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CAPÍTULO

FISIOLOGIA DO PARASITISMO:
COMO OS PATÓGENOS ATACAM
AS PLANTAS
Sérgio Florentino Pascholati e Ronaldo José Durigan Dalio

ÍNDICE
34.1. Enzimas... eme 390 34.5. Fitotoxinas....
34.2. Degradação dacutícula............. Era So 34.5.1. Fitotoxinasseletivas ao hospedeiro...
34,2.1. Papel das cutinases na patogenicidade.... 392 34,5.2. Fitotoxinas não-seletivas ao hospedeiro.
34,2.2. Suberização 34.5.3. Fitotoxinas e patogênese ................

34,3. Degradação dos componentes da paredecelular 34.6. Hormônios...


34.3.1. Lamela média 394 34.6.1. Hormônios e patogênese....
34.3.2. Paredes primária e secundária................ 395 34.7, Polissacarídeos extracelulares....
34,3.3, Papel das enzimas degradadoras da 34.8. Outrosfatores envolvidosna patogenicidade... 415
parede na patogenicidade... mta SOTO
348.1. Efetores nas interações planta-patógenos.... 415
34.4. Degradação de componentes da membrana
plasmática. 399
34.9. Consideraçõesfinais ..........seuseeeremmmesemees «o 418
34.10. Bibliografia consultada... re

itopatógenos geralmente necessitam de seus respec- podendo deslocar-se em direção ao hospedeiro, conseguem pene-
Fe: hospedeiros para ter a sobrevivência garan- trar nas plantas e multiplicar-se no espaço intercelular, ou excepcio-
tida. Nesse sentido, a maioria dos patógenos retira nalmente no xilema ou floema, somente através de ferimentos ou
seus nutrientes do hospedeiro e os utiliza no seu próprio metabo- aberturas naturais (estômatos, hidatódios, etc.) e nunca diretamente.
lismo,tanto na fase vegetativa quanto na reprodutiva. Eutretanto, No caso de microrganismosfilamentosos (fungos e oomicetos), a
muitos destes nutrientes encontram-se nointerior do protoplasma penetração pode ocorrer diretamenteatravés da superfície intacta da
das células vegetais e, para ter acesso aos mesmos, os patógenos planta, de aberturas naturais e/ou de ferimentos. A penetração direta
devem venceras barreiras externas, formadas pela cutícula e/ou podeocorrer exclusivamente através de força mecânica aplicada por
parede celular, bem como promover a colonização interna dos estruturas específicas de alguns poucos fungos e oomicetos sobre o
tecidos (Figuras 34.1). hospedeiro. Quase na suatotalidade, porém,este processo é acompa-
Comovisto no Capítulo 4 desta obra, para muitos patógenos nhado porsecreções enzimáticas.
os mecanismos de adesão aos hospedeiros representam a primeira Depois da penetração, os patógenos podem se espalhar a
etapa da conexãofísica entre o parasita e o parasitado (Epstein & partir do sítio de infecção e colonizar o tecido do hospedeiro.
Nicholson, 2016; Leiteet al., 2001). Além disso, patógenos ganham Este processo, normalmente, caracteriza-se pela desagregação
acessoaointerior dos hospedeirosatravés de penetraçãodireta, aber- celular e pela utilização de nutrientes, o que resulta em altera-
turas naturais ou ferimentos. As bactérias, por exemplo, embora ções na morfologia e no metabolismo das plantas, levando ao

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Manual de Fitopatologia

aparecimento dos sintomas (Capítulo 3 desta obra). Simultane- tans-batata. Com o auxílio da biologia molecular, em especial
amente à penetração e colonização dos tecidos, os hospedeiros atravésde técnicas de sequenciamento do genomae da proteô-
podemreagir à presença dos patógenos em potencial através da mica, os mecanismos de patogenicidade nasinterações planta-
formação de barreirasfísicas e produção de substâncias químicas patógeno começam ser melhor compreendidos (El-Hadrami et
(Capítulo 35 desta obra). Essa batalha entre patógeno e hospe- al., 2012; Horbach et al., 2011; Quirino et al., 2010).
deiro a nível fisiológico e bioquímico constitui-se no objeto de Dentreos fitopatógenos conhecidos, com exceção dosvírus
estudo dafisiologia do parasitismo (Boxe 34.1). Dessa maneira, e viroídes, aparentemente todos produzem enzimas, hormônios,
para um patógeno estabelecer-se em uma planta, é necessário efetores e, possivelmente, toxinas. No caso dos vírus é viroides,
que o mesmo consiga penetrar e colonizar os teciclos do hospe- esses agentes podem induzir as células do hospedeiro a produzir
deiro, dele retirando os nutrientes necessários para seu desenvol- diferentes substâncias, dentre as quais as enzimas utilizadas
vimento, bem como neutralizar as reações de defesa da planta. na replicação desses organismos. A presença dessas substân-
Para isso, utilizam-se de substâncias como enzimas, toxinas, cias químicas, mesmo que em quantidade elevada, porém, nem
hormônios e efetores, além de outros fatores envolvidos na semprereflete a capacidade do patógeno em causar doença.
patogenicidade (Horbach et al., 2011; Pascholati et al., 1998). A De uma maneira geral, as enzimas produzidas por fitopató-
importância dessas substâncias e fatores varia grandemente nas genos promovem a desintegração dos componentes estruturais das
interações hospedeiro-patógeno. Por exemplo, nas podridões células do hospedeiro, degradam substâncias presentes nas células
moles, as exoenzimas são aparentemente as substâncias mais ouafetam diretamenteo protoplasto. Osefetores podem suprimir ou
importantes; já no caso da manchaocular, causada por Bipolaris ativar respostas de defesa, bem comoalterar completamentea fisio-
sacchari em cana-de-açúcar, a doença resulta principalmente da logia do hospedeiro. As toxinas, por sua vez, agem diretamente no
toxina secretada pelo fungo; nas galhas da coroa, causadas em protoplasto e interferem com a permeabilidade das membranas. Os
vários hospedeiros por Agrobacteriumtumefaciens (Rhizobium hormônios, basicamente,alteram a divisão e crescimentocelulares.
radiobacier) e nas galhas causadas pelo nematoide Meloido-
gyne sp. em diferentes espécies vegetais, os hormônios desem- 34.1. ENZIMAS
penham papel relevante; finalmente, moléculas efetoras podem Enzimas são proteinas de alta massa molecular, constituídas
desativar completamente o sistema imune de hospedeiros, como de longas cadeias de aminoácidos, responsáveis pela catálise das
visto nasinterações Ustilago maydis-milho e Phytophthora infes- reações anabólicas e catabólicas nas células dos seres vivos.

No começo do século XIX,o botânico alemão Franz Ungerapresentou suateoria, segundoa qual “as doenças resul-
tariam de distúrbiosfuncionais, estes oriundos de desordens nutricionais, que levariam ao aparecimento de fungos” como
excrescências quese desenvolviam porgeraçãoespontânea nostecidos da planta”. Embora falho no tocante aosfungos,o
tratado de Unger “Die Exantheme der Pflanzen”, publicado em 1833, podeser visto comoa pedra fundamentalda fisio-
logia do parasitismo (Fuchs, 1976), também denominada bioquímica fitopatológica ou fisiopatologia vegetal. Ideias
similares, masnãoidênticas às de Unger, foram desenvolvidas por Franz J. Meyen, em 1841. Comodefinidopor Heite-
fuss & Williams (1976) “a fisiologia do parasitismo representa as especialidades dentro da fitopatologia que se concen-
tram nas atividadesfisiológicas e bioquímicas dos patógenos e nas respostas dostecidos vegetais do hospedeiro”. Como
umrapêndice da fitopatologia,a fisiologia do parasitismo procura gerar conhecimento básico para o entendimento das
interações entre a planta e o patógenoa nívelfisiológico e bioquímico, bem comocontribuir para o usoefetivo desse
conhecimento no desenvolvimento de novos métodos para o controle das doenças (Wood, 1987). A interação multi-
disciplinar é altamente evidente nessa área, onde são conduzidos, por exemplo, estudos envolvendo a germinação dos
esporos,histologia e fisiologia da penetraçãoe colonização dos tecidosvegetais, alterações metabólicas das plantas em
resposta à infecção, etc. Embora seja intensamente explorada em outros países,a fisiologia do parasitismo encontra-
-se ainda em fase de gestação em nosso país (Pascholati, 1993). O Brasil carece defisiologistas do parasitismo, embora
publicaçõesdidáticas neste assunto tenham começadoa surgir nos últimos anos. A edição preliminar dolivro “Pato-
logia vegetal: agressão e defesa em sistemas planta/patógeno”, de autoria de J.C. Dianese e publicada em 1990,se cons-
tituiu em marco naliteratura nacional voltada paraa fisiologia do parasitismo. Com a chegada do periódico Revisão.
Anual de Patologia de Plantas em 1993, constantemente temas específicos dentro daárea dafisiologia do parasitismo
começaram a ser abordados, como por exemplo, o capítulo sobre Efetores nas interações planta-patógenos no volume
23 de 2015. Por sua vez, a parte IV - Fisiologia do Parasitismo, em edição deste Manual publicada em 1995, continba
quatro capítulos relacionados ao tema. Já em. 2003, Medeiros, Ferreira e Dianese publicam uma edição ampliada e
atualizada do texto anterior de 1990, denorninado de “Mecanismos de agressão e defesa nas interações planta-pató-
geno”, Em 2008, Pascholati, Leite, Stangarlin e Cia (Pascholati et al., 2008b), na qualidade de editores, coordenaram.
a publicação do livro “Interação planta-patógeno:fisiologia, bioquímica e biologia molecular”. Por sua vez, na edição
anterior deste Manual publicada em 2011, a Parte V - Tópicos Avançadoscontinha dois capítulos relacionadosà área.
Finalmente, os capítulos 34, 35 e 36 inclusos na Parte V - Fisiopatologia e Genômicadas Interações Planta-Patógenos
do presente Manual, além de procurar contribuir na disseminação de conhecimentos, visam também estimular estu-
dantes e profissionais no desenvolvimento deatividadescientíficas nessa área.

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Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Para cada reação metabólica existe uma enzima específica catali- rios, ácidos graxose ésteres, enquanto que a cutina mostra ser um
sando o substrato envolvido. Normalmente,as enzimas são deno- poliéster, cuja despolimerização origina, principalmente, monô-
minadas em função do substrato ou reação que catalisam,através meros de ácidos graxos (ácidos cutínicos) das famílias C, e C,;
da adição do sufixo -ase. Por exemplo, cutinases são enzimas que (Figura 34.2), A família C,, deriva do ácido palmítico, enquanto
promovem a degradação da cutina e pectinases são enzimas que a família C,, origina-se, predominantemente, dos ácidos oleico
degradam as substâncias pécticas. A ligação da enzima (E) ao oulinoleico. Evidências indicam também a presença de pequenas
seu substrato (S) resulta na formação de um complexo enzima- quantidades de compostos fenólicos (ácidos p-cumárico, ferúlico
substrato (ES). Em função dessa ligação, o substrato é ativado e e clorogênico) nesse polímero.
a reação química pode ocorrer, levando à formação do complexo
enzima-produto (EP), com a consequente liberação do produto (P)
e a restauração da enzima ao seu estado original. Reações químicas ÁCIDOS CUTÍNICOS
conduzidasa 25 ºC e catalisadas por enzimas podem ocorrer 10º-10%
vezes mais rapidamente do que as mesmas reações não catali- Fomíia-Cie Femília-Crgt
sadas. Dependendo da enzima, o número de moléculas de subs-
Trato catalisadas por uma única molécula da enzima por segundo CHy (CHoly COOH CHy (CHoly CH= CH [CHo]y COOH
*turnover”) pode variar de 100 a mais de três milhões.
Ch (tah COOH Che (Cal, CH» CH Ico COM
34.2. DEGRADAÇÃO DA CUTÍCULA oH o
Para que se entenda como um patógeno penetra a superficie
intacta do hospedeiro, a natureza da cutícula necessita ser conhe- Ha (cha CIO) cooH Ci (CHely o pa (CHely COOH
cida. As paredes das células epidérmicas dos vegetais, em contato OH o o
eom 0 meio exterior, mostram-se recobertas por uma camadalipí-
dica contínua, comumente conhecida como cutícula (Figura 34.1), (yr8,7,6005;x1 y=13) std
a qual fica aderida à parede celularatravés de uma camadainter- |
Dá o 0
mediária rica em substâncias pécticas. A cutícula recobrefolhas,
frutose talos jovens, tendo como funçõesbásicas evitar a difusão *a!2 análogos insaturados também ocorrem.
de águae nutrientes para o meio externo, bem comoproteger a
planta contra os efeitos adversos do meio ambiente. A espessura e Figura 34.2 — Estrutura dosprincipais monômeros dacutina.
= morfologia da cutícula variam dependendo da espécie vegetal, Fonte: Adaptada de Kolattukudy (1985).
do órgão envolvido, do estádio de desenvolvimento do tecido e
das condições do ambiente.
A cutícula pode ser separada da parede celulár por meio Na cutina, os monômeros de ácidos graxos são mantidos
de tratamento químico ou enzimático, produzindo dois compo- por meio deligações ésteres, além do que os grupos hidroxila
mentes lipídicos principais: uma mistura complexa e solúvel de primário, em sua maioria, são esterificados, o que resulta em um
compostosalifáticos de cadeia longa, denominados ceras, é um polimero predominantemente linear. A ligação entre cadeias de
material polimérico insolúvel, denominado cutina, As ceras são poliésteres ocorre através da esterificação de alguns gruposhidro-
constituídas, principalmente, de hidrocarbonetos, álcoois primá- xila presentes na posição intermediária das cadeias (Figura 34,3).

= CERA EPICUTICULAR
=+— REGIÃO LAMELAR
=*-— REGIÃO RETICULAR
=— CAMADA PÉCTICA

LAMELA MÉDIA
Figura 34.1 — Representação esquemática da estrutura da cutícula em tecido foliar.
Fonte: Adaptada de Juniper & Jeffree (1983).

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Manual de Fitopatologia

Botrytis cinerea, Colletotrichum capsici, C. gloeosporioides


Rpm (Glomerella cingulata), C. graminicola, C. lagenarium (Colle-
Cutinase q Cutinase totrichum orbiculare), Blumeria graminis £. sp. hordei, Gloeo-
cercospora sorghi, Bipolaris zeicola (Cochliobolus carbonum),
B. maydis (Cochliobolus heterostrophus), B. sorokiniana (Cochlio-
bolus sativus), Selerotium rolfsii (Athelia rolfsii), Uromyces
viciae-fabae e Venturia inaegualis (Pascholati et al., 1992; 1993),
Há evidência que algumas bactérias, como Pseudomonas putida
(habitante do filoplano), Pseudomonas syringae pv. tomato e
várias espécies de Streptompces, além de Streptomyces scabies,
produzem enzimas dotipo cutinase, porém o papel das mesmas,
neste contexto, permanece obscuro.

34.2.1, Papel das Cutinases na Patogenicidade


A produção de cutinases por microrganismos cultivados in
vitro, tendo cutina como fonte de carbono, não se constitui em
prova da importância dessa enzimana infecção das plantas. Dessa
Figura 34.3 - Esquemado polímerocutina (os sítios de ação dacuti- maneira, o papel da cutinase como fator na patogenicidade tem
nase estão assinalados). sido avaliado através de estudos imunocitológicos e de transfor-
Fonte: Adaptada de Kôller (1991). mação genética, bem comoatravés do uso de mutantesdeficientes
para cutinasee inibidores dessa esterase. Esses estudos têm sido
A cutícula, que consiste basicamente de cutina impregnada conduzidos, por exemplo, nas interações patógeno-hospedeiro
com cera e frequentemente recoberta por placas cerosas, além das Fusarium solani fsp. pisi-ervilha, Colletotrichum gloeospo-
funções acimas mencionadas, também serve comobarreira prote- rioides (G. cingulata)-mamão, Alternaria alternata-pereira e
tora contra microrganismos. Dentre os fitopatógenos, os fungos Magnaporthe grisea-arroz. No caso de E solani, estudosestrutu-
e alguns oomicetos que penetram através da superfície intacta rais com hastes de ervilha, conduzidos com o auxílio da micros-
da planta mostram-se aptos para degradar enzimaticamente essa copia eletrônica de varredura, mostraram à localização de anti-
barreira através da produção de cutinases, o que se constitui, para corpos marcados com ferritina e específicos para cutinase na
alguns, em fator chave na patogenicidade. Além dessa função, área onde o patógeno foi inoculado, evidenciando que o fungo
aparentemente as cutinases também podem estar envolvidas na excretava, quando em contato com o hospedeiro, o mesmotipo de
determinação da especificidade de fungos fitopatogênicos para enzima identificada a partir de culturas mantidasip vitro.
com os tecidos do hospedeiro. No tocante às' placas cerosas, Mutantes de C. glocosporioides deficientes em cutinase
estudossugerem que Puccinia hordei produz enzimas capazes de mostraram-se patogênicos sobre a superfície injuriada de frutos
degradá-las, porém para a maior parte dos fungos aparentemente de mamão, A doença, porém, não ocorria quando osisolados eram
a penetração das mesmas ocorreatravés de força mecânica. inoculadossobre a superficie intacta do fruto. Curiosamente, a pato-
Cutinases são esterases, com um resíduo de serina nosítio genicidade dos mutantes podia ser restaurada através do forneci-
catalítico, que rompem as ligações ésteres entre as moléculas mento de cutinase exógena. Na natureza, C. gloeosporioides penetra
presentes na cutina, substrato natural da enzima. liberando como a cutícula de frutos imaturos de mamão e permanece subcuticu-
produtos da ação enzimática monômeros e oligômeros derivados larmente em estado quiescente no tecido, até a maturação dos
de ácidos graxos (Figura 34.3). De maneira geral, apresentam frutos (Dickman & Alvarez, 1983). Esse exemplo, juntamente
especificidade porésteresde álcool primário, os quais se mostram com ostrabalhos envolvendo mutantes de E. solani f. sp. pisi e
abundantes no polímero. A. alternata, deficientes em cutinase, e o uso de inibidores da
Ascutinases purificadasapresentam umaúnica cadeia poli- enzima (anticorpos específicos ou compostos organofosforados),
peptídica, com composição de aminoácidos bastante similar e suportam a importância das cutinasesnainfecção de plantas por
massas moleculares variando entre 22 e 32 kDa, Caracterizam-se fungos. Entretanto, em alguns casos, como na interação Colle-
porserem glicoproteínas, contendo de 3% a 16% de carboidratos totrichum gloeosporioides f. sp. cucurbitae-pepino, as cutinases
na molécula, A atividade da enzima tem se mostrado máxima em aparentam ser menos importantes do que a força mecânica para a
pH em torno de 9-10, embora trabalhos indiquem a possibilidade penetração do hospedeiro.
da enzima também degradar eficientemente a cutina em pH de No tocante aos estudos envolvendo a transformação gené-
6,5. A ação catalítica da cutinase pode ser estimada através da tica de fungos, a transferência do gene da cutinase de F. solani
liberação de radioatividadea partir de cutina marcada com radio- para Mycosphaerella sp., um patógeno que necessita de feri-
isótopos ou por meio de método espectrofotométrico, não espe- mentos para penetrar no hospedeiro, produziu transformantes
cífico, tendo p-nitrofenilbutirato como substrato. A produção in capazes de excretar a mesma cutinase produzida por 7. soluni e
vitro da enzima,por patógenos em poteucial, pode ser visualizada infectar frutos de mamão intactos. Esses estudos, com transfor-
através do uso de meio contendo cutiua como fonte de carbono e mantes de Mycosphaerella sp., e outros, com transformantes de
um indicador adequado de pH. E solani f. sp. pisi, substanciam o relevante papel das cutinases
A enzima cutinase foi purificada, pela primeira vez, em na patogenicidade fúngica.
1975, a partir de fluido extracelular de Fusarium solani f. sp. pisi, Através do emprego de técnicas de biologia molecular, a
cultivado em meio com cutina como única fonte de carbono, e regulação da transcrição gênica da cutinase foi estudada in vitro
desde então estudada em outros fungos, como Alternaria alternata, com núcleos isolados de E. solani £. sp. pisi, bem comoa estru-

