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A PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE1

OLIVEIRA, Mariza da Gama Leite de2 - UFRJ/UNIRIO

Grupo de Trabalho – Formação de Professores e Profissionalização Docente


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este artigo reflete as preocupações da autora quanto à sua área de atuação profissional. Diante
das demandas colocadas ao professor, cabe refletir sobre que conhecimentos mínimos deve
deter, que procedimentos deve aplicar, que resultados obter, dentre outras questões que se
colocam a qualquer categoria profissional. Ao longo da história do processo de escolarização,
observa-se que a dificuldade da profissionalização da profissão docente reside nas mutantes
fases e significados que teve a educação no Brasil, e assiste-se à degradação do estatuto, dos
rendimentos e da sua autonomia. As contribuições de Perrenoud (2001), Tardif (2002) e
Nóvoa (1992) para o debate teórico, levam-nos às hipóteses de que a questão do desprestígio
da profissão docente tem raízes históricas, e está vinculado ao significado dado à educação em
determinado momento histórico; que a formação de professores é o momento-chave da
socialização e da configuração profissional; que o saber da experiência pode conferir maior
autonomia profissional ao professor, e juntamente com outras competências profissionais
viabilizar o processo de profissionalização. Desta forma, o artigo apresentará inicialmente um
breve levantamento histórico da evolução da escolarização brasileira desde os tempos
coloniais, procurando identificar questões que se colocam à profissionalização docente. Num
segundo momento, abordará aspectos da formação docente que podem ser revistos, contando
assim com as propostas dos autores citados. Finalmente, verificar-se-á se o saber da
experiência pode viabilizar esse processo. Este estudo revelou que os três autores têm em
comum o reconhecimento de que o contexto em que o profissional atua deve se modificar, a
cultura das instituições deve ser considerada e deve-se buscar uma verdadeira parceria entre
professores, universidades formadoras e responsáveis pelo sistema educacional, para que o
desenvolvimento de uma verdadeira profissionalização do professor seja realidade.

Palavras-chave: Profissionalização Docente. Formação Docente. Saber da Experiência.

1
Agradecimentos à professora Edil Vasconcelos de Paiva (UERJ), cujo rigor metodológico ao ministrar a
disciplina “Conhecimento e Saber Docente”, possibilitou a escrita deste texto.
2
Integrante do grupo de pesquisa “Centro de Memória Ferreira Vianna: documentação, ensino e infância
trabalhadora (1888 – 1942)” – FE/UFRJ; graduanda em História (UNIRIO/2013). E-mail:
marizagama@ig.com.br.
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Introdução

Perrenoud (2001) classifica a profissão de professor como uma “semiprofissão"; como


um ofício em vias de profissionalização. Justifica-se esta colocação do autor pelo fato de
faltar à profissão docente uma base de conhecimentos teóricos e procedimentais comuns e
uma explicitação dos próprios esquemas e das formas de desenvolvê-los e avaliá-los, como
ocorre em outras profissões. Pode-se dar como exemplo profissões de maior prestígio social,
como, por exemplo, advogados, médicos e engenheiros. Percebe-se que nestas profissões há
maior “controle de qualidade” na formação, estágios supervisionados com grande carga
horária prática e acompanhamento, código de ética e Conselhos que regulam as normas
profissionais, a quem se pode recorrer no caso de má conduta profissional; os conhecimentos
que tais profissionais devem deter são bem definidos e mensuráveis, pois qualquer erro no
exercício da profissão pode acarretar conseqüências desastrosas.
Com relação ao professor, que conhecimentos mínimos deve deter? Que
procedimentos ele deve aplicar? Que resultados obter? Quem regula as normas de conduta?
Qual é o seu código de ética? Perrenoud associa o termo “semiprofissão” a “profissões que
respondem a alguns critérios e não a outros, ou satisfazem razoavelmente cada um deles”
(2001, p. 137); pode-se inferir que este seja o caso da enfermagem, do serviço social e do
ensino.
Não obstante outras profissões da área de ciências humanas também sofrerem esse
impasse, a profissão docente necessita diminuir a ambiguidade dos saberes que o profissional
deve deter, bem como definir procedimentos comuns para atuação, pois todos os debates
sobre formação de professores trazem representações muito distintas, que vão desde “as
ideologias do dom ao racionalismo prematuro” (PERRENOUD, 2001, p. 136). Isto é, há
correntes que defendem que ensinar se trata de um talento pessoal, e outras que falam a língua
da engenharia didática ou da ciência do ensino.
Do ponto de vista estático, profissionalização é o grau em que um ofício manifesta as
características de uma profissão; do ponto de vista dinâmico, é o grau de avanço da
transformação estrutural de um ofício, no sentido de uma “profissão total” (ibid., p. 137)3. A
definição de profissionalização de Perrenoud aproxima-se mais das características que

