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BANCA
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São Paulo
2011
4
Agradecimentos
À Ana Frazão
Sumário
Introdução.................................................................................................................................12
1.º Capítulo – A questão da regulação, da legalidade e dos princípios e de seus fundamentos
teóricos .....................................................................................................................................16
1.1 A crise das ciências e da técnica.....................................................................................18
1.2 Os pressupostos teóricos................................................................................................21
1.2.1 O horizonte linguístico como condição de possibilidade do conhecimento...........24
I.2.2 A linguagem e os sistemas de conhecimento ..........................................................27
1.3 A questão do legalismo e do normativismo ...................................................................32
1.4 O dever para além do positivismo e a crise do legalismo e emergência da regulação ...37
1.5 O direito como mediador/tradutor entre o mundo da vida e os sistemas do poder
administrativo-burocrático e da economia ...........................................................................46
1.6 O saber e a teoria no direito: para além da técnica e da ciência .....................................51
2.º Capítulo – A crítica da regulação ........................................................................................57
2.1 A irrupção da regulação..................................................................................................57
2.2 Noções sobre a regulação ...............................................................................................59
2.3 A gênese do legalismo e da regulação............................................................................63
2.3.1 O Estado Burguês Absolutista.................................................................................64
2.3.2 O Estado Burguês de Direito ...................................................................................68
2.3.3 O Estado Democrático de Direito............................................................................70
2.3.4 O Estado Social .......................................................................................................73
2.3.5 O Estado Social e Democrático de Direito..............................................................78
2.4 A perplexidade da regulação nos marcos do Estado Democrático de Direito................81
2.4.1 Os limites do texto constitucional para a regulação ................................................81
2.4.2 O embate entre o Estado Democrático de Direito e a regulação .............................83
2.4.3 O conflito entre o princípio da legalidade e a atividade regulatória........................85
2.5 O deslocamento do poder de produção normativa .........................................................87
2.5.1 A gênese da regulação .............................................................................................88
2.5.2 Soberania e poder disciplinar ..................................................................................90
2.6 Regulação e economia ..................................................................................................100
2.6.1 Teorias da regulação sob o ponto de vista econômico ..........................................100
2.6.1.1 Teoria do interesse público.............................................................................101
2.6.1.2 Teoria da captura ............................................................................................102
2.6.1.3 Teoria econômica da regulação ......................................................................103
2.6.2 Instrumentos de regulação .....................................................................................105
2.6.3 Concentração econômica e decisão democrática...................................................107
2.7 Regulação e técnica ......................................................................................................111
10
3.5.2.2 A validade.......................................................................................................186
3.5.2.3 A especificação...............................................................................................187
3.5.2.4 A derrogação...................................................................................................187
3.1.2.5 A localização ..................................................................................................187
3.5.2.6 A demonstração ..............................................................................................188
3.5.2.7 A fundamentação............................................................................................188
3.5.3 A sintaxe................................................................................................................189
3.5.3.1 A estrutura lógica............................................................................................189
3.5.3.2 A colisão .........................................................................................................189
3.5.3.3 A sanção .........................................................................................................190
3.5.3.4 A completude do ordenamento.......................................................................190
3.5.4 A aplicação ............................................................................................................191
3.5.4.1 A determinação...............................................................................................191
3.5.4.2 Os tipos de razões ...........................................................................................191
3.5.4.3 A carga argumentativa....................................................................................192
3.5.4.4 O cumprimento ...............................................................................................192
3.5.4.5 As funções ......................................................................................................192
3.6 A regulação entre princípios, diretrizes políticas e regras............................................193
4.º Capítulo – Os princípios e a crítica da regulação aplicados a casos .................................200
4.1 O diploma de jornalismo e a proibição da regulação da profissão ...............................203
4.1.2 O caso conforme os princípios, os direitos e a crítica à regulação ........................208
4.2.1 O caso ....................................................................................................................211
4.2.2 O caso conforme os princípios, os direitos e a crítica à regulação ........................213
4.3 A qualificação do poder normativo dos entes reguladores como poder de polícia ......215
4.3.1 O caso ....................................................................................................................215
4.3.2 A regulação e o poder polícia ................................................................................216
4.3.2.1 O poder de polícia...........................................................................................216
4.3.3 A economia, a moral política e o direito na regulação ..........................................218
4.4 A ortotanásia.................................................................................................................220
4.4.1 O caso ....................................................................................................................221
4.4.1.1 A exposição de motivos, os consideranda e a Resolução CFM n.º 1.805/2006
....................................................................................................................................221
4.4.1.2 A decisão de tutela liminar e a sentença na ação civil pública n.º
2007.34.014809-3.......................................................................................................223
4.4.2 O caso conforme os princípios, os direitos e a crítica à regulação ........................226
Conclusão ...............................................................................................................................228
Bibliografia.............................................................................................................................243
12
Introdução
1
GANDT, François. Husserl et Galilée – sur la crise des ciences européenens. Paris: Vrin, 2004, p. 13.
