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Que é ser professor hoje?

– a profissionalidade docente revisitada


(1998).Revista da ESES, 9, Nova Série, 79-87.

Maria do Céu Roldão

A questão inicial - que é ser professor?

Abundam na literatura educacional mais recente estudos sobre a


profissionalidade docente (Nóvoa, 1989, 1991; Sacristán, 1994). Por um lado,
porque o interesse das Ciências da Educação pela profissionalidade docente tem
crescido na razão directa do reconhecimento do papel nuclear do professor em todo
o processo educativo; por outro, porque se vive de alguma forma uma crise de
identidade no seio da profissão docente, resultante da mudança rápida de papéis,
expectativas e contextos em torno dos quais a profissionalidade se estrutura.
Ainda que com alguma simplificação, podemos dizer que, historicamente, o
professor é herdeiro de um passado relativamente recente em que a sua identidade
se definia pelo domínio de um saber tendencialmente encapsulado nas disciplinas
escolares - de que era o principal detentor-, e de um poder socialmente reconhecido
- o de ser o transmissor privilegiado desse saber aos grupos sociais que dele
necessitavam para acederem - ou manterem - um estatuto relevante na sociedade.
A importância desse papel era indiscutível num tempo em que o acesso à escola se
associava, por um lado, aos posicionamentos sociais mais elevados, e em que, por
outro lado, mesmo a nível da escolaridade mais elementar, destinada à alfabetização
mínima das populações, o professor se apresentava como detentor exclusivo do
saber e do poder para ministrar esses conhecimentos básicos. Daí que, quer o
“professor de liceu” quer o “professor primário”das décadas iniciais do Estado Novo
disfrutassem, nos respectivos contextos, de um prestígio social considerável e não
contestado.
Qualquer reflexão sobre a questão da identidade profissional do professor no tempo
actual não pode deixar de considerar este passado recente, porque ele exerce ainda
uma influência poderosa no nível das representações sociais - como tem sido visível

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em alguns debates surgidos na comunicação social acerca da alegada “perda de
qualidade da escola e dos professores”, sem se ter em conta a enorme mudança
estrutural ocorrida entretanto por força do alargamento da educação a todos os
cidadãos.
Este padrão de profissionalidade docente - que correspondeu ainda aos professores
que muitos de nós tivemos como alunos - constitui-se também num referente
subconsciente poderoso para todos os que exercemos a profissão neste final do
século em que tanta coisa mudou no papel da escola e dos professores - ou pelo
menos nas expectativas e necessidades a que se espera que dêem resposta.
É um facto insofismável que o exercício da função do professor mudou. Todavia,
atrevo-me a afirmar que é igualmente inegável que, no essencial, a função
profissional não mudou…É a partir deste aparente paradoxo que partimos para a
reflexão proposta neste texto.

A caracterização da profissionalidade

A profissionalidade - entendida aqui como aquilo que caracteriza um profissional e


o distingue, quer de outro profissional, quer do técnico ou do funcionário - ,
estrutura-se, segundo diversos autores (Musgrave, 1979; Zeichner, 1993) em torno
de alguns eixos fundamentais, de que destacamos como mais significativos os
seguintes: a natureza específica da actividade exercida, o saber requerido para a
exercer, o poder de decisão sobre a acção, e ainda o nível de reflexividade sobre a
acção que permite modificá-la..
O profissional exerce assim (1) uma determinada actividade ou função socialmente
reconhecida como útil em resultado da sua finalidade, (2) para a qual tem de
dominar um conjunto de saberes, que incluem conhecimentos teóricos e práticos,
competências e capacidades específicas; (3) exerce-a com uma determinada margem
de poder e autonomia e correspondente responsabilização, ou seja , decidindo sobre
como procede profissionalmente e prestando contas dessas decisões perante a
sociedade e, em particular, os utilizadores da sua actividade e, (4) por fim, pratica a
sua actividade num quadro de desenvolvimento profissional que implica um
permanente processo de análise reflexiva que lhe permite modificar as decisões,