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Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

tura do gene descrita. Estes trabalhos suportam aideia de que PAREDECELULAR


esporos fúngicos em fase inicial de germinação, quandona super- PAREDE SUBERIZADA
fície do hospedeiro, excretariam uma pequena quantidade de cuti- MEMBRANA PLASMÁTICA
nase pré-formada(Figura 34.4) (Kolattukudy, 1985; Woloshuk & CITOPLASMA.
Kolattukudy, 1986). Essa cutinase teria como função a liberação VACÚoLO
de monômeros, a partir da cutícula da planta, os quais ativariam
a transcrição do gene da cutinase, com a consequente produção
massal da enzima requerida para a penetração da cutícula, Após
a penetração, a quantidade de monômeros diminuiria levando, Figura 34.5 — Representação esquemática de paredes celulares sube-
consequentemente, à paralisação da transcrição gênica. rizadas.
Fonte: Adaptada de Kolattukudy (1985).

sição e a estrutura das paredes suberizadas não são bem compre-


endidas. Supõe-se, porém, que as mesmas contenham uma matriz
GENE DA CUTINASE
“e ATI Eco fenólica, semelhante à lignina, ligada à parede celular. Compo-
nentesalifáticos (ácidos graxos e correspondentes ácidos dicar-
boxílicos) estariam ligados à matriz fenólica e embebidos em
uma camada de cera solúvel.
Devido às dificuldades existentes nosestudos envolvendo a
MONOMEROS suberização dostecidos vegetais, a degradação de paredes suberi-
CUTINASE, zadas por fitopatógenos, através da produção de suberinases, tem
recebido pouca atenção. Estudos ultraestruturais demostraram a
PENETRAÇÃO CUTÍCULA capacidade de alguns fungos penetrarem as paredes celulares
suberizadas, porém muito vagarosamente. No caso de bacté-
rias, existem indicações de que Ralstonia solanacearum pode
degradara suberina presente no sistema radicular dasplantas. Por
Figura 34.4 — Representação esquemática da indução do gene da
cutinase em um esporo fúngico pela cutícula da planta. sua vez, Streptomyces scabies, agente causal da sama em batata,
Fonte: Adaptada de Kolattukudy (1985). produz uma esterase degradadora de suberina, a qual foi caracte-
rizada a nível proteico e de DNA.
Comrelação ao crescimento in vitro, alguns microrganismos
Finalmente, em função de sua importância para certos pató- possuem a capacidade deutilizar paredes suberizadas como única
genos na penetração do hospedeiro, a cutinase constitui-se em fonte de carbono. Dentro desse contexto, pode-se destacar Strep-
alvo potencial para o controle de doenças vegetais. A desativação tomyces scabies, Fusarium solani £. sp. pisi, B. sorokiniana,
da enzima (inibição de sua ação e/ou síntese-excreção), a nível Rhizoctonia sp. e Phytophthora infestans. No caso específico de
de superfície do hospedeiro, evitaria a penetração e, consequen- F solani crescido em preparações ricas em suberina, obtidas a
temente, protegeria as plantas contra algumas doenças fúngicas. partir de periderme de tubérculos de batata, estudos mostraram
Essas ideias foram suportadas inicialmente pelos trabalhos a capacidade do fungo em liberar enzimas no fluído extrace-
conduzidos com inibidores da cutinase (anticorpos e/ou organo- lular capazes de degradar os componentes alifáticos e aromá-
fosforados), principalmente nas interações F solani-ervilha e ticos do polímero. Além de E solani, estudos demonstraram que
€. gloeosporioides-mamão, onde a infecção foi evitada e as Aspergillus sp., Armillaria mellea e Rosellinia desmazieri também
plantas protegidas contra os respectivos patógenos. Outros produzem enzimas degradadoras da suberina. Porém, o papel
trabalhos utilizando as interações Blumeria graminis-cevada e dessas enzimas na penetração de fungos em órgãos protegidos
Pyrenopeziza brassicae-brássicas e ebelactonas, moléculas inibi- por paredes suberizadas permanece obscuro.
doras da cutinase, também vieram reforçaressa possibilidade, Em
vista do exposto, um novo caminho se abriu para o controle de 34.3. DEGRADAÇÃO DOS COMPONENTES DA
doenças fúngicas através do possível uso de compostos atuando PAREDE CELULAR
comoantipenetrantes (Sisler, 1986). Durante a penetração e a colonização,fitopatógenos repeti-
damente encontram e atravessam as paredescelulares dos hospe-
34.2.2. Suberização deiros (Figuras 34.1 e 34.6). A maioria dos fitopatógenos pode
Enquanto a cutícula recobre a parte aérea das plantas, a produzir uma variedade de enzimas, normalmente extracelulares,
superfície dos órgãos subterrâneos é, geralmente, recoberta por que atuam na degradação dos componentes da parede celular.
uma camadaprotetora, que tem a suberina, um polimero insolúvel Geralmente, essas enzimas mostram-se induzíveis, estáveis e
associado com ceras solúveis, como componente principal. Essa presentes em tecido hospedeiro infectado. O contato entre essas
camada também se forma nos tecidos em resposta à injúria mecà- enzimas e a parede celular podeser visto como uma dasprimeiras
nica ou quando os mesmos ficam expostos devido, por exemplo, interações moleculares entre patógeno e hospedeiro, cujo resul-
à abscisão de folhas e frutos. A suberização dos tecidos evita a tado podealterar o balançofinal da interação.
difusão de água e nutrientes e, provavelmente, evita a penetração As paredescelulares mostram-se como estruturas complexas
de patógenos em tubérculos e raizes. As camadas de suberina e dinâmicas, circundando o protoplasto, externamente à membrana
ocorrem principalmenteentre a paredecelular e a membranaplas- plasmática (Figuras 34.1 e 34,6; Tabela 34.1). Podem estar
mática e mostram umaestrutura lamelar (Figura 34.5). A compo- envolvidas na expansão celular, influenciando a forma da célula

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Manualde Fitopatologia

Tabela 34.1 — Principais polímeros das paredescelulares de plantas


dicotiledôneas.
E
EE j Peso emrelação
LAMELA MÉDIA ENTE
MEMBRANAPLASMÁTICA
PAREDE PRIMÁRIA: Celulose 30
PAREDE SECUNDÁRIA Hemiceluloses
ESPAÇO INTERCELULAR.
Xiloglucana 19
LUMEM
À PLASMODESMATA Glucouronoarabinoxilana Es
= A, >
= = Polissacarídeos pécticos
Homogalacturonana 6
Ramnogalacturonana 1 7.
RamnogalacturonanaIL 3
: ! MICROFIBRILAS B Arabanas, galactanas e arabinogalactanas 18
i E Glicoproteína rica em hidroxilprolina 12
| MATRIX CONTÍNUA
Fonte: Modificada de Goodmanetal. (1986).

LAMELA| PAREDE PAREDE Lá


MEDIA PRIMÁRIA SECUNDÁRIA a

H 0H

“03 Won À
ESe Celulose OH H
H oH
SuatáciasóticosLLLIIE
É ,
F<tT” Hemicelulose ZZ2) Aço H OH
| a H
Lignino” HOM H
Proteina H oH
cHo”“ty
Figura 34.6 — Representação esquemática da estrutura (A) e compo- Figura34.7 - Polímeros pécticos: (a) ácido poligalacturônico;
sição (B)dasparedesde células vegetais. (b) pectina.
Fonte: Adaptada de Agrios ( 2005); Heitefuss & Williams (1976).
podem também apresentar curtas cadeias laterais de resíduos de
D-galactose e outrosaçúcares. Dependendodo grau de metilação
e, consequentemente, a morfogênese de tecidos vegetais. De dos grupos carboxílicos dos resíduos de ácido galacturônico,
maneira geral, são divididas em três regiões estruturais: lamela esses polímeros são conhecidos como ácido pectínico (< 75%
média, que compreendea regiãoentre as paredes decélulasvizi- metilação) ou pectina (> 75%) (Figura 34.7). Os polissacarídeos
nhas; paredeprimária, localizadaentre a membrana plasmática pécticos também são encontrados na parede primária (ca. 35%
ea lamela média, formada, somente em células em ativo processo em dicotiledôneas e 8-9% em monocotiledôneas), onde formam
de crescimento, apósa divisão celular ser completada; parede um gel amorfo, o qual preencheosespaçosentre as microfibrilas
secundária, localizada internamente à parede primária, formada de celulose. Em função da capacidade de formarem géis, devido
após o términoda expansãocelular. às ligações entre cadeias por meio de íons cálcio, as substân-
cias pécticas atuam como uma espécie de cimento intercelular,
34.3.1. Lamela Média mantendo coesosos tecidos vegetais.
A lamela média é constituída principalmente por substân- Várias enzimas, conhecidas como pectinases ou enzimas
cias pécticas, as quais são polissacarídeos formados por longas pectolíticas, degradam substâncias pécticas(Figura 34.8; Tabela
cadeias de ácido D-galacturônico (= ácido poligalacturônico, 34.2). Essas enzimas são normalmente agrupadas segundoalguns
ácido péctico), com ligações a-1,4 entremeadas com resíduos de critérios: 1) mecanismo através do qual rompem as ligações glico-
ramnose (= ramnogalacturonana) (Figura 34.7). Esses polímeros sídicas a.-1,4 (hidrolítico ou B-eliminativo, onde as ligações são

394
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

deve-se mencionar as metilesterases da pectina (=pectina este-


rase) (MEP). Essas enzimas promovem a desmetilação da pectina
através da hidrólise de radicais metila, expondoa carboxila dos
ácidos galacturônicose liberando metano! (Figura 34.8). Embora
não modifiquem o comprimentodacadeia de pectina, as metiles-
terases alteram algumas das propriedades desse polímero, como,
por exemplo, a solubilidade.
De maneira geral, as trans-eliminases apresentam reque-
rimento parcial ou total por íons Ca?” e pH ótimo em torno de
8-10, enquanto que as galacturonases mostram-se mais ativas em.
pH baixo(4-5), podendo inclusive ser inibidas por Ca”. A ativi-
dadedas enzimas pectolíticas podeseravaliada através do uso de
métodos espectrofotométricos, cromatográficos, técnicas viscosi-
métricas e reações específicas. E
34.3.2. Paredes Primária e Secundária
Os polissacarídeos constituintes das paredes celulares têm
* sido tradicionalmente divididos em substâncias pécticas, hemice-
lulosese celulose, com base na solubilidade, e não na composição
química (Tabela 34.1). As hemiceluloses são encontradas na
Figura 34.8 - Mecanismo de ação de algumas enzimas pectolíticas: matriz das paredes primária (em maior abundância) e secundária
(a) metilpoligalacturonase (MPG); (b)trans-eliminase
(Figura 34.6), sendo compostas principalmente pelos monos-
do ácido poligalacturônico (TEPG); (c) metilesterase sacarídeos xilose, arabinose, glicose, manose e galactose. Uma
da pectina (MEP). das funções biológicas desses polímeros é a conexão das frações
péctica e celulósica nas paredes. A hemicelulose predominante
rompidas, respectivamente, pela adição ou remoção de moléculas nas paredes primárias de plantas dicotiledôncas é a xiloglucana,
de água); 2) especificidade da enzimapelo substrato (pectina ou a qual consiste basicamente de um esqueleto carbônico de molé-
ácido péctico); 3) posição da ligação a-1,4 rompida na cadeia culas de D-glicose, com ligações glicosídicas f3-1,4 e ramifica-
péctica (terminal ou não). ções de xilose em ligações a-1,6 (Figura 34.9). Essc polímero
As hidrolases que exibem maior especificidade para a liga-se não covalentemente (pontes de hidrogênio) às fibrilas de
pectina como substrato são denominadas metilpoligalacturonases celulose e covalentemente à fração péctica, tendo considerável
(MPG), enquanto que aquelas exibindo maior especificidade-para implicação na estrutura da parede, proporcionando às paredes
o ácido péctico são chamadas poligalacturonases (PG) (Tabela primárias e secundárias imaturas flexibilidade e, provavelmente,
34.2). Se a enzima promove a degradação do substrato a partir maior permeabilidade. Por sua vez, xilanas, que apresentam
das extremidades,liberando, portanto, monômeros,o prefixo exo cadeias de xilose com ligações f-1,4, constituem-se nas princi-
éutilizado. A hidrolase, por exemplo, liberando somenteácido pais hemiceluloses das paredes secundárias das dicotiledôneas.
galacturônico, a partir do ácido péctico,é designadia como exopo- No caso das plantas monocotiledôneas, as principais hemicelu-
ligalacturonase, enquanto que a enzima liberando oligômeros é loses encontradas são as arabinoxilanas (apresentam cadeias
chamada endopoligalacturonase. Por sua vez, as trans-eliminases laterais de arabinose e perfazem pelo menos 40% da parede
(também conhecidas como liases B-eliminativas) que exibem primária) e as B-glucanas (resíduos de glicose unidos por meio
maior especificidade para a pectina como substrato, são denomi- de ligações B-1,3 e B-1,4). Várias outras hemiceluloses têm sido
nadas metil trans-eliminases do ácido pectínico (TE) (=pectina caracterizadas, principalmente a partir da parede secundária de
liase), enquanto que aquelas exibindo maior especificidade para plantas lenhosas, como mananas, glucomananas e galactogluco-
o ácido péctico são chamadastrans-eliminases do ácido poliga- mananas.
lacturônico (TEPG) (=liases do ácido péctico) (Tabela 34.2). Da A degradação das hemiceluloses em constituintes mono-
mesma forma queas galacturonases,estas tambémexibem modo méricos requer a atividade de várias enzimas, genericamente
de ação exo ou endo. conhecidas como hemicelulases. Os nomes específicos dessas
Além das hidrolases e trans-eliminases, que alteram o enzimas variam em função do substrato e dos monômeroslibe-
comprimento das cadeias dos polímeros pécticos (Figura 34.8), rados, por exemplo, B-1,4 xiloglucana é hidrolisada por endoglu-

Tabela 34.2 — Classificação das principais enzimas degradadoras da pectina e ácido péctico.

Substrato z
ELCiça ro [ESET
Pectina Trans-eliminases do ácido pectínico (TE)
(ácido pectínico)
. —Metilpoligalacturonases (MPG) (= pectina liases)
Ácido péctico Trans-eliminases do ácido poligalacturônico (TEPG)
(ácido poligalacturônico) Poligalacturonases (PG) (= liases do ácido péctico)
Manual de Fitopatologia

canase e fi-1,4 xilana por endoxilanase, enquanto que mananas,


glucomananase galactomananas são completamente hidrolisadas
por uma série de enzimas (B-1,4 endomanase, B-manosidase,
B-glucosidase e P-galactosidase).
A celulose, um polissacarídeo de cadeias longas (1-3 um),
é formada por moléculas de glicose em ligações P-1,4 e cons-
titui-se no principal componente estrutural das paredes celulares
dos vegetais (20-30% nas paredes primárias e acima de 40% na.
parede secundária de plantas lenhosas) (Tabela 34.1), tendo a
microfibrila como unidade biológica básica (Figura 34.10). As
microfibrilas apresentam regiões amorfas e cristalinas, sendo
que as cadeias de celulose são mantidas coesas por pontes de
hidrogênio. Na parede primária, as microfibrilas possuem uma
orientação ao acaso, ao passo que na parede secundária ocorrem
em lamelas dispostas paralelamente. Os espaços entre as micro-
fibrilas, na parede primária, são preenchidos com substâncias
pécticas e hemicelulose, enquanto que, na parede secundária,
podem também conter lignina e, em alguns tecidos, suberina.
A celulose mostra-se como uma substância cristalina e inso-
lúvel em sua forma nativa. A degradação desse polímero, com a
produção final do monossacarídeo glicose, resulta da ação de dife-
rentes celulases. Historicamente, a degradação da celuloseera expli-
cada pela hipótese das enzimas C, e C,, onde a enzima C, atuava
sobre o polimero cristalino, expondo-o a ação da enzima C,. À essas
enzimas, juntava-se a B-glucosidase, a qual reduzia o dímero celo-
biose resultante em glicose. Subsequentemente, a terminologia
C,€, foi substituída por um esquema que definiu a decompo-
sição da celulose por um sistema de três enzimas (Figura 34.11). A
primeira enzima, denominada P-1,4 D-glucanase, agindo ao acaso,
rompe as ligações glicosídicas da cadeia de glucana. Em seguida,
as extremidades não redutoras expostas tornam-se substratos para a
-1,4-D-glucana celobiohidrolase, a qual libera moléculas de celo-.
biose, Finalmente, a hidrólise da celobiose em glicose é catalizada
pela B-glucosidade.
Derivados do ácido cinâmico são constituintes comuns das
paredescelulares, dos quais o mais comum a lignina, principal-
mente em plantas lenhosas. A lignina pode ser visualizada como
um polímero tridimensional, amorfo,constituído de unidadesfenil-
propano (Figura 34.12), cuja polimerização final ocorre devido à
oxidação das hidroxilas dos grupos fenólicos pela peroxidase. A
deposição de lignina ocorre após a maturação da parede celular,
em substituição às moléculas de água, podendoligar-se covalen-
temente aos outros constituintes poliméricos, dando rigidez à
parede. A degradação enzimática da lignina, embora não comple-
tamente esclarecida,é catalizada porligninases.
Asparedes celulares podem também apresentar proteínas,
F=fucose cujo conteúdo (em geral < 10%) varia com tipo de célula e condi-
G=glicose ções ambientais. Dentre as proteínas encontradas nas paredes,
A= arabinose tem-se as glicoproteínas ricas em hidroxiprolina (GPRHP), onde
as extensinas são exemplos destas. Essas proteínas consistem
X = xilose
basicamente de seis aminoácidos. onde a hidroxiprolina repre-
GAL = galactose senta 46% dos mesmos. A molécula é caracterizada porapresentar
1/3 de proteína e 2/3 de carboidratos (galactose perfazendo 3% e
arabinose, 97%). As extensinas mostram-se altamente insolúveis e
Figura 34.9 — Estrutura de umaxiloglucanaisolada da paredeprimá- praticamente confinadasàs paredes primárias das células em ativo
ria de células em suspensão de Platanus sp. Resíduos processo de crescimento, tendo umaaparente função estrutural, A
de xilose sãoligadosao esqueleto carbônico de glico- degradação enzimática dessas extensinas por proteases mostra-se
se, enquanto que um dímero de galactose e fucose é difícil, provavelmente devido ao baixo número deligações susce-
ligado à xilose. tíveis à ação enzimática (resultado do alto teor de hidroxipro-
Fonte: Adaptada de Goodmanetal. (1986). lina) ou ao recobrimento da molécula por carboidratos, tornando

396
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Pontes de Hidrogênio Codela de fatI-4)D-glicase


RT

E dos celobiose
NANA otucana
EaOP
(ad extremidade não redutora

|— Região Amorta
Substâncias de RegidoCristalina
Preenchimento
Pectina,
Hemiceluloses Micela
ou Lignina.
Substâncias de Preenchimento
Cadeia de Celulose

Figura 34.10 — Estruturabásica da celulose e das microfibrilas.


Fonte: Adaptada de Agrios (2005); Goodmanet al. (1986).

a parte proteica inacessível às proteases. Além das GPRHPs,


também pode-se encontraras proteínas ricas em glicina (PRG) e
as ricas em prolina(PRP).

