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0 SUJEITO,A MARGINALIDADE

É 0 JOGO DE SENTIDOS',

Mâniça de Carvalho Magalhães Kassar

Introdução

O olhar;rotineito1lsobre;ja vida. muitas vezes nos


remete à percepção dqs acontecimentos como.'.naturais
e "comuns"l.Outros momentos nos sugerema impressão
de singularidade dos acontecimentos cotidianos, de modo q

que tendemos a desliga-los do contexto nó qual tal fato se


insere.\A .:'marginalidade social" .é um aspecto i)regente
em nosso cotidiano e que podemostentar conhecerdes=
cortinando:o de sua "naturalidade" e de sua "sinÜularidà: X

de": A discussão.acerca da marginalidade muitasvezes


aparece associada ao tema dg exclusão. Nesse.sentido, X
entende- se a marginalidade,como a exclusão das pessoas 3
dos processos de produção da sociedade ou dos bens por
ela produzidos. -outros autores apontampara o fato de blue

l Este .texto foi elaborado a parir dç estudos desenvolvidos no prometode {

pesquisa "Inclusão Social e garantia de direitos: a Criança e o Adolescente

como sujeitos da históri?", com apoio financeiro .do CNPq..

y
171
Série :- Desen'úolvimento humano e práticas culturais
l.ima e Venâncio (199 1) afirmam que desde o século /
a ideia de ''exclusão" encena em si uiva:falácia, vistogue
no movimento contraditório da sociedade todos os seus XVll cidades brasileiras enfrentavam asituação de crian'
ças abandonadas nas ruas::Souza (1991) relata a existên-
segmentos fazem parte dela, desse modo. o. "não ter aces-
cia de bebês abandonados em'ãidádes dõ ciclo do ouro em
so:' é uma forma de estai (/participar) na (/da) sociedade,
dentro de sua lógica de funcionamento.' M.inàsGerais que chagavam a ser devoradospor porcos
Neste texto, gostaria de contribuir para essa discus-.' Segundo pesquisadores.fa emergência da situação de
são abordando alguns aspectos relativos à iüarginalüação abandono das:criançasfoi írutb das relaçõeseconómicas
e sociais daquele período. No regime de escravidão,mui-
de crianças e adolescentes por parte das instituições qüe
tas jovens escravizados foram usadas como fonte :de ren-
3s acolhem apara eníocar a questão, há a necessidade de
das, como pode ser observado em anúncio de Um jomal de
trazê-la mais próxima e para isso é necessário esclarecem
circulação nó século XIX: ."Vende-se uma preta da nação,
a que criança/adolescente me refiro.
com,bastante leite e da primeira baniga,l sem cna, mui
A imagem abstrata de aliança/adolescente apaga
vistosae rapariga"- (Diário db Rio de Jaheíro, 4 de julho de
as contradições 'da sociedade que a lcomporta, post?nto,:
1850 apud Liça b Venâncio 11991, p .68, .grifo.dos autores)
acredito que ,não contribui qom ó: debate. Para que .nãõ
falemosde imagens é hecessáiiosituar uma sociedade Apesar do abandono da população iiÍfàntil desde o
início da colonização brasileira,'. para alguns pesquisado:
determinada: o Brasil. Trabalhos (Del Priori 19911..Medisse.
res (conferir Lodoíío 1991).apreocüpação com essa situa-
et. a]. 1997)apontam o.surgimento do problema da 'finfân-
ção evidenciou:se somente a partir da República(fiih do'
cia marginalizada" no Brasil com a chegada dos europeus
século XIX) devido àEcrescentevinculação do país no
e a escravização de .índios ê posteriormente de negros.As
mercado mundial, d que ocasiona importantes mudanças
característicasda organização económica e social instk.
económicas.:sociais e de pensamento A população ante-
puída no Brasil, fundadas nos moldes dos países Europeusí
riormenteêscravizada passa à liberdade, :sem lugar deíí-
propiciaram'o ,surgimento de 'famílias não incorpõradàs
nidoinas.Itrelações. de.,produção. A pobreza é, ,mais.
dirétamente ao setor produtivo, ou totalmente incorpora-
enfaticamente, a' falta de'pertencimento às. relações de
das apor meio da exploração, dQ trabalho ""A economia
produção passam a ser identificadas coçaa marginalida-
baseava se, inicialmente. ná exploração dQ bons naturais
de. pastel (1998), ao fazer análise da: Europa dos séculos
-e,postbiiormehte,.na produção de monocultui-as emgran:
XIVa XVll, mostra:a existência de unia mansa-imensa de
des latifúndios q a massa de tmbalhádores era composta
pessoas que não é absorvida pelas mudanças nas relações
de maioria escrava?Dados apresentados por Basbaum
produtivas..Na Europa, passam a ser foco das ações de
(1982,p: 93) indicam .que,.no.início do século XIX.xhavia
coerção (com a polícia dos pobres) e de recolhimento (nos
no Brasil 1. 107.389 negros escravizados para um.apopulq:
hospitais). No Brasil. situação semehantejhai se estabe-
ção total de 3.596.132.habitantes Ou seja.praticamente
lecendo cóml a formação das.cidades e o atendimento à
1/3 da população brasileira era escrava. Ainda. é relevante
criança em. situação de aliàndono vai se constituir tam-
lembrar (lue'até o início do século XX grande parcela da
bém .através de atitudes .coercitivas e segregacionistas
população vivia na zona rural e as cidades não.gozavam
Como exemplo. é interessante apresentar os dados dos
dé infraestrutura suficiente para o atendimento,da po15ti
.loção
3..l$. B importante esclarecer que há ' ngistros de existência de crianças
abandonadaspor toda história Europeia.Durante aidade Média elasforam-
2. Cóülo exemplo, cito a análise que Marx desen$'olheem relação à éxi8tênéia .
recQlhidas pelas casas deaéólhimentós oú hospitais.
de um exéfcitg gereserva em OCapí/a/. Crítica daecónomia Política.

