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28/01/2018 Advocacia criminal: minha primeira viagem de trabalho

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Red

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 16 de agosto de 2016

Advocacia criminal: minha primeira viagem de


trabalho
Por Gabriel Bulhões

Por Gabriel Bulhões

Quando começamos a advogar, em

regra, precisamos angariar todos os

clientes que nos procuram: e não

R$ 159,80 R$ 26,30 necessariamente aqueles os quais os

problemas estão ligados à Comarca em


que está a sede física do nosso

escritório. Isso adquire contornos mais

marcantes, ainda, quando tentamos nos especializar (buscando causas exclusivamente


d d i i l)
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de uma seara, sendo, no meu caso, a criminal).
Pub
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Em razão disso, somos forçados (mas com prazer, sempre) a nos deslocar para outras

cidades e, até mesmo, outros estados para exercer nosso mister. Invariavelmente
passamos por viagens para cumprir compromissos pro ssionais que podem ir desde a

visita a um cliente custodiado em uma unidade prisional distante, passando por

diligências para fazer carga ou cópia dos autos (o que, no mais das vezes, pode ser
delegado a um advogado correspondente) é o comparecimento de atos processuais

(como audiências de instrução e julgamento).

Pois bem, aqui começa o meu relato.

Eu já havia visitado alguns clientes presos em outras cidades-satélites da capital, já havia

ainda feito diligências e audiências nessa circunscrição: a região metropolitana de Natal,


Cat
capital do Rio Grande do Norte, possui 13 municípios além da cidade-sede. Em geral, eu
já passara por todas elas a trabalho; mas, nesse dia precisei ir além.
Arti

Meu cliente, preso, respondia dois processos por crimes patrimoniais. No primeiro, um Ad
furto, ele fora acusado de subtrair loções e perfumes de um mercadinho da cidade, junto
Ci
com outro suposto comparsa, nunca encontrado. Em razão de excesso de prazo

processual, conseguimos o relaxamento da prisão. Com menos de duas semanas Co

gozando da liberdade provisória, houve um assalto em uma das pousadas da cidade


(que é litorânea e palco de um paradisíaco cenário disputado por turistas do mundo

todo).

Prontamente a casa do meu cliente foi arrombada e, apesar de todas as vítimas

a rmarem que o assaltante estava de rosto coberto o tempo todo, impossibilitando sua

identi cação, o mesmo foi levado até a cena do crime. Os dois casais que haviam sofrido

o assalto, de tão abalados que estavam, se recusaram a chegar perto do meu cliente,
apontado como suposto autor do crime, para fazer um reconhecimento. Quem precisou

reconhecer foi o dono da pousada, que sequer estava presente no momento do

ocorrido, acenando positivamente ao homem colocado ali.

O “suspeito” apontado ali pelas “forças policiais” da cidade como autor do roubo negou o

fato, a rmando que estava em casa naquela noite, sem ter se ausentado em nenhum

momento: fato con rmado pela sua mãe, que foi ouvida na lavratura do Auto de Prisão
em Flagrante. O mais curioso: as “forças policiais” da cidade se resumiam a um Agente da

Polícia Civil (APC), o qual diligenciou sozinho a apuração desse ilícito, chegando a essa

conclusão prontamente apontada.

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Apenas algum tempo depois


Sobre euArtigos
atentei para um inusitado
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esse tal APC
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havia sido o condutor e única testemunha de acusação da primeira acusação imputada Cr
ao meu cliente. Bingo! Tudo fez sentido… E aí eu me pergunto: quantos e quantas não
D
são acusado e condenados no Brasil e no Mundo, com base em falsas memórias

induzidas ou criadas, a partir da má-fé no uso do argumento de autoridade, nesses D

momentos iniciais da investigação de crimes. Mas o aprofundamento dessa re exão vai


D
car para outro momento.
D
A Comarca desses processos ca a exatos 150 quilômetros da capital, em uma estrada
D
que eu nunca havia trafegado (e que depois se mostrou com mais buracos do que eu
imaginaria). A Audiência de Instrução e Julgamento estava marcada para as 9h da D

manhã. Pensei cá com meus botões: mais de duas horas não levo para chegar lá, e se
D
levar, conto com a compreensão dos que lá estavam, pois muito disso não passaria (e eu
D
tenho uma grande di culdade em acordar antes das 6h da manhã, motivo pelo qual me

programei para sair do escritório às 7h. D

D
No dia combinado, conforme acertado, às 7h em ponto estava passando no escritório
para pegar minha estagiária, a qual estava prontamente me esperando Tudo ótimo, D
seguimos ao destino. Por volta das 8h, quando já estávamos mais ou menos na metade
En
do caminho, orientei minha estagiária para ligar para lá, avisando que estávamos à

caminho, vindo de Natal, e que talvez nos atrasássemos alguns minutos: mas que acaso Ex

ocorresse, eles já estariam cientes que eu não prejudicaria a audiência pela ausência
In
deliberada.
M

