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Universidade de Brasília – UnB

BIROLI, Flávia. O Público e o Privado. In: MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia (Orgs.)
Feminismo e Política. Brasília: Boitempo, 2014, 1 Edição, p. 31-46 (cap. 2).

No segundo capítulo, O público e o Privado, Flávia Biroli realiza uma belíssima discussão referente a
esses dois espaços de socialização, afirmando que “se há algo que identifica um pensamento como feminista
é a reflexão crítica sobre a dualidade entre a esfera pública e a esfera privada” (BIROLI, 2014, p. 31). Para a
autora, essas esferas tem um caráter histórico e geraram implicações para homens e mulheres. Assim,
questioná-las significa questionar a naturalização das posições firmadas por elas.
Apontando a dualidade estabelecida entre a universalidade versus particularidade, Flávia Biroli ressalva
que “na modernidade, a esfera pública estaria baseada em princípios de universalidade, na razão e na
impessoalidade, ao passo que a esfera privada abrigava as relações de caráter pessoal e íntimo” (BIROLI,
2014, p. 32). Aponta assim, a criação de estereótipos de gênero desvantajosos para as mulheres.
Papeis atribuídos a elas, como a dedicação prioritária à vida doméstica e aos familiares, colaboram para
que a domesticidade feminina fosse vista como um traço natural e distintivo, mas também como um valor a
partir do qual outros comportamentos seriam caracterizados como desvios. A natureza estaria na base das
diferenças hierarquizadas entre os sexos (BIROLI, 2014, p. 32).
Dessa forma, a autora destaca que a crítica às desigualdades de gênero está intrinsicamente ligada à
crítica das fronteiras convencionais entre o público e o privado nas abordagens teóricas, na prática política,
nas normas e nas instituições. Assim, “a garantia de liberdade e autonomia para as mulheres depende da
politização de aspectos relevantes da esfera privada” (BIROLI, 2014, p. 34).
Finalizado o artigo, Flávia ressalta as contribuições do feminismo no combate à dualidade
público/privado, destacando que as críticas sobre essa dualidade estão longe de ser consensual entre os
feminismos, mas está no interior desses. “O feminismo mostra, assim, que é impossível deslocar a esfera
política da vida social, a vida pública da vida privada, quando se tem como objetivo a construção de uma
sociedade democrática” (BIROLI, 2014, p. 33).

Em relação à dualidade esfera pública e privada:


- Flavia aponta a necessidade de expor a história não contada da CONSTRUÇÃO DA ESFERA PÚBLICA
a partir da POSIÇÃO DAS MULHERES. Segundo a autora, a política das relações de poder começa na
VIDA COTIDIANA.
- De acordo com o conceito de que esfera pública baseia-se na RAZÃO e na IMPESSOALIDADE e esfera
privada corresponde às relações de caráter PESSOAL e ÍNTIMO, a domesticidade feminina foi cultivada
culturalmente para manter esta dualidade. Tal domesticidade foi cunhada de modo a parecer um TRAÇO
NATURAL E FISIOLÓGICO das mulheres, frente ao qual qualquer outra característica era considerada
DESVIO DE COMPORTAMENTO.
- A esfera privada foi “protegida” da intervenção do Estado, preservando relações autoritárias que limitaram
a autonomia das mulheres. A garantia de privacidade para o domínio familiar e doméstico garantiu a
dominação masculina e bloqueou a proteção a indivíduos mais vulneráveis nas relações de poder correntes –
como mulheres e crianças. A esfera privada é vista como lugar onde a justiça comum não se aplica porque
envolve RELAÇÕES DE AFETO.
- Mas é a dominação da mulher na esfera privada que garante o sucesso do homem na esfera pública. Sem
falar na AUSÊNCIA DE CIDADANIA E DE DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA que sofrem mulheres
expostas a abusos e estupros no casamento. Seus corpos não lhes pertencem: são passados da dominação
paterna à do marido na cerimônia do matrimônio.