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ajustar os procedimentos e actualizar os saberes que as situações concretas vão
requerendo.
Não é difícil identificar de que modo estas carcterísticas não são aplicáveis ao perfil
funcional de um funcionário ou de um técnico, mesmo em níveis elevados das
respectivas hierarquias. Também parece clara a aplicação deste esquema
conceptual de análise a profissões definidas como liberais - médico, advogado,
arquitecto, psicólogo, etc. Todavia , como afirma Nóvoa (1989), a
profissionalidade enquanto tal não pode assimilar-se redutoramente ao padrão
clássico da profissão liberal que constitui apenas o referente de um determinado
modo (livre, por conta própria, etc), entre outros modos possiveis, de exercício da
prática profissional. Algumas actividades profissionais são exercidas como liberais,
ou em quadros institucionais, ou empresariais. Outras profissões aproximam-se
mais do domínio da livre criação
( no campo do cinema, teatro, artes, por exemplo) e a sua prática caractertiza-se por
níveis mais largos de autonomia, na decorrência da própria natureza da actividade.
Contudo, o que permite identificar uma profissão não deixa de resultar da presença
dos quatro eixos definidores da profissionalidade acima referidos, ainda que
articulados e exercidos de formas muito diversas.
Quando pensamos na profissão docente, deparamo-nos com um quadro histórico e
uma representação social de certa ambiguidade, na medida em que o exercício da
profissão docente se tem aproximado, de forma variável e em contextos diferentes,
ora a um estatuto mais próximo do do funcionário, ora do técnico ou , pelo
contrário, socialmente idealizado em termos mais próximos do artista ou do
missionário. Por alguma razão é tão frequente, entre professores, formadores e
público em geral, a referência à “vocação” e ao “geito” para ser professor - o que
não nos ocorre dizer tão facilmente a respeito do médico ou do arquitecto, por
exemplo, embora também essas profissões requeiram, como todas, um nível
satisfatório de motivação e empenhamento.
Não cabe nos propósitos deste artigo uma análise socio-histórica deste complexo e
fascinante percurso da construção da profissionalidade docente, análise que pode ser
excelentemente aprofundada em Nóvoa (1989; 1991), Giméno Sacristán ( 1994)ou
Donald Schön (1987).

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Pretendemos com esta reflexão inicial situar a questão em contexto, partindo dos
pressupostos seguintes:
1) O professor define-se como um profissional da educação
2) Qualquer profissionalidade incorpora a sua história e interage com quadros
sociais dinâmicos e evolutivos.
3) A profissionalidade implica a construção colectiva de uma cultura profissional
que define a pertença do profissional ao grupo.

O professor como profissional de educação: função, saber, poder e


reflexividade

Considerar a actividade do professor no quadro de uma profissionalidade implica


analisar como se operacionalizam na actividade que exerce os caracterizadores da
profissão que se enunciaram no início.

Função

Podemos, assim, perguntar-nos em que consiste precisamente a função específica


e carActerizadora do professor que o distingue de outras profissões. Se recorrermos,
como exercício, à economia que caracteriza a língua inglesa, temos que para o
conceito teacher a acção correspondente é obviamente teaching. E curiosamente o
francês utiliza um mesmo verbo - apprendre - para significar tanto o ensinar como o
aprender.
Pensando em termos de profissionalidade, o professor poderá definir-se, no
essencial, como aquele que ensina. Entre nós, esta afirmação simples desencadeia
de imediato alguma reserva ou mesmo contestação, na medida em que se conota o
termo ensinar, por razões históricas compreensíveis, com a mera acção expositiva,
divorciada ou desinteressada da aprendizagem.
Do meu ponto de vista, é tempo de recolocar a acção de ensinar no seu legítimo e
original sentido: ensinar significa fazer aprender. Trata-se de uma acção transitiva,
que não existe se não se exercer sobre alguém e alguma coisa. Ou seja não só
ensinar significa fazer aprender, como fazer aprender alguma coisa a alguém.

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Ou será que expôr ou desenvolver ideias ou conteúdos, por exemplo, num texto ou
num diário, se pode considerar ensinar? Ou fazer uma excelente
análise/apresentação de informação perante um público que apenas ouve é
equivalente a ensinar? Julgo que concordaremos que não.
O que caracteriza e distingue o acto de ensinar, desde o tempo dos nossos
antepassados gregos, escravos feitos pedagogos na antiga Roma, passando pelas
diversíssimas formas e finalidades que ensinar tem assumido em sociedades e
épocas diferentes, é esta difícil competência de fazer aprender. Pelo
questionamento, pela pesquisa, pela narrativa, pela exposição, pela exemplificação,
pela experiência, pela leitura orientada - sempre o professor é professor porque
ensina, é professor porque o trabalho que dele se espera é gerar e gerir formas de
fazer aprender, mesmo se, por vezes, o não consegue com sucesso. Também a
função profissional do médico consiste na promoção da saúde e na cura da doença,
mesmo quando o doente não se cura ou a medicação foi inadequada.
Fazer aprender pressupõe a consciência de que a aprendizagem ocorre no outro e só
é significativa se ele se apropriar dela activamente. Por isso mesmo são precisos
professores. Se a aprendizagem fosse automática, espontânea e passiva, o professor
seria desnecessário. Se, para aprender, bastasse proporcionar informação, seria
suficiente ter posto os livros nas mãos dos alunos ou disponibilizar-lhes hoje
tecnologias da informação. Mas é justamente porque aprender é um processo
complexo e interactivo que se torna necessário um profissional de ensino - o
professor.