Cerca de 20 minutos depois, após diversas tentativas, eis que atendem-nos pela primeira
Po
vez. Como orientado, foi informado que nós íamos defender o acusado daquela
Audiência, que já havíamos saído de Natal há tempo e em instantes estaríamos Pr

chegando para realizar o ato que tínhamos sido contratados para fazer. Se

Quando deu 8h55 ainda estávamos cerca de 15 quilômetros distante da entrada da So

cidade. Pedi que fosse ligado de novo para a secretaria da Vara, informando que
Tr
estávamos na iminência de chegar ao local, e que atrasaríamos no máximo alguns
Aud
minutos. Estacionei na frente do Fórum e subi correndo para a sala de audiências,
abrindo a porta exatamente às 9h19. Bol

Com
Para minha surpresa e indignação: a audiência havia começado há cerca de 10 minutos,
estando ainda nos procedimentos iniciais de leitura da denúncia para as testemunhas Co
presentes (todas da acusação), com a nomeação enquanto defensor dativo dos dois
colegas advogados da cidade que ali estavam para representar os interesses de um
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colegas advogados da cidade que ali estavam para representar os interesses de um
Co
acusado que seria julgado na audiência
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Noticias da pauta. Cursos
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Ent
Entre no recinto, busquei chamar a assistente do magistrado e explicar a situação. Disse
Not
que estava vindo de Natal, havia viajado mais de duas horas e havia informado meu
trajeto pari passu à secretaria da Vara: nada disso adiantou. Foi-me informado que o Juiz At
era muito rígido e que jamais voltava atrás de uma decisão tomada (no caso, de ter
Cu
nomeado os dois defensores que lá estavam como dativo, dando início à audiência e me

impedindo de exercer o meu trabalho). Vi que ali não conseguiria grandes coisas e me Cu

retirei.
D

Desci e busquei a secretaria da Comarca (de vara única). Pedi a certidão de tudo que ali Er

estava ocorrendo, pedindo a enumeração dos seguintes pontos: i) o horário na pauta


Ev
que estava marcada a audiência que eu fui para participar; ii) a hora exata que a
Re
audiência iniciou; iii) os horários e conteúdos das informações que fornecemos via

contato telefônico durante a viagem, nas duas oportunidades; e iv) o fato de terem sido
nomeados defensores dativos diante de todo esse cenário.

Aí, eu percebi que havia alguma coisa estranha: As servidoras que ali estavam, todas
pareciam estremecidas com o meu pedido, a rmando que seriam prejudicadas pela

situação. Pensei no absurdo que seria aquilo e, após muita insistência, consegui que a
diretora da secretaria redigisse a certidão. Nesse momento, me colocaram que eu teria

que esperar o nal de todas as audiências (estava, ainda, ocorrendo a primeira de três)
para que o Juiz assinasse (pois eram ordens expressas que somente “Ele” poderia assinar
qualquer certidão “requisitada por advogado”) e eu pudesse levar minha certidão.

Não custa lembrar que é direito fundamental de todo cidadão (Art. 5º, XXXIV, b), CF).

A rmei o descabimento que era aquilo tudo e pedi vênia para eu mesmo levar a certidão

lá em cima para que o Nobre Magistrado pudesse assinar. Ao abrir a porta da sala de
audiências novamente, pude perceber a nítida irritação do magistrado por eu estar ali

“atrapalhando de novo”. Pedi licença e chamei mais uma vez a assistente do Juiz – que
veio, me escutou e levou o papel até a Sua presença. Rapidamente foi interrompida a
audiência e pela primeira vez pude me reportar diretamente a Ele.

Perguntou-me: “Com base em quê esse pedido de certidão?”. Pensei em fundamentar a

resposta no arcabouço constitucional, ou numa análise da importância do direito de


petição e certidão frente a regimes totalitários e/ou de exceção; mas, me contive e tentei

trazer o bom senso a lume. Disse que havia saído de 7h da manhã do meu escritório na
capital para viajar até aquela cidade que até então nunca havia estado tendo tido o
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capital para viajar até aquela cidade, que até então nunca havia estado, tendo tido o
cuidado ainda de avisarSobre
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sobre meu trajeto para
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Cursos mesmo não
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achasse que haveria ausência por parte desta defesa, tendo chegado (mesmo sem
ninguém ter se esforçado um milímetro para me esperar) ainda nos momentos iniciais

da audiência, quando minha involuntária ausência não tinha ainda trazido qualquer
prejuízo àquela defesa.