34.3,3. Papel das Enzimas Degradadoras dá Parede Figura 34.11 — Complexo enzimático envolvido na
na Patogenicidade hidrólise das cadeias poliméricas de
Com exceção dos vírus e viroides, fitopatógenos podem celulose: f-1,4 D-glucanase (EG);
produzir um grande número de enzimas (pectinases, celulases, P-1,4 D-glucana celobiohidrolase
hemicelulases, etc.) capazes de degradar os polímeros estru- (CBH); B-glucosidade (-G).
turais das paredes celulares (Faria et al., 2003; Kubicek et al., Fonte: Adaptada de Goodman etal. (1986).
2014). Portanto, as enzimas degradadoras da parede (EDP) estão
provavelmente envolvidas na maioria das doenças de plantas.
A contribuição dessas enzimas na patogênese pode envolver a a um gene repórter tipo GUS, bem como se efetuar alterações
extensiva destruição dos tecidos vegetais por patógenos necro- na produção da enzima e se demonstrar possíveis mudanças na
tróficos (por exemplo, enzimas pectolíticas), bem como altera- patogenicidade ou agressividade. Essas alterações poderiam ser
ções específicas e localizadas nas paredes celulares por pató- efetuadas com o auxílio da engenharia genética por meio de
genos biotróficos (por exemplo, glicanases é glicosidases). complementação gênica de um mutante deficiente, expressão
Essas enzimas têmsido estudadas em Botrytis fabae, Colletotri- gênica heteróloga, expressão gênica antisenso e mutação gênica.
chum lindemuthianum, Pectobacterium carotovorum, Erwinia Dentre as EDP, as enzimas pectolíticas são as mais estu-
chrysanthemi, Fusarium oxysporum f. sp. lycopersici, Rals- dadas no tocante ao papel na patogênese. Umadas razões para esse
tonia solanacearum, Puccinia graminis f. sp. tritici, Rhizoc- interesse deve-se ao tratamento de tecidos vegetais com pecti-
tonia solani (Thanatephorus cucumeris) e Verticillium albo- nases purificadas, o que ocasiona a separação das células e morte
atrum, entre outros fitopatógenos. Embora estejam ligadas à das mesmas. Esse processo ocorre durante o desenvolvimento de
degradação dos componentesda parede, a comprovação do envol- muitas doenças, principalmente nas podridões moles (Capítulo
vimento das EDPna patogênese deve preencher algunscritérios, 22 desta obra), ondeos tecidos perdem rigidez. A separação das
como: capacidade do patógeuo em produzir as EDP in vitro; células, chamada maceração, é devida à destruição da integri-
detecção das EDP em tecido infectado; correlação da produção dadeestrutural da lamela média, principalmente por endopoliga-
das EDP com patogenicidade; alterações nas paredes de tecidos lacturonases e endopectato liases. A morte celular ocorre, aparen-
infectados observáveis com o uso de" técnicas de microscopia; temente, devido ao enfraquecimento da parede celular primária,
reprodução dasalterações na parede ou sintomas da doença com em virtude do rompimento das ligações a-1,4 entre os resíduos
o uso de EDP purificadas. Além dessescritérios, pode-se incluir de ácido galacturônico, o que ocasiona o rompimento ou alte-
a fusão do promotor do gene codificando a enzima de interesse ração da permeabilidade seletiva da membrana plasmática sob

397
Manual de Fitopatologia

a) ç

é

cho:

Figura 34,12 — (a) Estrutura do polímero de uma lignina; (b) unidade fenilpropano (carbonos podem
apresentar os seguintes grupamentos: -OH, “OCH, =0).
Fonte: Adaptada de Goodman et al. (1986).

condições de estresse osmótico, Embora as enzimas pectolíticas relacionamento causal entre a degradação de substâncias pécticas
possam tornar ascélulas vegetais osmoticamente frágeis, estudos ea patogênese é bem estudado para as bactérias causadoras de
indicam a possibilidade de fragmentos da parede celular, libe- podridões moles. Trabalhos com mutantes de E. chrysanthemi,
radosporpectinases, também serem prejudiciais às células tanto deficientes na produção de enzimas pectolíticas, sugerem que
quanto as paredes celulares enfraquecidas. essas enzimassão essenciais para a maceraçãodostecidos vege-
As enzimas pectolíticas estão sujeitas a mecanismos regu- tais. A transferência de umgene(Par), o qualcontrola síntese e
latórios similares aos das cutinases (Figura 34.4) e aos de outras secreção de TEPG (Tabela 34.2), a partir de umacepa bacteriana
enzimas envolvidas na degradação dos polímeros extracelulares. doadora para cepas com reduzida atividade de TEPG, mostrou
De maneira geral, o fitopatógeno possui uma ou mais pectinases que somente os recombinantes Pat+ causavam a maceração dos
pré-formadas, em baixo nível, as quais, quando em contato com tecidos de batata, cenoura e aipo. Os recombinantes Par- não
os polímeros de ácido galacturônico na lamela média e parede causavam a maceração, mesmo exibindo níveis de PG compa-
primária, liberam monômeros e/ou oligômeros a partir desses ráveis aos da cepa doadora Pat+ e aos dos recombinantes Pat+.
polímeros. Esses fragmentos pécticos liberados podem funcionar Estudos com transformantes de Escherichia coli, uma entero-
comosinaisparaa síntese das pectinases(indução autocatalítica), bactéria normalmente não associada com plantas, indicam que a
mas em concentrações muito elevadas podem atuarna repressão introdução de um genede E. chrysanthemi para a produção de TE
da síntese dessas mesmas enzimas (repressão autocatabólica). (Tabela 34.2) converte E. coli em uma bactéria virulenta em tubér-
Glicose e outros açúcares também podem atuarnessa repressão, culos de batata. Essa observação suporta a importância da TE na
que pode ser abolida, porém, por adenosina-monofosfato cíclico patogênese das podridões moles. Por outro lado, a maceração dos
(CAMP). A regulação da síntese das enzimaspectolíticas é bem tecidos nem sempre pode ser correlacionada com aumentos na
compreendida em espécies de bactérias causadoras de podridões síntese de pectinasesin situ, haja vista a existência de mutante de
moles (Pectobacterium carotovorum, E. chrysanthemi), bem E. chrysanthemi incapaz de crescer em meio de cultivo contendo
como em Verticillium albo-atrum e Fusarium oxysporum£. sp. substâncias pécticas, mas com a capacidade de causar mace-
lycopersici, agentes causais de murchas vasculares (Capítulo 25 ração dos tecidos em escala similar à da cepaselvagem original.
desta obra). Deve-se ressaltar, porém, que esse mutante produz um nível basal
A produção de pectinases in vitro, ou mesmo in situ, por elevado de enzimas pectolíticas, o que pode ser suficiente para a
bactérias e fungos, nãose constitui em prova definitivada impor- patogenicidade.
tância das mesmas na patogênese. A indução de enzimas pecto- Evidências que as enzimas pectolíticas são essenciais em
líticasin vitro muitas vezespodeestar mais ligadaà obtenção de doenças fúngicas que não envolvem a maceração dos tecidos,
nutrientes do que especificamente associada à patogenicidade. O como, por exemplo, nas murchas vasculares, onde as pecti-
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

nases podem estar envolvidasna indução de “plugs”e oclusões A degradação enzimática da lignina é característica de
nos vasos, são pouco convincentes. Mutantes de E oxysporum fungos saprófitas, na maior parte basidiomicetos, envolvidos
£. sp. fycopersici, deficientes na produção de PG (Tabela 34.2), na decomposição de madeira (por exemplo, Ganoderma spp.,
mostraram-se menosagressivos, mas aindapatogênicos, em toma- Poria spp.), o que resulta na chamada podridão branca, carac-
teiro. Estudos similares com mutantes de Verticillium dahliae, terizada por um emaranhado de filamentos claros constituídos
induzidos por radiação ultravioleta e deficientes na capacidade de basicamente de celulose, Embora vários fitopatógenos, princi-
produzir PG, MEP, TE ou combinações dessas enzimas, eviden- palmente ascomicetos e algumas bactérias, produzam pequenas
ciaram a capacidade dos mutantes em causarsintomasde murcha quantidades de ligninases, a habilidade desses microrganismos
quando inoculados em hastes de algodoeiro. Porém, os estudos em degradar a lignina ainda precisa ser melhorinvestigada. Por
dessa natureza não eliminam o possível papel das pectinases exemplo, estudos com o uso de corantes e substratos marcados
fúngicas na penetração dos hospedeiros e na velocidade do desen- com radioatividade, demonstraram a capacidade lignolítica
volvimento dos sintomas de murcha. Além disso,trabalhos com de Fusarium solani £sp. glycines, ageme causal da podridão
diferentes fungos fitopatogênicos (Borrytis cinerea, Penicillium vermelha em soja, em função da produção das enzimas laccase e
expansum, Cryphonectria parasitica, Alternaria citri e Colleto- peroxidaseda lignina (principais enzimasfúngicas degradadoras
trichum gloeosporioides) começam a auxiliar no melhor entendi- desse polímero). Esses resultados indicaram a possível impor-
mento das enzimas pécticas nasinterações patógeno-hospedeiro, tância da degradação da lignina durantea infecção, colonização e
Por outro lado, como já ressaltado, na avaliação das evidências sobrevivência do fungo (Lozovaya et al., 2006).
entre a presença de enzimas pectolíticas in vitro e patogenicidade,
osresultados devem serinterpretados com cautela, haja vista que 34.4. DEGRADAÇÃO DE COMPONENTES DA
a produção de pectinases in vitro depende da composição do meio MEMBRANA PLASMÁTICA
de cultivo, dos isolados dos microrganismosutilizados, da idade A membrana plasmática (plasmalema) (Figura 34.1 e Figura
das culturas microbianase defatores outros que possam regular a 34.6) separa o interior da célula do ambiente externo, enquanto
síntesee a atividade dessas enzimas. as membranas de organelas delimitam compartimentos no inte-
Estudos sobre o papel das celulases e hemicelulases bacte- tiar celular. Extensões da membranaplasmática (plasmodesmata)
rianas e fúngicas na patogênese ainda são escassos e não mostram atravessam a parede celular e promovem conexões com as células
um claro relacionamento entre degradação dos polímeros celu- vizinhas. As membranas vegetais contêm proteinas (40-50%)
lose/hemicelulose e patogênese, como no caso da «degradação dos e lipídios (40%), e a maioria pode também conter carboidratos
polímeros pécticos. As evidências sugerem que a degradação da (0-10%) na forma de glicolipídios e glicoproteínas, Apresentam
parede celular, pelo menos nosestádios iniciais, envolve a degra- uma estrutura unitária dupla (camadalipídica dupla), formando
dação da pectina e de hemiceluloses, com a consequente exposição uma matriz, na qual os componentesproteicos se integram (Figura
das microfibrilas de celulose à ação das celulases. Trabalhos com 34.13). A camadalipídica contémtrês tiposde lipídios, os fosfoli-
Ralsfonia solanacearum e hastes de tomateiro fornecem evidências pídios, os lipídios neutros(colesterol) e osglicolipídios. Asprote-
da degradação de celulose durante a patogênese, bem como da exis- ínas podem ser de diferentes classes e tamanhos. De maneira
tência de uma correlação positiva entre agressividade e atividade geral, porém, são designadas como intrínsecas (voltadas para
celulolítica (isolados bacterianos pouco agressivos ou avirulentos o citoplasma) ou extrínsecas (voltadas para a parede celular).
exibem baixa atividade celulolítica, quando comparados com os Os carboidratos das membranas, glicolipídios ou glicoproteínas,
isolados mais agressivos). No caso dos fungos, a maioria dosresul- normalmente são orientados em direção à superfície extema. Alguns
tados sobre celulases e hemicelulases envolve fungos degradadores autores defendem o conceito que as membranasse assernelham a um
de madeira. Estudos envolvendo fitopatógenos filamientosos causa- mosaico fluído, onde as proteínas e glicoproteíinas movem-se num
dores de podridões moles e “damping-of” (Capítulos 22 e 23 desta oceano de lipídios. As membranas controlam de maneira sele-
obra), como por exemplo Rhizopusspp. e Pythium spp., demons- tiva o transporte de íons e moléculasnas células através de meca-
tram a alta atividade celulolítica desses patógenos em meio de nismospassivos e ativos. O transporte passivo (difusão) de água,
cultivo, mas não esclarecem o papel dessas celulases nas interações ions e compostos como açúcares e aminoácidos, os quais seguem
hospedeiro-patógeno. A presença de celulase é observada na inte- gradientes de concentração e são transportados com a água, ocorre
ração Rhizoctonia solani com hipocótilos de feijoeiro, onde o fungo através da matriz fosfolipídica, enguanto que o transporte ativo
penetra as paredes celulares do hospedeiro e, pela destruição da (contra gradientes de concentração) ocorre através do componente
celulose nativa, causa o colapso das células invadíclas, resultando proteico (proteínas intrínsecas), com a concomitante utilização de
na formaçãodelesões deprimidas no hipocótilo (Capítulo 24 desta energia metabólica (ATP).
obra). As celulases mostram-se importantes em doenças vasculares Em função da composição, as membranas podem sofrer
(Capítulo 25 desta obra), ondea liberação de oligômeros de celu- ação destrutiva de enzimas como fosfolipases (liberam ácidos
lose no interior dos vasos do xilema altera o fluxo normal de água graxos a partir de moléculas de fosfolipídios) e proteases (liberam
devido ao bloqueio dos elementos vasculares. Patógenos causa- peptídeos e aminoácidos a partir da ruptura dasligações pepti-
dores de murcha, como E oxysporume V. albo-atrum, produzem dicas em moléculas de proteínas). Estudos envolvendo a degr
celulases em cultura e possuem a capacidade de degradar a celu- dação enzimática dos componentes das membranas porfitopats
lose in vivo. Com relação às hemicelulases, várias bactérias (por genos (como, por exemplo, Botrytis cinerea, Erwinia carotovora,
exemplo, Xanthomonasalfalfae, Pseudomonassyringae pv. phase- Pseudomonas syringoe pv. tomaio, Sclerotium rolfsii, Thiela-
olicola) e fungos fitopatogênicos (Sclerotium rolfsii, Sclerotinia viopsis basicola) são escassose inconclusivos. Como será comen-
sclerotiorum, Rhizoctonia solani, Fusarium spp., Diplodia spp.) tado no presente capítulo, as profundas alterações que ocorrem
produzem essas enzimas. A importância da degradação das hemi- nas membranas durante a patogênese devem-se à ação de toxinas
celuloses na patogênese, porém, permanece obscura. produzidas por bactérias e, principalmente, por fungos. Algumas

399
Manualde Fitopatologia

por Cochliobolus heterostrophus (B. maydis), raça T, em germo-


plasma de milho em 1970-1971, nos EUA,são exemplosclássicos
da importância das toxinas como um dos principais fatores no
processo destrutivo.
camada Embora o termo toxina possa ser definido de diferentes
cipibiea maneiras, a definição proposta por Scheffer (1983) mostra-se
adequadaaosfitopatologistas. Toxinas são produtos de patógenos
microbianos que causam danos aos tecidos vegetais e qne estão
reconhecidamente envolvidas no desenvolvimento da doença.
As toxinas, também denominadasde fitotoxinas, são geralmente
de baixa massa molecular (< 1.000 daltons), móveis, ativas em
concentrações fisiológicas (< 10-10 M) e não apresentam
características enzimáticas, hormonais ou de ácidos nucleicos
Figura 34,13 - Representação esquemática da estrutura da membrana (Goodman et al., 1986).
plasmática.
Informações sobre estrutura, biossíntese, regulação e meça-
Fonte: Adaptada de Goodman et al. (1986).
nismosde açãodas fitotoxinas aumentaram nosúltimos anos(Beres-
tetskiy, 2008; Bignell et al., 2013; Mobius & Hertweck, 2009;
espécies de Phytophthora, tendo um mododevida hemibiotrófico Pascholati et al., 2008; Pfeilmeier et al., 2016). Embora muitos
mantêm a membrana intacta no início da infecção (fase biotró- fungos e bactérias e poucos oomicetos fitopatogênicos possam
fica) para posteriormente romper a membrana na fase necrotró- produzir toxinas, as mesmas têm sido estudadas principalmente em
fica. Este rompimento de membrana pode ser feito através de fungos (Pusztahelyi et al., 2015). Por se constituírem em um grupo
enzimas, toxinas e até mesmo por ação mecânica do crescimento diverso de compostos,as toxinas não exibem características estrutu-
das hifas no tecido (Osswald et al., 2014). rais comunse incluem substâncias como peptídeos, glicopeptídeos,
A maioria dos fitopatógenos obtém os nutrientes necessá- derivados de aminoácidos, terpenoides, esteroides, policetídeos e
rios para o crescimento e a reprodução à partir de protoplastos quinonas (Meenaet al., 2017; Tsugeet al., 2013). Podem agir em.
dos hospedeiros. Alguns dos nutrientes, como açúcares (monos- diferentes sítios a nível celular, alterando a permeabilidade e/ou o
sacarídeos) e aminoácidos, podem ser utilizados diretamente potencial das membranas, tendo como consequência, por exemplo,
pelos patógenos. Outrosconstituintes das células vegetais, porém, mudanças no equilíbrio iônico, perda deeletrólitos,inibição ou esti-
como amido,proteínas e lipídios, necessitam ser degradados por mulação de enzimas específicas, aumentos na respiração e na bios-
enzimas secretadas por esses microrganismos. Todosos fitopa- síntese de etileno. Podem, também, atuar como antimetabólitos,
tógenos podem degradar, através da ação de enzimas proteolí- induzindo deficiências nutricionais na planta.
ticas, diferentes tipos de proteínas, o que resultã em profundas As fitotoxinas podem ser classificadas como não-seletivas ou
alterações na organização e função celulares no hospedeiro. O seletivas ao hospedeiro. As fitotoxinas não-seletivas(não-especi-
amido, um polímero de glicose, constitui-se no principal polissa- ficas) mostram-se tóxicas a várias espécies de plantas, independen-
carídeo dereserva nas células vegetais. A maioria dospatógenos temente das mesmas serem ou não hospedeiras do microrganismo
produz amilases,as quais degradam esse polímero em moléculas toxicogênico. Possuem a capacidade de induzir a manifestação
de glicose diretamente utilizáveis nas atividades metabólicas total ou pelo menosparcial dos sintomas causados pela presença
desses microrganismos. Diferentes tipos de lipídios (compostos do microrganismo nas plantas hospedeiras ou não-hospedeiras.
formadospor ácidos graxos) são encontrados nas células vege- Essas toxinas são consideradas determinantes secundários de
tais: óleos e gorduras, principalmente nas sementes, ceras, na patogenicidade, pois contribuem para a severidade da doença sem
cutícula, fosfolipídios e glicolipídios, nas membranas. Várias serem essenciais para a produção da mesma. A maioria dasfitoto-
bactérias e fungos podem degradar esses compostosatravés da xinas enquadram-se nesta categoria (Tabela 34.3). As fitotoxinas
ação de enzimaslipolíticas (lipases, fosfolipases, etc.), liberando seletivas (específicas) mostram-se tóxicas, em concentrações fisio-
ácidos graxos que podem serutilizados diretamente poresse fito- lógicas, somente às espécies de plantas ou cultivares que servem
patógenos. como hospedeiras do microrganismo produtorda toxina. Asfitoto-
xinasseletivas, também conhecidas como patotoxinas, são consi-
34.5. FITOTOXINAS deradas fatores de patogenicidade ou determinantes primários
As células vivas das plantas mostram-se como sistemas de patogenicidade, pois são essenciais para o estabelecimento do
altamente complexos, caracterizados por inúmeras reações patógeno no hospedeiro e para a manifestação da doença. Neste
bioquímicas que ocorrem interdependentemente e organizada- caso, em trabalhos envolvendo fitotoxinas, muitas vezes o termo
mente. Alterações dessas reações metabólicas interferem com patogenicidade é utilizado como sinônimo de virulência, onde o
os processos fisiológicos normais, levando ao desenvolvimento patógeno seria virulento ou avirulento. Essas toxinas são produ-
do processo doença (ver Capítulo 3 desta obra). Toxinas são zidas por alguns fungos (Tabela 34.4) e apresentam as seguintes
importantes particularmente por favorecer o estabelecimento características: a) o patógeno e a toxina exibem especificidade
do patógeno no interior do hospedeiro, sendo também respon- semelhante em relação ao hospedeiro; a resistência ou suscetibili-
sáveis pelo desenvolvimento de vários sintomas, como clorose, dadeda planta hospedeira ao patógeno mostra-se análoga,respec-
necrose e murcha (Berestetskiy, 2008; Mobius & Hertweck, tivamente, à insensibilidade ou sensibilidade da mesmaà toxina;
2009; Hayward & Mariano, 1997; Pascholati et al., 20083). b) a agressividade dos isolados patogênicos varia com as respec-
As epidemias causadas por Cochliobolus (Helminthosporium) tivas capacidades de produzir a toxina; c) a toxina produz, nas
victoriae em germoplasma de aveia em 1946-1948, bem como plantas suscetíveis, os sintomas característicos da doença.

