assumiu nova redação pela Lei 49/2018 de 14 de agosto. Importa
agora avaliar a capacidade para exercer direitos e deveres, e promover o bem-estar e a
recuperação do cidadão portador de algum grau de incapacidade.
Interdição: “Podem ser interditados do exercício dos seus direitos todos aqueles que por
anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar a sua pessoa
e bens.” (art. 138º CC)
Inabilitação: “Podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou
cegueira, embora de carácter permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua
interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade, ou pelo abuso de bebidas
alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu
património.” (art. 152º CC)
Acompanhamento: “O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência ou pelo seu
comportamento, de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou de, nos
mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento
previstas neste Código.” (ant. 138º CC). Desta forma, deixa de haver referência apenas à
(in)capacidade de gerir pessoas e bens, razões que eram apontadas para a interdição e
inabilitação. O que agora importa é se é ou não capaz de exercer (plenamente) direitos e
deveres pela sua saúde, deficiência ou pelo seu comportamento.
De acordo com o art. 140º do Código Civil, no que concerne ao objetivo e supletividade,
afirma o seguinte:
1. O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o
pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as
excepções legais ou determinadas na sentença;

Medicina Legal e Ciências Forenses 75


2. A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos
deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.
No artigo 143º do Código Civil, no que respeita ao acompanhante, está explanado o seguinte:
1. O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo seu
acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente;
2. Na falta de escolha, o acompanhante é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja
designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário,
designadamente:
a. Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b. Ao unido de facto;
c. A qualquer dos pais;
d. À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça responsabilidades
parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e. Aos filhos maiores;
f. A qualquer dos avós;
g. À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;
h. A outra pessoa idónea;
3. Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se
as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores.
O artigo 145º do Código Civil, relativamente ao âmbito e conteúdo do acompanhamento,
afirma-se o seguinte:
1. O acompanhamento limita-se ao necessário;
2. Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode
cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:
a. Exercício das responsabilidades parentais cometidas ao acompanhado ou dos
meios de as suprir, conforme as circunstâncias;
b. Representação geral ou representação especial, com indicação expressa das
categorias de atos para que seja necessário;
c. Administração total ou parcial de bens;
d. Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos;
e. Intervenções de outro tipo, devidamente explicadas;
3. Os atos de disposição de bens imóveis carecem de autorização judicial prévia e
específica;
4. A representação legal segue o regime da tutela, com as adaptações necessárias,
podendo o tribunal dispensar a constituição do conselho de família;
5. À administração total ou parcial de bens aplica-se, com as adaptações necessárias, o
disposto nos artigos 1967º e seguintes.

Medicina Legal e Ciências Forenses 76


O artigo 147º do Código Civil, relativamente aos direitos pessoais e negócios da vida
corrente, afirma o seguinte:
1. O exercício pelo acompanhamento de direitos pessoais e a celebração de negócios da
vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário;
2. São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de
perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou adotados, de escolher
profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de
estabelecer relações com quem entender e de testar.
Avaliação da Capacidade Testamentária
Aplica-se o atrás referido na Regime de Maior Acompanhado, sem prejuízo, nada obsta, que
na ausência de patologia seja suficiente uma avaliação psicológica, que incida no
processamento da informação cognitiva e compreensibilidade/motivação pelo Testamento.
Deve-se avaliar relativamente ao discernimento do que concretamente possui e sobre o
sentimento e natureza dos relacionamentos.
Do ponto de vista médico-legal, nada obsta a serem ouvidas (para pesquisa de sinais e
sintomas) pessoas que tenham convivido de perto com um falecido, no caso de uma avaliação
retrospetiva.
Outras Perícias em Direito Civil
Face à variabilidade do solicitado, não pode em abstracto ser referido se psiquiátrica ou
psicológica. Têm vindo a aumentar pedidos que ultrapassam a capacidade da ciência e assim
competência pericial. Igualmente não é adequado pedir simplesmente perícia psicológica ou
psiquiátrica.

Caso Particular de Avaliação do Dano Psico-Físico


Será competente a especialidade da Medicina Legal, ou médico com competência conferida
pela Ordem dos Médicos. Naturalmente, aquele especialista pedirá exame complementar
psiquiátrico ou psicológico conforma a necessidade concreta. Apresenta diferentes âmbitos e
envolve diferentes parâmetros médico-legais.

Direito de Família e Menores


Envolve principalmente os seguintes fatores:
• Processos de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais;
• Processo de Promoção e Proteção;
• Processo de Adopção.
De acordo, com o artigo 178º da OTM, relativamente à falta de acordo na conferência,
afirma-se o seguinte:
1. Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não
chegaram a acordo que seja homologado, serão logo notificados para, no prazo de 10
dias, alegarem o que tiverem por conveniente quanto ao exercício do poder paternal;
2. Com a alegação deve cada um dos pais oferecer testemunhas, juntar documentos e
requerer as diligências necessárias;

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3. Findo o prazo para apresentação das alegações, proceder-se-á a inquérito sobre a
situação social, moral e económica dos pais e, salvo oposição dos visados, aos exames
médicos e psicológicos que o tribunal entenda necessárias para esclarecimento da
personalidade e do carácter dos membros da família e da dinâmica das suas relações
mútuas.
O art. 22º da lei nº 141/2015 de 8 de setembro, do Regime Geral do Processo Tutelar Civel,
afirma-se que: “Em qualquer fase do processo e sempre que o entenda necessário, o juiz pode
nomear ou requisitar assessores técnicos externos, a fim de assistirem a diligências, prestarem
esclarecimentos, realizarem exames ou elaborarem pareceres.”