2
HUSSERL, Edmund. La crise des sciences européennes et la phénoménologie transcendantale. Paris:
Gallimard, 2004.
3
Uma noção do que é o mundo da vida para Habermas pode ser extraída do seguinte trecho (HABERMAS,
Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, II. Madri: Taurus, 2001, p. 194): No meu entender, a análise da forma
dos enunciados narrativos, um dos quais pioneiros foi A. C. Danto, e a análise da forma dos textos narrativos,
constituem um ponto de partida metodologicamente fecundo para a clarificação desse conceito “profano” de
mundo da vida que se refere à totalidade dos fatos socioculturais e que oferece, portanto, um ponto de
abordagem para a teoria da sociedade. Tradução livre, como em todas as citações na presente tese.
4
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, II. Madri: Taurus, 2001, p. 395 e seg.
17
5
MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. A regulação como instituto jurídico. In: Revista de Direito Público da
Economia. Belo Horizonte: Fórum, n.º 4, pp. 183 e seg., out/dez, 2003.
6
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p.
31.
7
ARAGÃO, Alexandre. As concessões e autorizações e o poder normativo da ANP. Revista de Direito
Administrativo, n..º 282. Rio de Janeiro: Renovar, p.262.
18
8
É esse o contexto exposto por Michael E. ZIMMERMAN. Confronto de Heidegger com a modernidade.
Lisboa: Instituto Piaget, 1990.
9
Entre as obras de Husserl pode-se citar Meditações cartesianas (HUSERL, Edmund. Meditações cartesianas.
Trad. Frank de Oliveira. São Paulo: Madras, 2001) e A Crise das ciências européias e a fenomenologia
transcendental (HUSSERL, Edmund. La crise des sciences européenes et la phenomenology transcendantale.
Paris: Gallimard, 2004). De Heidegger: A questão da técnica (In HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências.
Petrópolis: Vozes, 2002).
10
GANDT, François. Husserl et Galilée. Sur la crise des sciences européenes. Paris: Lirairie Philosophique J.
Vrin, 2004.
11
ZIMMERMAN, Michael. Confronto de Heidegger com a modernidade. Lisboa: Instituo Piaget, 2001, p. 35.
12
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 28.
19
13
Idem. Ibidem. p.42.
14
Idem. Ibidem, p. 17.
15
É interessante destacar que a poesis da Antiguidade era algo mais amplo do que se concebe atualmente,
abrangendo mais do que juízos estéticos. Nesse sentido, Aristóteles (ARISTÓTELES. A poética clássica. Trad.
Jaime Bruna. 12ª Ed. São Paulo: Cutrix, 2005, pp. 21 e 22): Parece de modo geral, darem origem à poesia duas
causas, ambas naturais. Imitar é natural ao homem desde a infância e nisso se difere dos outros animais, em ser
o mais capaz de imitar e de adquirir os primeiros conhecimentos pela imitação – e todos têm o prazer em
imitar...
Outra razão é que aprender é sumamente agradável não só aos filósofos, mas igualmente aos demais homens,
com a diferença de que a estes em parte pequenina...
Desses trechos, extrai-se que é ínsito à poesia da antiguidade uma representação (imitação) que gera aprendizado
e esse aprendizado prazer.
16
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p.19.
17
Dentre outros: A condição humana. Lisboa: Relógio d’Água, 2001 e La crise de La culture. Trad. Patrick
Lévy. Paris: Gallimar, 1972.
18
HABERMAS, Jürgen. Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001.
20
19
DWORKIN, R. M. Is Law a system of rules? In: DWORKIN, R. M. The Philosophy of Law. Oxford/Nova
Iorque: Oxford University Press, 1977.
21
20
HUSSERL, Edmund. La crise des sciences européenes et la phenomenology transcendantale. Paris:
Gallimard, 2004, p. 305
21
HABERMAS . Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed., 2001, p.
120.
22
22
A bibliografia e a exposição dos pressupostos teóricos da genealogia serão abordados especificamente no
capítulo 2.