Saber

A segunda carcterística definidora de qualquer profissão é o seu saber específico,


sem o domínio do qual a actividade não pode ser exercida. Na profissão docente,
esta é uma área complexa, porque requer a integração adequada de um leque
diversificado de saberes. O saber que caracteriza a função profissional de ensinar é,
necessariamente aquilo que aqui designaremos por saber educativo. Este saber
particular - que permite ao profissional exercer a função que dele se espera - não
pode ser assimilado ao mero domínio de conhecimentos científicos relativos aos
conteúdos escolares, nem reduzido aos conhecimentos científicos e metodológicos

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do campo das ciências da educação, ainda que os exija. Tão pouco se pode limitar
ao praticismo pragmático directamente resultante do domínio de técnicas e rotinas
de ensinar. O saber educativo consiste na mobilização de todos esses saberes em
torno de cada situação educativa concreta no sentido da consecução do objectivo
definidor da acção profissional - a aprendizagem do aluno. Desta mobilização
reflectida e ajustada de saberes prévios (gestão de saber), resulta, por sua vez, a
emergência de saber específico da profissão, que nasce do exercício da mesma e da
dialéctica saberes/situações que o acto de ensinar envolve (produção de saber).

Poder

O exercício de uma profissão caracteriza-se também pelo poder sobre o conteúdo do


trabalho exercido. O profissional define-se pelo grau de autonomia e pela
possibilidade de decisão que detém sobre o objecto do seu trabalho. Poucas vezes
se fala de ensino activo, conceito que me parece relevante no exercício da profissão,
se o considerarmos como oposto de exercício passivo de um conjunto de práticas de
ensino decididas por outros. É pelo poder que se tem sobre o que se faz, pela
possibilidade de optar e decidir quanto à adequação ou modificação da acção que se
realiza, com fundamento no saber que se possui e tendo em vista o desempenho da
função que se pretende assegurar, que é possível desenvolver uma prática
verdadeiramente profissional.
O grau de poder profissional dos professores pode ser mais ou menos limitado por
razões extrínsecas (sistema centralizado, imposição de manuais ou outros materiais
de trabalho, controle ideológico, etc) ou por razões intrínsecas do seu
posicionamento pessoal na profissão (por exemplo, evitar as decisões, prevenir
riscos, adoptar procedimentos passivos ou rotineiros). Umas e outras podem ser
condicionadas, encorajadas ou modificadas por muitos factores culturais,
organizacionais e políticos, com os correspondentes efeitos na identidade
profissional do professor.

Reflexividade

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Intimamente associada ao poder sobre a sua prática - que nada tem a ver com uma
lógica de auto-permissividade mas antes com um estatuto de exigência profissional
assumido - está uma outra dimensão, amplamente desenvolvida por toda a linha de
estudos sobre as questões da profissionalidade docente desenvolvidos por Donald
Schön(1987) )e .K.M. Zeichner (1993), entre outros - a reflexividade.
O pleno exercício de uma profissão pressupõe a possibilidade, a necessidade e a
capacidade de o profissional reflectir sobre a função que desempenha, analisar as
suas práticas à luz dos saberes que possui e como fontes de novos saberes,
questionar-se e questionar a eficácia da acção que desenvolve no sentido de
aprofundar os processos e os resultados, os constrangimentos e os pontos fortes, a
diversidade e os contextos da acção, re-orientando-a, através da tomada
fundamentada de decisões, ou da “gestão de dilemas”, na expressão de Giméno
Sacristán (1994).

Mudança e permanência na profissionalidade docente

Importa então retomar o aparente paradoxo com que se iniciou esta reflexão - o que
mudou e o que permanece na profissão professor?
As mudanças são sobejamente conhecidas e têm de articular-se com as alterações
profundas ocorridas na sociedade, por um lado, e, consequentemente, no papel
social da instituição escolar e no conteúdo mesmo da sua actuação: o currículo, ou
seja, o conjunto organizado e finalizado daquilo que se espera que a escola faça
aprender aos que a frequentam.
Identificam-se, na origem de todas estas mudanças, factores económicos e sociais - a
ineficácia das respostas tradicionais da escola face à complexidade crescente das
sociedades actuais, a pressão económica para responder às mudanças estruturais - e
extremamente complexas - do mercado de trabalho e da globalização da economia
constituem apenas alguns dos factos novos com que a escola e os professores
actualmente se confrontam.
Por outro lado, dimensões políticas e culturais integram também esta complexidade
de factores. As sociedades e os sistemas políticos vêem-se perante a emergência de
novas conflitualidades, potenciais ou expressas, inerentes ao carácter cada vez mais