3
Para Perrenoud, uma profissão total, ou plena, não limita a competência ao domínio dos saberes; não identifica
os saberes eruditos com os conhecimentos declarativos e conferem status aos saberes procedimentais; reconhece
o papel do habitus e dos saberes adquiridos na prática, porém tenta controlar sua gênese, formando uma prática
reflexiva (2001, p. 160).
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definem um ofício em si. A definição que melhor atende às questões sobre profissionalização
que este texto pretende discutir é a de Mark Ginsburg, apropriado por Nóvoa: “A
profissionalização é um processo através do qual os trabalhadores melhoram o seu estatuto,
elevam os seus rendimentos e aumentam o seu poder/autonomia”. (apud NÓVOA, 1992, p.
23).
Feitas essas considerações, este texto pretende mostrar que:
a) A questão do desprestígio da profissão docente tem raízes históricas, e está
vinculado ao significado dado à educação em determinado momento histórico.
b) A formação de professores é o momento-chave da socialização e da configuração
profissional.
c) O saber da experiência pode conferir maior autonomia profissional ao professor, e
juntamente com outras competências profissionais viabilizar o processo de
profissionalização.

Raízes históricas do desprestígio da profissão docente

Tanto em Portugal como no Brasil, o magistério se constitui em profissão graças à


intervenção e ao enquadramento do Estado, que substituiu a Igreja como entidade de tutela do
ensino. Nóvoa (1992) faz algumas considerações a esse respeito com relação ao ensino em
Portugal, que ora serão exploradas neste artigo; porém, acredita-se que no Brasil, tanto no
período colonial, imperial e republicano, seguiu-se a mesma trajetória com relação ao
desenvolvimento da profissão docente.
De 1500 a 1759 imperou no Brasil a educação jesuítica, que tinha como objetivo
principal a catequese. O conteúdo cultural transportado de Portugal para a colônia brasileira
era destinado a uma minoria dos donos de terras e senhores de engenho, excluindo-se desse
público as mulheres e os filhos primogênitos, os quais deveriam assumir a direção dos
negócios da família. Até então, a educação era humanista, destinada a dar cultura geral básica,
sem a preocupação de qualificar para o trabalho. A educação se manteve fechada e irredutível
ao espírito crítico e de análise, à pesquisa e à experimentação. De cunho literário e humanista,
a educação servia apenas para dar “brilho à inteligência dos desocupados sociais”. “O ensino,
assim, foi conservado à margem, sem utilidade prática visível para uma economia fundada na
agricultura rudimentar e no trabalho escravo” (ROMANELLI, 1997, p. 34). A educação dos
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jesuítas também formava sacerdotes; e os que não queriam seguir a carreira sacerdotal, os
letrados, seguiam seus estudos a nível superior na Universidade de Coimbra.
A classe dirigente aos poucos foi tomando consciência do poder dessa educação na
formação de seus representantes políticos junto ao poder público, e assim a educação passou a
ter utilidade. A obra de catequese, que em princípio constituía o objetivo principal da
presença da Companhia de Jesus no Brasil, acabou gradativamente cedendo lugar em
importância à educação da elite, impregnada de uma cultura intelectual transplantada,
alienada e alienante.4 Observa-se que desde essa época já se evidencia a separação entre os
produtores e os transmissores do saber, sendo destinado aos primeiros educadores realizar um
bom trabalho técnico e pedagógico.
Em 1759 os jesuítas foram expulsos de Portugal e de seus domínios, pois surgiu um
descontentamento geral devido ao fanatismo religioso, que promovia o “atraso cultural”;
também contribuíram para isso a decadência econômica do Reino Unido e a expansão das
ideias anticlericais do Marquês de Pombal. De 1759 a 1772 foram inúmeras as dificuldades
para a criação de um novo sistema educacional, pois os educadores, de formação religiosa,
não foram substituídos de imediato. Assim, transcorreram 13 anos depois da expulsão dos
jesuítas, até a nova estruturação. Leigos começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado
assumiu pela primeira vez os encargos da educação.5 A assunção do ensino pelo Estado
provoca à imagem do professor o que Nóvoa coloca em relação a Portugal:

Ao longo do século XIX consolida-se uma imagem do professor, que cruza as


referências ao magistério docente, ao apostolado e ao sacerdócio, com a humildade e
a obediência devidas aos funcionários públicos, tudo isto envolto numa auréola algo
mística de valorização das qualidades de relação e de compreensão da pessoa
humana. Simultaneamente, a profissão docente impregna-se de uma espécie de
entre-dois, que tem estigmatizado a história contemporânea dos professores: não
devem saber de mais, nem de menos; não se devem misturar com o povo, nem com
a burguesia; não devem ser pobres, nem ricos; não são (bem) funcionários públicos,
nem profissionais liberais (NÓVOA, 1992, p. 16).

Pode-se dizer que a imagem que se tem hoje do professor está estigmatizada pela
relação da Igreja com a educação, interferindo no processo de profissionalização da categoria.
Confirma Nóvoa que “algumas pessoas têm do ensino a visão de uma atividade que se realiza
com naturalidade, isto é, sem necessidade de qualquer formação específica” (1992, p. 21). Tal

4
Cfe. Romanelli, 1997. Embora a produção em História da Educação dos últimos anos indique novos horizontes
interpretativos, não se pode ignorar o pioneirismo da obra de Romanelli, que orientou diversas formações,
inclusive dos que ampliaram o debate no campo.
5
Idem.
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visão é consequência de uma história recente, pois em algumas regiões do país ainda há
professores leigos, ou sem formação específica, devido à carência de profissionais; e os
mesmos ainda têm a permissão do Estado e são por ele recrutados. Isso logicamente não
ocorre com outras profissões como a de engenheiro e médico, por exemplo; pelo contrário, há
programas governamentais em vigor que oferecem salários bastante atrativos para médicos
que se candidatarem a trabalhar no interior do Brasil.
No século XIX, período da Regência, surgiu no Brasil uma classe intermediária na
sociedade, formada por indivíduos ligados ao jornalismo, às letras e à política. Foi um período
bastante conturbado, pois essa camada possuía uma visão mais crítica da realidade, e percebia
o valor da educação como um instrumento de ascensão social. No entanto, o tipo de ensino
que essa classe procurava era o mesmo da classe dominante, por ser o único que classificava.
Com a presença do príncipe regente D. João no Brasil por doze anos, sensíveis mudanças
ocorreram no quadro de instituições educacionais da época, sendo a principal a criação dos
primeiros cursos superiores não teológicos da colônia.
Na segunda metade do século XIX, o Capitalismo Industrial engendra a necessidade
de fornecer conhecimento a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da
própria produção, seja pelas necessidades do consumo que essa produção acarreta. Tornou-se
condição de sobrevivência do sistema capitalista industrial ampliar a sua área social de
atuação; e isso só é possível na medida em que as populações possuam condições mínimas de
concorrer no mercado de trabalho e de consumir. Assim, a educação toma impulso e
abrangência.
Pode-se concluir assim, que a dificuldade da profissionalização da profissão docente
reside nas mutantes fases e significados que teve a educação no Brasil, ao longo da sua
história. Por vezes serviu para cultivar as coisas do espírito, outras vezes alimentou os
interesses de ascensão da elite, depois foi “democratizada” para atender aos interesses do
Capitalismo Industrial, e atualmente atende aos interesses de uma economia globalizada
regulada pelo Mercado. A esse respeito, declara Tardif:

Os saberes transmitidos pela escola não parecem mais corresponder, senão de forma
muito inadequada, aos saberes socialmente úteis no mercado de trabalho. Tal
situação pode conduzir ao desenvolvimento de uma lógica de consumo dos saberes
escolares. A instituição escolar deixaria de ser um lugar de formação para tornar-se
um mercado onde seriam oferecidos aos consumidores saberes-instrumentos,
saberes-meios, um capital de informações mais ou menos úteis para o seu futuro
‘posicionamento’ no mercado de trabalho e sua adaptação à vida social
(TARDIF, 2002, p. 47).
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Em meio a essa rede de interesses está o professor. Nesse quadro é extremamente


difícil enxergar a profissão docente com autonomia. A profissão docente tem passado por um
processo de “proletarização”,6 ao longo da história da educação brasileira, visto que a
expansão escolar recrutou uma massa de profissionais sem as necessárias habilitações
acadêmicas e pedagógicas. Desta forma, antagonicamente assiste-se à degradação do estatuto,
dos rendimentos e do poder/autonomia. A tendência à diminuição da autonomia profissional
do professor é reforçada pelas políticas públicas que tendem a separar os atores que planejam
dos que executam; isto é, quem elabora os currículos e programas e quem os concretiza
pedagogicamente. Tal fato tem sua gênese na educação jesuítica ao transplantar uma cultura
intelectual “alienada e alienante”. Junto a isso, mais recentemente, a qualidade do trabalho
docente cede lugar à quantidade, devido à intensificação de tarefas administrativas que lhe são
cobradas, perdendo-se assim competências coletivas relevantes.