23
GADAMER, em Metafísica e Filosofia Pratica in Aristotele. Milão: Guerini e Associati, 2000, p. 64, explica
que a tensão entre verdade e método refere-se a outra polaridade que remete às diferentes concepções de ciência
pré-moderna e moderna, ou seja, de verdade e certeza. Enquanto que a concepção moderna de ciência busca a
certeza, a filosofia, em uma perspectiva hermenêutica, procura a verdade, como uma forma de liberdade
(errância) que se caracteriza como uma abertura para a coisa (HEIDEGGER. Sobre a essência da verdade. Trad.
Carlos Morujão. Porto: Porto Editora, 1995, p.55), o que leva a um incessante diálogo.
24
GADAMER (Op. cit. p. 64).
23
25
A ênfase do pensamento contemporâneo em métodos e procedimentos pode ser bem compreendida a partir de
HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-metafísico — Estudos Filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
2002, p. 44 e seg..
26
GADAMER (Op. cit. p. 99).
27
Idem. Ibidem.
28
RICOEUR. Teoria da interpretação. Lisboa: Edições 70, 2000, p. 83 e seg.
24
Uma reflexão que coloca, de um lado, princípios marcados por sua abertura
e plasticidade, e de outro regras que têm uma pretensão de aplicação por meio de fatos
tipos, deve partir de uma reflexão sobre a própria linguagem. Nesse sentido, o mundo é
mundo apenas na medida em que vem à linguagem – a linguagem só tem sua
verdadeira existência no fato de que nela se representa o mundo29. Mundo e
linguagem são indissociáveis, de modo que na linguagem se representa o próprio
mundo de forma absoluta e abrangente, sem que esse primeiro possa ser transformado
em objeto da linguagem por não estar completamente dado. Não se pode olhar de fora
o próprio mundo constituído linguisticamente. O ser que pode ser compreendido é
linguagem30.
A linguagem natural fixa conceitos prévios que não estão como um todo
disponíveis a nenhum ser humano, à ciência ou mesmo ao poder. Habermas, com
precisão, traz a seguinte observação sobre esse horizonte prévio de sentido que
constitui o mundo da vida, no qual todos estamos inseridos: efetivamente, na medida
em que se refere a estruturas do mundo da vida, [a linguagem] tem que fazer explícito
um saber de fundo em que ninguém pode dispor pela sua vontade. Ao teórico, assim
como ao leigo, o mundo da vida lhe está dado como obra acabada em seu próprio
mundo da vida...31
Esse mundo da vida, consistente em um horizonte de sentidos que nos é
transmitido pela linguagem natural, constitui uma fonte de certeza, de pré-
compreensões e de dados autoevidentes. O saber que serve de horizonte, que sustenta
29
GADAMER Verdade e Método.Trad. Flávio Paulo Meuler. Petrópolis: Editora Vozes, 3ª ed., 1999.
p. 643.
30
Idem. Ibidem. p. 687.
31
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la Acción Comunicativa II. Madri: Taurus, 2ª ed., 2001, p. 568.
25
32
Idem. Ibidem.
33
HABERMAS. Técnica e Ciência como “Ideología”. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 139.
34
GADAMER (Op. cit., p. 672).
35
HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como “Ideología”. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 145.
26
36
GADAMER (Op. cit. p. 647).
37
APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia. Vol. II. Trad. Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2000, p.
379.
38
HABERMAS, Jürgen. Veritá e giustificazione. Trad. Mario Carpitella. Roma: Laterza: 2001, p. 137.
27
39
HEIDEGGER, Martin. Il linguaggio tramandato e linguaggio tecnico. Florença: Edizioni ETS, 1997, p. 52.
28
diferenciada da própria sociedade. Com isso, o saber social contido numa aplicação de
princípios jurídicos não pode ser reduzido a um sistema fechado.
Por isso, embora seja possível a objetividade nas ciências sociais, ela não
tem as mesmas características das ciências da natureza. Há, nesse sentido, uma grande
diferença entre a objetividade das ciências naturais e a objetividade da linguagem. Na
primeira, em que se pressupõe a existência de um observador neutro e imparcial, quer-
se eliminar os aspectos subjetivos do saber, tornando todas as experiências calculáveis,
domináveis e disponíveis.
Na segunda, porém, tal tarefa é impossível. Quando se apreende uma
experiência em linguagem, afasta-se da imediaticidade ameaçadora da própria
vivência, reduzindo sua complexidade em proporção, para torná-la comunicável.