Série.É Desenvolvimento humano e práticas culturais: 173


172 Editora À4ercadodé Letras - Educação
'q

relatórios daSecretaria daJustiça e Segurança Pública da c)escolas de segregação pala doentes contagiosos

cidade de São Paulo em 1906. Segundo o documento., d)escolas anexas aos.hósbitais

naquele.ano encontravam se presos 1.500menores, dog e)colêniâs escolares

quais; aproximadamente,44%.dascausas foram idéótifi- í)éscólaspâra cegos


cadaspoi''."desordens"é.;vagabundagens" e 32%.;,por g)escolas para surdos-Mudos

motivos de menor gravidade".4 Causa curiosidade o fato h)escolasartofânicas


de que "desordens'. e "vagabundagem" eram"situações i)escola de educação emendativa dos delinquentes
entendidas como as mais graves~Assim. quais seriam as
deihenorgravidade.'? Onde não for possível a iiÍstalação de escolas espe-
A "vagabündàgem" era identlificada à indecência e cia[izadas autónomas ].. .] serão organizadas c]asses para
à transgressão aos bons costumes;-Para pertencer ao esses fins especiais nos grupos escolares

grupo"não liiarginal" a criança e o adolescentedeveriam


estar enquadrados dentro de requisitos de êonvivêncig An. 825
t social. Essesrequisitos estão expressos, por exemplo. em O.recrutamento de alunos para çssqsdiferéntês
um tiecreto-leido estado de Minas Gerais,do início do escolas, éom exceção.das indicadas à letra "h"
século XX, que dispensa dà frequência às aulas altJDosna do artigo anterior, deverá ser íéito pelo.Serviço de

condição,de "indigência, enquanto nãose fornecer, pelos ,Higiene e Educação Sanitária Escolar. que solici:

meios de assistência previstos neste regulamento, o ves.:' tara ócioperação;do Serviço de Psicologia e das
tuário indispensávelà decênciae à higiene:'(Decreto; Lei várias instituições OH serviços especializados do
N. 7970'.Ade 15 de outubro de 1927apud'Peixoto 1981). Departamento de Educação.(gão Paulo 1933)
As mudanças ocoiüdas comi.g aglomeração das
pessoas nas cidades desde o início do século XX trouxe-: Os "deliíiquentes? que deveriam ser "emendados
ram preocupações com à organização social. Medidas de eram filhos de famílias identificadas coiro marginais. cas-
higienização)foram tomadas para controlar. doenças e sar e Feneira (2007) mostram que para lidar.com a questão
racionalizar as instituições sociais. As escolas são oigam- da infância, ao longo do tempo íoranl caiadosordenamen-
zadas sob a supervisão de organismos públicos de inspe{ tosjurídiçõé com base em doutrinasj::Segundo (2003)apon-
ção sanitária.'Em 1'933ro decreto que instituiu õ código ta que é possível identificar três doutrinas que definem os
da .educaçãono estado de Sãg*Paulorevela a forma .de parâmetros legais para Q 'fdireito do menor'': a doutrina dlo:
organiáaçãopqoposta: direito penal.dó menor. a doutrina da situação.inegular e
a doutrina da proteção integral.. A partir dos lestudosde
Parte Vll( ?l . Lodoso.(1991), Méndez :(1998) e Segundo(2003).. Kassar e
Da educação espe(iializada Ferreira apontam para a existência de mudanças no enfo:
h
An.:824 que da questão. A'-doutrina.do,direito pedal do menor
Dos tipos de escolas especializadas:
\
propõe que o Direito se interesse pelo menor somente a
alescolaspara débeisfísicos partir do momento em que este pratique um ato de delin=
b)escolas para débeis mentais quência: cessa doutrina sustientou J) primeiro .Código de
Menores do.Brasil (1890)."quepara Lóndoõo.(1991)hão
/
c:ontribuiu para melhorar aÉituação da criança em relação
'\

4. Para maior detalhamento; ver Londoão 1991

Editora Mercado de Letras = Educação Sério -- Desenvolvimento humano é práticas.culturais 175


174
/
:A discussão a respeito da exclusão tomou-se pre-
a suRresponsabilização penal, mas apenas eócarcerava a
mente para a sobrevivência das sociedades contemporâ-
criança juntamente com presos adultos.
A Doutrina Jurídica do Menor em SituaçãoInegu- neasque,;na tentativa de atenderà demandade suas
lalr propõe'que a proteção estatal deve diligii-se à enadica- própTiqscontradições propõem políticas sociais, hoje sus-
tentadas sob o discurso de "inclusãoTI.,Aimplantação de
ção da Inegüaddade da situação em que eventualmente se
encontre a criança.'ê õ adolescente..Nesse momento,, era 'políticas de.inclusão" traz inerente a ideia da existência
entendido como ''4negulaí".tanto .situações de carência de uma população excluída e está relacionada à imagem
comodeconflito.comalei. :'.\r ...:' ! '.* = ]- ; de I'marginalidade social' . Embora esse tema seja cqns:
tente na academia. desde os fins dos anos lr980a produção
Apenas recentemente, iniciam-se no Brasil pesque:
de, trabalhos envolvendo o conceito de exclusão socuaJ
sas sobre a história e a situação da infância brasileira. que
cresceu na Comunidade Europeia;~com'as contribuições
colaboram áa mudança de enfoque.para o tratamento
de Castel (1998); Pautam (1999)Í Bàurdieu (2001). entre
desta questão. Apósmuitos embates envolvendo, o Estado
outros. Na Europa, essas produções foram imi)ulsionadas
e a sociedade civil organizada, ocone a instituição de leis
pelo redesenho político e geográfico dos países nas déca-
que propõem a proteçáo integral à criança a o atendimen-
das passadas: Políticas públicas.que possibilitem a "inclu-
-to de seus direitos fundamentais. A doutrina da proteção
são'';sãÓ propostas .como uma.;tentativa de atender as
integral considera crianças e adolescentes como cidadãos
populações considel.adas "excluídas" ou I'marginais
em condição peculiar de desenvolvimento.. que devem sér
tratados como prioridade absoluta:-Alguns autores ?onsi-. No Brasil, muitas .daâ anões de enfrentamento à
exclusão dizem respeito diletamçnte às crianças e aos
deram essa percepção como um ~novo"para(]igma" na
adolescentes, como Bolsa-Escola, Programa de Erradica
abordagem da questão.
ção do Trabalho Infantil -- PET1/entre outrosl Essas anões
são implantadas á partir da adesão, por parte do Brasil. a
Esse novo paradigmapossibilita repensar profulu.
acordosinternacionais .(Declaraçãode Jontiem em 1990.
damênte o sentido das legislações para a infân:
Declaração de Salamanca emã1994j;Convenção 182 da
cia. tíansíomiando-as em instrumentos eficazes
OIT.em 1999, entre. outros). Frequentemente esses acor-
de defesa e promoção dos direitos humanos espe-
dos.{ou seus princípios) são materializados.ou incorpora:
ç;íhcosde todas as crianças e todos os adolescen-
dos emFleis. .(Esse conjunto dé:leis *e: ações pretende
tes. .A ruptura.com a velha doutíiiia é evidente.
concretizar políticas sociais, sobpá-sustentação .de um
IMéndez1998,p.'32)
'discurso sobre inclusão" ,.que.elege a escola como o lugar
-- por excelência -- da ciiahça/adolescente.: As ações.ve
Entendo que a sociedade brasileira contemporânea
projetos. que se constituem'como efetivação das políticas
encontra-se-diantedQuln.impasse: de'anil lado a consti-
públicas direcionadas à infância e à adolescência, devem
tuição histórica de'direitos e o reconhecimento.dah?cega
ser asseguradas por umas'rede de proteção" . Essa "rede
cidade de políticas sociais e.' do outro: a persistência de
é formada pelos serviços de saúde, educação e assistência
uma grande desigualdade social, desigualdade esta proli- )

