HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura.
São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
V. RENASCENÇA, MANEIRISMO, BARROCO.
1. O conceito de Renascença.
(página 273)
Inicia indicando certa arbitrariedade em relação à distinção usual entre
Idade Média e Idade Moderna. Bem como certa fluidez com a qual se trata (e se tratou ao longo dos últimos anos de estudos históricos e sociológicos) o conceito de Renascença.
Linha divisória. Primeira e segunda metade da Idade Média = final do
século XII. É quando, de acordo com Hauser, a economia monetária é ressuscitada, novas cidades surgem e a moderna classe média adquire pela primeira vez características distintivas.
A ideia de uma ‘concepção naturalista do mundo’ que também usualmente
se atribui à Renascença de modo algum inicia com ela. Ela remonta, para Hauser, ao nominalismo medieval, com seu interesse no objeto individual, com sua busca pelo direito natural, etc.
(página 274)
O ‘naturalismo’ da Renascença é, na verdade, uma continuação do
‘naturalismo’ do período gótico. Rede de continuidades e desenvolvimentos, não de rompimentos, rupturas.
Menção a Jacob Burckhardt. Ênfase ao ‘naturalismo’ do período,
passagem para a realidade empírica, descoberta do mundo e do homem. Insistência, da tradição de pensamento na qual J. Burckhardt se insere, em avaliar primeiro as ideias, as questões espirituais e abstratas para, daí, verificar questões sociais, culturais, econômicas. J. Burckhardt pertence a uma escola de espírito metafísico. História do Espírito (Geistesgeschichte). Como, para Hauser, cujo direcionamento teórico é mais bem representado pelo materialismo histórico e pela busca por explicações de modo inverso (procurar nas condições sociais, culturais e econômicas os indicadores das ideias e das compreensões mais abstratas), fica logo no início do capítulo marcada a diferença entre duas metodologias opostas.
Para Hauser o acento, em relação ao argumento de Burckhardt, precisa
ser reformulado. Não é que o Renascimento tenha engendrado uma concepção naturalista do mundo. Mas sim que ele a tornou metódica e científica.
“(...) em suma, o fato verdadeiramente notável a respeito da Renascença
não era o artista ter-se tornado um observador da natureza, mas o de ter- se a obra de arte convertido num ‘estudo da natureza’. O naturalismo do período gótico principiou quando a pintura e a escultura deixaram de ser exclusivamente símbolos e começaram a adquirir intenção e valor como meras reproduções das coisas deste mundo”.
- Perda de vigor do simbolismo metafísico (e, logo, protocolar) do Medievo.
(página 275)
- Limitação dos objetivos do artista – representação do mundo empírico de modo
consciente e intencional.
Hauser procura mostrar de onde surgiu historicamente a tentativa de
atribuir a noção de ‘descoberta do mundo’ ao Renascimento. Invenção liberalista do século XIX, como uma espécie de golpe, ou de subversão, da filosofia romântica da história e sua insistência na difusão da ideia romântica de cultura medieval. Na obra de Michelet essa vinculação (do liberalismo ao Renascimento) é ainda mais evidente.
(página 276)
Hauser endereça a questão da pregnância do imaginário religioso na
Renascença. Procura assinalar que atribuir a esse período certa irreligiosidade é um prejulgamento grosseiro. As ideias que povoaram o espirito do homem medieval (salvação, outro mundo, redenção espiritual, pecado original) não foram abandonadas de chofre na Renascença, mas mantiveram-se em certo sincretismo com uma recuperação do imaginário clássico da antiguidade helênica.
Hauser endereça também o suposto aspecto de individualismo na
Renascença. Afirma que, embora tenha-se tornado uma espécie de programa consciente, não surge – como um fenômeno em si – neste período. De modo que que a ideia de personalidade, livre pesquisa, autonomia não foram de modo algum estranhas à Idade Média.
(página 277)
Aborda novamente J. Burckhardt e sua vinculação de posturas
antagônicas entre Idade Média e Renascença. Individualismo + sensualismo. Autodeterminação da personalidade + protesto contra o ascetismo medieval. Glorificação da natureza + alegria de viver vs. emancipação carnal. Influência de Heine (imoralismo romântico). Influência sobre Nietzsche (herói amoral).
Comenta ainda que uma concepção ‘sensualista’ da Renascença baseia-
se mais na psicologia em desenvolvimento no século XIX que no período renascentista ele próprio. Todo ESTETICISMO do halo romântico e sua tentativa de reencontrar um período áureo, de entusiasmo vital, deleite sensual e espiritual.
(página 278)
A concepção individualista-liberal e sensualista do Renascimento se
aplicam a ele somente em partes.
