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A DEFESA DO MINISTÉ RIO DE PAULO

Gá latas 2.1-10

A sede do cristianismo ficava em Jerusalém, onde surgiu a primeira


Igreja. O cristianismo começou dentro do judaísmo. O Messias
proclamado pelos cristã os era um judeu, Jesus de Nazaré.

A Bíblia usada pelos primeiros discípulos de Jesus era a mesma dos


judeus: do Antigo Testamento.
Os apó stolos, que começaram as bases das igrejas cristã s, embora
descendentes de diferentes serviços, eram todos judeus e foram
escolhidos por Jesus entre a multidã o que o acompanhava.

As expectativas dos primeiros cristã os concentravam-se na


esperança da volta do Filho de Deus, que coincidia em vá rios
aspectos com a esperança judaica da chegada do Messias.

As primeiras igrejas guardavam algumas características da


Religiã o judaica. Os primeiros cristã os de Jerusalém eram todos
Judeus e ainda mantinham certas prá ticas do judaísmo.

Eles criam que Jesus era o Filho de Deus, o Messias esperado, mas
continuavam a frequentar o Templo, como nos tempos do Antigo
Testamento.

Os primeiros cristã os judeus provavelmente continuaram a guardar


o sá bado, talvez numa fase de mudança, ao mesmo tempo que
guardavam o domingo, que já apontava como o dia que haveria de
prevalecer para o cristianismo como “dia de descanso”.

A circuncisã o era um sinal da antiga aliança e da religiã o do Antigo


Testamento, e é prová vel que os primeiros cristã os de Jerusalém
circuncidassem os filhos. Alguns, com certeza, continuavam a
observar as leis dietá rias dos judeus: nã o comiam carne de porco e
de outros animais proibidos pela Lei de Moisés nem ingeriam
sangue.
Em resumo, preservavam as características que distinguiam os
judeus dos outros povos. Sendo assim, era muito difícil para um
judeu que havia se tornado cristã o vencer a barreira racial e
religiosa e se misturar com os pagã os, entrando, por exemplo, na
casa de alguém que nã o era judeu.

Quando o apó stolo Paulo, um fariseu zeloso da lei judaica


convertido ao cristianismo, começou a pregar o evangelho aos
gentios e dizer que Deus os aceitava pela fé em Cristo Jesus, sem as
obras que a Lei de Moisés exigia, muitos cristã os judeus ficaram
espantados.

Para muitos deles, Paulo estava pregando um evangelho diferente ao


dizer que, para uma pessoa ser aceita por Deus, bastava crer em
Jesus Cristo. Ela nã o precisava se circuncidar, nem ir ao Templo, nem
observar regras alimentares, nem seguir o calendá rio das festas
judaicas, como a Pá scoa e o Pentecostes.

A pessoa era salva pela graça, por meio da fé, sem as obras da lei. A
igreja de Jerusalém ficou agitada quando viu surgir no cená rio do
primeiro século aquele pregador ensinando essa doutrina a outros
grupos étnicos.

O que teria acontecido com Paulo? Será que ele havia evangelizado?
Teria ele abandonado a gloriosa religiã o judaico-cristã ? Estaria
pregando outro evangelho?

Nã o tardou para que as igrejas fundadas por Paulo se tornassem


alvo de evangelistas e missioná rios judaizantes, que tinham como
estratégia visitá -las para tentar “converter” os convertidos de Paulo.