Perícia em Sede de Direito de Família e Menores


Se existe ramo do Direito em que as perícias psicológicas assumem clara relevância
relativamente às psiquiátricas, é na jurisdição de Família. Porém aqui, é grande a tentação do
técnico, seja ele psiquiatra seja psicólogo, para agir como investigador policial, procurador ou
juiz, e infelizmente essa tendência tem sido aparentemente até “reforçada”, face à sobrecarga
de trabalho, pressão dos media e requerimentos dos advogados das partes. Não deve ser
esquecido que: Psiquiatricamente, “existe (ainda) limitada base científica para opinião relativa
às questões que os Tribunais têm que decidir”; e mesmo, apesar dos esforços da última
década, por ora, os instrumentos de avaliação melhor validados no dia a dia, são
frequentemente aqueles que têm menor relevância para questões legais.
Estas perícias têm altas expetativas, mas escassos resultados. Isto porque há inexequibilidade
técnica e científica da maior parte do desejado. Apenas é exequível pouco mais que a
avaliação de eventual psicopatologia, da existência de sofrimento psíquico e porventura
competências parentais.
Apesar de tudo ninguém gosta deste tipo de perícias, pois podem não conseguir trazer as
respostas pretendidas, podendo haver discrepância entre relatórios de 2 psiquiatras, não tendo
a certeza se é possível simular sintomas psiquiátricos. A entrevista pericial psiquiátrica
envolve a presença de guardas, advogados, familiares e médicos. Por fim, deve-se evitar usar
linguagem ininteligível.
A estrutura do relatório pericial psicológico ou psiquiátrico geral, de acordo com o artigo
159º, é o seguinte:
1. Preâmbulo;
2. Identificação do/a examinado/a;
3. Informação (o/a examinado/a é arguido/a…os motivos para o exame são…);
4. Elementos em que se baseia o relatório;
5. Exame indireto;
6. Exame direto (relato dos factos; antecedentes pessoais e familiares sumários;
observação psicopatológica atual; exames complementares de diagnóstico);
7. Discussão;
8. Conclusões (diagnóstico psiquiátrico formulado; imutabilidade; perigosidade;
propostas terapêuticas e prognóstico);
9. Resposta aos quesitos (se os houver).

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A estrutura específica da ação especial de interdição/inabilitação é a seguinte:
1. Preâmbulo;
2. História clínica sumária;
3. Observação psicopatológica;
4. Enquadramento atual;
5. Discussão e conclusões:
a. Especificar diagnóstico;
b. Especificar extensão da incapacidade;
c. Especificar data de início;
d. Especificar medidas de tratamento propostas;
e. Especificar a presença ou ausência de pressupostos médico-legais para
interdição, relativamente à incapacidade para gerir pessoas e bens e
necessidade de vir a ser nomeado tutor.

Princípios do Relatório Pericial Psiquiátrico/Psicológico


O propósito do relatório é fornecer dados para uma decisão legal, o que é diferente dos
objetivos standard clínicos e psiquiátricos com propósito terapêutico. Os estádios na
elaboração do relatório são:
• Recolher material;
• Considerar objetivo e atender à audiência;
• Exame indireto;
• Exame direto;
• Pedido de exames complementares;
• Escrever o relatório.
Formato e Conteúdo
Deve-se tornar clara a não confidencialidade médica, a divisão de títulos em ajuda. O relatório
deve conter todos os dados que permitam discutir, formar opinião e concluir. O ideal seria que
um outro psiquiatra/psicólogo perante aqueles dados, chegasse exatamente à mesma
conclusão. As fontes dos dados devem estar claras no relatório.
Exame Direto
A primeira pergunta que deve ser feita é: Explicaram-lhe o motivo de vir hoje aqui?
Isto pois permite garantir direitos, manter a ética, criar relação para colheita de história clínica
e, por fim, permite dar informações clínicas psiquiátricas e psicológicas.
Discussão
No fundo, a opinião deveria ser dedicada em tempo metade do relatório. O valor do relatório é
proporcional à força, razão e clareza dos argumentos que suporta a opinião. Podem ser
repetidos dados, exemplos. Não deve haver inferências e expor se houver versão alternativa.

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Relatório Pericial na Prática Privada
Apresenta-se com compreensível desconfiança dos Tribunais, sendo que não se deve deixar
os advogados controlar os relatórios, só se deve modificar o que não altera a conclusão e que
não se importaria revelar em Tribunal. Deve-se avisar previamente que o relatório pode não
ajudar e ainda há a questão dos honorários.

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