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Aula teórica 9

O limite de sucessões e a relação de ordem.


Sucessões enquadradas:
O Teorema das sucessões enquadradas. Produtos de infinitésimos com sucessões limitadas.
Relação entre convergência, limitação e monotonia (início):
Toda a sucessão convergente é limitada.

Material de estudo:

[AB] A. Bastos e A. Bravo, Cálculo Diferencial e Integral I. Texto de apoio às aulas, 2010., Cálculo Diferencial e Integral I. Texto de apoio às aulas,.
[CF] J. Campos Ferreira. Introdução à Análise Matemática, Fundação Gulbenkian, 8a ed., 2005.

O limite e a relação de ordem

Temos dois resultados enunciados no seguinte

Teorema: Sejam u n, vn duas sucessões tais que lim u n = a e lim v n = b.

Se a < b então existe N ∈ N tal que u n < vn, para todo n > N ;

Se existe N ∈ N tal que, para todo n > N un ⩽ vn , então a ⩽ b.

Demonstração

Para a primeira afirmação, basta aplicar a definição de limite a u → a e v → b. Escolhendo para ambos um ε > 0 menor que metade da distância entre a e b (ε < (b − a)/2), temos que
n n

V (a) ∩ V (b) = ∅ (verifique!). Como a partir de certa ordem N temos u ∈ V (a) e v ∈ V (b) temos necessariamente que u < v .
ε ε n ε n ε n n

A justificação da segunda afirmação deixa-se como exercício.

Observação importante: Repare que a primeira afirmação é enunciada com a relação de ordem estrita "<," enquanto que a segunda é enunciada com a relação de ordem "⩽". Vejamos
porque é que tem que ser assim:

Se soubermos apenas que a ⩽ b, uma situação possível é a = b. Mas então nada podemos concluir sobre a relação entre os termos u e v . Por exemplo, se u n n n = 0 (sucessão
n
(−1)
constante nula) e v n = , temos lim u n = lim vn = 0 , e logo, é verdade que lim u n ⩽ lim vn . No entanto, qualquer que seja o natural N existem infinitas ordens n > N para as
n
quais u n < vn e infinitas ordens n > N para as quais v n < un.

A segunda afirmação está escrita na forma mais geral possível. Mesmo que saibamos que, para todo o n > N se tem a desigualdade estrita u n < vn , a única coisa que se pode
1
concluir é que lim u n ⩽ lim vn . Por exemplo, se u n = 0 ev n = , temos, para todo o natural n, u n < vn , e no entanto, lim u n = lim vn = 0 .
n

Sucessões enquadradas.

Na aula anterior vimos como o conhecimento das propriedades de convergência de classes de sucessões nos permitem tirar conclusões sobre a convergência de outras construídas a partir
daquelas através de operações algébricas de soma, diferença, multiplicação e divisão. Nesta aula veremos mais resultados que nos permitem estudar a convergência de sucessões por vários
meios.

O primeiro resultado desta aula está na sequência dos resultados da secção anterior que estabelecem a relação entre limites e a relação de ordem. Veja que nesses resultados exigia-se nas
hipóteses a convergência das sucessões u e v . Desta vez, a partir da convergência de duas sucessões obtem-se a convergência de outra:
n n

Teorema (das sucessões enquadradas): Sejam un, vn, wn três sucessões com as seguintes propriedades: para todo natural n,
un ⩽ vn ⩽ wn

e
lim un = lim wn = a.

Então, a sucessão v é convergente e n

lim vn = a.

Demonstração:

A dupla desigualdade das hipóteses do teorema permite-nos afirmar que se u e w estão numa vizinhança de a então v também estará nessa mesma vizinhança: n n n

un, wn ∈ Vε(a) ⇒ a − ε < un ⩽ vn ⩽ wn < a + ε ⇒ vn ∈ Vε(a).

Assim, como u n → a ev n → a , dado um qualquer ε > 0, existem ordens p, p tais que, ′


n > p ⇒ un ∈ Vε(a) ∧ n > p ⇒ wn ∈ Vε(a).

Se q for o maior entre p e p , temos então, ′

n > q ⇒ un, wn ∈ Vε(a) ⇒ vn ∈ Vε(a).

Provámos que lim v n = a.

Exemplos.
n
(−1)
1. un =
2
. Como
n

n
1 (−1) 1
− ⩽ ⩽
2 2 2
n n n

1 1 1
e, como lim 2
= lim (−
2
) = 0 (já vimos as sucessões tipo p
, p > 0 ), concluímos que u é convergente e que, n lim un = 0.
n n n

sen n
2. un = . Como,
n

1 sen(n) 1
− ⩽ ⩽ ,
n n n

1 1
e lim = lim (− ) = 0, concluímos que, u é convergente e
n lim un = 0.
n n

2 2
n + cos(n + √ n)
3. un =
2
. Como,
(n + 1)

2 2 2 2
2n − 1 2n + cos(n + √n) 2n + 1
⩽ ⩽ ,
2 2 2
(n + 1) (n + 1) (n + 1)

e,
2 2
2n − 1 2n + 1
lim = lim = 2,
2 2
(n + 1) (n + 1)

concluímos que u é convergente e n lim un = 2.

