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Resumo
Este artigo reflete as preocupações da autora quanto à sua área de atuação profissional. Diante
das demandas colocadas ao professor, cabe refletir sobre que conhecimentos mínimos deve
deter, que procedimentos deve aplicar, que resultados obter, dentre outras questões que se
colocam a qualquer categoria profissional. Ao longo da história do processo de escolarização,
observa-se que a dificuldade da profissionalização da profissão docente reside nas mutantes
fases e significados que teve a educação no Brasil, e assiste-se à degradação do estatuto, dos
rendimentos e da sua autonomia. As contribuições de Perrenoud (2001), Tardif (2002) e
Nóvoa (1992) para o debate teórico, levam-nos às hipóteses de que a questão do desprestígio
da profissão docente tem raízes históricas, e está vinculado ao significado dado à educação em
determinado momento histórico; que a formação de professores é o momento-chave da
socialização e da configuração profissional; que o saber da experiência pode conferir maior
autonomia profissional ao professor, e juntamente com outras competências profissionais
viabilizar o processo de profissionalização. Desta forma, o artigo apresentará inicialmente um
breve levantamento histórico da evolução da escolarização brasileira desde os tempos
coloniais, procurando identificar questões que se colocam à profissionalização docente. Num
segundo momento, abordará aspectos da formação docente que podem ser revistos, contando
assim com as propostas dos autores citados. Finalmente, verificar-se-á se o saber da
experiência pode viabilizar esse processo. Este estudo revelou que os três autores têm em
comum o reconhecimento de que o contexto em que o profissional atua deve se modificar, a
cultura das instituições deve ser considerada e deve-se buscar uma verdadeira parceria entre
professores, universidades formadoras e responsáveis pelo sistema educacional, para que o
desenvolvimento de uma verdadeira profissionalização do professor seja realidade.
1
Agradecimentos à professora Edil Vasconcelos de Paiva (UERJ), cujo rigor metodológico ao ministrar a
disciplina “Conhecimento e Saber Docente”, possibilitou a escrita deste texto.
2
Integrante do grupo de pesquisa “Centro de Memória Ferreira Vianna: documentação, ensino e infância
trabalhadora (1888 – 1942)” – FE/UFRJ; graduanda em História (UNIRIO/2013). E-mail:
marizagama@ig.com.br.
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Introdução
3
Para Perrenoud, uma profissão total, ou plena, não limita a competência ao domínio dos saberes; não identifica
os saberes eruditos com os conhecimentos declarativos e conferem status aos saberes procedimentais; reconhece
o papel do habitus e dos saberes adquiridos na prática, porém tenta controlar sua gênese, formando uma prática
reflexiva (2001, p. 160).
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definem um ofício em si. A definição que melhor atende às questões sobre profissionalização
que este texto pretende discutir é a de Mark Ginsburg, apropriado por Nóvoa: “A
profissionalização é um processo através do qual os trabalhadores melhoram o seu estatuto,
elevam os seus rendimentos e aumentam o seu poder/autonomia”. (apud NÓVOA, 1992, p.
23).
Feitas essas considerações, este texto pretende mostrar que:
a) A questão do desprestígio da profissão docente tem raízes históricas, e está
vinculado ao significado dado à educação em determinado momento histórico.
b) A formação de professores é o momento-chave da socialização e da configuração
profissional.
c) O saber da experiência pode conferir maior autonomia profissional ao professor, e
juntamente com outras competências profissionais viabilizar o processo de
profissionalização.
jesuítas também formava sacerdotes; e os que não queriam seguir a carreira sacerdotal, os
letrados, seguiam seus estudos a nível superior na Universidade de Coimbra.
A classe dirigente aos poucos foi tomando consciência do poder dessa educação na
formação de seus representantes políticos junto ao poder público, e assim a educação passou a
ter utilidade. A obra de catequese, que em princípio constituía o objetivo principal da
presença da Companhia de Jesus no Brasil, acabou gradativamente cedendo lugar em
importância à educação da elite, impregnada de uma cultura intelectual transplantada,
alienada e alienante.4 Observa-se que desde essa época já se evidencia a separação entre os
produtores e os transmissores do saber, sendo destinado aos primeiros educadores realizar um
bom trabalho técnico e pedagógico.
