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Universidade Católica Portuguesa

Faculdade de Direito

Vida e obra de São Paulo


Manuel Maria Cabral de Ascensão

Trabalho para a Unidade Curricular de


Cristianismo e Cultura lecionada pela
Professora Doutora Cátia Tuna

Lisboa
2020

1
Introdução

Neste trabalho, pretendo apresentar alguns momentos marcantes da vida do Santo mais
controverso dos fundamentos do cristianismo até aos tempos contemporâneos, S. Paulo.
O presente trabalho permitiu e exigiu a revisão de alguns temas abordados em aula, mas
também a consolidação e aprofundamento de conceitos e factos históricos que estão inerentes ao
contexto social, cultural e político da época.
Para muitos, São Paulo é uma figura de extremos. Considero que a vida do Santo é projetada
sobre uma luz que nos permite ver muito do que estava escondido no seu percurso; mas a luz é tão
brilhante ao ponto de nos cegar para o restante, suscitando mesmo, algumas dúvidas1.
Desta maneira, pretendo realizar o trabalho sob uma perspetiva crítica baseada em factos
históricos, e na qual espero responder a dúvidas que ainda estejam por esclarecer.

1
Expressão retirada de - Hart, H. L. A, and Leslie Green. 1994. O Conceito De Direito. 2nd ed. Oxford: Oxford
University Press.
2
Paulo nasceu por volta do ano 5-8 da era cristã em Tarso, na Cilícia (margens do Mediterrânio,
atual Turquia). Tal como os seus pais, era um judeu da diáspora2. Entre os 55 milhões de habitantes
do império, Paulo pertencia aos escassos 10% da população a quem a cidadania romana teria sido
concedida.
A sua infância e primeira educação é passada numa comunidade judaica em Tarso, onde, aos
5 anos, a criança judaica aprende a bíblia, aos 13 a prática dos mandamentos, com 15 o Talmude, e
com 18 as núpcias. A Torah incentiva Paulo a constituir família, no entanto, não existem quaisquer
provas formais de um casamento. Na 1ª Epístola de São Paulo aos Coríntios, o mesmo apresenta-se
como alguém que não precisa de mulher e faz os seus votos. No entanto, alguns historiadores
acreditam que terá casado e enviuvado. Ainda jovem, acredita-se que Paulo terá chegado a Jerusalém
no ano 20 com o intuito de estudar e familiarizar-se com a cultura e religião hebraica. Recebeu
formação de Gamaliel, rabban e, portanto, uma autoridade dentro do Sinédrio. Com 22 anos Saulo
continua a estudar e é provável que tenha ouvido falar da morte de Jesus, mas não se deve ter
comovido mais do que pela morte de um falso messias.
Em 29, quando Paulo regressa a Jerusalém (após uma provável estadia em Tarso), os
discípulos de Jesus já eram mais de 5 mil, embora a maior parte dos judeus (nos quais Saulo se incluía)
não acreditassem que Jesus fosse o Messias. Assim, pelos seus 25 anos Paulo persegue os judeus no
pogrom de judeus a judeus. Os cristãos fogem de Jerusalém e espalham-se desde a Judeia até à
Samaria. Com 26 anos Paulo dispõe-se a ir até Damasco com as cartas do Sumo Sacerdote para as
entregar nas sinagogas, muito embora o Sinédrio não tivesse qualquer autoridade sobre Damasco. A
distância duma cidade à outra é de 120 quilómetros que são percorridos em 7-8 dias passando por
Tibériades, Cafarnaum e posteriormente subindo os montes Golan. No seu caminho, Paulo vê Jesus
que lhe aparece como um “aborto”3... Nos Atos dos Apóstolos existem 3 versões do encontro dado
a caminho de Damasco: a 1ª dada no relato da vida de Paulo, a 2ª no discurso de defesa em Jerusalém,
e a 3ª do rei Agripa em Cesareia. Na 1ª versão, uma luz envolve Paulo e ele ouve uma voz; os seus
companheiros também a ouvem, mas não veem nada. Na 2ª, Saulo ouve a voz, os companheiros veem
a luz, mas não ouvem a voz. Na 3ª versão Saulo é o único a ouvir a voz e os seus companheiros veem
a luz. Uma vez que o encontro passou para o domínio suprarracional, a explicação deixa de ser
necessária. Os racionalistas rejeitam-na e os cristãos aceitam-na há mais de 2000 anos.

