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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS


BACHARELADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
BIO547 – ETNOBIOLOGIA
DOCENTE: FABIO PEDRO SOUZA DE FERREIRA BANDEIRA
DISCENTE: VANESSA SOUZA GOMES DA SILVA

RESENHA CRÍTICA
O ESCRAVO DO NATURALISTA

O artigo “O escravo do naturalista” do autor lldeu de Castro Moreira, publicado


na Revista Ciência Hoje (v. 31, n. 184) em julho de 2002, aborda sobre como o
conhecimento tradicional dos povos nativos foi importante na ampliação do
conhecimento científico no século 19, sobretudo nos trabalhos dos naturalistas Alfred
Wallace, Henry Bates e Louis Agassiz, enfatizando que esses povos não receberam o
devido reconhecimento em diversas publicações feitas pelos historiadores da ciência.
No século 19, muitos naturalistas percorreram diferentes regiões do planeta e
ampliaram muito o conhecimento científico da época. Porém, um lado não muito
conhecido dessa história é que o sucesso dessas expedições se deu, em grande parte, por
causa da colaboração e dos conhecimentos recebidos das comunidades locais, nativas ou
residentes. É importante ressaltar que os próprios naturalistas reconheceram esse apoio
que receberam dos nativos, em suas obras e cartas, mas ele foi e ainda é desconsiderado
por muitos historiadores da ciência. As contribuições feitas pelos povos nativos de regiões
distantes da Europa para o desenvolvimento do conhecimento cientifico adquirido ou
construído pelos naturalistas quase sempre têm sido desconsideradas e esquecidas pelos
historiadores da ciência, onde apenas as observações e teorias dos cientistas ganham
atenção, deixando de lado a importância dos povos nativos no êxito das expedições
cientificas, que frequentemente são descritos como povos iletrados e ignorantes. E ainda
hoje, infelizmente, vemos este cenário em muitos dos estudos científicos que utilizam de
alguma forma o conhecimento tradicional. Vários naturalistas descreveram que os nativos
foram importantes para seu trabalho com a transmissão de conhecimentos e a realização
de algumas atividades, como a identificação, localização, coleta e nomenclatura de
plantas e animais, bem como a descoberta de “novas” espécies, e até mesmo no
fornecimento de alimento, moradia e guias para esses naturalistas.
O artigo discorre também sobre a interação dos naturalistas Alfred Wallace, Henry
Bates e Louis Agassiz com os povos nativos, onde ambos fizeram expedições ao Brasil
no século 19 e deixaram claro em suas obras a importância que os nativos e seus
conhecimentos tiveram para o sucesso de suas expedições, contrapondo os artigos
científicos e relatos de historiadores da ciência que quase sempre não citam os
colaboradores locais. Até mesmo o cientista Charles Darwin relata em seu diário de
viagem sobre a ajuda recebida de “um mulato e um pequeno brasileiro” em sua coleta de
insetos no Rio de Janeiro, os quais coletaram muitos dos animais mais raros das trilhas
mais obscuras. O sucesso extraordinário do trabalho de Bates, Wallace e Agassiz foi
alcançado graças a ajuda dos nativos, e eles declararam isso explicitamente.
Em seus relatos durante sua viagem à Amazônia, o naturalista Bates cita cerca de
135 indivíduos de diferentes faixas etárias que o ajudaram na localização e coleta de
espécimes, entre eles estavam escravos e índios. Ele relata também que diversos métodos
e técnicas locais de captura desses povos permitiram ricas coletas, e a habilidade de
orientação dos nativos era algo admirado pelos naturalistas e importante, em vários casos,
para a sua sobrevivência nas florestas, desmentindo a visão de que os naturalistas
sofressem algum risco durante suas expedições com a presença dos nativos. Assim como
Bates, o naturalista Wallace também listou centenas de pessoas que o ajudaram
diariamente durante sua expedição amazônica, desde a coleta e preservação de espécimes
até a transmissão do conhecimento nativo sobre fauna e flora, conhecimento esse que teve
suma importância no trabalho de Wallace e até mesmo para fundamentar algumas de suas
hipóteses sobre a origem das espécies e sobre as distribuições geográficas, como a
hipótese das barreiras fluviais. O naturalista Agassiz e sua esposa, Elizabeth Agassiz,
também detalharam a extensa rede de apoiadores que o ajudaram em sua viagem ao
Brasil, afirmando diversas vezes que a contribuição dos nativos foi essencial para o
sucesso de sua expedição. Eles também enfatizaram como o grande conhecimento dos
índios (conhecimento esse que só eles possuíam) sobre a flora e fauna, suas distribuições,
comportamentos e usos, são importantes para a ciência, chamando-os de “botânicos e
zoólogos práticos”, e também disseram que esse conhecimento empírico dos nativos
poderia contribuir grandemente para o progresso das ciências.
Existem muitas outras passagens sobre a importância da ajuda dos povos nativos
nos relatos ou cartas de naturalistas, porém essas informações quase nunca são
divulgadas. Segundo Moreira (2002, p. 47), “isso contribuiu, entre outros fatores, para o
surgimento da imagem social do cientista herói-desbravador que, sobrevivendo a imensos
perigos, com esforço hercúleo e quase solitário, ‘descobriu’ grande quantidade de
espécies novas de animais e plantas”. Portanto, não deixando de lado o mérito individual
dos pesquisadores, o apoio e o conhecimento dos nativos foram importantes para o
progresso do conhecimento cientifico, e ainda é importante, visto que essa transmissão
de conhecimento tradicional ainda ocorre nos dias atuais. Devemos lembrar também que
os nativos eram povos complexos, com diversos hábitos e formas de conhecimento, e isso
foi ignorado com a chegada dos europeus a colonização na América, e tem sido deixado
de lado pelos historiadores da ciência.
O artigo expõe, de forma clara e objetiva, a importância dos povos nativos e a
desvalorização que eles enfrentam, sem uso de termos científicos difíceis e rico em
exemplos, possibilitando que a leitura seja feita não somente pela comunidade científica,
mas também pelo público em geral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MOREIRA, Ildeu de Castro. O escravo do naturalista. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v.
31, n. 184, p. 40-48, jul. 2002. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/339470549_O_escravo_do_naturalista.
Acesso em: 17 set. 2022.

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