Em 1759 os jesuítas foram expulsos de Portugal e de seus domínios, pois surgiu um
descontentamento geral devido ao fanatismo religioso, que promovia o “atraso cultural”;
também contribuíram para isso a decadência econômica do Reino Unido e a expansão das
ideias anticlericais do Marquês de Pombal. De 1759 a 1772 foram inúmeras as dificuldades
para a criação de um novo sistema educacional, pois os educadores, de formação religiosa,
não foram substituídos de imediato. Assim, transcorreram 13 anos depois da expulsão dos
jesuítas, até a nova estruturação. Leigos começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado
assumiu pela primeira vez os encargos da educação.5 A assunção do ensino pelo Estado
provoca à imagem do professor o que Nóvoa coloca em relação a Portugal:
Pode-se dizer que a imagem que se tem hoje do professor está estigmatizada pela
relação da Igreja com a educação, interferindo no processo de profissionalização da categoria.
Confirma Nóvoa que “algumas pessoas têm do ensino a visão de uma atividade que se realiza
com naturalidade, isto é, sem necessidade de qualquer formação específica” (1992, p. 21). Tal
4
Cfe. Romanelli, 1997. Embora a produção em História da Educação dos últimos anos indique novos horizontes
interpretativos, não se pode ignorar o pioneirismo da obra de Romanelli, que orientou diversas formações,
inclusive dos que ampliaram o debate no campo.
5
Idem.
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visão é consequência de uma história recente, pois em algumas regiões do país ainda há
professores leigos, ou sem formação específica, devido à carência de profissionais; e os
mesmos ainda têm a permissão do Estado e são por ele recrutados. Isso logicamente não
ocorre com outras profissões como a de engenheiro e médico, por exemplo; pelo contrário, há
programas governamentais em vigor que oferecem salários bastante atrativos para médicos
que se candidatarem a trabalhar no interior do Brasil.
No século XIX, período da Regência, surgiu no Brasil uma classe intermediária na
sociedade, formada por indivíduos ligados ao jornalismo, às letras e à política. Foi um período
bastante conturbado, pois essa camada possuía uma visão mais crítica da realidade, e percebia
o valor da educação como um instrumento de ascensão social. No entanto, o tipo de ensino
que essa classe procurava era o mesmo da classe dominante, por ser o único que classificava.
Com a presença do príncipe regente D. João no Brasil por doze anos, sensíveis mudanças
ocorreram no quadro de instituições educacionais da época, sendo a principal a criação dos
primeiros cursos superiores não teológicos da colônia.
Na segunda metade do século XIX, o Capitalismo Industrial engendra a necessidade
de fornecer conhecimento a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da
própria produção, seja pelas necessidades do consumo que essa produção acarreta. Tornou-se
condição de sobrevivência do sistema capitalista industrial ampliar a sua área social de
atuação; e isso só é possível na medida em que as populações possuam condições mínimas de
concorrer no mercado de trabalho e de consumir. Assim, a educação toma impulso e
abrangência.
Pode-se concluir assim, que a dificuldade da profissionalização da profissão docente
reside nas mutantes fases e significados que teve a educação no Brasil, ao longo da sua
história. Por vezes serviu para cultivar as coisas do espírito, outras vezes alimentou os
interesses de ascensão da elite, depois foi “democratizada” para atender aos interesses do
Capitalismo Industrial, e atualmente atende aos interesses de uma economia globalizada
regulada pelo Mercado. A esse respeito, declara Tardif:
Os saberes transmitidos pela escola não parecem mais corresponder, senão de forma
muito inadequada, aos saberes socialmente úteis no mercado de trabalho. Tal
situação pode conduzir ao desenvolvimento de uma lógica de consumo dos saberes
escolares. A instituição escolar deixaria de ser um lugar de formação para tornar-se
um mercado onde seriam oferecidos aos consumidores saberes-instrumentos,
saberes-meios, um capital de informações mais ou menos úteis para o seu futuro
‘posicionamento’ no mercado de trabalho e sua adaptação à vida social
(TARDIF, 2002, p. 47).
