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Emoções, Cultura e Sociedade no trajetória acadêmica, desde sua graduação,


onde ocorre o despertar pelo interesse da
Brasil: Uma Resenha sociabilidade urbana, até a formação
intelectual pós-graduada e profissional
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro;
como antropólogo. Discute as influências
BARBOSA, Raoni Borges. Da subjeti-
teóricas e metodológicas que vão desde a
vidade às Emoções: a antropologia e a
fenomenologia de Alfred Schütz, até a
sociologia das emoções no Brasil. Série
sociologia interacionista da Escola de
Cadernos do GREM n. 7. Recife: Edições
Chicago, passando também pelas análises
Bagaço; João Pessoa: Edições GREM,
simmelianas e a análise compreensiva de
2015, 115p.
Max Weber.
Para o autor, Gilberto Velho de-
Da Subjetividade às Emoções é
senvolve aspectos inovadores para a análise
uma obra organizada por Mauro Guilherme
das Ciências Sociais brasileira,
Pinheiro Koury, e Raoni Borges Barbosa, e
especialmente para a antropologia, pro-
faz parte da série de livros Cadernos do
pondo uma etnografia como modelo
GREM. O livro resenhado tem por objetivo
interpretativo misturado com métodos,
uma análise sobre o desenvolvimento dos
técnicas e conceitos de análise sociológica,
estudos no âmbito da antropologia e da
tal qual a observação participante (VELHO,
sociologia das emoções no Brasil,
1980), a utilização de questionários, dados
interligando as duas áreas a um mesmo
estatísticos, e outros. O autor atesta as
processo formativo. Nesse aspecto, é uma
inovações de Velho e enfatiza a sua luta na
obra que pode ser pensada no interior de
defesa da abertura do diálogo entre áreas
uma história do pensamento social e
disciplinares, e o desenvolvimento de
acadêmico das Ciências Sociais no Brasil.
trabalhos em conjunto, principalmente,
O livro é formado por dois ca-
entre a antropologia e a sociologia.
pítulos, além de uma introdução, com-
Koury aponta, assim, para os de-
preendendo uma análise dos trabalhos de
safios metodológicos e teóricos de Gilberto
Gilberto Velho e sua importância para a
Velho e chama a atenção especificamente
antropologia e a sociologia urbana, bem
para um par conceitual, considerado
como para a antropologia e a sociologia das
fundamental para a compreensão de sua
emoções no Brasil; e uma análise dos
obra. Para o autor, esse par conceitual se
trabalhos de Mauro Koury, e a sua
traduz nas noções de projeto, retirada por
significação para a consolidação das áreas
ele da obra de Schütz, e a noção de campo
de antropologia e sociologia urbana no país.
de possibilidades. Estas noções apontam
Neste livro, nessa direção, como o título já
para as relações entre indivíduos e formas
indica, se parte da aproximação analítica
de sociabilidade em um ambiente cultural e
nas ciências sociais no Brasil da questão da
socialmente delimitado. De acordo com
subjetividade até a tomada das emoções
Koury, elas
como categoria analítica central à análise
compreensiva da relação indivíduo, alocam também em cena as emoções, as
sociedade e cultura. escolhas e a formação de curvas de vida
Desde modo, a obra se organiza em nas relações estabelecidas entre os
duas partes, a primeira, escrita por Mauro indivíduos e a sociedade, trazendo a
análise para o campo fenomenológico de
Koury, abrange uma leitura das categorias Schütz, e para o interacionismo de
analíticas, da abertura teórica proposta e da Goffman e Becker, sempre à luz das
influência teórica sofrida por Gilberto análises simmelianas e weberianas
Velho. Nesta análise, o autor reconhece a (KOURY, 2015, p. 40).
importância de Velho como precursor da
antropologia e da sociologia das emoções A noção de projeto é visto em uma
no Brasil. Coloca a figura de Velho ainda forma individual e grupal que são
como um dos antropólogos mais importante interdependentes, mas que se mantêm em
e influente na academia brasileira. tensão durante toda a trajetória social de
Koury realiza uma contextualização uma sociabilidade e de uma curva de vida
de Gilberto Velho, ao analisar a sua individual. Para o autor, dessa forma, a
noção de projeto se apresenta como