400
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Tabela 34.3 — Exemplosdefitotoxinas não-seletivas (não específicas).

Bactérias
Tabtoxina Pseudomonas syringae pv. tabaci Fumo(Nicotiana tabacum)
P coronafaciens (syringae) pv. coronafaciens Aveia (Avena sativa) e outroscereais
P. coronafaciens (syringae) pv.garcae Cafeeiro (Cofea arabica)
Faseolotoxina P. syringae pv. phaseolicola Feijoeiro (Phaseolus spp.) e outras leguminosas
Siringomicina P. syringae pv. syringae Milho (Zea mays)
Siringotoxina P syringae pv. syringae Citros(Citrus spp.)
Tagetitoxina P syringae pv. tagetis Malmequer (Tagetes spp.)
Coronatina P syringaepv. atropurpurea Centeio (Secale cereale)
P syringae pv. glycinea Soja(Glycine max)
Corrugatina P corrugata Tomateiro (Solanum Iycopersicum)
Rizobitoxina Bradyrhizobiumjaponicum Soja (G. max)
Taxtominas Streptompyces scabies Batata (Solanum tuberosum)

Fungos

Ácido fusárico Fusarium oxysporum £sp. cubense Bananeira (Musa spp.)


E oxysporum £.sp. vasinfectum Algodoeiro (Gossypium spp.)
E oxysporum £sp. pisi Ervilha (Pisum sativum)
F oxysporuml f.sp. Iycopersici Tomateiro (S. lycopersicum)
Licomarasmina F oxysporum £.sp. vasinfectum Atgodoeiro (Gossypium spp.)
F oxysporum fsp.melonis Melão (Cucumis melo)
F oxysporum Esp Iycopersici 'Tomateiro (5. Iycopersicum)
Fusicoccina Fusicoccum amygdali Pessegueiro (Prunus persica) e amendoeira (P. amygdalus)
Piricularina Magnaporthe grisea (Pyricularia oryzae) Arroz (Oryza sativa)
Tentoxina Alternaria alternata (A.tenuis) Algodoeiro (Gossypium spp.)
Ácidoalternárico A. solani Tomateiro (S. fycopersicum) e batateira (Solanum tuberosum)
Zinniol A. zimniae Zínia (Zinnia spp.)
A. solani Tomateiro (S. /ycopersicum) e batateira (S. tuberosum)
A. douci Cenoura (Daucus carota)
Ofiobolina Cochliobolus miyabeanus (Helminthosporium oryzae) Arroz (O. sativa)
Helmintosporal Cochliobolus sativum (H. sativum) Cevada(Hordeum vulgare) e trigo (Triticum aestivum)
Coletocina Colletotrichum fuscum Digitalis lanata e D. purpurea
Cerato-ulmina Ophiostama (Ceratocystis) ulmi Olmo (Ulmus spp.)
Cercosporina Cercospora beticola Beterraba (Beta vulgaris)
Ácido oxálico Cryphonectria (Endothia) parasitica Castanheira (Castanea sativa)
Sclerotium spp. Inúmeras espécies vegetais (solanáceas, cucurbitáceas,
cruciferas, leguminosas, etc.)
Ácido fumárico Rhizopus spp. Pessegueiro (Prunus persica) e amendoeira (P amygdalus)
Oomicetos

Elicitinas Phytophthora spp. Diferentes espécies vegetais (brássicas, solánaceas)


Pyrhium spp.

401
Manual de Fitopatologia

Tabela 34.4 — Exemplos de fitotoxinas seletivas (específicas).

RE act de
HV(victorina) Cochliobolus (Helminthosporium) vicioriae Aveia (Avenastiva)
HC €. (Helminthosporium) carbonum raça1 Milho (Zea mays)
Alternariajesenskae* Fumana procumbens (Cistaceae)
HmT (toxina T) C. heterostrophus (Bipolaris maydis) raça T Milho(Z.mays)
HS (helmintosporoside) €. (Helminthosporium) sacchari Cana-de-açúcar (Saccharumspp.)

PC Periconia circinata Sorgo (Sorghum vulgare)


AK Alternaria alternata patótipo pêra japonesa (A. kikuchiana) Pereira japonesa (Pyrusserotina)
AM A. alternata patótipo macieira (4. mali) Macieira (Malus sylvestris)

ACRL Alternaria citri patótipo limão Limão rugoso(Citrus jambhiri)


ACTG A. citri patótipo tangerina Tangerina Dancy e mandarinas (€.reticulata)
AL A. alternata £sp. lycopersici Tomateiro (Solanum Iycopersicum)
ce Corymespora cassiicola Tomateiro (S. Iycopersicum)
PM Mycosphaerella zeae-maydis (Phyllosticia maydis) Milho (Z. mays)

* Primeiro relato de uma mesma toxinaseletiva (HC) sendo produzida por outro fungo.
Fonte: Wightet al. (2013).

34.5,1. FitotoxinasSeletivas ao Hospedeiro na permeabilidade das membranas a eletrólitos (Figura


As fitotoxinas seletivas são produzidas por determinados 34.14), no potencial de membranae na respiração (Figura
fungos, pertencentes a pelo menos seis gêneros distintos (Tabela 34.15), juntamente com a diminuição do crescimento e
34.4). As toxinas produzidas por Cochliobolus (Felminthospo- da síntese de proteinas. Quimicamente, a victorina apre-
rium) spp. e espécies e patótipos de Alternaria são as mais estu- senta uma estrutura complexa, sendo um pentapeptídeo
dadas. Embora efetores produzidos por algumas espécies de cíclico (Figura 34.16), composto de aminoácidos inco-
Phytophthora sejam consideradostoxinas, por causarem necrose muns, como dicloroleucina, 8-hidroxilisina e victalanina.
no hospedeiro, neste item serão descritas apenasas toxinas produ- O alvo primário da toxina parece ser a membrana plasmá-
zidas por fungos. tica, onde se liga a várias proteíuas. Por sua vez,o sítio de
ação parece ser o complexo glicina decarboxilase, o qual
* Toxina HV (victorina) — essa toxiua é produzida por se mostra importante no ciclo da fotorespiração.
Cochliobolus (Helminthosporium)victoriae, agente causal
da queimadasfolhas e podridão do colo e raízes em culti- * Toxina HmT (toxina T) — a toxina é produzida por
vares de aveia suscetíveis, os quais são portadores do Cochliobolus heterostrophus (Bipolaris mavdis), raça T,
gene Vj para resistência contra Puccinia coronata f.sp. agente causal da queima da folha em germoplasma de
avenae.O cultivar de aveia “Victoria” carrega esse gene e milho com citoplasma T (Texas), portador de macho este-
mostra-se pelo menos 10.000 vezes mais sensívelà toxina rilidade. O fungo mostra-se altamente virulento (agres-
do quecultivares não possuidores do mesmo. O fungo sivo) nesse germoplasma e a produção da fitotoxina é
infecta as partes basais de plantas de aveia suscetíveis, controlada por um único gene. A queima das folhas em
ondelibera a toxina duraute a germinação dos esporos, a milho constitui-se em exemplo de uma das mais sérias
qual é transportada para as folhas, causando a queima das doenças na história recente da fitopatologia, bem como
mesmase a consequente destruição da planta. C. victoriae no melhor exemplo de como a mudança em um gene do
é um parasita fraco e a produção da toxina HV, controlada patógeno pode criar uma epidemia de vastas proporções e
por um par de genes, mostra-se essencial para o cresci- aumentara área geográfica de ocorrência do mesmo(Sche-
mento do mesmouo hospedeiro e para a manifestação dos ffer, 1989). A fitotoxina inibe o crescimento das raízes em
sintomas. Somente os isolados fúngicos que produzem plântulas e afeta as folhas do hospedeiro através de alte-
a toxina em cultura são patogênicos. A toxina, caracte- rações na fotossíntese, ua respiração e no fechamento dos
rizada por ser a mais potente e seletiva dentre as fitoto- estômatos. A nível celular, » toxina ocasiona profundas
xinas seletivas,além de causar'todosos sintomas macros- alterações nas membranas,resultando em mudanças na
cópicos da doença induzidos na presença do patógeno, permeabilidade seletiva das mesmase na rápida perda de
também promove mudanças histoquímicas e bioquímicas eletrólitos. Em células de raízes de tecidos suscetíveis, o
similares no hospedeiro, ocasionando rápido aumento transporteativo de íons e moléculas através da membrana

402
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

O Sus - Tox q
E Res - Tox
9 esusaTo
Res + Tox >
TOXINA HmT (Pina 7 )

E
=" E uid ,
5D trtori Pico,
a
=
> 7
5
E [a]
]
8 l
o TOXINA AK
Minutas TOXINA AM
UI : E mM
Figura 34,14 Efeito da victorina Cochliobolus (Helminthospo-
rium) victoriae na perda de eletrólitos por tecidos es TR ç a
de aveia. Tempo, em minutos, apóso tratamento dos Da Pesa 1
tecidos coma fitotoxina.
Fonte: Adaptada de Schefrer & Samaddar (1970). TOXINA PE

Figura 34.16 — Estruturas de algumasfitotoxinas seletivas (somente


um componente representativo é ilustrado para cada
toxina).
2800 CONTROLE
o E
g & toxina 25x 10?
plasmática é interrompido e K* intracelular é perdido para
& 2400h E TOxiNA 1Ixio?
= o meio externo (Figura 34.17). As mitocôndrias de células
2 O toxina 1xio! de tecidos suscetíveis são sensíveis à toxina, a qual inter-
& 2000- fere com os processos oxidativos nessas organelas. A
9 s toxina interage com uma molécula proteica receptora
(URF13) localizada na membrana mitocondrial interna,
E
5. 1.600 - levando à formação de porose à perda da permeabilidade
> seletiva da mesma. Com relação à estrutura da toxina T,
=
P 1200 o sabe-se que é constituída de uma mistura aproximada
de 10 policetóis lineares, com um número de carbonos
ê variando entre 35e 45 (Figura 34.16).
= 800 a 2
8 É
A
o * Toxina HS (helmintosporoside) — essa fitotoxina é produ-
zida por Cochliobolus (Helminthosporium) sacchari, fungo
[= causador da mancha ocular em cana-de-açúcar. A toxina,
quando aplicada em folhas de plantas suscetíveis, induz o

DE 1
ss aparecimento de riscas marrom-avermelhadas, semelhantes
às ocasionadas pela presença do patógeno nostecidos. Em
função da correlação existente entre a sensibilidade dos
tecidosà fitotoxina e a incidência da doença, o helmintos-
poroside mostra-se como fator chave no desenvolvimento
Figura 34.15 — Aumentos na respiração de teêidossuscetíveis de aveia da mancha ocular. A nível celular, a toxina ocasiona
em função da concentração devictorina (Cochliobolus mudanças nas membranas do hospedeiro, particular-
[Helminthosporium] victoriae)utilizada. mente naquelas dos cloroplastos. Nas piantas suscetíveis,
Fonte: Adaptada de Krupka (1958). as membranas externas dessas organelas desintegram-se,

403
Manual de Fitopatologia

€. carbonum também pode afetar genótipos de milho resis-


tentes, mas somente em concentrações bem mais elevadas
(100 ou mais vezes). Os genótipos resistentes possuem um
=» e TOXINA |
ACÚMULO ( ymole-g"")

gene(Flm1), codificador da enzima redutase da toxina HC,


O — + TOXINA a qual detoxifica a toxina, enquanto que genótipos susce-
4 tíveis não possuem o mesmo. Embora possa estimular a
respiração,a fixação de CO, no escuro e a absorção de
solutos, as respostas dos tecidos suscetíveis do hospe-
3 deiro à toxina HC mostram-se diferentes daquelas obser-
vadas com outras fitotoxinas seletivas. Os bioensaios
24 para a toxina, os quais envolvem a avaliação da perda
de eletrólitos celulares e a inibição do crescimento de
raízes, requerem várias horas para que respostas mensu-
E ráveis possam ser obtidas, sugerindo uma longa cadeia
28 de eventos na expressão da disfunção celular. A fitoto-
xina não causa um desarranjo geral da membrana plas-
o T T T T T T mática (despolarização) nos hospedeiros sensíveis, como é
o 20 40 6 80 00 120 o caso da maioria das toxinas seletivas. O plasmalema é
afetadode maneirasutil, levando, por exemplo, ao acúmulo
TEMPO (min) de certos solutos (NO, Na”, CI”, metilglicose e leucina)
pelas células, os quais começam a exiravasar, normalmente
Figura 34.17- Efeito da toxina HmT (Cochliobolus heterostrophus seis horas após o início do acúmulo, causando a necrose
[Bipolaris maydis], raça T) no acúmulo de potássio do tecido. Aparentemente, a toxina age como supressora
em raízes de milho com citoplasma T (portador de das respostas de defesa, evitando a expressão de genes
macho esterilidade). envolvidos na resistência da planta. Estruturalmente,
Fonte: Adaptada de Mertz & Amitzen(1977).
a toxina HC mostra-se como um tetrapeptídeo cíclico
(Figura 34.16), contendo um aminoácido incomum, deno-
levando a uma drástica redução na fixação do CO,. Em minado ácido 2-amino-8-0x0-9,10-epoxidecanoico, o
folhasresistentes,os cloroplastos geralmente permanecem qual é essencial para a expressão da atividade biológica
inalterados. A sensibilidade (suscetibilidade) das plantas à da toxina.
toxina HS é correlacionada com a babilidade da mesma Toxina AK — é produzida por Alternaria alternata pató-
em se ligar a umaproteína, aparentemente presente apenas tipo pêra japonesa, anteriormente conhecida como
na membranaplasmática de plantas suscetíveis.À ligação A. kikuchiana, agente causal da mancha negra em folhas e
da toxina a essa proteína altera indiretamente a atividade frutos de pêra japonesa (Pyrus serotina). A toxinaé produ-
da ATPase nas membranas, o que ocasiona aumento na zida durante a germinação dos conídiose antes da invasão
permeabilidade (alterações no balanço iônico), com a dostecidos do hospedeiro, sendo, portanto, importante no
consequente necrose dos tecidos do hospedeiro. Helmin- processo inicial da infecção. Variedades de pereira susce-
tosporoside é uma mistura detrês isômerosde glicosídeos tíveis, quando tratadas com o fungo ou com a toxina,
sesquiterpenoídes, contendo galactose (Figura 34.16). exibem sintomas necróticos, enquanto que variedades
Essas formas isoméricas, embora podendo diferirnaati resistentes não exibem nenhum tipo de dano. A atividade
dade, mostram-se altamente tóxicas às plantas suscetíveis tóxica em células sensíveis é evidenciada por invagina-
ao fungo. Curiosamente,o fungo também produz,in vitro, ções na membrana plasmática e pela rápida (aproxima-
glicosídeos sesquiterpenoides não tóxicos, denominados damente 20 minutos) perda deeletrólitos, principalmente
de toxoides. Esses glicosídeos mostram-se como análogos K* e fosfato. A saída de eletrólitos resulta em reduções
da toxina HS, porém de menor massa molecular, devido no potencial de membrana e em necrose dos tecidos da
à ausência de umaou mais unidades de galactose. Alguns planta. Pelo menos duas toxinas são produzidas pelo
desses análogos agem como inibidores competitivos de fungo, sendo denominadas AK-I e AK-II (Figura 34.16).
helmintosporoside, protegendo, assim, os tecidos sensí- São caracterizadas como derivativos do aminoácido feni-
veis contra a toxina. lalaninae contêm um ácido graxo de 11 carbonos. A toxina
AKI possui umaestrutura similar âquela da toxina AK-1,
Toxina HC — a toxina é produzida por Cochliobolus
apresentando, porém, um radical metila extra no resíduo de
(Helminthosporium) carbonum,raça 1, agente causador de
fenilalanina,o que reduz suatoxicidade (cerca de 100 vezes
manchas em folhas de milho. A produção da fitotoxina é
menos potente). Trabalhos indicam que a toxinaliga-se a
controlada por um único gene e a mesma mostra-se essen-
um receptor específico, com radicais sulfidrila, aparente-
cial para o patógeno infectar e colonizar folhas de genó-
mente localizado na membrana plasmática de frutos susce-
tipos de milho portadores dealelos recessivos no locus Am.
tíveis imaturos.
O fungo produz e libera a toxiha no momento da germi-
nação dos conídios e penetração das folhas, sendo possível Toxina AM — essa toxina é produzida por Alternaria
detectar um acúmulo da mesma nostecidos foliares durante alternata patótipo macieira, anteriormente conhecida
o desenvolvimento das lesões necróticas. A fitotoxina de como 4. mali, fungo causador de manchas em variedades

404
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

de macieira suscetíveis. A fitotoxina mostra-se altamente


seletiva, haja vista a capacidade de variedades de macieira
resistentes tolerarem altas concentrações da toxina sem a
exibição de sintomasda doença. Múltiplas formasda fito-
toxina, denominadas AM-I, II e III, podem ser detectadas

INIBIÇÃO (%)
em fluido de germinação dos conídios ou em culturas in
vitro do fungo. A toxina AM-I, que exibe a maior ativi-
dadetóxica, mostra-se como um peptídeo cíclico com um
anel de 12 membros. As toxinas AM-II e III diferem da
es
AM-l em relação ao substituinte na posição “para” do anel
benzênicopresente naestrutura (Figura34.16). O sítio e o
mecanismo de ação das toxinas AM são semelhantes aos
das toxinas AK, Além da desorganização do plasmalema
e saída de eletrólitos, também promovem alterações nos 7 01 5 10 50 W0 - 500000
cloroplastos, causando a rápida perda de clorofila. Essas
observações suportam a possibilidade da existência de
CONCENTRAÇÕES (ng/ml)
diferentes sítios de ação nos hospedeiros suscetíveis. As
toxinas AM já foram sintetizadas quimicamente, o que Figura 34.18 — Efeito de diferentes concentrações da toxina PC
facilitou os estudos envolvendo a estrutura química e a (Periconia circinata) no crescimento de raízes de
atividadetóxica das mesmas, cultivares de sorgo suscetível (») ou resistente (0) ao
patógeno.
Toxina PC — a toxina é produzida pelo fungo Periconia Fonte: Adaptada de Wolpert & Dunkle (1980).
circinata, habitante do solo, que invade raizes e coroas
de cultivares suscetíveis de sorgo, causando uma toxemia
sistêmica, o que resulta em enfezamento e queima das
amenas(18-20 ºC) tanto in vitro comonaplanta, mostra-se
folhas. A produção da toxina é essencial para 2 patogeni-
responsável pelos sintomas secundários e contribui signi-
cidade e o papel da mesma na colonização dos tecidos do
ficativamente paraa agressividade do patógeno em condi-
hospedeiro mostra-se similar ao da victorina. A fitotoxina
ções de campo. À faseolotoxina é um tripeptídeo contendo
causa, em tecidos sensíveis de sorgo, aumento na respi-
omitina, alanina e arginina, bem como um grupamento
ração, diminuição do crescimento e da síntese de prote-
fosfosulfamil (Figura 34.19). Quando de seu transporte
ínas, além de alterar a permeabilidade das membranas.
da célula bacteriana para o interior da planta, a toxina é
A Figura 34.18 ilustra o efeito da toxina em bioensaio
hidrolisada por peptidases, liberando alaninae arginina, e
envolvendo a inibição do crescimento de raízes susceti- dandoorigem ao composto fosfosulfamilornitina, também
veis de sorgo. A toxina é facilmente produzida pelo fungo denominada de octicidina, que se mostra como principal
in vitro e consta de dois dipeptídeos tóxicos, denominados responsável pela atividade biológica tóxica. A faseoloto-
peritoxinas A e B, contendolisina cíclica, ácido aspártico xina e a octicidina são inibidores específicos da enzima
eum ácido dicarboxílico com 10 carbonos(Figura 34.16).
carbamoiltransferase da omitina (CTOase), responsável
A presença de um grupo amina e de uma hidroxila livres pela conversão da ornitina em citrulina, este um precursor
nalisina cíclica mostra-se como característica crucial para do aminoácido arginina. Como resultado da ação desses
a atividade fitotóxica das peritoxinas. compostos tóxicos, os tecidos do hospedeiro passam a
acumular omitina e a exibir uma redução nonível de argi-
34.5.2. Fitotoxinas Não-seletivas ao Hospedeiro nina. Essa alteração leva à inibição do acúmulo de prote-
A maioria das toxinas enquadra-se na categoria de fito- ínas e a clorose parece ser uma consequência dos baixos
toxinas não-seletivas, as quais são produzidas por um grande níveis proteicos. A octicidina mostra-se como um inibidor
número de fungos, oomicetose bactérias (Tabela 34.3). Algumas mais potente (20 vezes) da CTOase do que a faseoloto-
das toxinas não-seletivas produzidas por bactérias do gênero xina in vitro e, devido à sua abundância em tecidos infec-
Pseudomonas mostram-se melhor caracterizadas e seus modos tados ou tratados com a toxina, supõe-se que a octicidina
de ação melhor compreendidos quando comparados com as seja o principal inibidor da CTOasee o indutor de clorose
toxinas seletivas. Infelizmente, as fitotoxinas não-seletivas são nostecidos vegetais. As evidências também sugerem que
poucoutilizadas nos estudos envolvendo as bases moleculares a toxina causaa inibição dasíntese de clorofila em feijo-
das doenças em plantas por serem vistas comofatores de agres- eiro e umareduçãonasíntese de carotenose xantofilas em
sividade que contribuem apenasparaa severidade das doenças. folhas de cevada.

