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Vitor Henrique Paro (USP): “O diretor precisa ser um grande educador, que saiba se
relacionar com os outros educadores”
Em entrevista ao Jornal do Professor, o professor e pesquisador Vitor Henrique Paro, da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP), diz que o diretor tem de ser um educador, que saiba se relacionar com os
outros educadores.

“Na gestão empresarial, você contrata alguém para fazer o controle dos outros. Na escola, o trabalho tem de ser
muito mais livre, tem de ser autônomo, tem de ser um trabalho com professores, com eles dialogando e
desenvolvendo o trabalho da melhor forma possível”, defende Paro.

Em sua visão, a melhor solução é a direção colegiada, com o trabalho da escola dividido entre coordenadores e
a coordenação do trabalho humano coletivo a cargo da direção. “Três ou quatro cabeças pensam mais que uma,
e seria mais democrático”, acredita.

Com mestrado em educação pela USP, doutorado em educação pela PUC-SP e livre-docência em educação
pela USP, Paro é autor de uma extensa bibliografia. Ele coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em
Administração Escolar (Gepae) da USP.

Jornal do Professor – Para o senhor, o que são boas práticas de gestão escolar?

Vítor Henrique Paro – Para mim, gestão e administração são sinônimas. A boa gestão ou a boa administração é
aquela que usa os recursos da forma mais adequada possível para atingir determinados fins. A utilização desses
recursos envolve todos aqueles que trabalham, seja no nível mais baixo ou no mais alto, se houver uma
hierarquização. Boa gestão é aquela em que a escola atinge os seus objetivos. É aquela que utiliza, da forma
mais adequada possível, os seus recursos de várias ordens, como o material escolar, o próprio conhecimento, a
cultura que se pretende proporcionar à população que aprende. A boa gestão escolar é aquela que utiliza os
meios da forma mais adequada aos fins. Então aí surge um determinante: os fins é que têm de condicionar os
meios. Isso em toda boa administração. Eu costumo dar o exemplo de que não vou para uma pescaria levando
uma metralhadora e nem vou para a guerra usando uma vara de pescar. Meios adequados aos fins. Os fins
condicionam os meios. Na empresa capitalista, por exemplo, cujo fim é a apropriação do excedente, ela pode ser
inclusive autoritária. O autoritarismo não nega o fim. Pelo contrário, se não tiver certo autoritarismo e desrespeito
à subjetividade do trabalhador não há produção de excedente.

A escola não existe para produzir lucro e nem para se apropriar do trabalho de ninguém, mas ela existe como
direito a seres humano-históricos. Seres que fazem a sua história, que são sujeitos. Os objetivos são de
emancipação humana, de formação de sujeitos, sujeitos entendidos como autores, seres que têm vontades, que
têm sonhos, desejos e que criam e buscam valores, realizando objetivos. Se esse é o fim da educação, então,
em qualquer gestão, o primeiro item que tem de se levar em conta é que o meio de realizar isso deve ser
adequado ao fim. Então, a boa educação escolar é aquela cujos objetivos são perseguidos utilizando meios
adequados a esses objetivos.

– O senhor concorda que administrar uma escola de forma eficiente é bem diferente de administrar uma
empresa?

– A escola não é diferente da empresa; a escola é antagônica à empresa. O objetivo da empresa é o da


ganância. Isso não é moralismo, não. É ciência. O empresário não é mau por fazer isso. Ele só procura fazer o
melhor negócio possível e se apropria daquilo que foi construído pelo produtor. O trabalhador é o produtor. Ele
produz o valor que é apropriado pelo capitalista. Ele não paga o trabalho do trabalhador, ele paga o salário. A
maior parte do trabalho, o valor produzido na empresa, é apropriada pelo capital e pelo Estado porque o capital
também paga impostos. Por isso que, em grande medida, o Estado vive a serviço do capital. A empresa para
atender os seus objetivos utiliza meios adequados aos seus objetivos. Esses meios são meios de dominação. Na
escola, ela tem de utilizar meios adequados aos seus objetivos, que não são de dominação, mas democráticos,
de criar o cidadão autônomo, que tem direitos. Para fazer isso tem de utilizar um método que não é antagônico
aos seus interesses. Essa questão da metodologia se estuda e se trabalha na formação de professores,
estudando a sociologia, a filosofia, a história da educação, a psicologia, a antropologia, a economia política, a
didática e se chega a uma conclusão muito simples: se a educação é formação de sujeitos, o educando só
aprende se quiser. Não se pode forçá-lo. Ele aprende sendo sujeito. Se o objetivo da educação é formar sujeito,
o seu modo de educar não pode educar sendo contrário à criança. É a criança que se tem de ouvir, é o
adolescente que se tem de ouvir. Você precisa da concordância do educando. Não se pode educar sendo
contrário ao educando. Isso é um componente técnico como está demonstrado em toda a ciência da pedagogia e
da educação desenvolvida no século XX, desde Piaget. Então para você fazer isso, tem de utilizar maneiras de
tratá-lo que sejam de acordo com a vontade dele.