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multicultural e multiétnico das sociedades modernas, a par do conflito entre o
esbatimento das fronteiras políticas tradicionais dos estados e a reafirmação de
nacionalismos ou regionalismos muitas vezes com contornos fundamentalistas. As
respostas da escola e o seu papel social atravessam assim uma profunda mudança
situada na interface entre a oferta de uma base cultural sólida comum mas
integradora das diferenças e aquilo que parece ser a necessidade de oferecer
currículos diferenciados - leia-se as aprendizagens de todos os tipos que serão
necessárias a indivíduos diferentes como cidadãos iguais neste tipo de sociedades.
O professor que, num passado não muito distante, trabalhava com e, sobretudo, para
o sucesso de uma faixa restrita e relativamente homogénea da sociedade, tem hoje
uma diversidade de públicos considerável. A finalidade da sua acção não se limita
mais à confortável percentagem de sucesso para 60 a 70% dos alunos ditos
“médios” e “bons” (que o seriam quase “naturalmente”) , mas situa-se na procura de
tornar a educação efectiva e de qualidade para todos - num tempo em que o direito
de todos tem que passar dos princípios aos factos, mas em que esses todos são cada
vez mais diferentes.
O avanço do que poderemos considerar a revolução comunicacional acarreta, por
sua vez, mudanças rapidíssimas e de impactos imprevisíveis que todavia não
dispensam, antes requerem, a formação e educação dos indivíduos para a gestão da
informação disponível a uma escala antes impensável e a sua capacitação para o uso
de tecnologias cada vez mais sofisticadas. Tmbém esta mudança estrutural requer
novas conceptualizações do que se pede que a escola não só torne acessível a todos,
mas inteligível por todos, num mundo em que não aceder à informação definirá cada
vez mais a irremediável exclusão (Comissão Europeia, 1995) , gerando os “novos
descamisados do conhecimento”, na expressão recentemente usada por Marçal Grilo
a este propósito.
A própria concepção dos saberes científicos, na base dos quais se construiu
tradicionalmente o currículo escolar, atravessa hoje uma mudança de paradigma
(Kuhn, 1993; Popper, 1988; Santos, 1987) na perspectiva da ciência pós-moderna,
em que matrizes unificadoras, tidas por estáveis, dão lugar a matrizes
diferenciadoras, contingentes e conjecturais. Os saberes disponíveis, outrora
encapsulados de forma simplificada nas disciplinas escolares, extravasam hoje esses
limites, modificam-se e complexificam-se a um ritmo acelerado. Tais mudanças

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apelam a um domínio mais consistente e construtivo do conhecimento, exigindo da
escola e dos professores não já os saberes enciclopédicos de outrora , mas saberes
de referência e ensino de processos que permitam aos alunos continuar a progredir
no conhecimento autonomamente.

De toda esta transformação decorrem inegáveis mudanças no exercício da profissão


docente no que se refere ao exercício da profissionalidade que vimos tentando
caracterizar. Contudo, essas características sempre definiram o ser professor -
aquilo que vem mudando é o grau de consciência crítica dos próprios profissionais
face a essas componentes da profissionalidade e o que é diferente é o que
socialmente se enfatiza ou valoriza relativamente a cada uma delas: quanto à
função (ensinar, mas expondo? ou ensinar, facilitando? ou ensinar,
proporcionando experiência?); quanto ao saber educativo (centrado no domínio
científico? na relação pedagógica? na clareza do pensamento? na capacidade de
organizar o trabalho produtivamente? ); quanto ao poder de decisão (centrado no
modo de fazer? na criação de situações inovadoras? apenas na decisão
classificativa? ou só na escolha do manual que se segue passivamente?); e quanto à
reflexividade (na modificação de estratégias em contextos diferentes? na reinvenção
de soluções em anos e turmas diversas? no confronto com as práticas dos colegas?
no debate científico e pedagógico?).
Não concluo todavia com um tom relativizador aparentemente optimista. As várias
leituras da profissão ao longo dos tempos não se equivalem e algumas têm afastado
lamentavelmente o docente do estatuto de profissional de pleno direito.