* Faseolotoxina — essa toxina é produzida por Pseudo- * Tabtoxina — é produzida porvários patovares e isolados
monas syringae py. phaseolicola, bactéria causadora do de Pseudomonas syringae. A toxina, também conhecida
crestamento de halo em feijoeiro e em algumas outras como “toxina do fogo selvagem”, foi isolada inicialmente
leguminosas. A infecção das folhas ou vagens pelo apartir de Pseudomonas syringae pv. tabaci, agente causal
mierorganismo causa o aparecimento de manchasdeóleo, da queima bacteriana em plantas de fumo. A doença é
como sintoma primário, seguidas por halos cloróticos, caracterizada por sintomas severos de clorose nas folhas e
elorose sistêmica e nanismo, comosintomas secundários por lesões necróticas circundadas por um halo amarelado.
da doença.A fitotoxina, que é produzida em temperaturas O filtrado de cultura do fitopatógeno e a toxina produzem
Manualde Fitopatologia

oú HN——CHa

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NH-P-NHSOS 1
O una ni-G- nte
(CadE my (CHela 8 —— c—oH
Hg Noomil-OH-CONH-CH-COpH —e CaOgMTHS É | aminopeptidases CHs
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FASEOLOTOXINA PEPTIDASES OCTICIDINA (CHolo | I
E

Dc
Ha z
nc?
8 Ho Hyly—CmChy £ - LACTAM DA TABTOXININA TREONINA
OCOCHs
Figura 34.20 — Estrutura da tabtoxina, produzida por Pseu-
domonas syringae pv. tabaci, e sítio de ação
das aminopeptidases.

So FUSICOCCINA quente clorose e eventual necrose dos tecidos. Em vista


da importância da enzima SG para os organismosvivos, a
fitotoxina exibe um amplo espectro de ação, afetando não
SAL somente vegetais superiores como também fungos. bacté-
“yr rias. vegetais inferiores e vertebrados.
md QI
à SAR ps ÁCIDO FUSÁRICO Tagetitoxina — essa toxina é produzida por Pseudomonas

ft
oi
i El springae pv. tagetis, bactéria causadora de manchasnecró-
Da a ticas emfolhas de malmequer(Tagetessp.). A fitotoxina
sy A HOOC—CH-NH-CO-CHy-NH- é produzida nas manchas necróticasfoliares, sendo trans-
Et P ç locada para o ápice da planta, onde induz uma clorose
a! LICOMARASMINA característica nas folhas apicais. As folhas inferiores e as
TENTOXINA * = + pétalas não são aparentemente afetadas pela toxina, a qual
induzsintomas somente em tecidos em franco crescimento
vegetativo. O tecido apical do hospedeiro exibe uma alta
taxadesíntese proteica, enquanto queasfolhas inferiores
exibem uma taxa menor, mostrando-se, portanto, menos
Figura 34.19 — Estruturas de algumas fitotoxinas não-seletivas. suscetíveis à ação da fitotoxina. A maioria dos isolados
da bactéria não produz a toxina em meio de cultivo sem a
prévia adição de compostos específicos contendo grupos
sintomas semelhantes ao da queima bacteriana não só aminados. Quimicamente, a tagetitoxina aparenta exibir
em fumo como também em várias espécies de plantas de uma estrutura incomum, mostrando-se como um éster
diferentes famílias. A fitotoxina ocasiona efeitos drásticos fosfatado monocíclico com vários átomos de oxigênio
nas plantas, principalmente na alteração dos processos (Figura 34.19). A ação da toxina restringe-se aos cloro-
bioquímicos normais, o que a toma um fator muito plastos, onde inibe seletivamente a RNApolimerase. Não
importante na expressão da agressividade porespécies de afeta, porém,as RNApolimerases presentes nos núcleos e
Pseudomonas produtoras da mesma. Estruturalmente, a mitocôndrios das células do hospedeiro.
toxina mostra-se como uma mistura de dois dipeptídeos
análogos, contendo os aminoácidos tabtoxinina e treo- º Siringomicina — esta toxina, que exibe um amplo espectro
nina (tabtoxina) ou tabtoxinina e serina (2-serina tabto- de atividade antimicrobiana e fitotóxica, é produzida por
xina) (Figura 34.20). A tabtoxina e a 2-serina tabtoxina várias cepas de Pseudomonas syringae pv. syringae. A
são sintetizadas como formas biologicamente inativas bactéria pode infectar um grande número de espécies
(pré-toxinas), as quais sofrem a ação de aminopeptidases vegetais pertencentes a diferentes gêneros de impor-
presentes nas bactérias ou nas plantas, liberando, respec- tância econômica (gramíneas, pereira, pessegueiro, etc.)
tivamente, treonina ou serina e o P-lactam da tabtoxi- causando, por exemplo, manchas em folhas é fritos,
nina (B-LT). O P-LT é o componente tóxico, inibindo queima de inflorescências e cancros em hastes. A fito-
a sintetase da glutamina (SG) nasplantas. A sintetase é toxina, que é um importante fator na agressividade do
uma enzimachave no metabolismo celular, envolvendo a patógeno, causa sintomas de encharcamento, clorose e
assimilação do nitrogênio. Em função da inibição da SG, necrose em folhas de milho, comparáveis aos sintomas
observa-se um acúmulo de amônia suficiente para desaco- causados pela presença da própria bactéria no hospe-
plar a fotofosforilação, o queresulta nainibição da fotos- deiro. A siringomicina mostra-se como um polipeptídeo
síntese e da fotorespiração (Figura 34.21), com a conse- contendo serina, arginina e fenilalanina, bem como os

406
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Sintetasedo 10p="55E 55 necroses em tecidos de tubérculos de batata. Estudos


Glutamina demonstraram que as taxtominas causam alterações no
(% do Controle) fluxo de íons, como o Ca? e Hr, através da membrana
plasmática, além de morte celular programada e bloqueio
Ba da biossintese de celulose. A estrutura básica das toxinas
Ê é representada por uma molécula de 4-nitroindol-3-il
contendo 2,5-dioxopiperazina, um dipeptídeo derivado
da fenilalanina e um aminoácido triptofano com radical
nitrato, cuja biossíntese ocorre porvia não-ribosomal.

À q
* Fusicoccina — é produzida pelo fungo Fusicoccum amyg-
dali, agente causal da murchae seca de ramos em pesse-
2s
E 'gqo) . gueiro e amendoeira. Quando introduzida no xilema ou
O
2 | aplicada na superfície foliardessas frutíferas ou emoutras
ES ia pao plantas não-hospedeiras, a toxina ocasiona sintomas simi-
Jares àqueles causados pelo patógeno. A fusicoccinaé trans-
t fdqse locada dosítio de infecção através do apoplasto para pontos
a o distantes no hospedeiro, onde causa os sintomas da doença.
2% Estruturalmente, a toxina mostra-se como uma molécula
q 24
Et
—- Êo
complexa, um glicosídeo diterpenoide (Figura 34.19). Em
função da capacidadeda fusicoccina emestimular drastica-
mente a plasticidade da parede celular, causando aumento
no tamanho das células, a toxina despertou tambémo inte-
S5 2 resse de fisiologistas vegetais e passoua se constituir na
o toxina fúngica melhor compreendida. A toxinaliga-se a um
1
receptor proteico na membrana plasmática dascélulas vege-
5 tais e passa a exercer seu efeito tóxico através da ativação
S o!
o 20 40 8) B TOO 12 da ATPaseligada à membrana, o que induz alterações no
sistema de transporte iônico celular. Como resultado da
Tempo (h) ativação da ATPase,a célula passaa perder íons H”,ocasio-
nandoa imediata hiperpolarização da membrana(potencial
Figura 34.21 — Efeito da tabtoxina (Pseudomonas syringae pv. taba- da membrana torna-se mais negativo), o influxo de K* e
ci) sobre diferentes processos fisiológicos-em tecido outros cátions, a entrada de glicose, sacarose e amino-
foliar de fumo.Folhasinfiltradas com a toxina (s) ou ácidos, a alcalinização do citoplasma e a acidificação
água (0) foram mantidas no escuro durante as pri- extracelular (Figura 34.22). Em consequência da alcali-
meiras 16 horas; após esse período, as plantas foram nização do citoplasma, observa-se o acúmulo de malato
expostas à luz (setas). e a inibição do caminho da pentose fosfato, enquanto que
Fonte: Adaptada de Tumer(1989). a acidificação do apoplasto mostra-se importante na alte-
ração do crescimento celular. As alterações a nível celular
refletem-se, também, na nutrição mineral e em aumentos
ácidos 2,4-diaminobutírico, 2-amino-2-dehidrobutírico e na respiração e na transpiração das plantas. O aumento
P-hidroxidodecanoico. O principal modo de atuação da na taxa de transpiração ocorre devido aa desbalanço de
fitotoxina envolve alterações na membrana plasmática solutos nas células-guardas dos estômatos, o que resulta
das células vegetais e, dependendo da concentração, pode na abertura permanente dos mesmos. Em função dessa
também, por exemplo,afetar a respiração e a produção de alteração no comportamento dos estômatos, a planta
ATP em mitocôndrias isoladasde folhas de milho. A toxina passa a sofrer estresse hídrico, que leva ao dessecamento
pode formar multímeros que se inserem nas membranas foliar e à consequente morte dos tecidos.
causando a formação de poros, causando alterações no
transporte iônico e consequente lise celular. Isolados de * Tentoxina — é produzida por Alternaria alternata, ante-
P syringae pv. syringae patogênicos a algumasespécies riormente conhecida como A. tenuis, fungo causador de
de citros exibem a capacidade de produzir uma toxina clorose em plântulas de algodão e emvárias outras espé-
denominada de siringotoxina e não produzir a siringo- cies vegetais não-hospedeiras. A tentoxina é caracterizada
micina. A siringotoxina exibeatividade biológica similar como um tetrapeptídeo cíclico, contendo os aminoácidos
àquela da siringomicina e aparenta ser um polipeptídeo leucina, metil-alanina, glicina e metil-dihidrofenilalanina
contendo treonina, serina, glicina e omitina, (Figura 34.19). Causa clorose nos tecidos vegetais através
dainterferência no desenvolvimentodoscloroplastos e na
* Taxtominas — astaxtominas A e Be seus diferentes análogos, inibição do acúmulo de clorofila. O mecanismo de ação
são produzidos por espécies dé Streptomyces, principal- da toxina envolve a ligação da mesma ao fator de acopla-
mente porS. scabies, agente causal da sarna da batata. Em mento (CF ,) nos cloroplastos, especificamente a umsítio
baixas concentrações (0,1 uM) interferem no crescimento das subunidades da ATPase, o que ocasiona a inibição
de plantas de diferentes famílias botânicas e induzem da CF ATPase e do transporte eletrônico na fotofosfori-
Manualde Fitopatologia

Receptores proteicos

ATPase Membrana
plasmática
Hiperpolarização|

Acidificação Alcalinização do Influxo de


extracelular citoplasma K* e cations

Aumento na Sintese de |, Acúmulo de | Diminuição do


plasticidade da malato malato e k* potêncial
parede celular osmótico

Gradiente de H*
EN)
Cotransporte de solutos

AUMENTO NO Aumento no
VOLUME CELULAR tugor celular

ABERTURA DOS
ESTOMATOS

Figura 34,22 - Efeito da fusicoccina (Fusicoccum amgdali) em alguns processos celulares e fisiológicos. Alteraçõesvisíveis macroscopica-
mente mostram-se circundadas per linhas duplasnafigura.
Fonte: Adaptada de Goodmanet al. (1986).

lação. Em função de sua ligação ao CF, a tentoxina foi fusárico, uma das toxinas causadoras de murcha mais.
primeira fitotoxina a ter um sítio específico de ligação estudadas, ocasiona decréscimo na atividade respiratória
conhecido. Dependendo da família vegetal, a toxina em hastes de plantas de tomate, enquanto que a infecção
pode afetar todas as espécies de plantas, todas as espé- natural dos tecidos por E oxpsporum £. sp. Ipcopersici é
cies dentro de certos gêneros ou determinadas espécies caracterizada por aumento inicial na respiração, seguido
dentro de um gênero, Aparentemente, essa seletividade é por decréscimo após o aparecimento dos sintomas.
determinada pela forma do CF, que a planta possui nos Quimicamente, o ácido fusárico mostra-se como um deri-
cloroplastos. Espécies vegetais possuidoras de uma forma vadodepiridina (ácido 5-butil-picolínico) (Figura 34.19),
do CF, queseliga fortemente à toxina mostram-se sensí- e a presença do grupo carboxila na posição q do anel
veis e tornam-se cloróticas. Por outro lado, uma segunda nitrogenado é essencial para a toxicidade. O ácido fusá-
forma do CF, não se liga à tentoxina. Espécies vegetais rico é tóxico às células das plantas provavelmente devido
portadoras dessa forma, portanto, mostram-se resistentes à capacidade de ligar íons metálicos (agente quelante),
à toxina e permanecem verdes. principalmente ferro, formando quelatos e, consequen-
* Ácido fusárico e licomarasmina — essas toxinas são temente, inibindo enzimas oxidativas possuidoras de
produzidas porvárias espécies de Fusarium oxysporum íons metálicos e alterando a respiração. Essa fitotoxina
(Tabela 34.3), agente causal de murchas vasculares em também causa, no hospedeiro, aumento na permeabili-
diferentes espécies vegetais (veja capítulo 25 desta obra). dade das membranas, o que resulta em alterações no equi-
O papeldessas toxinas na síndrome das murchas de Fusa- líbrio iônico e perdadeeletrólitos pelas células. A licoma-
rium (caracterizadas por epinastia, obstrução e escureci- rasmina, caracterizada como um peptídeo contendo ácido
mento dos vasos do xilema, necrose e murcha dostecidos aspártico, glicina e ácido pirúvico(Figura 34.19), também
dos hospedeiros) constitui objeto de controvérsia, pois se mostra como um forte agente quelante, complexando
as murchas resultam de umá interação complexadedife- Cu” e Fe”. Aparentemente, a toxicidade da licomaras-
rentes toxinas, enzimas e hormônios. Aparentemente, as mina é aumentada pela presençadeferro e diminuída pela
toxinas mostram-se capazes de produzir somente uma presença de cobre, o qual forma um complexo estável com
parte dos sintomas da doença nos hospedeiros. O ácido a toxina. O quelato férrico, que se mostra solúvel em água