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fundamental para a análise da questão da Para Koury, a utilização desse par


heterogeneidade e das relações sempre conceitual junto com o terceiro conceito
tensas entre indivíduo e cultura na complementar, o de metamorfose, Velho
sociedade complexa. abre caminho para uma análise onde se
Através da noção de projeto, Velho, atente para o jogo entre subjetividades. Não
de acordo com Koury, procura entender as chegando ainda, porém, a análise das
condutas do indivíduo ou grupo em busca emoções em sua relação com a sociedade e
de concretizar finalidades específicas por cultura. O que faz de Gilberto Velho um
eles traçadas como metas a serem precursor importante, e um quase fundador
conseguidas. Deste modo, as análises de da Antropologia e da Sociologia das
Velho se atêm a como se montam essas Emoções no Brasil.
trajetórias, a sua organização, o caminho A segunda parte do livro é escrita
traçado para alcançar o seu fim, e o balanço por Raoni Barbosa, que realiza uma análise
dos resultados futuros, que podem ser da trajetória acadêmica de Mauro Koury
conseguido ou frustrado na trajetória de como um antropólogo das Emoções. Para
vida do sujeito individual e grupal. É nesta Barbosa, Koury vem contribuindo para a
direção que se faz importante a noção de consolidação do campo analítico da
campo de possibilidades. antropologia e da sociologia das emoções
Na noção de campo de possibili- como disciplinas acadêmicas no Brasil, e
dades Velho (1981) se refere às alternativas insere a obra de Koury na tradição
de espaços para formulação e realização dos simbólico-interacionista da antropologia
projetos individuais e/ou coletivos, o que das emoções, com destaque para autores
permite a compreensão da forma como os como Simmel, Weber, Mead, Elias,
projetos se movimentam e se Goffman, Scheff e Velho, entre outros.
interrelacionam em um processo Realiza-se uma leitura da trajetória
sóciohistórico determinado. O que permite, teórica e metodológica de Koury, a partir do
por fim, a negociação com as situações GREM – Grupo de Pesquisa em
sociais formadas no cotidiano das Antropologia e Sociologia das Emoções,
experiências individuais e grupais. que identifica como o núcleo onde se
Assim, a relevância e a pertinência concentra e se desenvolvem os seus
dos projetos e o campo de possibilidades trabalhos acadêmicos desde 1994, ano que
por eles abertos e a escolha dos seus o pesquisador migra seus estudos para o
participantes se inserem em um jogo fenômeno das emoções, tomando-as como
sempre tenso. É a partir desse jogo tenso foco analítico central. Afirma que os
entre projetos e os seus campos de estudos de Koury se situam na proposta de
possibilidades, segundo a análise de Koury, microanálise do social, de onde tece críticas
que Velho utiliza outra noção, a de à macroanálises estruturais que não se
metamorfose. Esta noção, segundo Koury importam com a formação constante da
entra no jogo tensional, onde ocorre a sociabilidade presente na vida cotidiana.
vivência com diferentes projetos, em vários Barbosa afirma que o fenômeno das
mundos sociais que o indivíduo habita, emoções se coloca em Koury como um
levando Velho a perceber as adaptações problema antropológico, tornando-se
constantes produtos das negociações, central para a compreensão de sua obra.
aceitações e recusas dos indivíduos e as Nela, a categoria analítica das emoções
consequências em suas curvas de vida e da permite a compreensão do processo
sociabilidade em seu entorno. dinâmico da cultura emotiva a partir das
Desta forma, os sujeitos mudam experiências emocionais dos sujeitos sociais
através de seus projetos, ou ao contrário. O no jogo tensional e conflitual dos contextos
conceito de metamorfose possibilita, assim, sociais e relacionais em que se encontram
a observação analítica de flexibilidade e situados.
transformação dos projetos através dos As emoções, deste modo, movem a
campos de possibilidade onde o projeto é ação social e se organizam no jogo
formulado e desenvolvido, constituindo, interacional entre indivíduo, cultura e
assim as curvas de vida. sociedade. A antropologia das emoções em
Koury, destarte, objetiva a análise do

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conflito entre cultura subjetiva e cultura emoções revela em configurações sempre