– O que o diretor da escola pública deve fazer para atingir o objetivo de formar cidadãos?

– Ele tem de utilizar os conhecimentos técnicos de educação. Ele tem de ser um educador junto com seus
professores. Na gestão empresarial, você contrata alguém para fazer o controle dos outros. Na escola, o trabalho
tem de ser muito mais livre, tem de ser autônomo, tem de ser um trabalho com professores, com eles dialogando
e desenvolvendo o trabalho da melhor forma possível.

O diretor precisa entender de educação. É preciso ser um grande educador, que saiba se relacionar com os
outros educadores. Por isso, a minha sugestão é que não haja diretor, mas um conselho diretivo de três ou
quatro coordenadores. Que não haja um culpado último pela escola, que administre a escola da melhor maneira
possível para que atinja o objetivo, que é formar cidadãos.

– Como o senhor define gestão escolar democrática?

– Se você tem presente que o conceito de educação não é transmissão de conhecimento, mas apropriação da
cultura inteira – o ser humano se forma apropriando conhecimentos, valores, filosofias, artes, crenças – se a
educação é isso e não pode ser transmitida, para se educar, é preciso que o outro queira aprender. Isso é uma
relação política, no sentido de que política é a convivência com o sujeito. Isso pode ser feito de duas formas:
dominando esse sujeito, que é forma autoritária, ou de forma democrática.

Na educação, a forma autoritária não funciona. Para você querer que o outro aprenda, você corre o risco dele
não aprender. É uma relação dialógica. Isso é uma relação democrática. Quando eu consigo levar o outro a se
apropriar de um elemento cultural, seja de um conhecimento, de um valor, de uma habilidade, de um
componente artístico, ele se apropria desse elemento por sua própria vontade. E aí temos todas as metodologias
de ensino disponíveis. Quando você propicia condições para que ele queira aprender e ele se apropria de um
conhecimento, de um valor, aquele elemento cultural passa a ser dele. Isso é educação. Educação é feita pelo
sujeito que aprende. E isso não acontece autoritariamente. O professor é sujeito e o educando também é sujeito.
Os dois são trabalhadores. Na fábrica, o trabalhador é o sujeito técnico que transforma o pedaço de ferro. Esse
objeto de trabalho não é sujeito, e não é preciso pedir autorização para transformá-lo. Por isso, o trabalhador da
indústria, do serviço, do sistema capitalista pode trabalhar inclusive contrariado, triste, odiando o patrão, e
produzir bem. No caso da escola, não, porque é uma relação não apenas técnica, mas política. Em educação o
técnico é radicalmente político. Você tem que contar com a cumplicidade do outro. A educação se faz com o
educador e o educando. O trabalho do professor é completamente diferente. Para você coordenar um trabalho
numa fábrica, basta controlar o trabalho do trabalhador. Você vigia o que ele faz e o obriga a fazer. Até porque
ele é constrangido pela necessidade do salário. Quando você na empresa capitalista utiliza os elementos
gerenciais e aliena o trabalhador, prejudica o trabalhador, você faz isso em benefício do produto. O trabalhador é
alienado, mas o produto é feito. Tanto que você pode estabelecer prêmios de mérito. Se você fizer mais, posso
te pagar mais. No caso da produção escolar, pedagógica, isso não pode acontecer. Se acontecer, acontece com
prejuízo do produto. Na empresa, isso acontece e o produto sai porque não depende de uma relação de política.
Na escola, é preciso levar em conta a importância do educando. A gerência mercantil na escola faz com que o
professor busque fórmulas de parecer que trabalhou mais, produz mais alunos que passam de ano, mas não
produz mais alunos sujeitos e que têm mais educação porque isso não depende de sua opressão.

– É possível então estabelecer uma relação entre gestão escolar democrática, diretor como educador e conselho
diretivo?