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Correntes de origens diversas lutam por uma maior autonomia dos professores, no
quadro da afirmação de um profissionalismo docente. Nóvoa, por exemplo, propõe que
situemos a nossa reflexão para além das “clivagens tradicionais” (componente científico &
pedagógico, disciplinas teóricas & disciplinas metodológicas), sugerindo novas maneiras de
pensar a problemática da formação de professores. Para ele, algo pode ser feito no terreno da
formação continuada, pois a formação de professores pode desempenhar um papel importante
na configuração de uma nova “profissionalidade” docente, estimulando a emergência de uma
cultura profissional no seio do professorado e de uma cultura organizacional no seio das
escolas (1992, p. 24). Assim, sua proposta resume-se na valorização dos grupos e das pessoas,
numa perspectiva de educação continuada; estímulo à perspectiva crítico-reflexiva e
autoformação participada. Tal formação pode ser conjugada com uma formação do tipo
clínico, proposta por Perrenoud (1991) e do tipo investigativo, preconizada por Elliott (1990).
Enfim, a formação de professores é um dos componentes da mudança, pois o contexto em que
esse profissional atua deve também se modificar.
Perrenoud (2001) estabelece uma relação interessante entre profissionalização docente
e desenvolvimento de competências profissionais. Para ele, competência é capacidade de
ação. Manifestar competências profissionais diante de uma situação complexa é ser capaz de:
6
Termo usado por Mark Ginsburg (apud NÓVOA, 1992, p. 24).
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identificar os obstáculos, considerar diversas estratégias, optar pela estratégia “menos ruim”,
planejar e implementar a estratégia adotada, coordenar a implementação, reavaliar a situação
e se necessário mudar a estratégia, respeitar princípios legais ou éticos durante o processo,
controlar as emoções sempre que interferirem na eficácia ou na ética, cooperar com os outros
profissionais, extrair ensinamentos e documentar as operações e as decisões. Assim como não
podemos conceber o profissional como um simples especialista que segue uma determinada
rotina sem pensar muito no que está fazendo, não podemos imaginá-lo como um simples
detentor de saberes que se limita a colocá-los em prática. “Sem essa capacidade de
mobilização e de atualização dos saberes, não há competência, mas apenas conhecimentos”
(PERRENOUD, 2001, pp. 139 - 141).
Segundo o autor, na educação, alguns professores acreditam que seja suficiente
dominar os conteúdos para ensiná-los, e mesmo quando admitem que as competências exigem
mais do que o domínio de saberes eruditos ou de senso comum, as tratam como talentos
pessoais ou como habilidades menores em relação aos prestigiados saberes acadêmicos. Isso
explica o pouco investimento na formação de competências de alto nível do professor, em
comparação com outras profissões. Perrenoud (2001) acredita que a natureza das
competências, dos saberes e da relação com o saber está no cerne do processo de
profissionalização, e que se o ensino continua sendo uma semiprofissão, isso se deve à
natureza semiprofissional das competências e dos saberes. Afirma que a formação
profissional dos professores de hoje não os prepara para lutar contra o fracasso escolar, para
individualizar percursos, para diferenciar suas intervenções, para apreender a dinâmica e a
trajetória particular de cada aprendiz. A profissão não tem nenhum discurso substancial sobre
o que os professores sabem sobre a natureza de seus alunos, sobre os saberes escolares e sua
transposição didática, a relação intersubjetiva na gestão da classe, o tratamento das diferenças,
negociação e o contrato (op. cit., p. 160 - 163).
Os saberes dos professores são pouco compartilhados; não são comparados com os
outros. Como “combatentes solitários”, os professores não falam do que sabem fazer (idem, p.
164). Assim pensa também Nóvoa (1992, p. 26), que declara: “A organização das escolas
parece desencorajar um conhecimento profissional partilhado dos professores, dificultando o
investimento das experiências significativas”.
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A categoria habitus, desenvolvida por Bourdieu (1987), é aqui apropriada por Perrenoud como o conjunto de
esquemas que permite aos professores resolver os problemas da mesma maneira. Perrenoud amplia a noção de
saber ou de conhecimento de modo a englobar o habitus e o conjunto dos esquemas operatórios. Para ele, na
espécie humana os esquemas de alto nível são aprendidos, isto é, se desenvolvem a partir da formação e
posteriormente da prática do profissional.
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Considerações Finais
REFERÊNCIAS
ELLIOT, John. Teachers as researchers: implications for supervision and form teacher
education. Teachin & teacher education, v. 6, n. 1, p. 1-26, 1990.
______. Le rôle d’une initiation à la recherche dans la formation de base des enseignantes. In:
IUFM. La place de la recherche dans la formation des enseignantes. Paris: INRP, 1991. p.
91-121.