Formação: momento-chave da configuração profissional

Correntes de origens diversas lutam por uma maior autonomia dos professores, no
quadro da afirmação de um profissionalismo docente. Nóvoa, por exemplo, propõe que
situemos a nossa reflexão para além das “clivagens tradicionais” (componente científico &
pedagógico, disciplinas teóricas & disciplinas metodológicas), sugerindo novas maneiras de
pensar a problemática da formação de professores. Para ele, algo pode ser feito no terreno da
formação continuada, pois a formação de professores pode desempenhar um papel importante
na configuração de uma nova “profissionalidade” docente, estimulando a emergência de uma
cultura profissional no seio do professorado e de uma cultura organizacional no seio das
escolas (1992, p. 24). Assim, sua proposta resume-se na valorização dos grupos e das pessoas,
numa perspectiva de educação continuada; estímulo à perspectiva crítico-reflexiva e
autoformação participada. Tal formação pode ser conjugada com uma formação do tipo
clínico, proposta por Perrenoud (1991) e do tipo investigativo, preconizada por Elliott (1990).
Enfim, a formação de professores é um dos componentes da mudança, pois o contexto em que
esse profissional atua deve também se modificar.
Perrenoud (2001) estabelece uma relação interessante entre profissionalização docente
e desenvolvimento de competências profissionais. Para ele, competência é capacidade de
ação. Manifestar competências profissionais diante de uma situação complexa é ser capaz de:
6
Termo usado por Mark Ginsburg (apud NÓVOA, 1992, p. 24).
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identificar os obstáculos, considerar diversas estratégias, optar pela estratégia “menos ruim”,
planejar e implementar a estratégia adotada, coordenar a implementação, reavaliar a situação
e se necessário mudar a estratégia, respeitar princípios legais ou éticos durante o processo,
controlar as emoções sempre que interferirem na eficácia ou na ética, cooperar com os outros
profissionais, extrair ensinamentos e documentar as operações e as decisões. Assim como não
podemos conceber o profissional como um simples especialista que segue uma determinada
rotina sem pensar muito no que está fazendo, não podemos imaginá-lo como um simples
detentor de saberes que se limita a colocá-los em prática. “Sem essa capacidade de
mobilização e de atualização dos saberes, não há competência, mas apenas conhecimentos”
(PERRENOUD, 2001, pp. 139 - 141).
Segundo o autor, na educação, alguns professores acreditam que seja suficiente
dominar os conteúdos para ensiná-los, e mesmo quando admitem que as competências exigem
mais do que o domínio de saberes eruditos ou de senso comum, as tratam como talentos
pessoais ou como habilidades menores em relação aos prestigiados saberes acadêmicos. Isso
explica o pouco investimento na formação de competências de alto nível do professor, em
comparação com outras profissões. Perrenoud (2001) acredita que a natureza das
competências, dos saberes e da relação com o saber está no cerne do processo de
profissionalização, e que se o ensino continua sendo uma semiprofissão, isso se deve à
natureza semiprofissional das competências e dos saberes. Afirma que a formação
profissional dos professores de hoje não os prepara para lutar contra o fracasso escolar, para
individualizar percursos, para diferenciar suas intervenções, para apreender a dinâmica e a
trajetória particular de cada aprendiz. A profissão não tem nenhum discurso substancial sobre
o que os professores sabem sobre a natureza de seus alunos, sobre os saberes escolares e sua
transposição didática, a relação intersubjetiva na gestão da classe, o tratamento das diferenças,
negociação e o contrato (op. cit., p. 160 - 163).
Os saberes dos professores são pouco compartilhados; não são comparados com os
outros. Como “combatentes solitários”, os professores não falam do que sabem fazer (idem, p.
164). Assim pensa também Nóvoa (1992, p. 26), que declara: “A organização das escolas
parece desencorajar um conhecimento profissional partilhado dos professores, dificultando o
investimento das experiências significativas”.
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Diante dessa semiprofissionalização das competências e dos saberes, e como as


transformações do ofício de professor no sentido da profissionalização são lentas e sujeitas a
regressões, Perrenoud propõe trabalhar-se na formação de professores sob 3 eixos:
a) tematizar os saberes eruditos em função dos limites e das exigências da prática;
b) identificar cada vez mais as efetivas competências dos professores experientes ou
iniciantes, analisando o habitus7 profissional em todos os componentes,
comparando sistematicamente a profissão com outras profissões humanistas e
complexas;
c) teorizar e valorizar os saberes provenientes da experiência, fazer com que
circulem, comparados entre si, relacionados aos saberes eruditos, numa
epistemologia de reflexão na ação (2001, p. 165 e 166).
Enfim, o autor reconhece que tudo isso levará tempo para se sedimentar, pois não
podemos raciocinar em termos de conteúdos ou de procedimentos de formação dos
professores, sem considerar a cultura e o funcionamento das instituições de formação, bem
como dos estabelecimentos de ensino.

O saber da experiência pode viabilizar o processo de profissionalização

O saber docente é composto por vários saberes provenientes de diferentes fontes:


disciplinares, curriculares, profissionais e experienciais; destacando os saberes experienciais
como os fundamentos da prática e da competência profissional. É a partir deles que os
professores julgam sua formação anterior ou sua formação ao longo da carreira, e assim
concebem os modelos de excelência profissional dentro de sua profissão. Os saberes práticos
brotam da experiência e são por ela validados, e incorporam-se à experiência individual e
coletiva sob a forma de habitus e habilidades, de saber-fazer e de saber-ser (TARDIF, 2002,
p. 33).
Entre os diferentes grupos que atuam no campo dos saberes, pode-se dizer que os
professores ocupam uma posição estratégica, porém socialmente desvalorizada. Os saberes
valorizados pelos atores do próprio meio educacional são os saberes