ferado nos caÜiinhos:instituídos pelas políticas econõmi: que asseguram a concretização-de tais políticas.
rias. :As muitas famílias que se encontram em situação de; A infância e a adolescência.apesar de receberem
pobreza .estão no foco.do discurso sobre. marginalização grande atenção por meio de Drojetose propostas do poder
social e de inúmeras ações locais, parto das "políticos de público e-da sociedade:civil. ainda enfrentam grandes
inclusão' problemas no qud' se refere - à..implementação deqlseus

Editora N4ercadode.Letras r Educação Série# Desenvolvimento humano:e práticas culturais 177


176
\

' ' reláçã' 'homem-sociedade, busco


,plf317heNa . .visualizar.p
.
direitos. Esses'direitos fomm íonnalizadç)se garantidos há.
mais de umaydécada em leis federais: a Constituição num polo, a autonomia de cada ser humano e, no outro.
Federal. o Estatuto da,Infância e Adolescência, a Lei de se\i " assujéitamen to às condições de produ ção e às deter:
Diretiizes e Bases da Educação)Nacional, entre outras. No }luzlações do discurso" (Smolka 1997b, p: .3.1).l
entanto. parecehaver um anacronismoentre a vida.coti- O discurso do sujeito, assim colho seu pensamento,
diana de grande parte das crianças e as expectativas.e está intimamente ligado à sociedade nqqual se encontra
solicitações constantes da sociedade contemporânea. Le-
+
imersofl:Sobesse enfo(lue, os sujeitos quando falam de
galmente, à criança. é 'destinado ó direito ao estudo, .à duas vidas refletem e retratam.as relações historicamente
proteção. a&lazer, ad acesso ao conhecimento histoíicã- produzidas; .relações essas, ,apropriadas nas práticas so-
mente produzido pela humanidade. Elementos.coerentes L ciais;! entre:os homens, permeadas no/pelo discurso. .Na
para a íomiação daÉ pessoas em inda sociedade complexa. elaboração do discurso, há o antagonismo,' ó àomplémen-
Poréfn, á con(itetização desses aspectos pmeçe distante.:. to. a disputa,:o Qnkentamento. a assimilação..Na consti-
tuição do.discurso pessoal;há a apropriaçãodo discurso
do outro, não apenas pela aderênçia, mas,também pela
APEoximáçõespara Conhecer.a infância e à,adolescência contraposição.'pejo embate:.,Natentativa de/entender o
olhai de sujeitos percebidos como ;'excluídos" na socieda-
Há alguns.amos,tento entendema constituição so- de códtemporânea brasileira..escolhi discursos que envol-
vem a vida de jovens, ém contextos. diferentes)Imãs (lIDe
cial do seí humanoinseridonos meandrosdas relações
sociais, em meio ao mQyimento da história. A motivação têm em comum a relação éom a sociedadepelo.lugar da
'marginalidade Com .a,intenção. de conhecer meandros
para a proposiçãodesta íonnã de trabalho surgiu.deuma
das relações sociais Clonstruídas na "exclusão" : priiheirã-
questão:norteadora: Como se constituem os sujeitos inse-
ridos nas,"franjas" da sociedade? Para análise do movi- mbnte''apresento..o. discurso de um .sujeito, ex-aluna de
mento socialiapoío-moem Maíx (]'968i 1983) e Gramsci classe especial para deficientes mentaisçque aqui recebe
o nome de Ana.s Para análise de seu discurso utilizo como
(1987) que ressaltam a emergência das relações humanas
na construção.do movimento social. A sociedade é conce- contraponto, documentos referentes à Educação Especial
bida como um espaçoextremamentedinâmico, contradi. do tempo: em que Ana estudou e depoimentos de profes-
r sores de classes especiais sobre seus alunos, colhidos no
tório,. heterogêneo:: Dentro da perspectiva' &dotadar o
homem é, ao' mesmo tempo, ':construtor'! e constituído por período em blue Ana frequentava .essas-salas. Eiü um
suas condições de existênciapOs trabalhos~deVygotsky e segundo momeliço, .apresento o discurso de âdolescêntes
Bakhtin, no curso~dopensamento desenvolvido por Maix embsituação de exploiaçãó sexual, referindo-sd a essa
situação'6 Essesdiscursos
'+ também são analisados tornan-
é Engels, apontam pára ofato de que o deseiivolw.mento
do psiquismo se dá.dentro das:possibilidades oferecidas,
em última instância. pelamcondições de produção mate-
5 Parte desse material .está analisada em Kassar (2006a: e 2006b).i As
rial. Essas condições possibilitam a.constituição do (lue se
memórias de .Ana 6orani colhidas. em -2000, quando contou duas
pode chamar de "especificqménte humano'::(conferir Vy-
experiêiEias educacionaisocorridas entre.1982%1992. Ana, no molàento
gotsky 1981, 1989). A fomÍação do própiiQ i)ensamento é
da realização da entrevista, tinha 23 anQé. Todos os nomes.apresentados
üln processo de construção sóçial. Nas r5alavrasde Bakh- no texto são ,fíctíciog
nossopróprio pensamento nasce e forma-se em inte- 6; Esse material foi coletado em um-tmbalho de.pesquisaque contou.com o