Ocorre que esse distanciamento que se conquista com a linguagem não significa
desprendimento da própria vida, tornando-a objeto de completo controle. Muito ao
contrário, já que falar e escrever são expressões de compreensão do próprio ser
humanizado com todas as suas incertezas e imprecisões.
Embora a objetividade da linguagem e a pretendida pelas ciências naturais
afastem-se por essa tensão revelada por compreensão e dominação, tem seu ponto de
aproximação num elemento comum a esse mesmo binômio: a teoria. Na teoria há a
superação do interesse prático e pragmático, reduzindo tudo o que se encontra a
interesses concretos. Gadamer40 expõe com nitidez essa tensão por meio do conceito
antigo e moderno de teoria.
Na Antiguidade, a teoria era a forma mais elevada de ser homem, era
aproximar-se do cosmos. Na Modernidade, a ciência dividiu o saber em unidades de
experiência, objetos, como forma de tornar possível o seu domínio, apesar de não estar
imediatamente preocupada com a prática. A teoria da Antiguidade procurava a unidade
como forma de compreensão cosmológica. A da Modernidade constituiu diversas
ordens e ciências fracionadas como meio para o domínio.
Na Antiguidade, a teoria procurava a unidade a partir da própria linguagem
natural41, ao passo que a Modernidade fracionou o saber em várias linguagens
40
GADAMER (Op. cit. p. 688).
41
Aliás, a teoria grega concebia a coisa e a própria palavra em uma unidade.
29
42
Idem. Ibidem. p. 663.
43
GADAMER, Hans Georg. A razão na época da ciência. Trad. Ângela Dias. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1993, p. 24.
44
COSTA , Reginaldo. Ética do discurso e verdade em Apel. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 92.
30
45
HARTMANN Nicolai. Autoexposición sistemática. Trad. Barnabé Navarro. Madrid: Tecnos, 1989, p. 7.
46
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis, Ed. Vozes, 2002, p.
576.
47
Idem. Ibidem. p. 577.
31
48
Idem. Ibidem. p. 297.
49
HABERMAS, Jürgen. Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001, pp. 71 e seguintes.
50
Como ressaltado, esses pressupostos metodológicos estão expostos no Capítulo 2.
32
51
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História — Lições Introdutórias. São Paulo: Max Limonad,
2002, p. 179.
52
VILLEY, Michel. Des delites et peines dans la philosophie du droit naturel classique. In: Archives de
Philosophie du Droit. Tomo 28, Paris: Editions Sirey, 1983, pp. 182-203, p. 181.
53
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La Lengua de los derechos. La formación del derecho público europeo
tras la revolución francesa. Madrid: Alianza Ediotorial, 2001, p. 55.
33
geral da nação54. Com isso, a lei mostrou-se, para os jusnaturalistas, como a garantia
formal da compatibilização de liberdades de indivíduos iguais por natureza.
Na Idade Contemporânea, o projeto moderno de ordem idealizada como
dever ser, após o primeiro iluminismo e as revoluções industrial e francesa, foi
concretizado por meio do movimento constitucionalista e codificador. A ordem social
não estava mais em costumes, em estudos doutrinários ou em leis esparsas, mas num
sistema organizado por Constituições e Códigos reunidos num mesmo ordenamento
jurídico para cada Estado Nacional. O direito como dever ser transformou-se em
realidade social por meio de leis positivadas55.
No campo do conhecimento, a valorização, pelo iluminismo, da razão
ligada à experiência, ao concreto e ao verificável foi exacerbada pelo positivismo, que
passou a conhecer tudo a partir de fatos, pretendendo desvincular-se de qualquer
concepção metafísica ou tradicional. O saber só era possível com base em verdades
verificáveis e demonstráveis, o que, aliado à Revolução Industrial, impulsionou a
sociedade do século XIX para crescentes funcionalização e especialização.
No ambiente do positivismo, a ordem jurídica não podia ser apenas dever
ser, mas afirmar-se como fato social, econômico, histórico ou como lei posta pelo
Estado, como uma vontade concreta da soberania. O direito só se afirmaria como
ciência social se fosse uma realidade e um conhecimento positivo baseado em fatos
sociais ou em leis positivas56.
O direito moderno, que se afirmara como um projeto de sistema de ação e
saber coerente, era impelido pelo positivismo a um domínio científico dos fatos,
fracionando-se em saberes e ramos autônomos. No século XIX, essa especialização de
conhecimento construiu abismos entre os diferentes ramos do direito. Embora ainda
estruturados sobre uma base comum, o conhecimento jurídico caminhou numa
progressiva diferenciação que obscureceu o conjunto e focou as diferenças entre cada
uma das novas áreas que se criavam no direito.