O apó stolo chegava a uma regiã o, pregava o evangelho a um grupo


de gentios, baptizava as pessoas que criam, as discipulava e edificava
na fé e organizava a liderança dessa nova igreja. Em seguida, ia
plantar mais uma igreja em outro lugar. Mas assim que Paulo partia,
esses missioná rios judaico-cristã os chegavam aos gentios daquela
igreja já constituída e perguntavam:
— Vocês sã o cristã os?
— Somos — respondiam os cristã os gentios. — Cremos em Jesus
Cristo como Senhor e Salvador.
Os missioná rios judeus entã o diziam:
— Que coisa maravilhosa! Nó s também somos! E vocês já foram
circuncidados?
— Nã o — informavam com estranheza os recém-convertidos.
— Como nã o foram? Quem pregou o evangelho para vocês?
O apó stolo Paulo? Já imaginá vamos! Vocês sabiam que Paulo nã o
pertence aos Doze? Ele veio depois. Nã o faz parte do grupo original
dos apó stolos de Cristo. Ele nã o ensinou que vocês deviam se
circuncidar?
— Nã o. Ele disse que pela fé já estamos salvos e nã o precisamos de
mais nada. O que devemos fazer, depois de ter sido salvos, é
obedecer a Deus, perseverar na verdade, pregar o evangelho a
outras pessoas e fazer parte da igreja.
— Nã o, nã o, Paulo ensinou tudo errado! Vocês nã o sã o cristã os
completos ainda. Para que sejam cristã os de fato e possam entrar no
reino de Deus, é preciso ir além de somente crer em Jesus. Vocês
precisam se circuncidar, deixar de comer carne de porco e sangue,
ou seja, parar de viver dessa maneira que vocês vivem. Vocês têm de
se tornar judeus, porque Jesus era judeu. A Bíblia que estã o lendo é a
Bíblia dos judeus. Vocês nã o podem ser cristã os nem se salvar se nã o
praticarem todas as obras da Lei de Moisés. É preciso se tornar
judeu praticante para poder entrar no céu.

E a partir daí a confusã o se instalava nas igrejas que Paulo havia


fundado. Os cristã os passavam a ter dú vidas e ficavam sem saber
direito o que responder.
Paulo foi entã o informado de que certos missioná rios estavam
ensinando essa doutrina nas igrejas que ele havia plantado na regiã o
da Galá cia.
Elas estavam sendo minadas pela actividade desses missioná rios
“judaizantes”, como ficaram conhecidos os que ensinavam que a
circuncisã o era obrigató ria a um gentio que se convertia ao
cristianismo.
Alguns cristã os gentios já haviam se
circuncidado, outros estavam pensando em fazê-lo e ainda outros
estavam em dú vida. Mas certamente todas aquelas igrejas estavam
confundidas.
Paulo nã o podia voltar à regiã o da Galá cia, porque estava
plantando igrejas em outra parte, por isso resolveu mandar uma
carta, que é esta Carta aos Gá latas, que estamos estudando.

Nessa carta, o apó stolo Paulo se defende das acusaçõ es feitas pelos
evangelistas judaico-cristã os e repreende os gá latas por estarem se
desviando tã o rapidamente do evangelho que dele haviam recebido.

Com base no Antigo Testamento, ele prova que, desde o início, foi
anunciado o evangelho da graça e da fé em Cristo Jesus, sem as obras
da lei. Entã o, declara que o judaísmo era provisó rio, uma religiã o de
sombras e de princípios que foi substituída pela vinda de Cristo
Jesus.

Assim, nã o fazia mais sentido que uma pessoa que estivesse em


Cristo mantivesse aquelas prá ticas antigas, as quais nã o tinham mais
utilidade. Elas eram apenas figuras, sombras que apontavam para a
vinda do Messias, e agora ficaram para trá s com sua chegada.

O capítulo 2 é a parte da carta em que Paulo defende seu ministério


das acusaçõ es que lhe eram pessoalmente dirigidas: de que ele
pregava outro evangelho e de que era inferior aos Doze,
especialmente aos apó stolos Pedro e Joã o, e também a Tiago — o
irmã o de Jesus que havia ocupado o lugar do Tiago apó stolo,
decapitado por Herodes.

Esses três eram os principais líderes da igreja de Jerusalém. Paulo,


entã o, apresenta sua defesa.
Vejamos o texto:
Depois de catorze anos, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando Tito também
comigo. Subi por causa de uma revelaçã o e expus a eles o evangelho que prego entre os
gentios, mas em particular aos que pareciam se destacar, para que de algum modo nã o
corresse ou nã o tivesse corrido inutilmente. Mas nem mesmo Tito, que estava comigo, foi
forçado a se circuncidar, embora fosse grego, e isso por causa dos falsos irmã os que
haviam
se intrometido e secretamente vieram espiar a liberdade que temos em Cristo Jesus, para
nos escravizar. Mas nem por um momento cedemos, ou nos submetemos a eles, para que a
verdade do evangelho permanecesse convosco. E aqueles que pareciam ser importantes,
ainda que o tenham sido no passado, isso nã o me importa, pois Deus nã o considera a
aparência humana, esses, que pareciam ser importantes, nada me acrescentaram. Pelo
contrá rio, viram que o evangelho da incircuncisã o me havia sido confiado, assim como a
Pedro o evangelho da circuncisã o. Pois aquele que agiu por meio de Pedro para o
apostolado da circuncisã o também agiu por meu intermédio para o apostolado aos
gentios.
E quando reconheceram a graça que me havia sido dada, Tiago, Cefas e Joã o, considerados
colunas, estenderam a mã o direita da comunhã o a mim e a Barnabé, para que fô ssemos
aos gentios, e eles, à circuncisã o. E nos recomendaram somente que nos lembrá ssemos dos
pobres, o que também procurei fazer com cuidado (2.1-10).