rqção e em /uta com opensamento aüeio" (Bakhtin 1992b, apoio financeiro dâ Organização Intemaçional do Trabalhar OIT
J
179
178 Editora Mercado'de Letras L Educação Série«,Deseíivolvimento hü.cano e práticas.culÍurãiq
do como contraponto discursos de profissionais que tuba C)período em que Ana frequentou a escola é ante-
Iham em serviços de protêção à ciiançà e ao adolescente. rior à promulgação dà atual Leide Diletrizes e .Bases-da
que formam a "lledede proteção"l, e a documentos referen- Educação Nacional :=LDB/96 e à disseminação do discurso
tes à garantia de direitos. sobre .inclusão educacional. Na época, o discurso comente
na Educação'Especial.éra o da integração. apoiado no
e Caso1:Ana conceito de normalização. Os princípios de nomialização e
integração'.forais difundidos pelo CENESPpara suporte ao
As classes especiais para deficientes. mentais fo; atendimento educacional das pessoas"excepcionais".'' Olívia
Pêreilai consultora do CENESP, esclmece qué
ramimplantaqas no Brasil po deconer do século XX, ' mas
esse serViçoilsofreuuma grande expansão, a partir da
Normalizar .não significa .tomar o excepcional
década dé 1970, impulsionado pela implantação do Cen-'
tro Nacional de Educação Especial -- CENESP. No murii- normal, mas que a ele sejam oferecidas condições
cípid em queJAna viveui' as primeiras classes foram de vida idênticas às que odeias pessoas íécebem

implantadas em 1977. seguindo a política de expansão de Devem ser aceitas com suas deficiências. :pois é
atendimento educacional proposta pela Lei Educacional normal que toda p {iualquer sociedade tenha pes:
5.692 de 1971. Nesse período,'crianças foram encaminha- soasCom deficiências diversas. Ao mesmo tempo
das para esse atendimento por decisão intema da escola, é preciso ensinar o dehciente a~convivercom sua
deficiência. Ensina-lo a levar uma vida tão nonnal
considerando-s.eanos de repetência ou por dificuldades
acadêmiêas idéntiÜcadas pelo professor, coerente ao es- quanto possível. beneÊciando-se das ofertas e das

tabelecido pela ~LégislaçãoEducacional Federal vigente opoitunidade8existentes na sociedade em que vive

na época. que definia a caracterização dos alunos de (Peneiraec.a/. .1980


apud Jannuzzi2004.p. 16)
Educação Especial como aqueles "que apresentem defi- \
ciências físicas oü mentais, os que se encontrem em atraso Uma prática comum apoiada nesse discurso foi o
considerava/quanto à idade regular de mata'cuja e oi; 'eíicaminhamento lie alunos que frequentavam classes
superdotados : (Lei 5.692y71} Art. 9P,.grifo pneu). especiais para salas de aula do ensino :comum em todo o
Oinício da vida,escolar de 'canafoi em 11982,aos 71 país e também no município onde Ana estudou.'A partir
anos na la SéüQ.Ficou. nessa série até 1985 (dos 7 aog:lO do ano de 1988; a Secretaiià.deEducaçãode Estado
anos). Em 1986 (com l I'anos, após 4 anos frequentando a iniciou üm processa de avaliação diagnóstica para identi:
la série)foi transferida para a classe especial, àí permane- ficação dos possíveis casos de deficiência mental.. Todos
cendo até a data de,uma avaliação psicopedagógica tea os alunos já matriculados nas classes especiais passaram
lizada em 1989 (após 4 anos de frequência na classe por esse processo..Com a aplicação de testes de diagnós-
especial, então com 14 anosl...Após essa avaliaçãoí Ang tico, a partir de.fins de 1988,hou?eum significativode-
íoi. reehcaminhada para classe dC)ensino regular. créscimo de matrículas jnas classes especiais para
deficientes mentais 'em todo . o;estados Essa tnudança

7g Em Bmsil(] 975), liá o registro classespara atendimento de alunos êom 9. Essesprincípios referem-se ao movimento de m ins#eamfnÉ,originário
deficiências física, visual, mentalÍaudMva ç:problemas de comportamento 2 da:Dinamarca e que se espalhQypelo mundo,.contra a intimação maciça
desde 1 887 e nas.primeiras décadas do século XX. das pessóas êom deâciências em instituições asilares.

8. A peêquísafoi realizada em Corumbá/MSg ] 0:l! Tempo Utilizado na legislação da época

\
180 Editora Mercado de Letras --.Educação Série T-.Desenvolvimento humano e práticas culturais 181
também foi registrada no município pesquisado.;tJ'Ana, SÓque.éu falava pra professoraque não tinha proble
m4 em casa, familiar, porque ninguém nunca me ba:
que já fre(luentava classe especial,.passou por esse pro-
cesso e.Qrelata: teu;:nem minha mãe, nem meu irmão pra 'mim
aprender