(página 279)
Característica mais importante do Quattrocento = extraordinária liberdade
e ausência de esforço expressivo, da graça e da elegância, peso estatuesco e a impetuosa linha das formas. Brilho e serenidade, ritmo e melodia. A solenidade hirta e comedida da arte medieval dá lugar a um idioma formal e vívido, claro, bem articulado. Princípios estilísticos da Alta Renascença. ESTILO IDEAL. (página 280 e 281)
Elemento básico da concepção artística da Alta Renascença é o princípio
da uniformidade e a busca pelo poder do efeito total. Tendência para ao uniforme compósito e o empenho em produzir uma impressão de totalidade bem acabada. Uma obra da Renascença sempre parece ser, em comparação com uma do Medievo, um todo inteiro e perfeito e, por mais rico que seja seu conteúdo, transmite simplicidade e homogeneidade.
Faz uma longa e rica comparação de aspectos morfológicos e estilísticos.
ARTE GÓTICA ARTE RENASCENTISTA
Justaposição Unidade Princípio de expansão Princípio de concentração Coordenação Subordinação Sequencias abertas Forma geométrica fechada Vista panorâmica aberta e geral Representação unilateral unificada Mais de uma perspectiva Perspectiva unívoca Ponto de vista sempre temático Ponto de vista mais subjetivo Detalhista / miniaturista Composição total Experiência se dá de detalhe em Experiência se dá na visão total, detalhe numa única tomada inicial Espaço sintético e analisável Unidade indivisível
(página 282)
Passa a considerar os aspectos econômicos que motivaram o
Renascimento. Ele é, no início, um movimento exclusivamente italiano e, depois, na Alta Renascença e Maneirismo é um movimento europeu. Este aspecto geográfico indica, para Hauser, uma especificidade econômica e social do próprio contexto italiano do Duocento e do Trecento.
“A nova cultura artística aparece pela primeira vez em cena na Itália,
porque esse país lidera no Ocidente em questões econômicas e sociais, porque a restauração da vida econômica começa aí, os recursos financeiros e de transporte das cruzadas são organizados desde aí, a livre competição desenvolve-se aí primeiro, em oposição ao ideal corporativista da Idade Média, e o primeiro sistema bancário europeu também nasce aí porque a emancipação da classe média urbana acontece aí antes do que no resto da Europa, porque desde o começo o feudalismo e a cavalaria tiveram aí um desenvolvimento menor do que no norte e a aristocracia financeira urbana, e também, sem dúvida, porque a tradição da Antiguidade clássica nunca se perdeu inteiramente nesse país, onde ruínas clássicas são vistas por toda a parte.”
Para Hauser essas condições são CONDIÇÕES PRÉVIAS, condições de
possibilidade, ao Renascimento. Isso indica, mais uma vez, a pregnância do método do materialismo histórico, a buscar nas condições sociais e econômicas a estruturação para o desenvolvimento cultural (referente às ideias, à arte, enfim, a todo o intricado sistema simbólico de um contexto histórico).
(página 283)
A reassimilação da Antiguidade clássica foi meramente um sintoma da
Renascença. Esse processo teve pressupostos sociais. Mas não deve-se exagerar a importância sintomática dessa assimilação.
Konrad Burdach (1859 – 1963). Historiador alemão.
(página 284)
Carl Neumann (1860 – 1934). Historiador alemão. Aluno de J. Burckhardt
e contemporâneo de Henry Thode. Kunstwollen (impulso artístico) medieval em Rembrandt como um principio estilístico e pessoal antitético à arte renascentista e clássica. Nacionalismo artístico, halo romântico, cultura medieval, reencarnação nórdica. Altamente personalista.
Henry Thode (1859 – 1920). Historiador alemão. Personalista, halo
romântico, valorização da cultura medieval. Conhecia e admirava Wagner. Ataca forçosamente os impressionistas franceses. Espírito germânico.
Louis Courajod (1841 – 1896). Historiador francês.
A Renascença aprofunda a influência desse desenvolvimento medieval e
a dinamiza radicalmente. Dá um impulso no seu sistema econômico e social capitalista. Novo racionalismo – princípios estilísticos sobredeterminados por condições econômicas e sociais. Economia dá ênfase ao planejamento, a oportunidade e a calculabilidade, organização do trabalho, metodologias comerciais, sistema de crédito, métodos de administração pública, diplomacia e guerra – reflexo disso no quadro morfológico e estilístico.
(página 285)
O processo artístico passa a ser parte de um processo muito mais global
de racionalização. O racional passa a ser belo e o irracional deixa de causar impressão profunda.