408
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

e induz um aumento inicial na respiração em tecidos de Stassen e Ackerveken (2011) que a proteína tóxica NLPPp,
tomateiro, é transportado paraas folhas, onde é liberado, por exemplo, produzida por 2. parasitica pode desencadear
causando manchas necróticas nas extremidades foliares. morte celular em dicotiledôneas.
Embora seja produzida facilmente pelo fungo em meio
de cultivo, o papel da licomarasmina nas doenças não se 34.5.3. Fitotoxinas e Patogênese
mostraclaro, visto a mesmaainda nãotersido detectada
com segnrança em tecidos doentes, provavelmente devido De acordo com Durbin (1983), do ponto de vista de um
à instabilidade dessa toxina quando em solução. patógeno em potencial, o hospedeiro pode ser visto simples-
mente como umafonte de nutrientes. À taxa deutilização desses
Piricularina e ácido a-picolínico — essas toxinas são nutrientes controlaria a habilidade do microrganismo em crescer,
produzidas pelo fungo Magnaporthe grisea (Pyricularia reproduzir-se e/ou formar estruturas de sobrevivência. Nesse
oryzae), agente causal da brusone do arroz. A piricularina sentido, para ter sucesso nessas atividades, o patógeno deve
mostra-se tóxica a plantas superiores bem comoa vários promover a degradação e a consequente assimilação de subs-
microrganismos. Quando aplicada em plantas de arroz tâncias do hospedeiro, bem como vencer os mecanismos de
suscetíveis ou resistentes, a toxina (mesmo em diluições resistência da planta, Dentro desse contexto, as toxinas podem
de 1:5.000.000) ocasiona aumento na atividade respira- apresentar um número variado de atividades potenciais, como
tória. Em variedades suscetíveis, porém, induz sintomas mostrado no Boxe 34.2.
de clorose, manchas foliares e enfezamento de plântulas.
A fitotoxina mostra-se como um composto contendo
nitrogênio (C H,,N,0,) e altamente tóxica aos próprios Boxe 34.2 Atividades potenciais das fitotoxinas
conídios do patógeno (aproximadamente 10 vezes mais
tóxica ao fungo do que à planta hospedeira). Esseefeito As toxinas podem exibir um grande número de
inibitório é evitado pelofungo, que produz umaproteína atividades potenciais durante a patogênese, como por
contendo cobre, que se liga à piricularina, formando um exemplo:
complexo não tóxico ao patógeno, mas, ainda, altamente
atuar como moléculas supressoras, alterando
tóxico à planta hospedeira. M, grisea também produz o o início e/ou a manutenção da expressão dos
ácido a.-picolínico, altamente tóxico a plantas de arroz
mecanismosde resistência do hospedeiro;
(0,5 ng do ácido é suficiente para produzir uma lesão
necrótica na folha apósa infiltração). O ácido picolínico, danificar as células da planta e promovera libe-
da mesma forma que o ácido fusárico, tem propriedades ração de nutrientes para as atividades metabó-
quelantes, sequestrando íons de ferro e cobre do inte- licas do patógeno;
rior dos tecidos da planta. Esses efeitos tóxicos podem ocasionar a liberação de enzimas degradativas
ser revertidos pelo fornecimento desses íons metálicos presentes em organelas do hospedeiro;
à planta.
propiciar um microambiente adequado para o
* Elicitinas — são proteínas de baixa massa molecular (em patógeno;
tomo de 10 kDa) isoladas de espécies de Phytophthora e facilitar o movimento do patógenoatravés da
Pythium. Embora as elicitinas exibam como característica planta;
principal a indução de respostas de hipersensibilidade em
plantas de fumo e brássicas, com consequente necrose, em promover e acelerar a senescência do hospe-
alguns casos elas parecem exibir um papel duplo de toxinas deiro;
e eliciadores. Por exemplo, Phytophthora nicotianae, pató- inibir a invasão secundária da planta por outros
geno de tomateiro,secreta um peptídeo denominado de fito- microrganismos.
forina (3.3 kDae 25 aminoácidos), o qual é muito menor do
que as elicitinas. Esse peptídeo ocasiona murcha e clorose
em folhas de tomateiro, além do que forma agregados com
componentes não-tóxicos, causando a perda de eletrólitos Osfitopatógenos produzem uma variedade de compostos
por parte dos tecidos daplanta. secundários em meio de cultivo, os quais exibem atividadefitotó-
xica. Somente uma pequenaproporção desses compostos, porém,
* NEP-like proteins — existem duas famílias de pro-
desempenha alguma função nasdoenças. Para estabelecer o papel
teinas tóxicas sintetizadas por oomicetos: proteínas PcF/ de uma toxina no processo doença, o que nem sempre é fácil,
SCR e proteinas do tipo NEPI (Nepl-Like Proteins,
algumas questões devem ser respondidas (Boxe 34.3).
NLPs). NLPs são melhor descritas entre diversas espé-
cies, especialmente aquelas do gênero Phytophthora. A elucidação da estrutura química das toxinas mostra-se
Sua função está estritamente associada à indução de como um ponto chave no eutendimento do papel das mesmasno
morte celular, ou necrose, em hospedeiros, facilitan- processo doença, visto proporcionar subsídios para os estudos
do o desenvolvimento e a colonização dos tecidos pe- envolvendo estrutura e função biológica,sítios de ação e cami-
los patógenos, principalmente em suas fases necrotróficas nhos metabólicos de biossíntese e degradação.
(Stassen & Ackerveken, 2011). Proteínas dessa família As toxinas podem induzir nas plantas muitos dos sintomas
contam com umadistribuição relevante entre espécies de comumente observados nas doenças, quando na presença dos
Phytophthora, entre elas NPPI de 2 parasítica, PsojNIP de patógenos, como clorose, necrose, murcha, encharcamentoe alte-
P sojae, e PiNPPI de P infestans. Foi relatado ainda por rações no crescimento. Assim, a reprodução dos sintomas típicos

409
Manualde Fitopatologia

- victoriae possuem victorina,a qual é liberadadentro de 3 horas


Boxe 34.3 Estabelecimento do pape! de uma toxina
durante a germinação dos mesmossobre lâminasde vidro ou folhas
[ue Wofcito[EiTaTa]
de aveia. De modo semelhante, os conídios de C. heterostrophus
(B. maydis), raça T, liberam a toxina T dentrode 5 a 10 minutos
Algumasquestões, comoas exemplificadas abaixo, após a suspensão dos mesmos em água, sugerindo a existência da
devem ser respondidas para seavaliar o possível papel toxina ou de um precursor imediato da mesma nos esporos não
de um composto durante o processo doença (Knoche germinados. Os conídios dormentesde 4. alternata (A. kikuchiana)
& Duvick, 1987): não possuem a toxina AK, mas, dentro de quatro horas durante a
* O composto tóxico mostra-se como um agente germinação, são capazes de sintetizá-la e cada esporo libera uma
causal da doença, um artefato de cultivo ou uma quantidade suficiente de toxina (10º Lg) capaz de alteraras ativi-
substância acidental produzida nos estádios dades metabólicas de aproximadamente 100 células em folhas de
finais da doença? cultivares de pereira suscetíveis.
quandoa toxina é produzida durante o processo A maior parte das informações disponíveis sobre o papel
doença? das fitotoxinas na patogênese é baseada nos eventos envolvendo
a penetração o estabelecimento inicial dos patógenos nos hospe-
qual ou quais funções metabólicas no hospe- deiros. A penetração de folhas de aveia por isolados do patógeno
deiro são especificamenteafetadas pela toxina? €, victoriae, produtores ou não de victorina, e por C. carbonum.
qual ou quais mecanismos moleculares são um patógeno do milho, mostra-se a mesma !2 horas após a
utilizados pela toxina para exercer sua interfe- inoculação dos tecidos com os conídios suspensos em água.
rência no metabolismo do hospedeiro? Até o final desse período, o crescimento das hifas dos fungos
- Ocorre nas células epidérmicas da planta. A colonização exten-
de que maneira a interferência da toxina no
metabolismo do hospedeiro contribui para o siva dos tecidos do mesófilo foliar ocorre 36 horas mais tarde e
desenvolvimento da doença? é realizada somente pelos isolados de C. vicrpriae, produtores da
toxina, Entretanto, quando as folhas de plantas de aveia susceti-
a toxina contribui para com seletividade do veis são inoculadas com conídios de C. carbonum ou de isolados
patógeno emrelação ao hospedeiro? de €. victoriae não toxicogênicos na presença de victorina, esses
qual o mecanismodesíntese da toxina e como fungos adquirem a capacidade de colonizar as folhas de maneira
a regulação da mesma é exercida durante o similar à dos próprios isolados toxicogênicos do patógeno
processo doença? €. victoriae, Estudo similar em milho mostrou que a penetração
de tecidofoliar pelo patógeno C. carbonum ou pelo não pató-
qual a importância da toxina na sobrevivência
geno €. victoriae ocorre de forma semelhante. A colonização
do patógenonaausência da planta.hospedeira?
das folhas suscetíveis, porém, é conseguida somente pela raça de
€. carbonum produtora da toxina HC ou por C, victoriae na
presença da referida toxina. Da mesma maneira, estudos com um
da doençano hospedeiro,a nível ultraestrutural e macroscópico, isolado não patogênico de A. alternata (A. kikuchiana) demons-
quando da aplicação de uma toxina em concentraçõesfisiológicas, traram a capacidade do fungo em colonizar folhas de pereira.
constitui-se em critério útil na avaliação do papel da toxina na suscetível somente quando os tecidos eram inoculados com
doeuça. Não se deve esquecer, porém,que as toxinas nem sempre conídios na presença da toxina AK. Os resultados dos experi-
são as responsáveis exclusivas pelos sintomas observados, haja mentos acima e de outros de natureza similar fornecem subsi-
vista que os mesmos podem ser induzidos por outrosfatores. Por dios para o possível entendimento do papel das toxinasseletivas
outro lado, deve-se ressaltar a importância de estudos ultraestru- Hiberadas durante a germinação dos esporos, levando a conclu-
turais envolvendo a observação de alterações induzidas por fito- sões como: a) as moléculas de toxinas liberadas antes da pene-
toxinas nas plantas. Essas alterações a nível subcelular podem tração da superfície do hospedeiro mostram-se indispensáveis
ocorrer rapidamente, em segundos ou minutos após o tratamento para a subsequente colonização dos tecidos da planta; b) essas
dos tecidos com a toxina, fornecendo informaçõesvaliosas quanto toxinas têm como função inicial promover pequenasalterações
ao possível sítio primário de ação do composto. No estabeleci- nas atividades metabólicas do hospedeiro, gerando algum tipo
mento do papel de umafitotoxina no processo doença, a detecção de irritação nas células do mesmo,facilitando o crescimento do
da toxina no tecido doente, bem como o isolamento da mesma patógeno; o acúmulo posterior dessas toxinas na planta contri-
a partir dos tecidos lesionados, mostra-se também como critério buiria para a morte das células e consequente necrose dos tecidos
da mais alta importância. Esse feito, porém, tem sido conseguido dos hospedeiro; c) a ação dessas toxinas resulta na supressão
somente com algumas fitotoxinas, pois as concentrações desses da expressão do mecanismo geral de resistência presente nas
compostossão geralmente baixase os tecidos doentes das plantas plantas suscetíveis.
hospedeiras também exibem a capacidade de produção de outros Osresultados mais conclusivos sobre a importância das
compostos tóxicos. fitotoxinas na patogênese resultam de estudos genéticos conven-
Dependendo do microrganismo produtor, as fitotoxinas cionais, envolvendo as plantas hospedeiras e os respectivos
podem estar envolvidas em parte ou em todos os estádios da patógenos fiúngicos. O controle genético daresistência e susce-
infecção e colonização dostecidos do hospedeiro pelo patógeno. tibilidade em aveia e milho, respectivamente, a €. vicroriae e
Em alguns fungos, as toxinas seletivas podem estar presentes €. carbonum, raça |, envolve um único par de alelos, onde
nos conídios não germinados ou podem ser sintetizadas e libe- a resistência a €. victoriae é recessiva e a €. carbonum, domi-
radas durante a germinação. Conidios de isolados patogênicos de nante. A tolerância e a sensibilidade desses hospedeirosàs toxinas.

410
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

produzidas por esses fungos são controladas pelos mesmos Inúmeros microrganismosfitopatogênicos podem sintetizar
pares de alelos envolvidos naresistência e suscetibilidade dessas hormônios de crescimento. Essas substâncias, porém, são consi-
plantas aos respectivos patógenos. Dessa maneira, todosos genó- deradas como fatores de agressividade, Diferentemente dasfito-
tipos de aveia e milho snscetíveis a esses fungos mostram-se toxinas (compostos produzidos pelo patógeno e não sintetizados
sensíveis, respectivamente, à toxina victorina ou à toxina HC. pela planta), muitas substâncias exibindo atividade hormonal
Por sua vez,todas as espécies vegetais e genótipos de aveia ou produzidas pelo fitopatógeno também são produtos do metabo-
milho resistentes a esses fungos mostram-se tolerantes às fito- lismo da planta. Embora essas substâncias hormonais geralmente
toxinas produzidas pelos mesmos, enquanto que genótipos com não se mostrem tóxicas quando produzidaspelas próprias plantas.
resistência intermediária mostram-se intermediários na sensibi- o desequilíbrio hormonal criado no hospedeiro devido à síntese de
lidade às toxinas. No caso das toxinas seletivas, pelo menos em umfitohormônio por um microrganismo invasor mostra-se como a
três situações C, heterostrophus(B. maydis), raça T, €. victoriae é verdadeira causa de expressão da agressividade, o que pode levar
€. carbonum, raça 1, a produção das mesmas foi demonstrada alteraçõesno crescimentoe/ou “aceleração” da senescência em
estar geneticamente correlacionada com a patogenicidade ou órgãos da planta (Figura 34.24), Em funçãodessa alteração no
agressividade fúngica. Tomando como exemplo C. carbonum equilíbrio hormonal, as plantas passama exibir umcrescimento
é €. victoriae, todos os isolados que prodnzem as respectivas anormal, evidenciado por uma variedade de sintomas, comoenfe-
toxinas induzem doença nosrespectivos hospedeiros. Osisolados zamento, supercrescimento,roseta (encurtamento dos entrenós),
que não produzem a toxina HC oua victorina, consequente- excessiva ramificação das raízes e ramos, epinastia, desfolha e
mente, não incitam a doença em milho ou aveia, respectiva- supressão do crescimento das gemas. Como apontado por Dianese
mente. Essas relaçõessão observadas tanto em isolados fúngicos (1990), os distúrbios hormonais nas plantas são característicos de
selvagens como em mutantes não produtores de toxina. A desco- interações patogênicas mais evoluídas, como nas murchas vascu-
berra e à caracterização do ciclo sexual em Cochliobolus spp. lares, tumores, galhas, hémias, como também nas ferrugens,
(forma perfeita de Helminthosporium spp.) abriu as portas para a nos carvões, nos míldios, nos oídios e nas vassouras-de-bruxa.
análise genética desses fungos. Cruzamentos de C. victoriae com Asalterações no metabolismo hormonal de plantas sadias, que
C. carbonum, raça 1, resultaram em progênies que produziam ocorrem em função da presença de agentes fitopatogênicos, são
victorina ou toxina HC, ambasas toxinas ou nenhurnadas toxinas abordadas no Capítulo 36 desta obra e em Broekaertet al. (2006).
numarazãode 1:1:1:1. A progênie produtora de victorina causava Stangarlin & Leite (2008) e Shigenaga & Argueso (2016).
doença somente em aveias portadoras do gene Vb, enquanto * Auxinas — constituem o principal grupo de hormônios
que as produtoras da toxina HC causavam doença somente em envolvidos no controle de vários processos de crescimento
milho portador do gene Am. As progênies produtoras de ambasas nas plantas, em geral aumentando a plasticidade da parede
toxinas, por sua vez, podiam causar doença em genótipos susce- das células e promovendo o crescimento através do alon-
tíveis de aveia ou milho, o que não ocorria com as progênies não gamento celular. Aparentemente, esse mecanismo de ação
produtoras das toxinas. Nesses estudos, sem exceção, a capaci- envolvea síntese de mRNA, com a consequenteprodução
dade dos fungos em causar doença foi correlacionada com a habi- de enzimasespecificamente ligadasao controle do meta-
lidade dos mesmos em produzir as respectivas toxinas. bolismo da planta. A principal auxina encontrada nos
Atualmente, em função dos avanços na biologia mole- vegetais é o ácido indolil-3-acético (AIA) (Figura 34.23),
cular, os trabalhosde pesquisa envolvendo os estudos dascorre- queé sintetizado em folhas e brotaçõesjovens a partir
lações em progênies segregantes de microrganismos fitopatogê- do aminoácido triptofano e translocado rapidamente em
nicos produtores de fitotoxinas começaram a ser suplementados direção às raízes, para os tecidos mais velhos. Nos vege-
pelo uso das poderosas ferramentas moleculares disponíveis tais, o AIA é constantemente oxidado por um complexo
(ver Capítulo 37 desta obra). Em vista da tecnologia
já existente, através da qual, por exemplo, patógenos
fúngicos produtores de toxinas podem ser transfor-
mados, os genes Tox, que determinam ou regulam a CITOCININA
biossíntese desses compostos, começaram a serisolados AUXINA GIBERELINA A pr
e clonados. A disponibilidade desses genes clonados :
é-com monpaia om
Qi o
já vem contribuindo para a melhor compreensão da
importância das fitotoxinas no processo doença. aa 15 E
34.6. HORMÔNIOS ÁCIDO INDOLIL -3- ZEATINA
ACÉTICO (ala) ÁCIDO GIBERÉLICO
Hormônios ou substâncias de crescimento são (GA |
compostos que ocorrem naturalmente nas plantas, ativos
em concentrações baixas e que possuem a capacidade: de
promover, inibir ou modificar qualitativamente o cres-
cimento das plantas, geralmente agindo à distância do CH,

sítio de produção. Tradicionalmente, cinco grupos de ETILENO


substâncias são considerados como hormônios vegetais: ÁCIDO ABSCÍSICO
1) auxinas, 2) giberelinas, 3) citocintnas, 4) etileno
(hormônios gasosos) e 5) ácido abscísico (inibidores)
(Figura 34.23). Além desses grupos, pode-se citar os Figura 34.23 — Hormôniosvegetais de ocorrência natural.
jasmonatos,o ácidosalicílico e os brassinoesteroides. Fonte:Adaptada de Elstner (1983)

au
Manual de Fitopatologia

o
8
É 0 2 o

Genoma

Expressão Balanço Mudanças nas


gênica Hormonal *| Membranas

Citocininas | Fatores de senescência


Giberelinas Ácido Abscísico
Auxinas Etileno
oe
Aumento na síntese Declínio na síntese
Alto “turnover de A umento na degradação de
macromoléculas miacromoléculas

Manutenção da
Percla daintegridade
integridade das
das membranas
membranas

Longevidade Senescência

Figura 34.24 — Regulação hormonal da senescência em plantas. Fitopatógenos podem “acelerar” a senescência em função da produção de
hormônios e consequente desequilíbrio hormonal no hospedeiro.

enzimático conhecido como AIA oxidase, o que resulta auxinas como, por exemplo, extremidades de caules e
em baixosníveis da auxina nos tecidos. O AIA mostra-se ramos jovens, folhas jovens, sementes e embriões em
ativo nas plantas em concentrações muito baixas (10%a desenvolvimento, sendo transportadas de forma apolar
10 M), seudo também produzido por inúmerosfitopató- nointerior das plantas. Essas substâncias são diterpenos
genos fúngicos e oomicetos (Fusarium oxpsporum £. sp. cíclicos e mostram-se ativas nos tecidos das plantas em
cubense, Gymnosporangiumjuniperi-virginianae, Phyto- concentrações de 0,001 ug/ml. Nos vegetais, as gibere-
phthora infestans, Plasmodiophora brassicae, Taphrina linas estão envolvidas no alongamento dos entrenós, na
dejormans, Ustilago maydis, Verticillium albo-atrum) e reversão do uanismo, na indução da floração, na manu-
bacterianos (Agrobacterium tumefaciens, Pseudomonas tenção da divisão celular e dominância apical, bem como
savastanoi py. savastanoi, Ralstonia solanacearum), na indução de enzimas, principalmente para a produção
além de microrganismos saprófitas. de amido síntese da parede celular. Em função do papel
* Giberelinas — mostram-se como substâncias relacionadas que desempenha na promoção do crescimento, exibindo
ao ácido giberélico (GA,) (Figura 34.23). O ácido gibe- efeitos similares ao das auxinas, tem sido sugerido que os
rélico, bem como outras substâncias giberelínicas, foram efeitos do ácido giberélico podem aumentar a açãoe esti-
isolados e purificados pela primeira vez a partir de mular a síntese das auxinas nas plantas.
extratos do fungo Gibberella fujikuroi (forma perfeita
de Fusarium moniliforme), um patógeno causador de
* Citocininas — são osprincipais hormônios envolvidos no
superalongamento em plantas de arroz. Em seguida, controle do ciclo celular (indução da divisão das células).
as giberelinas foram isoladas e caracterizadas a partir Normalmente, exercem seus efeitos em conjunto com
de tecidos de vegetais superiores. Várias outras espé- outros reguladores de crescimento como, por exemplo,
cies fúngicas (Phellinus pomaceus, Verticillium albo- as auxinas. As citocininas estimulam o crescimento de
atrum, V. dahliae) e bacterianas (Pseudomonas spp.) gemas laterais, inibem a senescência dos tecidos vege-
podem também produzir giberelinas. A síntese das gibe- tais e promovem a germinação de sementes dormentes.
relinas parece ocorrer nos mesmos locais de síntese das Alteram, também, o transporte e o acúmulo de nutrientes,