Essa passagem pode ser dividida em três partes, das quais


podemos extrair liçõ es preciosas a respeito do evangelho que
pregamos hoje e a doutrina que defendemos, em meio a muitas lutas
e dificuldades.

Essas conclusõ es devem especialmente nos levar a Deus em espírito


de gratidã o por homens que, como Paulo, lutaram pela pureza do
evangelho; caso contrá rio, todos nó s ainda teríamos de nos
circuncidar e guardar todos os deveres das leis dietá rias e do
calendá rio judaico.

Na primeira parte da passagem, Paulo relata uma viagem que fez a


Jerusalém para se encontrar com os apó stolos e lhes expor e
defender o evangelho que pregava, nã o por querer a aprovaçã o
deles, mas porque prezava a comunhã o com os apó stolos de Cristo.

Na segunda parte, ele relembra um embate que teve com os


judaizantes, que foram confrontá -lo tã o logo souberam de sua
presença em Jerusalém.

Na terceira parte, Paulo conta que recebeu total apoio dos apó stolos
de Jerusalém e relata também como dividiram o campo de trabalho
— quem haveria de pregar o que e para quem. No final, ele faz
mençã o aos pobres.

O encontro com os outros apóstolos

Quando inicia o relato de uma viagem a Jerusalém (2.1), Paulo


afirma que a fez “depois de catorze anos”. Nã o é possível afirmar
com certeza o significado desse “depois”: catorze anos depois do
quê? Talvez seja apó s sua conversã o, a qual ele relata no capítulo 1,
ou pode ser uma referência à data de sua primeira viagem a
Jerusalém, que ele menciona em 1.18: “Depois de três anos, subi a
Jerusalém”. Nã o fica claro nessa carta qual fato está sendo
mencionado como referência.
De qualquer forma, seja por um critério, seja por outro, o que Paulo
está ressaltando com essa afirmaçã o é que ele já pregava o
evangelho havia pelo menos catorze anos quando, enfim, resolveu ir
a Jerusalém para um encontro com os líderes da igreja judaico-cristã
daquela cidade.

A informaçã o é importante porque mostra que Paulo era


independente dos apó stolos de Jerusalém, que havia sido autorizado
por Deus a pregar o evangelho e, portanto, nã o precisava da
aprovaçã o dos Doze.

Em seguida, o apó stolo também informa que nã o estava sozinho.


Havia levado consigo dois amigos (v. 1). Um deles era Barnabé, seu
companheiro de pregaçã o e um de seus auxiliares. Na mesma
categoria, podemos incluir Timó teo e vá rios outros mencionados
por nome nas cartas de Paulo, porém Barnabé era seu principal
ajudador ,que sempre estava com ele. Também acompanhava o
apó stolo nessa viagem a Jerusalém um jovem chamado Tito, a quem
mais tarde Paulo haveria de escrever uma carta, incluída no Novo
Testamento entre as chamadas Cartas Pastorais (ao lado de 1 e
2Timó teo). Tito era uma espécie de assessor, um “chefe de
gabinete”, um ajudante de ordens de Paulo. A esse jovem pastor e
missioná rio Paulo confiava o desenvolvimento e a expansã o de seu
trabalho, bem como a plantaçã o e a organizaçã o de novas igrejas.

Obedecendo a uma revelaçã o Paulo diz ainda que subiu a Jerusalém


em obediência a uma revelaçã o. Nã o sabemos a que tipo de
revelaçã o ele se refere.

Teria sido uma revelaçã o particular, na qual Deus apareceu ao


apó stolo dizendo algo como “Paulo, quero que você agora vá a
Jerusalém se encontrar com Pedro, Tiago e Joã o”, ou teria sido uma
revelaçã o de outra natureza?