As escolas positivistas geraram uma tensão advinda de que, enquanto a
humanidade, a sociedade e o mundo moral do direito moderno haviam sido
54
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 48.
55
VILLEY, Michel. Leçons d’histoire de la Philosophie du Droit. Paris: Dalloz, 2002, p. 69 e seg..
56
Idem. Ibidem.
34
57
BRIMO, Albert. Les Grands Courants de la Philosophie du Droit et de l´état. Paris: A. Pedone, 1978, p. 319.
58
WARAT (WARAT, Luis Alberto. O direito e sua linguagem. 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,
1995, p. 249) fala em 5 níveis de purificação: 1) política e ideológica; 2) antijusnaturalista; 3) antinaturalista ou
anticausalista; 4) intranormativa; 5) monista ou antidualista.
35
direito é uma teoria do direito positivo – do direito positivo em geral, não de uma
ordem jurídica especial. É teoria geral do direito, não interpretação de normas
jurídicas particulares, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da
interpretação59. Kelsen procurou métodos próprios para diferenciar a ciência do
direito das outras áreas do conhecimento, centrando-se apenas em seu objeto.
Para a teoria pura, revelou-se fundamental a oposição entre ser e dever ser.
Os conceitos jurídicos advêm do dever ser — sollen — e não no ser — sein. Assim,
um ato ou procedimento jurídico relevante não pode ser entendido apenas a partir do
espaço e do tempo, mas sim a partir de um sistema jurídico de normas como dever ser.
A ciência do direito consiste, para Kelsen, num sistema de normas a partir do qual os
atos são qualificados e se estabelece o seu sentido como lícito ou ilícito.
Normas jurídicas são descrições típicas de conduta que se apresentam como
pressupostos lógicos para a aplicação de uma sanção como penas ou atos de execução.
Em outras palavras, concebem-se as normas como mandamentos hipotéticos de
coação.
Para as normas jurídicas, não vale o princípio da causalidade, e sim o da
imputabilidade. Logo, o direito não se rege por regras do tipo se é A, é B, mas se é A,
deve ser B. A norma jurídica imputa, para Kelsen, uma sanção em decorrência de uma
conduta ou de um fato. A norma apenas indiretamente indica qual a conduta a ser
seguida, de modo a se evitar uma sanção a ser imposta pela autoridade.
O ilícito, por sua vez, nada mais é do que o pressuposto ou a condição para
a aplicação de uma sanção determinada pela ordem jurídica. Somente pelo fato de uma
ação ou omissão determinada pela ordem jurídica ser feita pressuposto de um ato de
coação estatuído pela mesma ordem jurídica é ela qualificada como ilícito ou delito60.
Um ato seria ilícito por se tratar de algo proibido e sancionável, mas não por se
caracterizar como algo reprovável socialmente61.
Para Kelsen, intimamente relacionado com o ilícito estava o conceito de
dever jurídico; eis que esse último pressupõe a existência de uma norma válida
59
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. 3ª ed. Coimbra: Armênio Amado —
Editor, sucessor, 1974, p. 17.
60
Idem. Ibidem. p. 166.
61
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes;
Brasília: Editora Universidade de Brasília, p. 56.
36
62
Idem. Ibidem. p. 63.
63
Idem. Ibidem. p. 65.
64
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. 3ª ed. Coimbra: Armênio Amado —
Editor, sucessor, 1974, p. 172.
37
65
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Justicia y seguridad jurídica em um mundo de leyes desbocadas. Madri:
Civitas, 2000, p. 97.
38
voluntária a uma ordem obrigatória de sentidos ínsita ao dever. O dever não se reduz à
integração automática no todo, muito menos a uma completa sujeição ao poder da
autoridade que deve seguir um mandamento de coação (Kelsen). O dever revela-se
como adesão autônoma a uma ordenação. O dever não se pode articular apenas com a
mera coerção e muito menos pela brutalidade da força.
O direito não é idêntico a uma ordem de um poder dado. As relações
humanas não são apenas reguladas pela força, por um poder real e de fato. Existe algo
que obriga, no íntimo de cada indivíduo a uma ação. Se há algo da essência de uma
ordem de sentido conformadora de condutas, é a noção de dever. É a ideia de estar
obrigado. Como exposto por Kant, a ideia de dever é o núcleo da moral e constitui
algo que se pode conceber como intrinsecamente bom66. De igual modo, para esse
filósofo, os deveres jurídicos são em essência deveres morais 67.