Quando eu entrei na escola, eu entrei. com sete :- Mai, você nunca apanhou?' Eufalei: nãos Nunca
minha mãe bateu em mim-. Eu sou a caçula deles e
ano.s,eu .nãõfui pro prezinhch.'lá fui pra primeirasé-
rie-. AÍ eu tinha dificuldade-paraentender«.estuda:;T. eles nunca.me bateram. Elespensavamque meu pai
me batia pfa 'mim' ter esseproblema: AÍ, só que eu
va.e t:hegava lá,:esquecia e a professora: 'egtudaf'
falei assim que eu também já entrei tarde na escola,
éstudal tem que aprender',.;l Até que foi :um 'dia, chal:
pensei quE ía entrar com seis e entrei com sete.
mou minha mãe,pra ir lá na escola, pra.comunicar
(Depoimento de Ana)
qu'epu tinha difit:uldade de aprender-i AÍ surgiu pra
mim entrar nessasala especial..Foi bom pra yi.m por-
Ana recorda:se de momentos entre a classe comum
que os professarem faziam'n'todos os tipos de trabalho!
e a classe especialíIEmsua memória, há a dificuldade de
A professora liberava eu pra.ir pra sala especial, ai
aprender: ".:.-AÍ eu tinha dificuldade para entender... es-
eu cómécei a me esforçar em casa.::Meus;pais' pe
tudava e chegava lá, esqueciam'. Há, também, a insistência
ajudavam,l meu irmão-. E a Maior dificuldade .Tinha
da professora:"estuda,.estuda.tem que aprender:ou õ k
era de aprenderá ler:' Eutinha maior diflçüldade
incentivo: "Ana, se você sé esíorçarlvocê vai seruma boa
mesmo É:de aprender a ler - Soletrar então!~A profes-
alunas',:Ana se lembra que, devido a essa dificuldade, foi
sora pegava no meu pé-. Foi super legal. que os pro%
encaminhada para uma classe especial=Essa é a causa
fessorésajÜdavaml;.Tudo era em grupo, eM quatro
apontadas;talvez pelo discurso do Professor,'segundo o
professorasque puxavam agente. Tinhàuma que fa:
relato de Ana: "Até que foi um dia, chamou [a professora?] )\
zia brinéadeiCa,trabalho, quebra-cabeça, sabe?A$
minha mãe pra ir lá na'escola..pra comunicar que eu tinha
coisas,,se eutinha algum problema.ll, 'Ana,. se.você
dificílldade de aprender... AÍ surgiu pra mim entrar nessa
se esforçar/ você vai ser'uma boJ aluna' Tin.ha que
sala especial
estudar bem,''G:.:).
Reconstruindo ahistória de Ana, através da busca
AÍ eu peguei e continuei'lá rla escola, só qué teve
de informações em sua.avaliação psicodiagnóstica. data-
uma época quê mamãe foi lá, via meus trabalhos, fa-:
da de .1989(apósquatro anosdé frequênciana classe
zia trabalha, tinha reunião .lá prà ela, qla tinha que
especial). os registros informam que a' aluna durante a
p?rtiéipar também da sala especial jcdm'as professor
avaliação respondeu adequadamente às questões solici-
ras-. Faziamperguntascomo que era em lcasa:\-se' tadas, demonstrou-se ;"interessada e muito observadora,
meu pai me maltratava, se meu pai me batia, se'
respondendo com convicção e clareza a todas as pergun
meus irmãos batiam eó,mim-. pra jmim' ter essadia
tas apresentadas'. Ainda, segundo o relatório arquivado
culdade qiie eu tinha na escola!
no setor de Educação Especial, Ana es(previao que falava,
r lia :o'que escreviae demonstravahabilidadeem usar
conceitos e operações numéricas. Como resultado da ava'
11 -Anteriormente à adição dessa:avaliação, havia umamédia de 14 crianças
Ilação. Ana deveria ser pncaminhadà, no próximo.ano,
põr classeÍêspecial.,Em 1.988+:
ano do início.d4 aplicação do diagnóstieó, à
para o ensino regular, 6 que realmente aconteceu segundo
média Óor classe caiu para 10 criaüçãs, chegando, útil 1990, a men .s de 4
cnaüçaspor sala(conferir Kassar 1995).
seu relato:. "Depois que eu saí dessa sala especial, eü fui
>

Editora Mercado de Letras- Educação Sérjq-- Desen'iolvimentQ humano e práticas'culturais 183


182
pra I' série,mesmo.lnormall-AÍ as professorasme deraiü / peito ~dofracasso escolar.. Este está reladiohado às crian-
a maior força r<Ahl Até que qm dia-você passou .. e só ças de classes populares,fique. segundo os manuais estu-
você passou da sala especiall' dados, ,,são as "crianças que frãéassarh" .e' à;elas sãa
Quais$os motivos que teriam levado .Ana a ser atribuídos atributos como "indisciplinadas, -desnutridas,
carentes aíetiva e culturalmente, deficientes intelectuplJ
encaminhada par'a umà classe especial? Segund(i o rela-
tório sobre sua vida escolar,Ana foi encaminhada ã uiva mente" (Feneira 11986,.p. 8). Nas falas de nossas professo-
.+
ras encontro a apropriação desses discursos
classe especial por apresentar .,"distúrbios de atenção'
Retomo a história dá. educação especial no município
estudado e vejo que, até a data de 1988 qs crianças eram a Deficiência Mental; a dificuldade de aprender, eu
encaminhadas às classes especiais por decisão interna da acho que vem daí, porque a criança não é bem ali-
escola. '.No conhecer os depoimentos de professores que mentada, não tem saúde, nãó dorme direito, é.;...a