3
n
4. un =
3
. Como,
2n + n cos(n)

3 3
n n
⩽ un ⩽ (atente ao sentido das desigualdades!)
3 3
2n + n 2n − n

e, como,
3 3
n n 1
lim = lim = ,
3 3
2n + n 2n − n 2

1
concluímos que u é convergente e n lim un = .
2

Uma observação importante. Nos exemplos 2-4 usámos as funções trigonométricas seno e cosseno. Trata-se de duas funções com domínio R e, portanto, podem ser aplicadas a qualquer
número real. Mas, não confundam cos(nπ) (que é igual a (−1) ) com cos(n) que, para valores n ∈ N, não toma nenhuns valores notáveis. Analogamente para o seno. Na realidade, tudo o
n

que precisámos saber para estudar a convergência das sucessões acima é que, qualquer que seja x ∈ R, se tem
−1 ⩽ sen x ⩽ 1, −1 ⩽ cos x ⩽ 1.

Aliás, o procedimento é exactamente o mesmo quer se trate de cos(n), como no exemplo 4, quer se trate, por exemplo, de cos(n 2
+ √ n), como no exemplo 3

Os exemplos 1 e 2 sugerem uma forma de usar este teorema numa situação prática muito comum. Em cada um desses exemplos, a sucessão em estudo era o produto de uma sucessão que
tende para zero, ou seja, um infinitésimo com uma sucessão limitada. Reparem que esta sucessão limitada, (−1) , no exemplo 1, sen(n), no exemplo 2, não tem que ser convergente (se o n

fosse bastaria aplicar o teorema das propriedades algébricas dos limites visto na aula anterior). De um modo geral, suponhamos que u → 0 e que v é limitada, ou seja, existem constantes n n

m, M tais que, para todo n ∈ N, m ⩽ v ⩽ M . Se u ⩾ 0 (caso contrário, consideramos |u |) temos então,


n n n

mun ⩽ unvn ⩽ M un,

e, pelo teorema das sucessões enquadradas, concluímos que lim u nvn = 0. Ou seja, temos o seguinte resultado:

Corolário: Se lim u n = 0 e v é uma sucessão limitada, então lim u


n nvn = 0.

De notar que este resultado apenas se aplica a infinitésimos. Por exemplo, se u > 0 e lim u = 1 e sabemos que v é divergente, mesmo sendo limitada, podemos concluir que, n n n
w
necessariamente, w = u v é divergente. De facto, se esta sucessão fosse convergente, então, pelo teorema das propriedades algébricas dos limites, v = seria convergente.
n
n n n n
un

Relação entre convergência, limitação e monotonia (início): a limitação das sucessões convergentes.

É já sabido que uma sucessão pode ser limitada e não ser convergente: por exemplo, a sucessão u n = (−1) .
n
Mas, por outro lado, temos o seguinte resultado importante:

Teorema: Qualquer sucessão convergente é limitada.

Demonstração

Se lim u = a, então tomando, por exemplo, ε = 1, existe p tal que, para todo n > p temos u
n n ∈ V1(a), ou seja, a − 1 < u n < a + 1. Então, podemos separar o conjunto dos termos da
sucessão em dois subconjuntos:

{un : n ∈ N} = {u1, u2, … , up} ∪ {up+1, up+2, …}

Por um lado, {u , u , …} ⊂ ]a − 1, a + 1[. Por outro, o conjunto {u , u , … , u } é finito e, logo, é limitado. Ora, a união de dois conjuntos limitados é um conjunto limitado.
p+1 p+2 1 2 p

Conclusão: o conjunto dos termos da sucessão u é limitado, ou seja, u é uma sucessão limitada. n n


Este resultado é uma implicação, não uma equivalência:

un  é convergente  ⇒ un  é limitada.

Como qualquer implicação, esta afirmação é equivalente à sua contra-recíproca:

un n o ã é limitada  ⇒ un n o ã é convergente. 

È nesta forma que este resultado é usado como ferramenta para o estudo da convergência de sucessões. Assim, por exemplo, qualquer uma das seguintes sucessões pode ser classificada
como divergentes depois de visto que se tratam de sucessões não limitadas:

n ,com p > 0 : 1, 2 , 3 , 4 , . . . : é minorada mas não é majorada.


p p p p

(−n) , com p > 0 : −1, 2 , −3 , 4 , . . . : não é majorada nem minorada.


p p p p

: 1, 2 , 1, 3 , 1, 4 , . . . : é minorada mas não é majorada.


n
1+(−1) 2 2 2
n

Embora a limitação de uma sucessão não implique a sua convergência, veremos na próxima aula que, com a hipótese adicional de monotonia, já fica garantida a convergência da sucessão.

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