Essa retomada de concepções iluministas não pode, todavia, ser ingênua
com a mera reedição de uma teoria do contrato social e seus desdobramentos. A
autonomia, no mundo contemporâneo, tem como cenário a sociedade complexa,
sendo, por isso, sobretudo jurídica, como ressaltou Habermas68.
O dever assume, desse modo, outras feições. Não pode ser apenas uma
adesão autônoma, incondionada e incoercível. Ele é uma internalização, uma aceitação
que claramente ocorre a partir do simbolismo da força domesticada pelo direito. Situa-
se em um dos pólos da tensão entre faticidade e validade do direito, só podendo ser
compreendido nesse equilíbrio dinâmico.
66
Nesse sentido, estão os seguintes trechos da Fundamentação da Metafísica dos Costumes (KANT, Immanuel.
Fundamentação da metafísica dos costumes.São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 21): Nem neste mundo nem fora
dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação, a não ser uma só coisa; uma
boa vontade. Mais à frente (p. 24): mas para desenvolver o conceito de uma vontade digna de ser estimada em si
mesma e sem qualquer intenção ulterior, conceito este que já se encontra no bom senso natural e que mais
precisa ser esclarecido do que ensinado, que está sempre no cume de toda a apreciação de valor de nossas
ações e que constitui a condição de tudo o mais. Encarecemos o conceito de dever, que contém em si o de boa
vontade; muito longe de ocultá-lo e torná-lo incognoscível, antes fazem ressaltá-lo e aparecer com mais clareza.
(negrito nosso)
67
É o que se percebe do seguinte trecho (Kant, Immanuel. Doutrina do direito. Trad. Edson Bini. São Paulo:
Ícone, 1993, p. 31): Na legislação jurídica os deveres não podem ser mais que externos porque essa legislação
não exige que a ideia desses deveres, que é interna, seja por si mesmo o princípio determinante do arbítrio do
agente; e como, todavia, necessita motivos apropriados a uma lei, tem de buscar externos. A legislação moral,
ao contrário, exigindo em deveres atos internos, não exclui os externos, e sim, ao contrário, reivindica tudo o
que é dever em geral...
68
HABERMAS, Jürgen. Factidad y validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001, p. 192.
39
69
É dessa forma que Apel formula sua ética da responsabilidade (APEL, Karl-Otto. Teoria de la Verdad y Ética
del Discurso. Trad. Norberto Smilg. Barcelona: Paidós Ibérica, 1998, p. 147).
70
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método.Trad. Flávio Paulo Meuler. Petrópolis: Editora Vozes, 3ª ed.,
1999, p. 282.
40
se deixar guiar, na posição prévia, visão prévia e concepção prévia, por conceitos
ingênuos ‘chutes’. Ela deve, na elaboração da posição prévia, da visão prévia e
concepção prévia assegurar o tema científico a partir das coisas mesmas.
[...]
O círculo da compreensão pertence à estrutura de sentido, cujo fenômeno tem suas
raízes na constituição existencial da pre-sença enquanto compreensão que
interpreta71.
71
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte I. Trad. de Márcia Sá Cavalcanti. Petrópolis: Editora Vozes, 2001,
p. 210.
72
Idem. Ibidem, p. 200.
73
GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. Rio de
Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, p. 41.
74
HEIDEGGER, Martin. Carta Sobre o Humanismo. Trad. Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Moraes, 1991, p.
42.
41
sua existência com os outros. A lei revela as barreiras que não podem ser transpostas
no relacionamento com a alteridade. O dever, em uma perspectiva hermenêutica, nada
mais é do que a compreensão vinculante de um mandamento como expressão da
verdade e da justiça.
Assim, a ordem legítima interiorizada pelo indivíduo na sua
personalidade possibilita a integração social75 a partir da ideia de dever como meio
para comunhão e entendimento com a própria sociedade. Embora o dever, na
sociedade contemporânea, apresente-se em clara tensão com a força, é um motivo de
ação que não resulta produzível a partir da mera violência, como acentua Habermas:
Mas como ingredientes de uma ordem jurídica legítima em conjunto se apresentam
com uma pretensão de validade normativa que se endereça a um reconhecimento
racionalmente motivado e que de algum modo insta ao destinatário que preste
obediência ao direito por dever, é dizer, por um motivo que não resulta produzível
por força76.
75
PARSONS, Talcott. O Sistema das Sociedades Modernas. Trad. Dante de Moreira Leite. São Paulo: Pioneira,
1974, p. 17.