7
A categoria habitus, desenvolvida por Bourdieu (1987), é aqui apropriada por Perrenoud como o conjunto de
esquemas que permite aos professores resolver os problemas da mesma maneira. Perrenoud amplia a noção de
saber ou de conhecimento de modo a englobar o habitus e o conjunto dos esquemas operatórios. Para ele, na
espécie humana os esquemas de alto nível são aprendidos, isto é, se desenvolvem a partir da formação e
posteriormente da prática do profissional.
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eruditos/científicos/acadêmicos. Cria-se assim uma dicotomia interna na categoria


profissional, que certamente compromete sua legítima profissionalização. Não somente isto,
mas o fato de os saberes serem produzidos e legitimados por outros, produz certo
distanciamento na relação do professor com o saber (ibid.).
Os saberes experienciais têm origem na prática cotidiana dos professores em confronto
com as condições da profissão: a instituição, as interações, as obrigações e as normas. É nessa
relação que se estabelecerá a defasagem com os saberes adquiridos na formação, provocando
um efeito de retomada crítica (retroalimentação). Nesse sentido, a prática pode ser vista como
um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua formação e
adaptam a sua profissão, eliminando o que lhes parece abstrato ou sem relação com a
realidade vivida e conservando o que pode servir-lhes de uma maneira ou de outra. Nessa
perspectiva é que Tardif (2002, p. 50-53) apoia sua tese de que os saberes experienciais não
são saberes como os demais, mas sim formados por todos eles, porém, retraduzidos, polidos, e
submetidos às certezas construídas na prática e na experiência. Essa dinâmica confere
legitimidade aos saberes experienciais, que podem ser objetivados através do confronto entre
os saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores, sistematizando as certezas
subjetivas para que se transformem num discurso da experiência.
No cotidiano geralmente os professores partilham algumas de suas experiências, mas
de forma difusa e limitada a pequenos grupos, como, por exemplo, as reuniões pedagógicas e
congressos, que se configuram como espaços privilegiados para trocas. Desta forma, uma
maneira de se criar uma nova profissionalidade entre os professores, seria liberarem os seus
saberes da prática cotidiana, de modo a levá-los a serem reconhecidos por outros grupos
produtores de saberes, reivindicando assim um controle social legítimo sobre os mesmos.
Porém, Tardif (2002, p. 52-55) reconhece que enquanto estratégia de profissionalização do
corpo docente, esse empreendimento exige a instituição de uma verdadeira parceria entre
professores, corpos universitários de formadores e responsáveis pelo sistema educacional.

Considerações Finais

Ao retomarmos as considerações iniciais que este texto se propôs a mostrar, espera-se


que a sucinta revisão histórica da educação brasileira tenha fornecido subsídios para se
compreender as raízes do desprestígio profissional do professor, e também lançado
expectativas para a superação desse quadro.
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Para a análise da importância da formação de professores e dos saberes experienciais