Em Actos 11 está registado que um profeta chamado Á gabo dirigiu-


se a Antioquia, onde Paulo se encontrava, com uma revelaçã o de que
haveria uma grande fome no mundo, e, por isso, os crentes de
Antioquia decidiram enviar uma oferta aos irmã os de Jerusalém. Se a
viagem de Paulo a Jerusalém mencionada em Gá latas é a mesma
registada em Actos 11, entã o é a essa revelaçã o que Paulo se refere,
ou seja, à palavra profética trazida por Á gabo.
Essa interpretaçã o faz sentido, porque no final da passagem a
questã o dos pobres é outra vez mencionada.
Caso tenha sido uma revelaçã o particular a Paulo, isso nos leva a
uma questã o: Deus ainda hoje fala connosco dessa maneira?

Deveríamos em nossos dias esperar que Deus apareça de sú bito para


alguém e diga algo como “Estou lhe revelando que você deve pregar
em tal lugar domingo que vem”, ou “Você tem de plantar uma igreja
lá em seu bairro”? Os cristã os que fazem parte de igrejas da tradiçã o
reformada nã o crêem que Deus ainda se dirija a seus filhos dessa
maneira.

As revelaçõ es pessoais foram restritas ao período apostó lico,


dadas aos apó stolos e outros homens especialmente designados por
Deus para plantar igrejas e estabelecer o evangelho no início do
cristianismo, homens inspirados por Deus e infalíveis em seus
escritos.
Era uma categoria especial de obreiros, que nã o existe mais.
Assim, fica difícil falar em revelaçã o particular de Deus a
determinadas pessoas nos dias actuais.
Nã o queremos com isso dizer que Deus nã o possa se revelar dessa
forma, pois ele pode fazer isso se assim desejar; contudo, esse tipo
de revelaçã o nã o deve ser normativo para a igreja. Se você acredita
que Deus lhe falou ou revelou algo em particular, nã o convém exigir
que outros acreditem nisso ou que obedeçam a essa revelaçã o,
porque a igreja nã o é obrigada a seguir a revelaçã o particular de
ninguém.

Ela deve seguir, isto sim, a revelaçã o especial de Deus, que está nas
Sagradas Escrituras.
A Bíblia, como bem sabemos, é nossa ú nica regra de fé e prá tica. A
igreja se orienta por ela, nã o por revelaçõ es particulares recebidas
por algum pastor, presbítero ou outro membro. Como já disse, nã o é
que Deus nã o possa mais fazer uma revelaçã o desse tipo
actualmente, mas se tratará sempre de algo entre a pessoa e Deus,
sem valor normativo para a igreja. Nã o se pode constranger a igreja
a acreditar no que foi revelado a um indivíduo em particular ou
obrigá -la a seguir o que está sendo ensinado através dessa
revelaçã o.
De qualquer modo, nessa situaçã o específica narrada na Bíblia, o
apó stolo Paulo foi orientado por Deus sobre a necessidade de subir a
Jerusalém. Talvez ele tenha ido com o objectivo de ajudar os pobres,
se a revelaçã o a que ele se refere é aquela de Á gabo. Mas acabou
ocorrendo naquela cidade algo muito mais importante do que Paulo
tinha em mente, porque ali foi discutido um assunto de extrema
seriedade para o futuro da igreja.

Tirando o melhor proveito da viagem

O objectivo da viagem e o que acabou acontecendo nela estã o


registados no versículo 2. Na ocasiã o, Paulo expô s e defendeu o
evangelho que pregava entre os gentios. Ele o fez em particular
somente aos que pareciam exercer maior influência na igreja, “para
que de algum modo nã o corresse ou nã o tivesse corrido
inutilmente”.

O apó stolo parece ter sido um tanto prá tico nessa situaçã o, nã o é
mesmo? Ao se dirigir a Jerusalém, ele deve ter reflectido: “Quais sã o
os de maior influência naquela igreja? Quem sã o os chefes? Sem
dú vida, Pedro, Tiago e Joã o. Quero entã o me reunir com eles”. Paulo
nã o queria perder tempo expondo a qualquer pessoa o evangelho
que pregava. Desejava aproveitar ao má ximo aquela viagem.

Aprendemos com isso que é preciso planejar bem as coisas. Nã o é


errado concentrar esforços num grupo em que a possibilidade de
sucesso é maior. À s vezes, muito do tempo e do dinheiro da igreja é
investido em trabalhos que, se fossem mais bem planejados, ou
executados em outro lugar, resultariam em melhor aproveitamento
dos recursos que Deus pô s à nossa disposiçã o.