2
Movimento de dispersão judaica virtude de diversas expulsões.
3
“depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo.” - 1 Coríntios 15:8-10

3
Os motivos, deste encontro dado a caminho de Damasco, revelam-se importantes para a
compreensão do sentido de ordem e de missão adquirido por Paulo. Ainda que considere pouco
provável, há quem defenda que Paulo estava tão envolvido na perseguição aos cristãos que já conhecia
bem a figura de Jesus Cristo e, um dia, teve a impressão de se encontrar com o “messias”, descobrindo
acreditar na sua palavra e nesta nova perspetiva de fé.
A afirmação “Jesus é filho de Deus” é uma questão fraturante no sentido em que nunca
ninguém tinha dito aos judeus que o Todo-o-poderoso podia ter um filho. Nem uma palavra vinda
dos profetas, nem um só versículo o indicava. Seria um atrevimento para qualquer judeu! Mais, para
um judeu como Paulo, uma visão teria necessariamente um significado. Seria um chamamento ou
marco, que delimitava um novo caminho relativamente ao até então percorrido. Só o Judeu é que tem
a consciência de que uma revelação, implica, necessariamente, o sentido de uma nova missão. Desta
maneira, a disponibilidade imediata de Paulo para prosseguir o novo caminho delimitado pelo seu
encontro é o primeiro de muitos testemunhos de fé. Paulo percebeu que lhe tinha sido confiada uma
missão em nome do Messias. É de referir que só alguém absolutamente imerso na fé teria a agilidade
e intuição para aceitar de maneira cabal esta missão. O que faríamos nós se tal acontecesse?
Procuraríamos ir a Jerusalém dar conta do nosso erro e proclamar a verdade? Faríamos tudo o que
estivesse ao nosso alcance para abrir os portões da cidade aos cristãos? Procuraríamos, antes de mais,
informarmo-nos sobre “este tal” Jesus que nos havia concedido este dom? Ora, Paulo não faz nada
disso. Com rumo à Arábia, Paulo, desaparece de Damasco sem nada dizer a ninguém 4. Na verdade,
que necessidade teria o apóstolo de ir a correr até Jerusalém se já estava plenamente consciente desta
realidade incomensurável? Além do mais, o facto de Paulo não se ter dirigido imediatamente para
Jerusalém, segundo Dieter Hildebrandt, é e continua a ser o sinal de que tomou, de maneira repentina,
conhecimento de tudo. Paulo compreendeu que tinha interpretado mal o Antigo Testamento e que lhe
escapara a profundidade das profecias de Isaías, que havia predito a chegada de um servo sofredor 5.
O principal objetivo de Paulo em isolar-se, terá sido o desenvolvimento das suas capacidades
espirituais de que viria a necessitar para proclamar a mensagem de Deus aos gentios.
Assim, o episódio Damasco é profundamente importante para a vida de Paulo. Representa,
para muitos, o ponto de viragem ou rotura face a tudo o que Paulo acreditava e que nele estava
extraordinariamente enraizado.
Após a estadia anteriormente referida na Arábia, Paulo regressou a Damasco, e três anos
depois, foi para Jerusalém com o objetivo de se familiarizar com os que conheceram Jesus Homem,
os apóstolos, nomeadamente Pedro.

4
Gálatas 1:17
5
Isaías 53.
4
Paulo, considerava que o propósito da revelação de Deus havia sido um chamamento para
este pregar entre os gentios 6. Posteriormente a este encontro, Paulo começa a pregar o Evangelho
Jesus Cristo na Síria e na Cilícia e, embora não fosse conhecido de vista nas comunidades e igrejas
(cristãs) da Judeia, muitos teriam ouvido dizer que “Aquele que já nos perseguiu anuncia agora a fé
que antes destruía .”7
Nos 20 anos seguintes Paulo realizou diversas missões com a finalidade de espalhar a palavra
de Deus. No entanto, à medida
que pregava aos gentios, os
cristãos em Jerusalém
confrontaram-se com uma série
de problemas. Estes, acreditavam
que os gentios se deviam
converter em Judeus antes de se
tornarem efetivamente cristãos.
Assim, algumas das questões
postuladas, com que os antigos
Missionary travels of St. Paul St. Paul's missionary travels in the eastern
discípulos de Jerusalém se Mediterranean. Encyclopædia Britannica, Inc.

depararam, foram: “O que fazer dos pagãos, que exigirão batismo sem nada saber da Lei judaica?”;
“Será permitido viver com gentes incircuncidadas?”; “Como é possível partilharem as refeições
tocando nas carnes dos animais que não foram imolados segundo as regras?”. A resposta a estas
questões tomou lugar no Concílio Apostólico em Jerusalém: “7 Nesta reunião, após longas
discussões, Pedro levantou-se e falou aos presentes do seguinte modo: ‘Irmãos, todos sabem que
Deus me escolheu há muito, de entre vós, para pregar o evangelho aos gentios, a fim de que também
eles possam crer. 8 Deus, que conhece os corações dos homens, mostrou que aceitava os gentios ao
conceder-lhes o dom do Espírito Santo, tal como fez connosco, 9 sem distinguir entre eles e nós, pois
purificou a sua vida pela fé, como pela fé tinha purificado a nossa. 10 Por que razão é que pretendem
agora corrigir a Deus, pondo sobre os discípulos uma carga que nem nós nem os nossos pais
conseguimos suportar? 11 Nós acreditamos que todos são salvos da mesma maneira, pela graça do
Senhor Jesus!’”8
Ao contrário de Pedro, Tiago e João (os principais apóstolos circuncidados), Paulo
demonstrou uma eficácia na evangelização dos gentios pela Ásia Menor e Grécia absolutamente
notável! Muitos consideram que utilizava locais públicos onde daria palestras 9, outros acreditam que