– O objetivo é a educação formadora de seres humano-históricos. Para atender a esse objetivo, e mais de
acordo com o objetivo, os meios utilizados precisam ser de forma diferente. Nada contra ter diretor. O diretor e a
hierarquia não são sinônimos de autoritarismo. Pode ter hierarquia sem autoritarismo, em termos de educação,
já que estamos no domínio da política, da democracia, porque educação é radicalmente democracia no sentido
de relação de sujeitos que se afirmam como tais. Se é assim, por que colocar toda a culpa e toda a
responsabilidade num diretor e por que um diretor técnico? Hoje em dia com o desenvolvimento da informática, o
diretor não precisa saber nada de administração técnica. Uma secretária faz tudo isso. Isso não é trabalho de
educador. O diretor tem de entender de educação. E por isso sugiro que deveria até se chamar de coordenador.
E por que não três ou quatro coordenadores, dividindo o trabalho da escola, sendo um coordenador comunitário,
outro mais relacionado com o currículo, seria o pedagógico, outro que tivesse mais relação com a cultura em
geral. Bom, três ou quatro cabeças pensam mais que uma, e seria mais democrático. Isso seria uma gestão
democrática, pois estaria determinada pelo conteúdo da administração. Se o gênero humano conseguiu produzir
essa civilização e o avanço tecnológico que nós temos, foi sempre por adequar meios a fins. Chegamos a Lua,
porque queríamos chegar lá e adequamos os meios até alcançá-lo, sempre obedecendo a esse princípio
administrativo fundamental: os meios têm de ser adequados aos fins.

O diretor não é simplesmente um técnico, um office boy de luxo como nas empresas, nem um controlador do
trabalho alheio. Pelo contrário é um coordenador de trabalho de todos, inclusive o dele. Tem de ser professor e
que tenha muita experiência de docência porque uma hora ou outra vai ser professor também, mesmo sendo
diretor. Os papeis se misturam e o diretor faz de uma forma mais adequada possível o desenvolvimento da
gestão escolar. Isso é gestão escolar. Vai ter conselho de escola, sim, que é uma conquista brasileira, mas o
conselho da escola deve ser com mais elementos, com gestão com mais representantes de pais, de professores,
de alunos, de funcionários como um poder legislativo dentro da escola para trabalhar mais processos, mais
sobre os rumos, o planejamento da escola. Mas a coordenação de trabalho humano coletivo seria da direção,
que tem um papel mais nitidamente político e de responsabilização pela escola. E isso não é coisa do outro
mundo.

– De que forma deve ser feita a escolha dos diretores?

– A pior forma é o concurso. O bom diretor é aquele que é um bom professor, então sou complemente contra o
concurso. A pessoa que faz concurso fica titular, efetivo, e não responde mais ao interesse da escola, mas ao do
Estado.

As pessoas criticam a nomeação, acho a nomeação absurda, mas a nomeação ainda é melhor que concurso.
Hoje, a maior parte do Brasil tem eleição de diretores e isso ocorre precisamente naqueles lugares onde havia
nomeação, porque ficava claro que aquilo era uma coisa absurda.

Para atender os interesses de uma gestão democrática, nada mais coerente de que seja um tipo de provimento
democrático. E não se inventou nada mais democrático do que eleição para escolher os ocupantes dos cargos e
funções no país e no mundo.

– E essa eleição seria feita pela própria comunidade escolar?

– Seria uma eleição feita pela própria comunidade escolar. E há várias formas para se coibir o político-partidário.
É saber que o político escolar é mais amplo que o político-partidário. Uma coisa que às vezes acontece é a
intromissão de partido, o que não pode haver. Mas isso tudo você pode prever. Então, devem-se examinar várias
experiências de eleição de diretores no Brasil todo. Por exemplo, a campanha eleitoral tem de ser feita numa
assembleia em que cada um dos candidatos ou as chapas dialoguem, conversando com pais, alunos,
professores e funcionários a respeito daquilo que pretendem fazer.

Deve ser apresentado um plano político-pedagógico do diretor ou da chapa diretiva para a escola para aqueles
três ou quatro anos. Tomar medidas para que não haja influência externa. Claro que tudo isso é um aprendizado,
mas é necessário que se faça. Muita gente critica que com eleição vai haver muitos conflitos, mas esses conflitos
já existiam e aparecem com a eleição. Vamos aprender a resolver democraticamente, vamos fazer democracia.
O professor que faz parte politicamente do conselho da escola não tem interesses antagônicos aos dos pais.
Eles têm interesses iguais, estão num embate político democrático para mostrar o seu ponto de vista e contribuir
por uma melhor educação. É diferente de um partido político participando de uma assembleia legislativa em que
são contrários um ao outro, mas tudo isso tem de ser aprendido democraticamente. Repetir a política partidária
na escola não funciona, mas ainda que ocorra é uma forma de superá-la, vai se repetindo e se aprendendo. A
democracia é um caminho que se faz caminhando.

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/conteudoJornal.html?
idConteudo=3770

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