Quando foi a Jerusalém, Paulo sabiamente procurou os de maior


influência, aqueles em quem a defesa do evangelho que pregava
causaria melhores resultados, a fim de que sua missã o alcançasse
maior sucesso. Nã o é pecado planejar dessa maneira.
Temos a missã o de pregar a todas as pessoas. Mas como nã o
podemos fazer isso imediatamente, porque nã o temos o dinheiro, o
tempo nem o pessoal suficientes, vamos dar preferência a lançar a
semente nos campos que nos pareçam mais frutíferos. Se temos
apenas uma rede para lançar, vamos lançá -la naquela parte do mar
que sabemos ter mais peixe, nã o é mesmo?
Nã o é produtivo semear em qualquer campo ou sair lançando a rede
em qualquer lugar. Seria um desperdício.
Da mesma forma, temos poucos recursos para executar nossa
missã o, por isso devemos buscar com sabedoria identificar
exactamente o local onde vamos pregar.
Assim, aproveitaremos melhor nosso tempo e nossa mã o-de-obra.

A fim de que sua viagem nã o fosse inú til, Paulo procurou as


pessoas com maior influência na igreja de Jerusalém, para anunciar e
defender o evangelho que anunciava. Desse modo, ele pô de
convencer toda a igreja de que o evangelho pregado entre os gentios
era o mesmo que Pedro proclamava entre os judeus, embora com
diferentes aplicaçõ es.

O evangelho tem uma capacidade extraordiná ria de adaptaçã o e


Inculturaçã o, porque é uma mensagem a ser pregada no mundo
inteiro. Pelo fato de ter essa natureza, pode ser pregado a judeus, a
gentios, a todas pessoas de diversas origens. Pode ser proclamado
entre as classes mais ricas dos grandes centros, e entre os pobres da
subú rbios. O evangelho que pregamos é capaz de se adaptar à
cultura, de se infiltrar nela, de abençoá -la, de transformá -la.

Quando Paulo mostrou aos apó stolos de Jerusalém que o evangelho


que pregava entre os gentios era o mesmo que Pedro e os demais
pregavam entre os judeus, ele ressaltou que apenas as aplicaçõ es
nã o eram as mesmas. E essa é a ú nica diferença mencionada aqui.
Foi assim que Paulo, o estrategista, o pastor, o missioná rio e o
apó stolo, defendeu os interesses do evangelho em Jerusalém.

O embate com os judaizantes

A segunda parte do texto nos apresenta o que aconteceu em


Jerusalém. Nos versículos 3 a 5, Paulo fala de uma disputa com
alguns falsos irmã os que se intrometeram na reuniã o entre ele e a
liderança da igreja de Jerusalém. Nã o foi um encontro programado.
Esses falsos irmã os provavelmente faziam parte daquele grupo de
missioná rios judaizantes que mencionamos, e Paulo se viu obrigado
a debater com eles.
Quando chegou a Jerusalém, o apó stolo foi apresentado à igreja e
se reuniu com os líderes. Tito estava ao seu lado. Pedro, Tiago e Joã o,
que eram todos judeus, devem ter perguntado a Paulo: “Quem é este
jovem?”. E Paulo deve ter respondido: “É um gentio que me
acompanha na pregaçã o do evangelho”. Foi nesse exacto momento
que os evangelistas judaizantes o interpelaram:
— Ele é circuncidado?
— Nã o, ele é gentio — Paulo respondeu. — Nã o exijo que os gentios
que crêem em Jesus Cristo sejam circuncidados.
— Mas isso é um absurdo! Ele tem de ser circuncidado e precisa
guardar a Lei de Moisés. Você tem alguma coisa contra Moisés,
Paulo?
— Nã o, nã o sou contra Moisés.
— Você é contra as obras da lei?
— É claro que nã o sou contra as obras da lei! Apenas creio que
estou correcto em afirmar que as obras da lei, apresentadas por
Moisés no Antigo Testamento, sã o proféticas, apresentam tipos que
já se cumpriram com a vinda de Cristo. Por isso, os gentios nã o
precisam se circuncidar para ser cristã os como nó s.