atuavam em classes especiais naquele momento, encon- maioria vivei assim.na rua, vendendo as coisas, aju
tro algumas pistas para entender esse processo: dando os pais, ou então, já vive na:rua porque não
tem nem pài nem mãéem casà, né?
'(ProfessoraOlinda, dez anos cle magistério. Depoi-
A genteconversavai$)m o professorda 1: série: ;:Se
tiver a+unõ, assim, que não esteja acompanhando a mentocolhidoem1990)-
':'' g .;-
turma.,.' AÍ eles mandavam pra gente: Por exemplo,
número de repetêntias; dois,anos na 1: série lá era Contini. (1[988).'em trabalho realizado no mesmo
clienteia~declasse
especial. .município com professores alfabetizadores, na década de
(ProfessoraResina; ] 7 anos de magistério, relatando 1980, relata a identificação desses mesmas atributos nas
os encaminhamentos para i:laÉsesespeciais antes da falas desses professores quanto à relação: insucesso esco-
util izpção de avaliações diagnósticos: Depoimento lar/falta de condições sociais de seus alunos:'O fracasso
colhido em 1990). es.colarparece ser serhple atribuído não só às caracterís-
ticas apresentadas pelas crianças, mas também a Urna
família que supostamente não se en\solvecom seufilho p
Bakhtin (1988.p. 48) argumenta que o pensatnento
não propicia, portanto, o desenvolvimento das habilidades
individual é constituído nas práticas sociais,na apropria-
ção do pensamento-socialmente'produzido.Ao ouvir ã intelectuais. O depoimento da.professoraOlinda reforça
professora, de cera comia, ouvimos também pdisposto na essa posição..quando dizia acreditar que :as crianças de
Lei Educacional 5.692/711 .vigente à época, que. previa classe especial ."não têm estímulo em casa.''leram de]
famílias muito pobres, que óão ajudavam em nada'l.íRegi-
tratamento .especiallja 'alunos .;jém atraso considerável
na, que ein 1990. já aguava como professora há .17anos.
quanto à idade regular de-matrícula":(Lei 5..692/71
, Art.
afirma:,TPra mim, a deficiência mental, acho (iue é à9sim
01 ; O encamiphaménto dé Ana para uma classe egpeciâl .
são pessoas muito carentes mesmo.] Carente de tudo, dé
parece.póítahto, estar relacionada ao seü insucesso esco-
abeto,de alimentaçãol . . bem pobre mesmo" ;Mais adiante,
lare àsjconseFluentes reprovações.
Qual o olhar dá:literatura a respeito'do fracasso? enfatiza: "Oue a gente vê que são crianças de pais.que,
assim, bem, que bebe, que briga : que $e droga, entendeu?''
Ferreira (1986)..a.partir de estudos elaborados sobre .m.a-
No entanto, essas imagens parecem não se cohfif:
nuais de psicologia adoradosnos cursosde pedagogia:
mostra-nos algumas àaracterizqções encontradas a res-
matem com o. relato de Ana. Para çla, sua família íoi

Editora Mera:ado de Letras - Eduk:açãb Série t Desenvolvimento humano e práticas culturais 185
184
'\ \
fotografado/filmado (pomograíia)" (Para apud Faleiros e
pârtjcipante de SQUsucesso: '!Meus pais mê ajudavam, ,/
ineü irmão.,. I'.,O discurso dê.Anui .num processo de:"asse; Campos~ 2000)

mi/açâo, mais õu menos, criativa das pa/amas:do qiztro A "venda" do:mexo pode oconeí por dinhçjlo em

(BakhEín1992blípp. 313:314) taiÜbém deixa claro que hál espécie ou outras formas de pagamentos: presentes, ser-
algumas suposiçõespor'parte da equipe que à.atendeu viços; favores etc~A exploração sexual comercial envolve
(talvez a.do diagnóstico?) em relação aos ,mütivõs de seu uma relação desigual (de idades, classes sociais, posições
fracasso: :'Eles pensavam qye meu pai me batia pra'imim sociais etc.), de "ptopriedadel' (temporária ou permanen-
ter ésse'problema!' e evoca a voz daptofessora: "-- Mas, te) e de submissão a um a situação em troca de algo. Nessa
você nunca apanhou?". A suposiç.ão de uma "desestrutu-t relação,,a criança e o.adolescente são percebidoscomo
ração familiar" parece sair dos manuais de.psidológia é objetoá
ecoar na voz;das professoras:. I'a «ente .sente que. ela A dihculdade de identificação da s$uação de explo-
(criança) teQ. maisnecessidáde afetiva~do: que económi- ração pelo adolescente já foi apontada por trabalhos ante-
ca... a gente sente que tem problema na família, que sãa riores. Em pesquisa realizada em 2003, êoih alguns jovens
filhos de pais separados'i(Rosaicóm cinco anãs de magis- aténdidospor um programa de acolhimento a vítimas de
tério). E essa suposiçãoparece transformasse êm uma exploração e abuso sexual, Durand, Santos, Rocha e Kas-
certeza: "a gente vé que sãQcrianças de pais quemassim, sar,(2003)verihcaram que muitas jovens pareciam não se
bem. que bebe, que briga, que.se-droga': (Regíiia): identificar =como explorados, muito inénos "liitimizados
Alguns viam o dinheiro ou o"objeto,fruto da explómção,
e Caso 2: Joana, CaÇoliha. Aline? lata. como uiü "presente" de um encontro c(imum. ou algo
semelhante
Em uma pesquisa realizada em 20051:essa situa-
A exploração sexta. l comercial de'crianças*e
. .. , ado-
.
lescentes é:considerada uma-prática. de exploração de . ção seiêpete. Como exemplo, cito Joana, uma jovem de
trabalha.- classificada pela Organização Intemaqional .do 15 anos quéTelatou o início de sua vida sexual aos 12 anos
Trabalho :- OIT como uma daspiores formas de exploração ,coiü um colega.de da:rua. PosteriomieDte,
em muito
moihentogl em seu depoimento, passa a utilizar-se da
dó trabalho infantil, segundo a Convenção:C)IT 1182/1999.
Para abordar este tópico, eníoco o discurso de adobes(len- forma plural!;"..:comecei.com;os meus colegas da rua
mesmo". Joana não se reconhece como uma.garota de
tes sobra a situação em que:estão envolvidos.
programa, mas diz que possui íhuitas amigas nessa situa-.
.Exploração sexual comercial de :crianças e.adoleà-.
ção Segundo sua percepção, ela não faz programas, pois
Gentesrefere-seao processode tirar ptqveito sexual de
' ;.de :18 anos: A qtilizaQão da criam: .nunca recebem'dinheiro em troca, apenaspresentesque
peÊboas coiq Bebo . .
às Vezesalguns oferecem,e ela aceita principalmente
ça/adolescente coiíió oHeto sexual ícone colho uma Tela-;
cluando é alguma coisa que ela quer e não pode comprar.
ção de exploração de trabalho:(formalizado ou não). Este
é um aspecto"que diferencia a:.exploração sexual comer-
cial do abuso sexuall (quandoa relação.de mercado(sexo
como valor de troca) não existe. Pode ser.definido gamo., 12. - Trata-se da realização de um ~"Diagnóstico Rápido",''proposto''pela
um cómélcio bluetem atividades onde é vendida a própria Organização IntemaciQnal do Trabalho; OIT, goma parte do'Programa de

ralação sexlial'(prostituição); a 'imaçlem do coifa .e de cação integrado para combatero Tráfico e a Exploração SexualComercial
de Meninos e Meninas no Brasil -,BRA/03/03P/USÀ - Programa de Ação
relações sgiuaT .ao vivo .(stíip-tear:.ssDõws erQti(3os)ou 21.03