412
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

direcionandoo fluxo dos mesmospara oslocais com altas nasplantas, por exemplo, podem resultar de alterações nos níveis
concentrações do hormônio. A biossíntese das citoci- de auxinas e giberelinas, enquanto que a qneda prematura de
ninas ocorre principalmente em células de raízes, sendo folhas pode ser um reflexo de alteraçõesno nível de auxinas, ácido
posteriormente translocadas através do xilema para outras abscísico e etileno. Além disso, fungose bactérias fitopatogênicos
regiões da planta. Esses hormônios podem, também,ser podem sintetizar muitos dos hormônios produzidos pelas próprias
sintetizados por vários microrganismos (Agrobacterium plantas, na maioria das vezes através da mesma rota biossintética,
tumefaciens, Rhodococcus fascians, Exobasidium sp., o que tornadifícil discernirse os efeitos observados devem-se aos
Nectria galligena, Taphrina cerasi). A primeira citocinina hormônios produzidose liberados pelos microrganismos ou se as
conhecida, a cimetina, foi isolada a partir de esperma de alterações hormonais nas plantas devem-se a efeitos decorrentes
arenque. A zeatina, por sua vez, foi a primeira citocinina das atividades dos fitopatógenos. Finalmente, os microrganismos
isolada de plantas. Quimicamente,ascitocininassão deri- fitopatogênicos, além da capacidade de produção de fitohormô-
vadas da base nitrogenada adenina e exibem uma cadeia nios, podem também produzir outros compostos que atuam ou
lateral isoprenoide (Figura 34.23), mostrando-se ativas funcionam de maneira similar ao das substâncias de crescimento
nas plantas em concentrações muito baixas (1 ug/quilo de produzidas pelas plantas. Entre esses compostos, os" quais difi-
peso fresco de tecido vegetal). cultam o estudo dos hormônios produzidos por microrganismos
durante o processo doença, pode-se citar algumas fitotoxinas
* Etileno — caracterizado como um hormônio vegetal gasoso,
como, por exemplo, a fusicoccina (Fusicoccum amygdali) e o
um hidrocarboneto insaturado (Figura 34.23), é sintetizado
helmintosporal (Cochliobolus sativum).
a partir do aminoácido metionina, na presençade luz. Pode
ser produzido por vegetais superiores e microrganismos A despeito das dificuldades acima apontadas, pelo menos
fitopatogênicos (Ceratocystis fimbriata, Fusarium oxys- para três fitopatógenos bacterianos (Pseudomonas savastanoi
porum f. sp. tulipae, Verticillium albo-atrum, Erwinia pv. savastanoi, Rhodococeus fascians e Agrobacterium spp.) as
carotovora, Ralstonia solanacearum) e é efetivo nos evidências indicam quea biossíntese de fitohorraônios por esses
tecidos vegetais em concentrações baixas (1 ng/litro). O microrganismos constitui fator importante nas interações com
etileno está envolvido em vários aspectos do controle de as plantas. No caso de P pv. savastanoi, patógeno causador
crescimento e desenvolvimento dos vegetais, induzindo, de galhas em tecidos de oliveira, espirradeira (Nerium oleander)
por exemplo, a germinação de sementes e a formação e lígustre (Ligustrum vulgare), a bactéria produz quantidades
de raízes adventícias, a maturação de frutos, a floração elevadas de ácido indolil-3-acético em meio de cultivo (Aragon
de plantas, a senescência (degradação de pigmentos), a et al, 2014). As enzimas chaves (triptofano monooxigenase
epinastia, a desfolha e a inibição do crescimento. Pode, e indolacetamida hidrolase) envolvidas na síntese do AIA pelo
também, promover aumentos na permeabilidade das microrganismojá foram caracterizadas e têm os seus genes codi-
membranas celulares. ficadores localizados em um plasmídeo. O AIA mostra-se neces-
sário para a formação de galhas nas plantas, um sintomade hipe-
+ Ácido abscísico — é o principalinibidor do crescimento rauxinia, e para a virulência do patógeno. Estudos com mutantes
em plantas. O ácido abscísico (ABA) pode estar envol- bacterianos AIA deficientes, os quais não produzem o fitohor-
vido na dormência de gemas, na inibição do crescimento, mônio, revelaram que esses mutantes não causavam galhas,
nainibição da germinação de sementes, no fechamento enquanto que mutantes com alta capacidade de produção do AIA
dos estômatos e na abscisão de folhas e frutos. O ABA (duas vezes mais do que o isolado selvagem) eram responsáveis
é um isoprenoide (Figura 34.23), sintetizado através do pelos sintomas mais severos nas plantas. O tamanho das galhas
caminho metabólico do ácido mevalônico. Embora seja induzidas pela bactéria podia, em grande parte, ser correlacio-
quimicamente similar ao ácidogiberélico (GA.) e produ- nado com a quantidade de AJA sintetizado in vitro pelo micror-
zido através do mesmo caminho bioquímico, o ABA ganismo. Embora a incapacidade de produção do AIA represente
praticamente ocasiona efeitos opostos aos efeitos do uma perda de agressividade pelo patógeno, o crescimento da
GA,nostecidos vegetais. Alguns fungos fitopatogênicos, bactéria em meio líquido ou naplanta não é afetado, o queindica
como Botrytis cinerea e Mycosphaerella cruenta, podem a não essencialidade do AIA no crescimento parasítico e na sobre-
produzir ácido abscísico. vivência de 2. s. pv. savastanoi.
Rhodococeusfascians causa fasciaçãoe proliferação exces-
34,6.1. Hormônios e Patogênese siva de ramos, sintomas conhecidos como vassoura-de-bruxa,
Embora existam inúmeras interações planta-patógeno onde em inúmeras plantas dicotiledôneas. Em meio de cultivo, essa
as mudanças no equilíbrio hormonal das plantas podem ser quan- bactéria produz substâncias que exibem atividade de citocininas
tificadas e associadas com sintomas de crescimento anormal dos quandoaplicadasnasplantas. Em plantas de ervilha, por exemplo,
tecidos (galhas, tumores, superalongamentos, encurtamento de essas substâncias induzem parte dos sintomas característicos da
entrenós,etc.) (Stangarlin & Leite, 2008), o papel-das substân- infecção natural dessa leguminosa pela bactéria. Umacorrelação
cias de crescimento produzidas por fitopatógenos no desenvol- positiva já foi demonstrada entre a produção dessas citocininas
vimento das doenças ainda não é bem compreendido. Inúmeros pelo patógeno em meio de cultivo e a agressividade do mesmo.
fatores parecem contribuir para a limitação dosestudos nessa área. Aparentemente, a produção de citocininas por R. fascians é codi-
O controle hormonal do metabolismo vegetal mostra-se compli- ficada por um grande plasmídeo. Isolados baeterianos contendo
cado, visto que as substâncias de crescimento geralmente atuam esse plasmideo mostraram-se mais agressivos do que os isolados
em conjunto (Shigenaga & Argueso, 2016). Assim, toma-se difícil contendo pequenos plasmídeos, enquanto queos isolados despro-
estudar isoladamente a importância dos fitohormônios produzidos vidos de plasmídeos mostraram-se avirulentos. Os experimentos
por patógenosdurante o processo doença. Sintomas de nanismo acima, além de apontarem para a importância dascitocininas na

413
Manual de Fitopatologia

agressividade de R. fascians, sugerem que esses fitohormônios fasciens). Com relação ao papel dos fitohormônios nas doenças,
podem estar envolvidos nos sintomas de vassoura-de-bruxa em sob condições adequadas, as agrobactérias podem produzir in
várias doenças de plantas. Porém, pesquisa recente aponta que vitro auxinas e citocininas. As bactérias sem os plasmídeos Ti
somente a isopenteniladenina citocinina seria suficiente para ou contendo os plasmídeos Ti, porém sem a região T, causam a
Rhodococcus exibir patogenicidade, o que não é consistente com tumefação dos tecidos vegetais invadidos, mas são incapazes de
a ideia de que urna mistura de citocininas é necessária para a induzir tumores. A formação de tumores requer a transferência
bactéria causar galhas nas folhas (Creasonet al., 2014), e a expressão dos genes do T-DNA nas células vegetais, o que
O gênero Agrobacterium possui vários membros que se constitui no principal determinante da doença. No entanto,
podem induzir a formação de galhas ou tumores em raízes, ramos os hormônios produzidos pelas bactérias poderiam funcionar da
e pecíolos de inúrneras espécies vegetais. 4. tumefasciens cons- seguinte maneira durante o início da interação: para a formação
titui-se no fitopatógeno bacteriano mais conhecido e estudado. dos tumores, as agrobactérias requerem ferimentos nos tecidos
A capacidade de induzir tumores deve-se à presença de plasmí- dasplantas, o queresulta na indução da divisão celular e a conse-
deos, denominados Ri e Ti. A indução dos tumores é acompa- quente transformação das células vegetais durante esse período;
nhada pela transferência de partes específicas desses plasmídeos em tecidos feridos, mas não inoculados com bactérias, a divisão
para o interior das células vegetais, onde são incorporadas ao celular cessa após alguns ciclos; mostra-se, porém, contínua em
DNA do núcleo da célula. Essa parte específica dos plasmídeos tecidos feridos e portadores das bactérias; assim, as auxinas €
é chamada, enquanto na bactéria, de região T, e de T-DNA,após citocininas produzidas pelas agrobactérias poderiam causar a
a incorporação ao ácido nucleico das plantas. O DNA transfe- manutenção da divisão celular desencadeada pelos ferimentos até
rido das células bacterianas é responsável pelo aparecimento de que a região T fosse completamente transferida das bactérias e
novas propriedades nas células vegetais transformadas. Essas ativada nas células vegetais.
células passam sintetizar, por exemplo, novas substâncias que
são utilizadas de maneiraseletiva pelas agrobactérias, e os genes
34.7. POLISSACARÍDEOS EXTRACELULARES
envolvidos no catabolismo dessas substâncias encontram-se nos Muitas bactérias fitopatogênicas produzem polissacarídeos
plasmídeos. Essas substâncias são denominadas opinas e osplas- extracelulares (PSE) naplanta hospedeira ou em meio de cultivo
mídeos são normalmente classificados conforme o tipo de opina (Ghods etal., 2015). Os PSEs podem estarassociados com a célula
que induzem nas células vegetais. As células das plantas passam bacteriana ou serem secretados para o meio, sendo representados
também a produzir quantidades excessivas de auxinas e citoci- por homo ou heteropolissacarídeos (Tabela 34.5). Além disso,
ninas. Os T-DNAs também causam a multiplicação desordenada as bactérias também podem produzir lipopolissacarídeos (LSP),
das células vegetais transformadas, o que resulta, por exemplo, os quais são encontrados na membrana externa das bactérias
na proliferação excessiva de raízes (no caso de infecção com Gram-negativas. Durante a vida saprofítica ou epifítica, os PSEs
A. rhizogenes) e em tumores (no caso de infecção com 4. tume- podem proteger as bactérias contra o dessecamento, aumentar a

Tabela 34.5 — Exemplos de polissacarídeos extracelulares produzidospor bactérias fitopatogênicas.


DENSAS iu

Agrobacteriumn tumefaciens
Celulose Glicose

(Rhizobium radiobacter)
Glicana-f-1,2 cíclica Gliense
Suecinoglicana Glicose, galactose

Frutose
Ervinia
Ve vinia amplovora
amy)& Lea
É
Amilovorana Galactose, ácido glicurônico
Clavibacter michiganensis TipoA Fucose, galactose, glicose
subsp. insidiosus Tipo B Galactose, fucose, ramnose, manose, glicose
. michiganensis E Fucose, galactose, glicose
Gomi ea
subsp. michiganensis», Tipo À

C. michiganensis Tipo A Manose, fucose, galactose, glicose


subsp. sepedonicus Tipo B Manose, fucose, galactose, glicose, ramnose, ribose
Pantoea (Erwinia) stewartii Stewartana Glicose, galactose, ácido glicurônico
Frutose
Pseudomonas syringae Dean,
PA Alginato Ácido manurônico, ácido glicurônico

Xantomonas campestris Xantana Glicose, manose, ácido glicurônico


Pseudomonassyringae pv. Ramnana-0t-D ramificada Ramnose, fucose, glicose
actinidiae Glicana-0.-1,4 Glicose

ál4
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

adesão à superfície, concentrar nutrientes e reduzir o contato com A fitoalexina pisatina, produzida em tecidos de ervilha, é
determinadas macromoléculas. Quando os PSEs formam a cápsula, metabolizada através de desmetilação para um composto menos
as bactérias mostram-se mais resistentes à ação de detergentes e fungitóxico (Capítulo 35 desta obra). A enzimapisatina demeti-
determinadosantibióticos. Além disso, os PSEstambém podeatuar lase, responsável por essa detoxificação,foi estudada em isolados
como fatores de patogenicidade ou agressividade. de Haematonectria haematococca. Observou-se que a patogeni-
Muitas vezes, os PSEs podem estar envolvidosnossintomas cidade desse fungo em ervilha é dependente da existência de um
em murchas, visto que os mesmos podem efetuar a oclusão sistema demetilase ativo produzido pelo mesmo. Assim, uma
vascular. Por exemplo, R. solanacearum, agente causal de correlação existe entre a patogenicidade de H. haematococca
murchabacteriana em batata e tomate, produz um PSE, o qual se sobre ervilhas e a habilidade do fungo em detoxificar e mostrar-se
acumula ao redor das células bacterianas. Quando a bactéria se insensível à fitoalexina.
multíplica no sistema vascular, esse PSE pode contribuir com Vários patógenos, como Ascochyta sp., Mycosphaerelia sp.,
a murcha em função da obstrução do xilema e, consequente Phytophthora sp. é Urompces sp. podem produzir, no sítio de
redução do fluxo de ágna. infecção, moléculas denominadas de supressores, as quais inter-
Vários mutantes não produtores de PSEs, pertencentes a ferem nos mecanismos de defesa das plantas. Por exemplo,
diferentes espécies bacterianas, como P stewartii, E. amplovora, Mycosphaerella pinodes, um patógeno de ervilha, secreta glico-
X campestris e R. solanaceraum,exibiram redução naagressividade peptídeos aptos a impedir o acúmulo de pisatina. Muitos desses
ou mesmoperda da patogenicidade. Por exemplo,os PSEs amilovo- supressores podem atuar impedindo o reconhecimento do elicitor
ranae stewartana são considerados responsáveis pelos sintomas pelo receptor, a transdução de sinal, a transcrição de genes de
de murcha causadospor E. amylovora e P. sterwartii, respectiva- defesa e pós-transcricionalmente, ligando-se a proteínas de defesa
mente, Estudos com mutantes dessas bactérias mostraram que a e alterando a especificidade das mesmas. Em geral, os supres-
multiplicação das mesmas era reduzida no hospedeiro e que esses sores também podem ser considerados “efetores” (mais detalhes
polissacarídeos eram essenciais para que os sintomas fossem abaixo).
incitados. Em X. campestris pv. campestris, a obstrução dos vasos
ocorria quando a multiplicação bacteriana era máxima, e os 34.8.1, Efetores nas Interações Planta-Patógenos
mesmos estavam preenchidos principalmente de goma xantana, Microrganismos do solo e do ar, nematoides e insetos
sendo que mutantes deficientes na produção da goma exibiam tentam incessantemente obter nutrientes das plantas para conple-
redução naagressividade. tarem seus ciclos de vida. A co-evolução com esses atacantes
produziu um sistema de vigilância imunológica composto por
34.8. OUTROS FATORES ENVOLVIDOS receptores de reconhecimento de padrões moleculares associados
NA PATOGENICIDADE a micróbios/patógenos (MAMPS/PAMEPS, do inglês microbe/
Além do fatores descritos anteriormente, os patógenos pathogen associated molecular patterns) e ativa uma defesa
também possuem genes, cujos produtos são importantes no basal chamada imunidade desencadeada por padrões (PTI, do
processo de patogenicidade por evitarem a ativação do sistema inglês pattern triggered immunity), um estado que impede a
de defesa das plantas (Medeiros et al., 2003). Como ilustrado colonização do hospedeiro por “patógenos não adaptados”, Em
na Tabela 34.6, os mesmos podem estar envolvidos na proteção contraste, patógenos ditos “adaptados” evoluíram moléculas
contra espéciesreativas de oxigênio, adesão de propágulos,dife- efetoras que são codificadas por genes de virulência e secretadas
renciação de estruturas, bloqueio da reação de hipersensibilidade, porestruturas de invasão. Essas molécnlas atuam em umavarie-
supressão da expressão dos mecanismos de resistência, detoxifi- dadedelocais, fora e dentro das células dasplantas, para superar
cação de moléculas, movimento de partículas (vírus), etc. a PTI e promover a “suscetibilidade desencadeada pelo efetor”

Tabela 34.6 — Exemplosde diferentes metabólitos envolvidos na patogenicidade.

Xantomonadina Xanthomonascitri subsp. citri Proteção contra espécies ativas de oxigênio (EAOs)
Glucanacíclica X. citrisubsp.citri Adesão da bactéria

Proteína Pthllp Magnaporthe grisea Diferenciação do apressório


Melanina M grisea Manutençãodo turgor no apressório
CeDN3 Glomerelia cingulata Bloqueio da reação de hipersensibilidade
(Colletotrichumgloeosporioides) (RH) em Siylosanthes sp.
Proteínas BRI e BLI Vírus do mosaico anão do Feijoeiro (BDMV) Proteínas de movimento
Glicopeptídeos Mycosphaerelia pinodes Supressores do acúmulo da fitoalexina pisatina.

Pisatina desmetilase Haematonectria (Nectria) haematococca Detoxificação da pisatina

Sideróforos E, D2, X1-7, G1 Erwinia amylovora Envolvidosna assimilação de ferro do hospedeiro