Nesse ponto, começou a discussã o, e Paulo teve de resistir com


unhas e dentes. Creio que ele estava disposto até mesmo a romper
com os líderes da igreja de Jerusalém, caso Tito fosse obrigado a se
circuncidar. É o que dá a entender com o que escreveu. Mas o
desfecho nã o foi esse, como ele informa no versículo 3: “Nem mesmo
Tito, que estava comigo, foi forçado a se circuncidar, embora fosse
grego [outra palavra utilizada para designar um gentio, pois todos os
gregos eram gentios] ”. Por que isso? No versículo 4, ele esclarece: “e
isso por causa dos falsos irmã os que haviam se intrometido e
secretamente vieram espiar a liberdade que temos em Cristo Jesus,
para nos escravizar”.

Era assim que Paulo via a tentativa de circuncidar Tito. Se o


jovem obreiro fosse circuncidado, sendo um gentio, isso seria uma
derrota para o evangelho. Nã o seria um problema pessoal e
localizado, mas, sim, um incidente emblemá tico. Um gentio que
tivesse de ser circuncidado para se tornar “um cristã o de verdade”
colocaria em risco o evangelho, e é por isso que Paulo diz, no
versículo 5, que nã o cedeu “nem por um momento [...] para que a
verdade do evangelho permanecesse convosco”.
Se Tito fosse circuncidado, os demais cristã os gentios também
teriam de passar pela circuncisã o. Todos os cristã os teriam de se
tornar judeus, e hoje seríamos uma igreja judaica. Essa reuniã o em
Jerusalém talvez tenha sido o momento mais crítico para o
evangelho.
Decidiu-se ali se prevaleceria o evangelho da graça, da misericó rdia
e da fé em Cristo Jesus, sem as obras da lei, ou se venceria o
“evangelho” dos judaizantes.

Imaginemos que Paulo tivesse cedido dizendo algo como: “Tudo


bem! Tito, você se incomoda? Deixa pra lá ! Nã o vamos brigar, nã o;
sejamos amigos. Dó i só um pouquinho, mas... é só para agradar esse
pessoal... só pra gente fazer amizade e estabelecer um bom ‘ponto de
contacto’. Nã o queremos encrenca com ninguém”.

Se Paulo tivesse agido assim, o evangelho da graça talvez tivesse se


perdido para sempre. Teríamos perdido a liberdade que temos em
Cristo.
O evangelho verdadeiro é o evangelho da liberdade, aquele que nos
libera das obrigaçõ es legalistas e cerimoniais da Lei e nos dá a
salvaçã o gratuita em Jesus Cristo. Esse evangelho possibilita que
qualquer pessoa, por mais pecadora e fraca, seja salva pela fé em
Jesus Cristo. Paulo estava lutando nã o apenas pelo seu amigo Tito,
mas pela verdade do evangelho, para que este permanecesse
conforme ele havia recebido de Deus e como deve sempre ser. E o
resultado desse seu empenho foi maravilhoso.

O apoio dos apóstolos de Jerusalém ao


evangelho
de Paulo

Na terceira parte do texto, que vai do versículo 6 ao 10, Paulo passa


a discursar sobre o apoio que recebeu dos líderes de Jerusalém apó s
o embate com os judaizantes. Ao mencionar “aqueles que pareciam
ser importantes”, ele está se referindo a Pedro, Tiago e Joã o, que
eram considerados “colunas” da igreja. Paulo, na verdade, nã o
demonstra ter se intimidado com isso, pois afirma que Deus “nã o
considera a aparência humana”.
Paulo nã o ficou nem um pouco impressionado com os três, porque
acreditava estar no mesmo nível dos apó stolos
Pedro e Joã o e ainda de Tiago, irmã o de Jesus e líder da igreja em
Jerusalém. “Nada me acrescentaram”, ele diz no final do versículo 6;
ou seja, os três nã o fizeram nenhum acréscimo ao evangelho que ele
pregava.

Na verdade, nessa reuniã o, Pedro, Tiago e Joã o puderam constatar


que Deus estava agindo também através de Paulo, nã o somente
através deles. Desse modo, conseguiram perceber uma coisa
importante: Deus havia designado Paulo para pregar o evangelho
aos gentios, assim como designara Pedro para pregar o evangelho
aos judeus. Ao perceberem isso, reconheceram, por conseguinte, a
evangelizaçã o de Paulo. E, como expressã o desse reconhecimento, o
versículo 9 diz que “estenderam a mã o direita da comunhã o.