76
HABERMAS, Jürgen. Factidad y validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001, p. 93.
77
GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. Rio de
Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 65.
42
78
GADAMER, Hans-Georg. Elogio de la Teoría. Trad. Anna Poca. Barcelona: Península, 2000, p. 65.
79
GADAMER, O problema da consciência histórica. Trad. Paulo Cesar Duque Estrada. Rio de Janeiro: Editora
Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 66.
80
O direito como integridade de Dworkin (DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefefferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999) fornece uma concepção semelhante à do presente trabalho sobre o
direito. Na visão de Dworkin, a integridade é uma espécie de coerência (p. 263) em que o direito deve expressar
por um sistema único e harmonioso que objetive a atingir a justiça, a equidade e o devido processo legal na
proporção adequada (p. 483) numa comunidade em que a isonomia é a virtude soberana. Nas palavras de
Dowrkin (p. 483), a justiça diz respeito ao resultado correto do sistema político: a distribuição correta dos
bens, oportunidades e outros recursos. A equidade é uma questão da estrutura correta para esse sistema, a
estrutura que distribui a influência sobre as decisões políticas de maneira adequada. O devido processo legal
adjetivo é questão dos procedimentos corretos para a aplicação de regras e regulamentos que o sistema
produziu.
43
81
Gilmar Ferreira MENDES (Questões fundamentais de técnica legislativa. Revista trimestral de direito público,
n.º 1993, p. 255) chama a atenção para a importância dessa comunicabilidade: A moderna doutrina
constitucional ressalta que a utilização de fórmulas obscuras ou criptográficas, motivadas por razões políticas
ou de outra ordem contraria princípios básicos do próprio Estado de Direito, como os da segurança jurídica e
os postulados de clareza e precisão da norma jurídica.
82
Aliás, a constituição e a formação social dos discursos, como assinalam os estudos de Foucault, contrasta
nitidamente com a idealização de um discurso universalizante voltado para o entendimento (Habermas).
Foucault (FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio.São Paulo:
Loyola, 1996. p. 9) ressalta que a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada
e redistribuída por certo numero de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos,
dominar sua acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.
44
83
Foucault (Op. cit., p. 20) explica, no seguinte trecho, a nuvem de fumaça que o discurso que busca a verdade
cria sobre si mesmo embaçando a própria verdade por ele buscada: O discurso verdadeiro, que a necessidade de
sua forma liberta do desejo e livre do poder, não pode reconhecer a vontade de verdade que o atravessa; e a
vontade de verdade que se impõe a nós há bastante tempo é tal que a verdade que ela quer não pode deixar de
mascará-la.
84
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la Acción Comunicativa II. Madri: Taurus, 2ª ed., 2001, p. 530.
45
sociedade complexa tenha que ser confrontada com os princípios, que têm potencial de
tradução para transformar o hermetismo tecnicista da regulação em uma ordem de
sentido para o cidadão inserido no mundo da vida, como esfera de vivência
indiferenciada, permitindo uma adesão autônoma aos deveres insertos na plêiade
normativa da sociedade complexa. É na fluidez dos discursos sobre princípios que se
concertam os direitos dos indivíduos e deveres das autoridades no Estado Democrático
de Direito.
46
85
Embora Habermas utilize a expressão poder administrativo (Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez
Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed., 2001), optou-se pela expressão poder administrativo-burocrático, por
expressar melhor as tensões funcionais e operativas existentes nesse sistema.
86
HABERMAS, Jürgen .Teoría de la acción comunicativa, II – crítica de la razón funcionalista. Trad. Manuel
Jiménez Redondo. Madri; Taurus, 2001.
87
HABERMAS, Jürgen. Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001.
88
Idem. Ibidem, p. 102.
47
89
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, II – crítica de la razón funcionalista. Trad. Manuel
Jiménez Redondo. Madri; Taurus, 2001, p. 503.
90
HABERMAS, Jürgen. Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001, p. 120.
91
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, II – crítica de la razón funcionalista. Trad. Manuel
Jiménez Redondo. Madri; Taurus, 2001, p. 517.
48
92
HABERMAS, Jürgen. Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001, p. 103.
93
Idem. Ibidem. p. 144.
94
Idem. Ibidem. p. 193.
49
95
Idem. Ibidem. p. 192.
96
Idem. Ibidem. p. 145.
97
Idem. Ibidem. p. 145.
50
98
Idem. Ibidem. p. 146.