415
Manual de Fitopatologia

(ETS, do inglês efector triggered susceptibility). A supressão de


PTI por efetores pode ser feita por um bloqueio de sua sinali- Boxe 4 Histórico, nomenclatura e evolução no
zação ou inibição de ação após cascata de sinais. As proteínas estudo da biologia dos efetores
efetoras são conhecidas por terem diversas atividades na célula,
não apenas na supressão ou ativação do sistema de defesa, mas O fatode alguns microrganismos serem patogênicos
também enzimas degradantes, fatores de transcrição, regula- a determinadas plantas e não a outras sempre despertou
dores hormonais, reguladores da maquinaria de microRNA, a curiosidade de fitopatologistas. No início do século
etc. (DeWit, 2016). No entanto moléculas efetoras nem sempre passado, em torno de 1914, E. C. Stackman, da Univer-
são benéficas ao patógeno (ver abaixo “imunidade desenca- sidade de Minnesota, estudando Puccinia graminis,
deada por efetor”). Desse modo, as moléculas efetoras podem percebeu que havia diferençasentre isolados do patógeno
ser entendidas como reguladores da fisiologia do hospedeiro. referente ao seu grau de agressividadefrente a plantas de
Ao longo dos últimos anos, uma variedade de definições acerca trigo (Stackman, 1914). Estabeleceu-se então o conceito
de efetores foi apresentada. Apesar de ainda não haver um de “raças fisiológicas” para patógenos e ficou claro na
consenso, a definição adotadaaquise baseia em: qualquer molé- época que o conhecimento acerca da variação genética
cula associada a um microrganismo que modifica a fisiologia da ferrugem era essencial para a obtenção de resistência
do hospedeiro (Dalioet. al., 2017). Nessa perspectiva, enzimas, à doença em programas de melhoramento do trigo.
toxinas e hormônios (já apresentados anteriormente) também Décadas depois, durante a segunda guerra mundial,
se enquadram na categoria de efetores. Por motivos didáticos H.Flor forneceu uma explicação genética para o conceito
estes foram separados neste texto. A seguir será apresentada a de raças fisiológicas ao perceber que alguns únicos genes
biologia de efetores que tem outras funções que não enzimas, tanto no fungo causador da ferrugem como em plantas
toxinas e hormônios. O Boxe 34.4 apresenta uma discussão de linho cram responsáveis pelas relações de resistência
sobre o histórico, a nomenclatura e a evolução da biologia dos e suscetibilidade na interação. Ficou então estabele-
efetores a partir do século passado. cida a teoria do gene-a-gene, em que há um gene espe-
cífico do patógeno que interage com um gene deresis-
A cada ciclo reprodutivo uma série de mutações, recombi-
tência da planta (Flor, 1942). Com a descoberta do DNA,
nação gênica e outros fatores genéticos levam ao aparecimento
do desenvolvimento da biologia molecular e a partir
de novas proteínas que podem ser vantajosas ou não a fisio-
desses conceitos, em 1984, o pesquisador B. Staskawicz
logia do indivíduo. Como estão em constante pressão de seleção
e colaboradores clonaram um gene de “avirulência” da
imposta pelo ambiente, os patógenos podem desenvolver conti-
bactéria Pseudomonassyringaee provaram que um único
nuamente novosrepertórios de moléculas efetoras que interferem
geneera responsável por causar doença em cultivares de
com 0 reconhecimento/defesa das plantas. Por sua vez,as plantas
soja. A partir de então os termos fatores de avirulência e
desenvolveram genes de resistência à doença que percebem
fatores die virulência passaram a ser amplamente usados
moléculas efetoras diretamente (ou seja, umainteração proteina- na década de 1990 e no início deste século. Entretanto,
proteina) ou através da detecção indireta de perturbações nas
conforme os estudos de biologia molecular associados
células hospedeiras. Isso evidencia uma “corrida armamentista” à fitopatologia foram se aprofundando, foi descoberto
entre patógenoe plantas onde o primeiro desenvolve novas armas que um mesmo gene, anteriormente dito como um fator
enquanto o segundo desenvolve novas estratégias de reconheci- de avirulência para uma determinada interação planta-
mento ou defesa. Após o reconhecimento do efetor, um sistema microrganismo era fundamental para a virulência do
de defesa mais complexo chamado “imunidade desencadeada por patógenofrente a outra espécie de planta ou até mesmo
efetor” (ETI, do inglês effector triggered immunity) é induzido. outras variedades de uma mesma planta, Isso causava
Este foi resumido de formaelegante no modelo zig-zag (Figura uma grande confusão naliteratura porque um mesmo
6.2), de Jones e Dangl (2006), e compreende uma explicação gene poderia ser descrito como um fator devirulência ou
molecular do modelo “gene-a-gene”, no qual genes de aviru- avirulencia dependendoda interação. Ao mesmo tempo,
Iência (Avr) codificam efetores que são reconhecidos por um na medicina e em bioquimica, o termo efetor já estava
gene correspondente da resistência a doenças (R) (Flor, 1971). sendo usado para se referir a proteínas secretadas por
Tanto PTI como ETI induzem programas de defesa similares que um agente, com algumafunção regulatória. Desse modo,
geralmente incluem a produção de compostos antimicrobianos, cada ve:z mais o termo efetor foi sendo usadoao sereferir
acúmulo de calose, alteração hormonal e reação de hipersensi- a uma proteína quetinha algumaação durante a patogê-
bilidade, que limitam a progressão dos patógenos. ETI é regu- nese. Em 2006,Jones e Dangl apresentaram um elegante
larmente mais prolongado do que o PTI e, pelo menos em certos modelo, denominado de modelo zig-zag (Figura 6.2),
casos, pode ser ativado de forma mais rápida e robusta (ver Capi- ao explicar as linhas de defesa do sistema imune das
tulo 35 desta obra). plantas (Jones & Dangl, 2006). Esse trabalho tornou-se
Ascaracterísticas comuns de efetores já caracterizados são. um marco da fitopatologia moderna e até hoje recebe
usadas porfitopatologistas para encontrar possíveis candidatos a um número imenso decitações na área. Neste modelo, os
efetores. Esses candidatos são geralmente proteinas pequenas e autoresutilizaram o termoefetor e, a partir de então, esse
segregadas, que são ricas em cisteína e não mostram nenhuma termopassoua ser definitivamente mais usado. Hoje em
homologia óbvia com outras preveinas conhecidas (Gohre & dia é comum uso do termo efetores, no entanto ainda
Robatzek, 2008). Os efetores secretados alcançam seu alvo na existem trabalhos que mencionam um determinado
interface intercelular entre células hospedeiras e o patógeno efetor como um fator de virulência ou avirulência para
(efetores apoplásticos) ou dentro das células hospedeiras (efetores descrever suas funções nainteração.
citoplasmáticos) (Djameiet al., 2011).

416
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Efetores apoplásticos — Ao reconhecer um patógeno, as infectadas por Phytophthora (enrugamento do tecido infectado)
plantas se defendem secretando diversas enzimas na tentativa (Torto et al., 2003). CRN são efetores citoplasmáticos desco-
de romper a parede ou membrana plasmática dos atacantes ou bertos pela primeira vez em P. infestans, mas também foram
interferir com suafisiologia normal. Essas enzimas podem estar encontrados em outros oomicetos patogênicos de plantas como
incluídas entre as proteinas-RP, como as quitinases, glucanases P sojae, P ramorum, P phaseoli, P. parasitica, H. arabidopsidis,
e proteinases. Como contra defesa, fungos, oomicetos e bacté- Bremia lactucae e Pythium ultimum. O grupo de efetoresCrinkler
rias secretam ativamente vários tipos de efetores intercelulares. compartilha umaestrutura modular N-terminal com domínio alta-
A maioria deles são inibidores enzimáticos, os quais, portanto, mente conservado Leu-Xaa-Leu-Phe-Leu-Ala-Lys (LxLFLAK)
compreendem a primeira classe de efetores apoplásticos, os de cerca de 50 aminoácidos (Haas et al., 2009). Estudos de carac-
chamadosinibidores de enzimas. Alguns inibidores de enzima terização funcional de CRN (PsCRN70)de ?. sojae em Nicotiana
foram descritos entre espécies de Phytophthora (Kamoun. 2006). benthamiana demonstraram atividade de supressão da morte
Por exemplo, inibidores de serina-protease (EPIl e EPIIO) e celular induzida porelicitina INF-1, Em suma, INF-1 teria carac-
inibidores decisteína protease (EPIC1 e EPIC2) foram caracteri- terísticas de um padrão molecular associado ao patógeno (PAMP)
zadospelo seu potencial de inibir proteases de defesa sintetizadas que induziria a morte celular. Em contrapartida, o. PSCRN7O
pela planta hospedeira, Outros efetores nessa categoria podem ser suprime a ação deste PAMP, contribuindo para a virulência do
mencionados, como os inibidores de glucanase (GIP1 e GIP2) patógeno. Desta maneira, por possuírem um motivo molecular
secretados por P. sojae e encarregados por bloquear a ação de pré-definido, o que lhes dá a condição defácil identificação, e por
B-1-3-glucanase derivada de plantas de soja. Dentre outros tipos seremfortes candidatos a efetores essenciais para a virulência de
de efetores apoplásicos temos asproteinas da família NLP(pepti- P parasítica, o grupo de efetores Crinkler acaba sendo objeto de
deos indutores do acúmulo de ctileno e necrose), proteínas de estudo. A família de proteínas CRN mostrou extensa expansão
25 kDa que são amplamente distribuídas entre bactérias, fungos emtodas as espécies de Phytophthora sequenciadas (Haaset al.,
e oomicetos. Elas foram originalmente descritasa partir de Fusa- 2009), no entanto a presença destes efetores não é encontrada
rium oxysporume têm a capacidade de induzir a morte celular em na maioria das espécies de patógenos fúngicos que tiveram seus
muitas espécies de plantas (Djameiet al., 2011). Temos também genomassequenciados.
as proteínas ricas em cisteína, comoas elicitinas (descritas ante- Predição de efetores — Varias estratégias encontram-se
riormente) e Avrs2, 4 e 9, que contêm pontesdissulfeto formadas disponíveis na literatura acerca da predição de efetores de micror-
por pares de cisteínas, induzindo respostas de defesa. Finalmente, ganismos. A maioria baseia-se no uso de ferramentas de bioinfor-
oomicetos também possuem transglutaminases de GP-42e prote- mática para a procura de peptídeos sinais. O peptídeo sinal é uma
ínas de elicitor de ligação de celulose (CBEL) que podem desen- extensão amino-terminal de uma proteína endereçada a umalocali-
cadear a necrose e a expressão de genes de defesa (Djamei et al., zação celular específica. Em outras palavras, o peptídeo sinal sina-
2011). liza que a proteína que o detém deveser secretada outransportada a
Efetores citoplasmáticos — Bactérias internalizam efetores umsitio específico dacélula. Comotodoefetor deveter uma função
no citoplasma do hospedeiroatravés desistemas de secreção espe- no corpo dohospedeiro, seja no apoplasto ou no simplasto, estes
cializados. Os efetoresintracelulares bacterianos podem suprimir devem ser, portanto, secretados. O destino da proteina depende da
inespecificamente a maquinaria de proteínas quinase compro- clivagem do peptídeo sinal por uma peptidase:sinal e liberação da
metendo a defesa das plantas (Dodds et al., 2010). O conheci- proteina madura. O peptídeo sinal tem tipicamente 15-30 aminoá-
mentosobre efetores eucarióticos é escasso em comparação com cidos de comprimento e uma arquitetura dividida em uma n-região
o disponível para efetores bacterianos. Oomicetos são conhecidos carregada positivamente (1-5 aminoácidos de comprimento), uma
por secretar duas famílias de efetores intracelulares, os RxLRs região hidrofóbica h (7-15 aminoácidos) e uma região c polar com
(Morgan & Kamoun, 2007) e os efetores Crinkler (CRN) (Haas resíduos não carregados(3-7 aminoácidos). A pesar destas caracte-
etal., 2009). rísticas gerais, não se observa conservação emrelação ao compri-
Efetores RxLRs - As proteínas da família RxLR são mento, forma e composição de aminoácidos de peptídeos sinais
efetores citoplasmáticos moduladoras que carregam peptídeos entre procariotos e eucariotos. Devido à sua importância para o
N-terminais com domínios conservados como os RxLR (R:argi- estudo da secreção de proteina, vários métodos foram desenvol-
nina; x: qualquer aminoácido; L: leucina; R: arginina) (Birch et vidos para se prever peptídeos sinais e seu local de clivagem com
al., 2006). O motivo RxLR é particularmente interessante porque base nas características acima mencionadas. O mais utilizado
define um domínio que, semelhantemente aos de parasitas de atualmente é o software SignalP, gratuito e de uso amigável para
malária, viabiliza a entrada de proteinas que contém tal motivo não bioinformatas. Porém, nem toda proteína secretada é neces-
nointerior da célula do hospedeiro. Foi descoberto que a entrada sariamente um efetor. Outras características como por exemplo,
destes efetores no citoplasma pode ser feita independentemente homologia com efetores conhecidos, presença de repetições de
da presença do patógenoe utiliza a maquinaria da própria planta. cisteína, tamanho pequeno (5 a 50 kDa) e localização em regiões
Um dosefetores RxLR mais estudados até então é o AVR3a de esparsas na arquitetura do genoma, dentre outras, podem auxiliar
Phytophthora infestans. O AVR3a suprime a morte celular indu- napredição de candidatos a efetores.
zida pela elicitina INF-1, também secretada por P. infestans. Caracterização funcional de efetores — A agroinfiltração,
INE-1 teria características de um padrão molecular associado ao um ensaio baseadonainoculação de Agrobacterium tumefaciens
patógeno (PAMP) que induz morte celular, Em contrapartida, o transformada com algum gene de interesse, é um dos sistemas
AVR3a suprime a ação deste PAMP, contribuindo para a viru- mais simples para se avaliar a função efetora nas plantas. Este
lência do patógeno (Bosetal., 2009). método permite a expressão transiente de construções genéticas
Efetores CRNs — O nome Crinklerfoi dado devido à expressão (neste caso, genes dosefetores) em eucariotose é uma abordagem
do fenótipo de morte celular observado em folhas de plantas valiosa para se estudar a ativação e supressão da imunidade das

417
Manual de Fitopatologia

plantas por proteinas efetoras. Normalmente,as plantas de Nico- Esta abordagem combina expressão transiente de efetores em
tiana benthamiana ou Solanum sp. de quatro a cinco semanas germoplasmade plantas que estão em programas de melhoramento
de idade são usadas para a agroinfiltração (Du & Vleeshouwers, genético. Esta estratégia foi originalmente realizada em plantas de
2014). batata usando efetores de P. infestans comosondasresultando em
As inoculações de suspensões de Agrobacterium são reali- um catálogo de genes de R dessa solanácea (Hein et al., 2009).
zadas por infiltração via seringas, em que é feita pressão com Umadas experiências pioneiras onde se utilizou a efetorômica foi
a ponta da seringa (sem agulha) contra o lado abaxial da folha. realizada por Vleeshouwerset al. (2008), os quais utilizaram um
Durante este processo, é possível observar a suspensão se espa- repertório de 54 efetores de P infestans para descobrir genes R
lhar na folha. Para se obter bons resultados, folhas jovens c bem em espécies de Solanum. Conhecero reperiório de diversidade de
desenvolvidas devem ser usadas. É importante incluir controles efetores em populações de agentes patogênicos pode contribuir
negativos e positivos na folha inoculada. Uma suspensão de Agro- para o desenvolvimento de resistência durável contra um amplo
bacterium transformada com um vetor vazio é bem adequada espectro de isolados. A principal desvantagem da efetorômicaé
como um controle negativo e uma construção contendo um gene que a mesma requerensaios funcionais baseados em testes de
indutor de HR é adequado como controle positivo. Neste último complementação transiente, ou seja, métodos baseados em Agro-
caso,a elicitina INF1 de 2 infestans, uma proteína extracelular bacterium, como a agroinfiltração e a agroinfecção do víris X
que induz a morte celular, é comumente usada. As respostas da batata (PVX). Essas metodologias são efetivas em plantas de
podem ser observadascerca de2-3 dias apósa inoculação. Basi- Nicotianae é Solanum, mas ainda não são viáveis para a maioria
camente,o efetor é testado em sua capacidade de induzir a morte das outras plantas economicamente importantes.
celular ou suprimir a morte celular desencadeada por INF1. Perspectivas do uso de efetores na agricultura - Ao longo
Os ensaios de expressão transiente não devem ser o único das últimas décadas, muitas informações foram apresentadas
procedimento para à caracterização funcional de um efetor, uma sobre a biologia dos efetores e sua importância nasinterações
vez que nem todos os efetores causam uma resposta de hiper- planta-patógeno. Em particular, muitas estratégias para predizer
sensibilidade típica ou suprimem defesa em tais experimentos. e catalogarefetoresestão disponíveise a funçãode vários deles
Em outras palavras, os efetores podem ter outras funções que como fatores de avirulência foi apresentada. No entanto, ainda
não estejam relacionadas à ativação ou supressão de defesa. há muito esforço para se decifrar a função molecular dos efetores
Nesta situação, as transformações de Arabidopsis ou plantas de que atuam como fatores de virulência ou como reprogramadores
fumo podemserrealizadas para se avaliar alterações estruturais de transcrição. As principais dificuldades para se decifrar as
ou metabólicas induzidas por uma proteína efetora, MacLean funções des efetores são que, frequentemente, a) o genoma do
et al. (2011), por exemplo, transformaram plantas de Arabi- patógeno deve ser sequenciado, b) não há tantos dados disponí-
dopsis com um efetor SAPS54 do phytoplasma Candidatus Phyto- veis quanto ao nível de expressão dos efetores durante infecções
plasma Asteris e observaram alteração no desenvolvimento da nos hospedeiros, e c) os principais protocolos para se avaliar a
flor induzida pelo efetor. Em outra publicação pesquisadofes caracterização funcionaldos efetores ainda dependem de ensaios
encontraram evidência de efetores de Puccinia monoica repro- de agroinfiltração que não estão disponíveis para todas as culturas
gramando a transcrição da planta Boechera stricta, no qual de plantas. Espera-se que as dificuldades impostas acerca da
256 processos biológicos foram alterados. resultando no desen- caracterização funcional de efetores sejam amenizadas em futuro
volvimento de umapseudofior, totalmente diferente emformato é próximo. Neste cenário, tecnologias como edição do genoma e
cor da Aor natural desta espécie,atraindo insetos específicospara induçãode silenciamento gênicopelo hospedeiro podem vir a ser
a dispersão de esporos do fungo (Cano, 2013). Levando isso em empregadas em paralelo com o conhecimento acerca de efetores
consideração, conhecer a biologia do patógeno estudado e o tipo para o controle de doenças de modo sustentável na agricultura.
deinteração com seu hospedeiro pode contribuir para um melhor Outro lado pouco explorado é a predição e estudos de efetores
planejamento das estratégias a serem utilizadas para a caracteri- de microrganismos benéficos para as plantas. A identificação
zação de seusefetores. Estudos de microscopia também podemser de efetores que diretamente manipulam a fisiologia da planta
conduzidos para se determinar a deposição de calose e o acúmulo gerando maior produtividade pode levar ao desenvolvimento de
de espécies reativas de oxigênio (EROs) induzidas pelos efetores produtos que podem aumentar a eficiência e a produçãoagrícola.
avaliados, além do possível uso do sistema de duplo híbridos de
leveduras para se identificar alvos de efetores nasplantas. 34.9. CONSIDERAÇÕESFINAIS
Efetorômica — À efetorômica é um termo que tem sido A utilização da biologia molecular, engenharia genética e
usado com frequência nos últimos anos para se descrever duas de técnicas de microscopia eletrônica envolvendo a localização
abordagens relacionadas, masdistintas. O sufixo Ôômica refere-se das proteinas e carboidratosnascélulasvegetais, vem acelerando
a um campo de estudo em biologia, e comotal, a efetorômicase o entendimento das interações hospedeiro-patógeno ao nível dos
refere ao estudo dos efetores. Nesse sentido, inclui, por exemplo, processos degradativos em função das enzimas, os quais ocorrem
toda análise da biologia de efetores, comoa predição e seleção. a durante a penetração e crescimento dos fitopatógenosnascélulas
clonagem,a expressão de genes efetores, a busca de motivosou a vegetais hospedeiras. Além disso, os estudos envolvendo a
estrutura 3D,a caracterização funcional, a localização celular e as química e os mecanismos de ação das fitotoxinas, bem como o
respostasdasplantas; aos efetores. Um Aluxo normal detrabalho em papel desses compostos no processo doença, tiveram um grande
efetorômica apresenta três etapas principais: | - “seleção efetiva avanço. Com a emergência da genética molecular e o seu poten-
de candidatos”; 2 - “clonagem recombinânte”: 3 - “caracterização cial uso nosestudos dasfitotoxinas. trabalhos combinandoa genética
funcional”. Outro uso do termo “efectoromics” refere-se à abor- molecular e a bioquímica tornaram-se comuns, visando esclarecer
dagem de genômicafuncional para se identificar genes de resis- os eventos críticos do desenvolvimento das doenças. Por sua vez,
tência emplantas que utilizam moléculas efetoras como sondas. embora literatura seja repleta de trabalhos demonstrando a exis-

418
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

tência de alterações hormonais em diferentesinterações planta-pató- DeWit, RJ.G.M. Cladosporium fulvumeffectors: weapons in the arms
geno,estudos envolvendo o papel dosfitohormônios produzidos por race with tomato. Annual Review of Plant Pathology 54: 1-23,
patógenosdurante o processo doença continuam escassos. Os polis- 2016.
sacarídeos & a importância dos mesmos como mecanismos de pato- Dianese, J.C. Patologia Vegetal: Agressão e Defesa em Sistemas Planta/
genicidade em algumas interações também continuam carecendo Patógeno. Brasília, Universidade de Brasília, 1990. 139 p.
de mais estudos. Finalmente, na última década, além das tradicio-
Dickman, M,B.; Patil, S.S. Cutinase deficient mutantsof Colletotrichum
nais enzimas, toxinas, hormôniose polissacarídeos, inúmerostraba-
gloeosporioides are nonpathogenic to papaya fruit. Physiological
lhos envolvendo moléculas efetorassecretadas por fitopatógenos, and Molecular Plant Pathology28: 235-242, 1986.
abriram as portas para o estudo de outros fatores envolvidos na
patogenicidade, o que vem gerando um grande volume de novas Djamei, A.; Schipper, K.; Rabe, F.; Ghosh, A; Vincon, V.; Kahnt, J.;
informações relacionadas asinterações planta-patógeno. Osorio, S.; Tohge, T.; Femie, A.R.; Feussner, L; K. Fussner, K.;
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