Em relação aos horizontes limitados:


- “Relações mais justas na vida doméstica permitiriam ampliar o horizonte de possibilidades das mulheres,
com impacto em suas trajetórias pessoais e formas de participação na sociedade”. Nas relações familiares há
diferença na divisão das responsabilidades sobre a vida doméstica (pesando mais sobre as meninas) e dos
estímulos que favorecem maior exercício da autonomia (mais dirigidos aos meninos).
- A falta de mulheres na vida pública reduz a possibilidade de que se discutam e avancem em questões como
CUIDADO COM AS CRIANÇAS, CUIDADO COM IDOSOS, VIOLÊNCIA E DOMINAÇÃO DE
GÊNERO.
- As barreiras para que mulheres exerçam trabalho remunerado fora de casa são associadas ao TEMPO QUE
AS MESMAS GASTAM NA ESFERA DOMÉSTICA (Didier Marc Garin contou, quando esteve no Brasil,
que na França as mulheres recebem 25% menos que homens na mesma função por sua “suposta” menor
dedicação à empresa devido aos afazeres doméstico e familiares. Ainda que isso não se comprove na
prática).
- A mesma justificativa permite aos homens ter mais acesso a trabalhos de grande dedicação e responsabilidade
na empresa, pois SUPÕE-SE QUE SEJAM LIVRES PARA ATENDER A EXIGÊNCIAS
PROFISSIONAIS.
- As expectativas sociais conduzem a desenvolvimentos de habilidades diferenciadas para homens e mulheres.
Mulheres são orientadas para a CONQUISTA DO CASAMENTO (e há todo um mercado de consumo para
que disputem o parceiro que lhes garantirá suporte econômico).

Em relação ao mundo corporativo:


- “O mundo do trabalho se estruturou com o pressuposto de que os ‘trabalhadores’ têm esposas em casa”. O
controle dos recursos ficou a cargo dos homens, ainda que o resultado de seu trabalho conte com a dedicação
das mulheres.
- Por outro lado, a atuação das mulheres na prática do cuidado é vista como formadora de uma ÉTICA
DISTINTA (isso pode ser visto nas urnas, quando se vota em mulher POR SEU CARÁTER e não por sua
CAPACIDADE DE GESTÃO).
- Algumas feministas apontam também a desvalorização do trabalho doméstico frente ao assalariado, o que
nem sempre é real. Muitas mulheres da classe trabalhadora são exploradas, recebem menos que o salário
mínimo e poucos benefícios. NEM SEMPRE TRABALHAR FORA DE CASA É SINÔNIMO DE
PROJEÇÃO E INDEPENDÊNCIA. “A FAMÍLIA PODE SER UM REFÚGIO PARA INDIVÍDUOS
QUE SOFREM DISCRIMINAÇÃO NA SOCIEDADE MAIS AMPLA”.
Em relação às privacidades seletivas:
- Privacidades tem sentidos diferentes conforme a posição do indivíduo nas relações de poder:
• HOMENS BRANCOS têm privacidade no espaço público (escritórios com portas fechadas e controle
sobre quem tem acesso).
• MULHERES BRANCAS DE CLASSE MÉDIA podem usar tempo livre – já que outras mulheres
(pobres) fazem o serviço doméstico para elas – para atuar na esfera pública. Os eletrodomésticos e
maquinário também ajudam as mulheres de classe média.
- Na esfera pública, privacidade pode depender de um menor grau de privatização, ou, da SOCIALIZAÇÃO
DAS TAREFAS DOMÉSTICAS (como pensado por Lênin na Revolução).
- Há um risco na possibilidade de intervenção estatal na esfera privada: o da intervenção em outras formas de
relacionamento familiar – LGBT, por exemplo.
- Mesmo o direito ao aborto é visto por algumas feministas como maléfico por permitir aos homens se livrar
das consequências reprodutivas da relação sexual.

ALGUMAS CONCLUSÕES:

“A pluralidade democrática depende da garantia do espaço para o florescimento de identidades baseadas em


crenças e práticas distintas”
“A garantia da privacidade depende da crítica à dualidade convencional entre o público e o privado” e da
crítica “às desigualdades de gênero a que esta realidade tem correspondido”

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