6
Gálatas 1:16, Gálatas 2:6-10
7
Gálatas 1:17-24
8
Atos dos Apóstolos 15
9
Atos dos Apóstolos 17:17
5
Paulo não era um bom orador como havia confessado 10 , e portanto, enquanto trabalhou para se
sustentar, pode muitas vezes ter dito algo que chamasse a atenção das pessoas e que levasse a que as
suas palavras fossem “faladas”.
As Cartas de S. Paulo são uma importante herança deixada pelo Santo, e que chegaram até
aos tempos atuais. As Cartas são na sua maioria epístolas que Paulo terá escrito à medida que eram
estabelecidas igrejas na Ásia Menor, Macedónia e Acaia, - territórios que hoje são conhecidos pela
Grécia e Turquia - e onde Paulo era sensivelmente mais ativo. Nas Cartas de Paulo, é-nos possível
compreender as dificuldades que a Igreja Cristã atravessou, mas também sobre a sua vida e
ensinamentos que deixou registados. A importância atribuída às Cartas, que permitiram compreender
o que formou e moldou o cristianismo até aos dias de hoje, explica-se pelo facto do Santo ser autor
de 13 dos 27 livros do Novo Testamento.
Embora nesta época também tenham sido escritas outras obras que chegaram até aos dias de
hoje, temos poucos registos sobre a morte de Paulo. Nos Romanos 15:23-29, Paulo deixa assinalada
a intenção de visitar um corpo de crentes em Roma quando estava a caminho de Espanha. Ora, a
Encyclopedia Britannica tem em conta os Romanos como uma das últimas obras de S. Paulo11 de
maneira que é (muito) possível que o mesmo estivesse em Roma quando se deu a perseguição de
Nero após o grande incêndio. Adam Clark considera que é “bastante provável que, quando se deu a
perseguição levada por Nero contra os Cristãos, tanto São Paulo como São Pedro deram a sua vida
pela causa.” Paulo beneficiado da cidadania romana, foi, muito possivelmente, decapitado, ao
contrário de Pedro (morto por crucificação).

10
2 Coríntios 10:10; 11:6;
11
“The probable chronological order (leaving aside Philemon, which cannot be dated) is 1 Thessalonians, 1
Corinthians, 2 Corinthians, Galatians, Philippians, and Romans. Letters considered ‘Deutero-Pauline’ (probably
written by Paul’s followers after his death) are Ephesians, Colossians, and 2 Thessalonians; 1 and 2 Timothy and Titus
are ‘Trito-Pauline’ (probably written by members of the Pauline school a generation after his death).”
6
Conclusão

Através da análise que procurei fazer à vida e obra de S. Paulo, creio que se torna claro e
evidente todo o seu percurso, tanto a nível histórico como espiritual e, até mesmo, a sua correlação,
realçando a forma como os demais fatores e acontecimentos ao longo da sua vida vêm desencadear
um despertar para uma nova interpretação da fé e para um sentido de missão inegável e admirável na
sua recetividade e intensidade.
Após um estudo significativo daquilo que foi a sua verdadeira contribuição para a difusão e
estruturação basilar do Cristianismo, entendemos que S. Paulo, se traduz nesta religião com uma
simplicidade e acessibilidade singulares que só podem advir da complexidade que caracterizou o
aprofundamento da sua educação (excecional nos termos da época), da sua fé e da sua obra,
consequentemente delineando todo o seu percurso e influência.

7
Bibliografia

- Sanders, E.P. 2020. "Saint Paul The Apostle | Biography & Facts". Encyclopedia Britannica.
https://www.britannica.com/biography/Saint-Paul-the-Apostle.

- "Conheça A Bíblia: Cartas De São Paulo". 2020. Aleteia: Vida Plena Com Valor.
https://pt.aleteia.org/2016/09/15/conheca-a-biblia-cartas-de-sao-paulo/.

- Pyle, Bethany. 2019. "How Did The Apostle Paul Die?". Christianity.Com.
https://www.christianity.com/wiki/people/how-did-the-apostle-paul-die.html.

- Pereira Lamelas, Isidro. 2009. São Paulo, Textos Apócrifos, Actos De Paulo E Tecla - Carta Aos
Laodicenses. 1st ed. Coimbra: Tenacitas.

- de Oliveira, D. Anacleto. 2008. Um Ano A Caminhar Com São Paulo, Proposta Da Conferência Episcopal
Portuguesa Para A Vivência Do Ano Paulino. Gráfica de Coimbra 2 - Publicações, Lda.

- Decaux, Alain. 2003. O Aborto De Deus. Éditions PLON.

- Walker, P. W. L. 2008. Nas Pegadas De São Paulo. 1st ed. Paulinas Editora.

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