Com esse gesto, os três líderes estavam dizendo a Paulo: “Você é


um de nó s. Você é como nó s, e reconhecemos seu ministério. Nã o
temos absolutamente nada a acrescentar ao que você está fazendo.
Sabemos que Deus o escolheu e que você está pregando o
verdadeiro evangelho aos gentios. Vá em paz! Nó s continuaremos a
pregar o evangelho aos judeus aqui, enquanto você se dedica a
pregar aos gentios!”. É claro que essa regra nã o era absoluta, porque,
aonde Paulo chegava, ele primeiro pregava aos judeus; só depois
falava aos gentios. Da mesma forma, Pedro e os demais apó stolos
nã o pregavam apenas aos judeus, mas também aos que nã o
professavam a fé judaica.

O apó stolo Joã o, por exemplo, no final da vida, era responsá vel
pelas igrejas da Á sia menor, que eram infiel. A cargo do
ministério de Paulo aos gentios e o de Pedro e demais apó stolos aos
judeus nã o era uma regra absoluta, mas, sim, uma questã o de
prioridade. Em Jerusalém, definiu-se o principal foco dos
ministérios.

O que os apó stolos estavam dizendo era: “Nó s todos pregamos o


mesmo evangelho. Todavia, há grupos diferentes que precisam ser
alcançados. Você vai para os gentios, Paulo, e nó s continuaremos a
pregar aos judeus”. E a ú nica recomendaçã o que fizeram ao apó stolo
dos gentios está no versículo 10: “Recomendaram somente que nos
lembrá ssemos dos pobres, o que também procurei fazer com
cuidado”.

Ainda assim, mesmo antes dessa recomendaçã o, Paulo já estava se


esforçando para fazer isso, pois, se nosso raciocínio estiver correcto,
um dos motivos de ele ter ido a Jerusalém foi entregar aos pobres da
primeira igreja uma oferta arrecadada entre os cristã os de
Antioquia.

Conclusão e aplicações

Podemos nos perguntar o que essa secçã o da Carta aos Gá latas pode
ensinar aos cristã os de hoje. Creio que vá rias liçõ es podem ser
aprendidas com ela.

A primeira liçã o, já mencionada algumas vezes, é que há somente


um evangelho. Embora seja pregado a povos diversos, de épocas e
culturas diferentes, é o mesmo evangelho. Pedro, Tiago e Joã o
estenderam “a mã o direita da comunhã o” a Paulo em sinal de
reconhecimento dessa verdade. É um só evangelho: que Cristo Jesus
morreu pelos nossos pecados, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos
céus, está à direita de Deus, virá para julgar os vivos e os mortos, e
quem crer nele será salvo de seus pecados, será perdoado e aceito
por Deus e terá a vida eterna — tudo isso somente pela misericó rdia
de Deus e sem as obras da lei. É esse o evangelho que a Bíblia ensina.

A segunda liçã o é que esse evangelho, embora seja o mesmo, pode


ter diferentes aplicaçõ es. Ele pode ser contextualizado e se adaptar à
cultura. Os crentes de Jerusalém eram cristã os verdadeiros —
excepto os legalistas, que Paulo considerava falsos irmã os. Mas os
judeus que de fato se convertiam a Cristo praticavam o cristianismo
sem renunciar à sua cultura. Circuncidavam os filhos nã o como um
ato religioso, mas como um identificador da cultura judaica e, pela
mesma razã o, cumpriam as regras alimentares estabelecidas na Lei.
Para Paulo, isso nã o era problema. Quando pregava o evangelho
entre os judeus, ele mesmo se comportava como judeu. O evangelho,
portanto, pode absorver determinados aspectos culturais. Uma das
tarefas mais difíceis da igreja é separar o essencial — o que de fato
faz parte do evangelho — daquilo que é simplesmente uma
expressã o cultural.
As expressõ es culturais podem ser postas de lado, e as tradiçõ es
podem ser substituídas, mas o evangelho é fixo. À s vezes, ficamos
insistindo em tradiçõ es, costumes e prá ticas em nossas igrejas que
funcionaram na época de nossos pais, mas que hoje nã o fazem mais
sentido. O mundo mudou, a cultura mudou e uma nova geraçã o já
está aí. Precisamos estar atentos a isso, se quisermos que a igreja
caminhe e seja relevante para nossa geraçã o.