Algumas implicações do conceito de profissionalidade na prática docente

Em jeito de síntese, decorre de toda esta reflexão o reconhecimento de que estamos


perante uma nova relação do professor com a sua profissão, nomeadamente no que
se referE ao currículo com que trabalha. Esta mudança emerge essencialmente a
dois níveis: quanto ao seu papel de decisor e gestor do processo curricular e na
imperiosa necessidade de se entender o currículo como uma unidade integradora
do que se quer fazer aprender a todos os alunos de forma eficaz e não mais como
uma espécie de propriedade solitária de uma disciplina que se justificava por si e

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não em função do direito do aprendente aos saberes diversos de que irá necessitar
como cidadão de um mundo cada vez mais complexo e mutável.
Outra implicação refere-se ao conceito mesmo de escola, chamada, por força da
complexidade social e da diferença de contextos, a instituir-se em centro
fundamental de decisão educativa e de gestão curricular diferenciada e
contextualizada, em relação interactiva com as envolventes sociais e com outras
instâncias e parceiros sociais e educativos, não apenas no espaço local próximo mas
aos diversos níveis das agências produtoras de saber e de competências, qualquer
que seja o seu âmbito.
A escola está a tornar-se afinal o locus privilegiado da gestão das dialécticas
curriculares e o gerador de novas culturas educativas.
Parece assim clara a necessidade de reconceptualização dos papéis e lógicas de
trabalho dos profissionais docentes. A investigação educacional vem apontando há
muito (Goodlad, 1984) o trabalho colaborativo sistemático como um dos
indicadores mais fiáveis da qualidade da oferta educativa das escolas. É nesse
sentido que terá de evoluir a nossa prática institucional e profissional, bem como a
própria concepção da formação, distanciando-se da ideia repetidamente invocada e
persistentemente inoperante de “formar para” cada situação nova pontual ou para
cada alteração surgida no sistema ou na escola.
Tratar-se-á cada vez mais de “formar em” e de “formar com”, de modo a que sejam
os profissionais a gerir colaborativamente os processos de formação,
contextualizando-a, assumindo iniciativas, mobilizando recursos e saberes onde
existam, munindo-se de competências significativas e operacionalizáveis que lhes
permitam, de facto, formar-se continuadamente ao longo de todo o percurso do seu
desenvolvimento profissional
A diversificação dos públicos escolares nas sociedades actuais tem de ser
concebida, do ponto de vista educativo, como base para uma estratégia de
diferenciação curricular orientada para a subida do nível de qualidade real da
aprendizagem de todos os alunos e não como uma espécie de “streaming” oculto,
em que, a pretexto de diferenciar, se reduz o nível de aprendizagem e de exigência
para uns - os portadores de diferenças, os mais difíceis, etc - e se acentua a selecção
social dos que melhor se adaptam à norma.

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Romper esta lógica e inventar - porque de algo realmente novo se trata - os modos
de educar melhor, mais e mais adequadamente, mais e cada vez mais diferentes
alunos, constitui o desafio inevitável a que a escola e os profissionais docentes do
presente, e sobretudo do futuro, terão de dar resposta.
A profissionalidade dos professores em Portugal tem tido, ao longo de décadas, por
razões que certamente o explicam, um esbatimento considerável, em favor de uma
lógica encorajadora do que Nóvoa designa por “funcionalização da profissão”. O
contexto de mudança actualmente visível na educação em todos os sistemas
ocidentais não é, por si só, orientado para o reforço da profissionalidade. Oferece
sim situações e problemas novos que possibilitam a emergência de condições mais
favoráveis a esse reforço ou que podem, pelo contrário, conduzir á redução maior
dos docentes a um estatuto passivo de simples executantes de políticas
massificadoras.
Da massa crítica dos docentes, da sua capacidade para gerirem colaborativamente
uma indispensável diferenciação de práticas, do aprofundamento e troca dos seus
saberes e da qualidade e reforço da identidade e da cultura profissional, em todas as
dimensões que a definem, dependerá o futuro da profissão. Como sublinhava
Nóvoa já em 1989 (74), “a aceitação desta diferenciação no seio do professorado
obriga a pôr em causa uma espécie de “normalização pela mediania” que caracteriza
a profissão docente e a assumir desafios bem mais complexos. Obriga a pôr em
causa o estatuto de funcionários públicos e a imaginar um outro futuro para os
professores”.

REFERÊNCIAS

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Educa.

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longo da Vida.

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Giméno Sacristán,J. (1994, 4ª ed). El Curriculum: una reflexión sobre la práctica.
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Goodlad, J. (1984). A Place Called School. London: McGraw.

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Lisboa: ISEF.

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Zeichner, K.M. (1993). A Formação Reflexiva de Professores: Ideias e práticas.


Lisboa: Educa

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