para a socialização e configuração profissional, este texto trouxe as contribuições de Nóvoa
(1992), Perrenoud (2001) e Tardif (2002). Para os autores, torna-se importante para o
processo de profissionalização docente oportunizar momentos de trocas e compartilhamento
dos saberes da experiência, pois através da elevação do seu grau de competência, o professor
pode adquirir maior autonomia e reivindicar o reconhecimento do seu saber.
A proposta de Nóvoa é focada na valorização de pessoas e grupos, e é mesclada com
outras tendências como: reflexão na ação, método clínico e investigativo, de outros autores.
Desta forma, sua proposta não é fechada em termos palpáveis e práticos; porém, deixa a
certeza de que o investimento em pessoas e grupos requer um envolvimento da instituição e
de seus dirigentes, bem como contar com uma equipe pedagógica mobilizadora e bem
preparada.
Tardif faz considerações relevantes sobre os saberes experienciais, dos quais devem se
apropriar os educadores, no sentido de objetivá-los junto aos pares, e assim ter o controle
social sobre os mesmos. Sua proposta é bastante focada, também como Nóvoa, no espaço da
escola, porém ultrapassa os seus limites ao propor a legitimação dos saberes experienciais e o
considerando como um saber tão importante quanto os demais, pois é através da prática que
os conhecimentos adquiridos na formação acadêmica são validados.
A proposta de Perrenoud apresenta-se como mais definida e clara quanto a aspectos da
profissionalização docente em relação às duas anteriores; pelo menos quanto aos objetivos
deste texto. Segundo ele, o professor deve manifestar competências profissionais diante de
situações complexas. A explicitação e a clarificação dessas competências para a sociedade
pode conferir maior grau de profissionalização ao professor, da mesma maneira que outras
categorias profissionais. As competências revelam que houve mobilização de conhecimentos,
permitindo ao professor mostrar que não é um mero repassador de conteúdos (o que poderia
ser realizado por qualquer pessoa ou pela tecnologia), mas que é um profissional
indispensável e que faz a diferença como mediador no processo de aprendizagem. Nessa
perspectiva, as competências não são um dom; podem ser desenvolvidas e aprendidas.
Nota-se que os três autores têm em comum o reconhecimento de que o contexto em
que o profissional atua deve se modificar, a cultura das instituições deve ser considerada e
deve-se buscar uma verdadeira parceria entre professores, universidades formadoras e
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responsáveis pelo sistema educacional, para que o desenvolvimento de uma verdadeira


profissionalização do professor seja realidade.
É ponto pacífico que oportunizar momentos de trocas é importante, e logicamente
haverá o compartilhamento dos saberes experienciais nesses momentos. Porém, para
mobilizar esses saberes em busca da profissionalização docente, é preciso uma maior
mobilização do Estado, pois o que separa o ensino de uma profissão plena é a dependência
com relação ao Estado, o peso da hierarquia e a pouca autonomia profissional desfrutada
pelos professores, conforme indicou Perrenoud (2001, p. 160). Acredita-se que são
necessárias mudanças estruturais a partir do Estado, para que a profissionalização docente
realmente se processe. A primeira medida seria não permitir o exercício da função sem a
devida formação/titulação. Porém isto é uma luta política, visto o desprestígio com que a
educação vem sendo tratada neste país. A segunda medida seria unificar os currículos, para
que qualquer instituição em qualquer região do país tenha acesso aos mesmos conhecimentos
teóricos e procedimentos de trabalho.
A proposta da autora deste texto é que seja revista a formação inicial, pois a partir dela
pode ser conferida maior organização e encaminhamento do processo de profissionalização.
As competências profissionais devem ter destaque no programa de formação de professores,
pelos motivos expostos anteriormente. Para isto, é necessário maior comprometimento da
comunidade acadêmica, que precisa se dirigir ao professor de profissão, como sugere Tardif
(2002, p. 55), para aprender a ensinar o que é o ensino. Outra medida relevante na formação
inicial é dar especial atenção à capacitação dos pedagogos, pois têm um papel fundamental na
mobilização das organizações e dos profissionais para a troca dos saberes experienciais e
amadurecimento de competências.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, seleção e organização


de Sérgio Miceli. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.

ELLIOT, John. Teachers as researchers: implications for supervision and form teacher
education. Teachin & teacher education, v. 6, n. 1, p. 1-26, 1990.

NÓVOA, Antônio. Formação de professores e formação docente. In: NÓVOA, Antônio. Os


professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. p. 15-33.
8435

PERRENOUD, Philippe. A ambigüidade dos saberes e da relação com o saber na profissão de


professor. In: PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto
Alegre: Artmed, 2001. p. 135-193.

______. Le rôle d’une initiation à la recherche dans la formation de base des enseignantes. In:
IUFM. La place de la recherche dans la formation des enseignantes. Paris: INRP, 1991. p.
91-121.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 19. ed. Petrópolis:


Vozes, 1997.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

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