A terceira liçã o é que devemos buscar a comunhã o com todos os


cristã os verdadeiros. Paulo foi a Jerusalém e lá procurou a liderança
daquela igreja. Em certo sentido, as igrejas que ele fundara eram
diferentes em sua expressã o e na liturgia; contudo, Paulo queria se
acertar com aqueles irmã os. Seu desejo era ter comunhã o com eles.
Queria que a igreja fosse una, sem divisõ es, e tomou a iniciativa de
explicar seu trabalho diante dos líderes da igreja-mã e. Como
resultado, teve a alegria de receber dos apó stolos e líderes de
Jerusalém um gesto de comunhã o e o reconhecimento de seu
ministério, e assim todos se puseram a marchar no mesmo Espírito e
sob a bandeira do mesmo evangelho. É preciso investir esforços
constantes para mantermos a unidade da igreja, porque é dessa
maneira que damos ao mundo o testemunho de que servimos ao
mesmo Deus.

A quarta liçã o é que nã o devemos abrir mã o do fundamental no


evangelho. Paulo se dispô s a viajar até Jerusalém para conversar
com Pedro, Tiago e Joã o, a fim de expor e entender as diferenças
entre o ministério de cada um. Mas nã o estava disposto a aceitar que
Tito fosse circuncidado. Nã o por causa de Tito em si, seu filho na fé,
mas por aquilo que o ato representaria: um desvio fundamental da
verdade do evangelho. Ceder nesse caso seria negar que a salvaçã o é
pela graça e pela fé, sem as obras. No que era essencial, Paulo era
intransigente. Ele declarou mais tarde aos gá latas: “Nem por um
momento cedemos”.

Paulo era um homem de paz, mas também estava disposto a lutar


pela verdade. Penso que ele teria rompido com a igreja de Jerusalém
se Pedro, Tiago e Joã o tivessem exigido a circuncisã o de Tito; mas os
três pensavam como Paulo. Jamais exigiriam que um gentio se
circuncidasse. Quem estava cobrando isso eram os legalistas, os
falsos irmã os que haviam se infiltrado na igreja e contaminaram o
evangelho.
Do mesmo modo, nó s, cristã os, somos homens e mulheres de paz,
mas que ninguém tente mexer com as bases de nossa fé! Quando
está em jogo aquilo que é central no evangelho, suas doutrinas
fundamentais, viramos leõ es — nã o no sentido de “devorar os
outros”, porque nessa luta estaremos dispostos até ao sacrifício
pessoal, e sim no sentido de sermos intransigentes na defesa da “fé
entregue aos santos de uma vez por todas” (Jd 3). Nã o podemos ser
vacilantes e indecisos nessas ocasiõ es. Precisamos entender muito
bem o evangelho para nã o comprometermos a verdade de Deus em
nome da convivência pacífica, de uma falsa paz e de uma
tranquilidade falsa.

Todos nó s gostaríamos de viver em paz com todos, mas há ocasiõ es


em que Deus nos convoca para uma boa discussã o, um verdadeiro
embate contra os inimigos do evangelho.

A quinta e ú ltima liçã o que identificamos no trecho estudado é que


devemos ser sempre muito gratos a Deus. Considerando todos os
privilégios de que dispomos hoje como cristã os, penso que, em geral,
somos muito ingratos. Temos, por exemplo, a Bíblia à nossa total
disposiçã o, e em diversas versõ es. Um dos livros que compõ em a
Bíblia é a carta que estamos aqui estudando, e percebe-se que ela foi
escrita com o sangue, as lá grimas e o suor do apó stolo Paulo. Ao
estudarmos a histó ria do cristianismo primitivo, descobrimos
quanto custou para que esse e outros livros fossem escritos. Temos
todos eles disponíveis na Bíblia, em nossa casa, mas ela fica a
semana inteira na estante, pegando poeira (quando nã o é esquecida
no banco da igreja!).

Ela é um tesouro que nã o valorizamos adequadamente.


A Palavra de Deus foi escrita com o sangue dos má rtires e as
lá grimas de homens inspirados por Deus, para que hoje tivéssemos
sua revelaçã o e pudéssemos conhecer sua vontade. Agradeçamos
sempre por esse imenso privilégio! E que Deus nos ajude a
permanecer firmes no evangelho da graça e a ser gratos por ele,
pelos apó stolos que lutaram pela sua preservaçã o, pelos pioneiros
que vieram pregá -lo em nosso país e pelos pastores que passaram
por nossas igrejas ensinando o verdadeiro evangelho da graça, para
que eu e você pudéssemos hoje conhecer Deus mediante Jesus Cristo
e ter a vida eterna. A Deus seja dada toda a gló ria! Amém.

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