Meus honrados colegas advogados, constrangidos com toda aquela situação,


começaram a pressionar o magistrado, manifestando o interesse de abdicar dos poderes

então conferidos pelo Juiz, a rmando em falas incisivas que aquela situação não deveria
estar acontecendo, pois feria todas as ideias de sensatez que nossa práxis pro ssional

nos remete.

Após muita insistência, de todos os lados, o Presidente daquele ato voltou atrás; mas,
não sem antes deixar bem claro: estava fazendo aquilo ali como uma “liberalidade” sua,
uma vez que não possuía qualquer obrigação de fazê-lo. Pois bem, a rmei que ainda

assim gostaria de uma certidão atestando tudo aquilo que ali aconteceu, inclusive com o
registro de que o dativos haviam sido destituídos e eu assumira minhas funções.

Parece que eu havia ofendido alguém. Ou havia alguém ali que realmente temia o que

poderia ser feito a partir da certi cação daquele ato. Me foi indagado:

“Mas Dr., nós não já estamos fazendo ‘tudo que o senhor


queria’? Vai querer tumultuar aqui o trabalho da minha
secretaria?”

Para otimizar os trabalhos e visando evitar qualquer tipo de tensionamento ali


desnecessário ao respeito das minhas prerrogativas pro ssionais, prontamente lhe

respondi:

“Claro, abro mão dessa certidão, como um ato de


liberalidade minha!”.

Daí em diante, tudo normal. Tivemos uma audiência como outra qualquer, permeada de
respeito e consideração em todos os momentos, com todos os envolvidos, onde

prevaleceu o uso da técnica do começo ao m Ao término como um ato de cordialidade


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prevaleceu o uso da técnica do começo ao m. Ao término, como um ato de cordialidade
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pela tensão que inicialmente Noticias
desenvolvera, Colunistas
informei Cursos
que estava Editora
ali como Entrevistas
qualquer um

dos presentes, que minha intenção não era tumultuas os trabalhos então desenvolvidos
e tudo que eu zera havia sido em prol da observância das prerrogativas da defesa.
Voltei para casa com sensação de dever cumprido…

Após isso, algumas semanas depois, fui intimado e compareci para uma outra audiência.

Tratava-se do cumprimento de uma Carta Precatória expedida para realização do


interrogatório de um acusado que estava preso na capital, muito embora seu processo
estivesse sendo instruído em uma comarca muito distante dali. Aliás, no Rio Grande do

Norte, em razão da completa de ciência da escolta penal (responsável por conduzir os

presos das unidades de custódia até as audiências) essa prática se tornou comum: os
interrogatórios em regra são realizado via Carta Precatória, trazendo enormes prejuízos

à defesa e a apuração do Processo Penal aproximada da realidade. Mas isso é tema para

uma próxima re exão.

A Audiência, que acontecera no prédio do Fórum Central da capital, estava marcada para

as 14h. Como de costume, cheguei por volta de 15 minutos de antecedência: apresentei-

me na Secretaria e me dirigi à sala de audiência para esperar o início do ato.

Passados 15 minutos do horário marcado, sem haver chegado nem o Promotor nem o

Juiz no recinto, busquei o Chefe de Secretaria para perguntar o que estaria havendo.

Recebi a informação de que o Promotor já estava no prédio, realizando diligências em


outras varas, enquanto o Juiz não chegava. E o Juiz, muito embora não tenha avisado

nada sobre se atrasar, parece que não surpreendeu ninguém ali por não estar no

momento marcado.

Depois de 45 minutos do horário marcado para a audiência, chega o Promotor na sala, e

pergunta ao Chefe de Secretaria: “Ele ainda não chegou?”, tendo recebido a resposta

negativa e sentado junto à mesa de trabalhos para, igualmente, aguardar. Depois de


meia hora (ou seja, 1h 15min após o horário agendado na pauta) chega o Juiz.

Para o meu espanto, era o mesmo Juiz que estava substituindo (por ausência de
magistrado titular naquela Comarca do interior) naquela audiência em que eu “me

atrasei”. Entrou na sala de audiência com muita pressa, aparentando estar nervoso com

o próprio atraso e se justi cou:

“eu moro em Tirol[1] e o trânsito de lá para cá estava


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demais!”.
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Para sua surpresa, eu era o advogado que estava esperando, e depois de car branco

indagou:

“Inclusive, tivemos um problema parecido com esse bem


recentemente, não foi, Dr.?!”

Respondi com um aceno de cabeça ao seu sorriso amarelo e fomos aos trabalhos. A vida
tem dessas, né?!

NOTAS

[1] Tirol é um bairro que ca menos de 6 quilômetros longe do Fórum Central da capital,

tendo um percurso aproximado (pelo Google Maps) de 12 minutos de trajeto.

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