objetiva, na configuração tensa entre as tensas e conflituais. Koury assim, segundo
situações onde se entrelaçam a a análise de Barbosa no texto agora
problemática da vida emocional dos analisado, desenvolve o conceito de medos
indivíduos com as moralidades constituídas e medos corriqueiros na análise contínua
no processo relacionam em que se sobre outras emoções que produzem os
imbricam no cotidiano. processos intersubjetivos e emocionais de
O que faz Koury, de acordo com a uma cultura emotiva singular, como: a
análise barbosiana, em seus estudos, dentro coragem, o sofrimento social, a amizade, a
da perspectiva teórico-metodológica da confiança, a vergonha, a humilhação, entre
antropologia das emoções, desenvolver uma outros.
“observação da ação social individual, do Nesta leitura Barbosa afirma que na
self e das emoções que perfazem a interação análise kouryana o medo é um elemento
entre os atores sociais de uma sociabilidade que se encontra presente em toda relação
dada” (BARBOSA, 2015, p. 67). Nessa social, tornando-se uma força motivadora
perspectiva Koury (2003), de acordo com a do social. Os medos corriqueiros são
análise de Barbosa, reconhece a aparição de compreendidos como uma construção social
uma nova sensibilidade no país a partir dos significativa para o estudo das formas de
anos de 1970, onde ocorre à transição para sociabilidade. São deste modo conceitos
uma sociedade mais individualista, fundamentais para a compreensão analítica
impessoal, com mercantilização da da obra de Koury. Através deles Koury
sociabilidade urbana, privatização das desenvolve uma análise compreensiva do
emoções, insegurança e medos nas relações cotidiano dos habitantes urbanos na
cotidianas. contemporaneidade brasileira, de onde os
Dentro deste contexto de apreensão compreende no interior do processo de
desta nova sensibilidade na cultura emotiva alastramento e na tecedora ou desmanche
brasileira, se desenvolvem todas as demais dos vínculos sociais em uma sociabilidade
obras de Koury, trabalhadas de forma dada.
detalhada por Barbosa. Assim, Koury Os medos e os medos corriqueiros,
(2006) desenvolve uma reflexão sobre os assim, em Koury, seguindo de perto a
sentimentos de pertença, e a importância análise feita por Barbosa, não são en-
dos sentimentos de confiança e tendidos somente como um elemento de
confiabilidade para a sua montagem. Do subordinação, retraimento e repulsa, mas,
mesmo modo que, segundo o autor, Koury também, como um aspecto transgressor,
compreende a pertença através da análise inovador, organizador e criador de novas
do segredo compartilhado. sociabilidades. A sua análise expõe uma
Conceitos estes, segundo Barbosa, reflexão sobre a cidade, entendida como um
caros a análise de Koury, através dos quais espaço de disputas morais no interior de
tenta apreender os processos de uma cultura emotiva sempre em construção.
sociabilidade constituídos pelos e entre os Desta forma, os medos causam
indivíduos relacionais em cenários tensos estranhamento, como também provoca
de constituição identitária, individual e reações de proximidade, e são pressupostos
coletiva. De onde também Koury, segundo na análise de Koury (2000) como um dos
o autor, procura compreender a análise dos elementos organizadores do social,
medos e dos medos corriqueiros de onde refazendo novas possibilidades de relações
esses sentimentos se processam como sociais. As tensões e os conflitos sociais,
específicos: o medo da traição, a nesse jogo, possuem um papel importante,
insegurança individual de não realizar o em Koury, na organização da sociabilidade
ideal de um grupo, até o medo do outro e na criação societária.
específico ou qualquer, entre outros. Sob a ótica dos medos e dos medos
Barbosa realiza, a partir de então, a corriqueiros, Koury analisa a emergência de
leitura do conceito de medos e medos uma nova sociabilidade na
corriqueiros (2002) como emoções centrais contemporaneidade brasileira, onde a
na sociabilidade brasileira urbana cultura do medo, visto como um conceito
contemporânea. Onde o campo das desmobilizador, isola os moradores de um

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núcleo urbano no espaço privado, os resaltar a sua significação para a conso-


distanciado do espaço público. A lidação da antropologia e da sociologia das
desconfiança e o estranhamento em relação emoções no Brasil. A leitura do livro se faz
ao outro moldam, assim, as relações sociais assim obrigatória para todos os estudiosos e
entre os citadinos, por onde a violência interessados na dinâmica da constituição do
assume formas sociais no modo de vida pensamento social e acadêmico nas ciências
urbano. Emergem, então, novas dinâmicas sociais brasileira e, particularmente, sobre
sociais que marcam um rompimento com a os estudos no campo das emoções no Bra-
tradição relacional (KOURY, 2008). sil.
Após breve análise sobre o livro, da
série Cadernos do GREM, n. 7, cabe

Referências
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. De que João Pessoa tem Medo? Uma abordagem em
Antropologia das Emoções. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. O vínculo ritual: Um estudo sobre sociabilidade entre
jovens no urbano brasileiro contemporâneo. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2006.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. A Sociologia da Emoção: O Brasil urbano sob a ótica do
luto. Petrópolis: Vozes, 2003.
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Medos corriqueiros: uma aproximação metodológica.
Cronos, v. 3, n. 1, p. 94-101, 2002
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Medos Corriqueiros: a construção social da semelhança
e da dessemelhança entre os habitantes das cidades na contemporaneidade. Projeto de
Pesquisa, 2000.
VELHO, Gilberto. Projeto, Emoção e Orientação em Sociedades Complexas. Individualismo e
cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1981.
VELHO, Gilberto. Observando o familiar. In: Gilberto Ve3lho. Individualismo e cultura: notas
para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1980.

Williane Juvêncio Pontes

Recebido em: 01.09.2015


Aceito em: 21.10.2015

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