Série J Desenvólvihento hün?ano e práticas culturais -18'7


186 ,Editora Mercado de Letl:ãs .4 Educação
Joana acredita que as amigas que fazem programas falto de.um pagamento regular e de um."contratos')toma
opaca a relação que se .estabelece entre'a criança/jovem
perdem;a liberdade,pois ficam preocupadasem sair com
quem paga mais e hão.para se divertir. contrariamente dela e os adultos que utilizam .seusserviços. seja no trabalho
que, segundo seu relatoj6ai pala f'mal"(divertir-se): de crianças nas tuas;-seja nas situações de exploração
sexual comercial ' Í:'; . L .b

Emtodo ltigâr existe a possibilidade de ganharc#da Pata Jorna é justamente a inexistência de algum
vêz mais dinheiro e elas não resistem.:l Até para traí: modo de '!formalização" que distancia seu comportamen-

balhar em outra coisa depois é difícil porque, eu já to(de não estai. submetida auma relação de el<ploração)
dcf dé .suas colegas, que, na sua visão, são:."garotas de
tive amigas que Saíram da vida, conseguiram empre'
programas':. Como já apref;entado anteriormente; Joana
go direito é'não se contentaram com o salário, àcabã
diz: ' 'Até para trabalhar 'em outra coisa depois éldifícil
ram voltando para a atividade. (joana)
porque,'eu já tive amigas(lIDe saíram da vida, conseguiram
(Joana;.15 anos)
emprego direito e não se contentaram com o salário,
acabaram voltando para a atividade
Carolina,,unia 'menina de 12 anos também não sex
As ideias presentes no discurso de Joanà como no
identifica coma explorada sexualmente, mas'relata que
de outros adolescentesparecem encontrar ecos em dis-
dança'eiü'uma boate em 'troca de bebidas.Ela também cursos socialmente difundidos: Jogo, um agenciãdor de
afimia que mantém relações sexuais cóm seusnamorados
programas de adolescentes, acredita que uma das causas
el''íicantesi3.'e que recebe presentes:P depoimento dü
f de ~adolescentes serem envolvidos com a exploração se-
CarolinÉi,}(lue não se~.vêcomo exblótada sexualmente.:
xual comercial é que ,'.é,duma
.atividade que dá muito
surpreende se analis.ado. sob qs formas de' exploração.
dinheiro.=.;
tem meninas que ganham até R$ 1.500,00por
definidas conceitualmente pela proçlução especializada. B

noite". Os discursos dos adolescentes apontam para mui-


Retomando o conceito anteriormente apresentado, o co-
tas realidades.~laía, uma adolescente de 15 anos afirma
ihérciosexual envolve não só a relação sexual propri'ámen-.
que nunca íez programas, mas sua ;vida sexual .iniciou se
te, lhas o uso de cüanças:eadolescentesem imagens,
com um homem com o qual ela morou durante um tempo.
stzip-tease, shows, fotografias etc.
Disse que não se lembra como isso começou, só sabe que
E.interessante notar (lue a não identificação com a'
ele pagava lanches, pipoca e comida boa. laia conta ainda
processo de exploração:ocone também eM'outras:formas
que : .'íaz"(tem relacionamento sexual) porque sempre
de Uabalhó infantil. cassar e!« a/. (2002), ao realizarem um
ganha coisas diferentes e que gosta muito como: hambúr-
levantamento sobre a situação das crianças nas ruas em
guer, pizza. pipoca, batata frita, lhfíigerante.
município da interior-do país, apontaram que 80%delas
E o quápensaa "rede de proteçãó"? Em entrevistas
estavam desenvolvendóalgum tipo de trabalho. No entan-
coM profissionais quê compõem a rede de proteção e
to. ào serem indagadas se trabalhavam,'poucas responde-
rafn aíimlativaíhentel o qUe pode demonstrar uma n.ão acolhimento a crianças, ás respostasafirmam.a necesqi:
dade de proteção- Na .entanto, nos .discursos podemos
identificação da àtividade vivida cotidianaménte e o mun-
verificar quê há a identificação entre "proteger" e 'abri-
do do trabalho...Os depoimentos indicam que a "informa-
gar".lt4 "Devem ir para o Conselho Tutelar, intervenção .e
lidade'i }do -trabalho {a eventualidade,: !alta de registro,

14., 10 abrigo ià um local previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

13.. Encontros casuais e espoDdicos. para nceber crianças e adolescentesque necessitamser protegidos pelo
'\
1 8'8' Editora Mercado de Letras --Educação Série -. Desenvolvimento-humanoe práçjcasculturais :.ü '1 89
r

situação-"inegulartou "marginaljl: ao propor o abrigamen:


abrigo"(Enfermeira' do pn5ãiàmá .de' Saúde da: Família)l tol o profissional acabar por delegar ao adolescente já
Eiíl primeiro lugar, abrigamehto emergencial para protp-
vitimado pela exploraçãouma punição(perder sua liber-
çêÓ...' (PsieóloÜa de. umjpíogramâ
. público de.
. . acolhimen:
. l., .
dade)l O receio dos adolescentes não é injustificado, já (lüe
to)l 'fmi(iialmente vão pardo Conselho Tutelam.'.eapós- sao existem trabalhos denunciando a situação imprópria dos
enca'minhadas ao Serviço'Social do Mlunicípio e doi Esta-
abrigos. Como'exemplo, cito a publicação recente deum
dos e também às':lasàs. de menores." .(Polieiql Mlilitar);
estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Econâiniêas
'Recolhimento à Instituição para se integi.ar a novos'con-
Aplicadas(IPEA), em colaboração com a Secretaria Espe-
ceitos tie 'vida".(Prbfesqoradó'Ensino Fundamental).
cial dos. Direitos Humanos da Presidência da República
O 'iabrigaiüentÕ"i:segundo às respostasfseri.a ne-
(SEDH)e o.Conselho Nacional dos.Direitos da Criança e
céssáiio pára queocorra a ;'proleção".dos que sofrem esse
dÓ Adolescente(CONANDA),~sobre abrigos para crianças
tipo de exploração ou pàra que.adquiram"'novos conceitos e 'ado]escentespo Brasi],(IPEA 2005). O estude)apontou
de vida"; A associação entre "proteçãà" e "ab$gamento
pára a éituàção extremamente precária de grande parte
parece ser bastante clara r)àrà:,os próprios'ãdç)lescentes dos abrigos e para a violação dos direitos das crianças e
em situaçãode exploração,;
pois, eín muitos casosllháa adolescentes em várias dessas instituições» Especifica-
evidência da identificação do Conselho Tutelar ou mesmo
mente, em ralação aõ.abrigo para adolescentes da legião
do programa}de acolhimento coma um serviço quq\ma em que foi desenvolvido este trabalho, Amorim(2004) já
priva:lolideliberda e.'Rór
. exemplo. Fqbiana! de 15
,.... anos,
* havia identiücàdo graves problemas que reforçam as aná-
em seu depoimento disse ter sentido receio de ser déDun-
lises apontadas pelo relatório do IPEA (2005} Ressalta-se
ciada atravésdâenÜevista. Quando foi perguntado.sobre que; em depoimentos de profissionais da "rede de prote-
seu intleresse emreçeber algum .aujálio de instituições de
ção",' houve a identificação do local (ie,acolhimento dos
'
apoio õu atendimen. to,:ela disse que não gostaria.de
.. .. ser
:=... adolescentes(abrigos) com as "casas de menores':(Poli-
procurada por instituição alguma'. A mesma adolésçê!$e cial Militar) ou a "casa de guarda existente na cidade, até
também revela mêdo em Éer."pega pela polícia".:Essa atingirem 18 anos" (Professorado.Ensino Fundamental),
preocupação'surgiu Eàmbém.. na. entrevista
. com Aline.
, . que
. que êão instituições para receber jovens em conílitQ. com
ao términQ: (iuandõ o pesquisador solicitou pma, avaliação
a leal;Esses depoimentos indicam a percepção de que o
da(ruela situação {espt)ndeu: , aFói boa,: principalmente jovem, vítima de exploração sexual. é identificado como
porque eu #ão tiveque entregar ninguém,::ajudei Vocês e um autor de ato infracional
üão foi col(içado meunoihe na entrevista" . A preocupação
em ':entregar m'' leva
. à situaçãode receio
qlgué , .. de
. . ser
.
descoberta".como um "marginal Algumas considerações
Ao associar.as percepções dos adolescentesque
hão (Biererh-ser.'pegas":e.üos profissiohaié que acreditam A tentativa de buscar oã sentidos no discurso dos
os adolescentes em situação delexploração devam ser .jovensleva à trama de fios tecidos com a'história das
' abrigados!'. supomos cl\ie exista: na:.sociedade, a ideia de práticas e das palawas. O discurso de jovens cobre sua
que a criança/adolescente.quê
-. ' é elk)lomda :*'.':em:=:a
:. .; . está uma condição traz traços do olhar social sobrea marginalidade
e traz também os muitos interlocutores(próximos e dis;
Estado. em casos especí-6lll6s. J'á as ''casas 'çti guarda" :ou 'tunidadg de tentes). Esse aspecto pode sor percebida tanto no depoi-
medidas
intemaçãó" ião '"locais . previstos pa? . OLpiçrcício . de mento de Ana,> quando se~.recorda das professoras
góbi(5educatiyas para adolescentes em,conflito ÇQm a lei.

Série -- DesenvolvimgntQ humano e.práticas culturais 191


Editora.Marcado de-Letras;í- Educação,
190
inqiàtindo sobresua ralaçãoem casa(vocênunca.ppd:
nhou?):quanto dos.adolescentes qué se veem como rlar-
ginais e têm réceió dd? profissionais'da-rede de plotéçao;
(ell nãõ' tive que .ei;üêga' nízlguém) No caso (]e: Ang.
pode-se .verificar quê.âs présalções doi !nanué:lis de pede;
'gógia e ''psicologia das décadas,de
. . 1960,:1:970 ê'1980;
anãlisàdos por FQneira (1986), parecem.ger muito presen-
tes. ainda. Nogaso dos jóvéns em situação) de exploração
sexual.:per(iebQ:se a presença.das ideias de delinquência
é criminalidadetanta)no discurso.dQSjovehfquantp,no
dos profissionais. A'noção de ':situação irregular"' parece
ainda estar presente nas práticas sociais qfortalece a ideia
de:exclusão social. Esse amálgama de sentidos reafirma
o./usar-: um)ugaí niargjnal,=tle parto da pop\Ilaçãoh@
sociedade,'.seja.Dgesüolá, seja nas relações dé exploração
Como há a certeza. de que as crianças não :têm.quaisquer
v'dores,pois'"age .te:vê que sãó'
. .crianças
.- de . pais
. '.que;
:
assim, beiiÉ~que bebé. que br\gçl, qü9 se droga.'.-(1)epoi-
mento de profegbora de classe
. especial. coletado em 1990),
.
é necessário que elas recebam algum "tratamento" para
se "integrar ê novo : conceitos.de
, üda'''}(Depoimento ..de
' . . : ' . Ensin oFundaWentiill,
proíégsora.do coletâdoem
.. . . 2005):
Na'implantação de "políticas.de?inclusão'!;ios dÍs:
cursos âpohtam par la existência,/persistência'de
. plêllicas
... . .
coeíêíüvas e $egregacionistas. A íihagení de marginalida-
de próssbàüe bfeséüçe ê íoüe e os jov5?nFcontü$am selFo
identificados como 'jdelinquentes" :Q, como tala :devem ser
emendados"x OliedonhQcimenta dá cüança e dó jovem
como "pessoa81ncondição peculiar de desenvolvimento'
paíecê pão garantir:\lmà abordagem quf?.não.Pelaa pqTi'
ção-e/ou segregação: Anos :de história de exPlollação são
apagados ha simples ideütiíicação :doéploblçmas .com ?l
existênciade "marginais"-êdé ."famílias desestruturadas
AhigienizaçãQeà'c
)erção . * ,.pera)star
. parecem. , .nç)s
,í. disçqrFos
.....
dos profissionais e seus múltiplos sentidos.pareceih .li+fP.
traí Qdiscursode .jovens:que,na ghbate da concretude
socialEfalam sobre si.

192. Editora Mercado de Letrase Educação'

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