99
Os componentes do mundo da vida são, para HABERMAS (Pensamento Pós-metafísico – Estudos
Filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002, pp. 95 e seg.), cultura, sociedade e personalidade, que se
pressupõem reciprocamente.
51
Por isso, o saber teórico no direito precisa de uma teoria desenvolvida sob a
linguagem natural, o que se dá por meio da prudência e da filosofia, como também de
um saber que se constitua em sistemas artificiais de conhecimento, o que só é possível
por meio da ciência e da técnica que a operacionaliza.
A feição bifronte é uma característica do direito da sociedade
contemporânea. Para mediar a comunicação entre o mundo da vida, em que estão os
indivíduos autônomos, e os sistemas, o direito opera tanto com a linguagem natural
como com uma linguagem técnico-científica típica da dogmática jurídica. São os
princípios jurídicos que inserem o direito na linguagem natural, marcada por
vaguidade e equivocidade. Em contraste, para operar como um sistema de regras e
conceitos, o direito assume uma linguagem específica: a da dogmática jurídica que tem
alto poder operativo e conformador de outras áreas do saber técnico-científico.
Então, o direito ganha sentido na esfera das vivências indiferenciadas do
mundo da vida por meio dos princípios. O sistema de regras e conceitos no direito
pode ser traduzido num conjunto de princípios. O direito é capaz de verter a razão
calculadora vinculada a conceitos precisos e determinados numa razão reflexiva
efetuada por meio de juízos. A possibilidade de transformar o saber da ciência e da
técnica do direito num conhecimento prudencial e filosófico contido nos princípios
fundamenta e legitima o direito. Essa é a síntese da crítica principiológica do direito
que lhe dá um lugar e um valor no mundo das vivências dos indivíduos. Por outro
lado, é o sistema lógico-operativo de regras dotadas de sanção que possibilita ao
direito acoplar-se com a economia e o poder político-administrativo, produzindo
comunicações por eles inteligíveis e assimiláveis. Daí que seja evidente a possibilidade
de o direito traduzir expectativas do mundo da vida para esferas sociais
sistemicamente constituídas.
100
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad. Mario da Gama Kury. 4ª ed. Brasília: Universidade de Brasília,
2001; 1139b
101
Razão prudencial medieval em que o conhecimento estava fundado na tradição, especialmente em fontes de
autoridades gregas e romanas.
53
102
São esses os elementos fundamentais do pensamento cartesiano – DESCARTES. Discurso do Método —
Regras para a Direção de Espírito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 31.
103
ROSSI, Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos. São Paulo: Editora Unesp, 1992, p.53.
104
VILLEY, Michel. Leçons d’histoire de La philosophie du droit. Paris; Dalloz, 2002, p. 69.
54
105
Para ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad. Mario da Gama Kury. 4ª ed. Brasília: Universidade de
Brasília, 2001. p. 115; 1139b, as virtudes intelectuais seriam as seguintes: arte – tekne, ciência – episteme, a
prudência – phronesis, a filosofia – sophia e a inteligência – logos. Para os romanos, o direito estava vinculado
principalmente à arte e à prudência, mas não ao saber teórico, matemático ou dos princípios imutáveis que
caracterizavam as outras virtudes.
106
GADAMER. Elogio de la Teoría. Trad. Anna Poca. Barcelona: Península, 2000, p. 85.
107
Idem. Ibidem. p. 81.
55
108
DWORKIN. O Império do Direito. Trad. Jefefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 483.
109
DWORKIN. Los Derechos en Serio. Trad. Marta Gustavino. Madri: Ariel, 1999, p. 390.
110
A estreiteza dos parâmetros das ciências legatárias da modernidade para o direito podem ser apreendidas com
a leitura da obra do Prof. Tércio Sampaio (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo:
Editora Atlas, 1977, pp. 12-16).
56
111
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Teoria da regulação. In: CARDOZO, José Eduardo Martins et alii.
Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 120.
112
Idem. Ibidem, p. 126.
113
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. Vol. II, 5ªed. Rio de Janeiro:
Livraria Freitas Bastos, 1964, p. 496-499.
58
114
LAWSON, N. Energy Policy. In: HELM, D; KAY, J; THOMPSON, D. The Market for Energy. Oxford:
Clarendon Press, 2002, p. 23-29
115
PROSSER, Tony. The limits of competition Law. Oxford/Nova Iorque: Oxford University Press, 2005, p. 44.
116
ROBERTS, Jane; ELLIOTT, David; HOUGHTON, Trevor. Privatising Electricity: The Politics of Power.
London: Belhaven Press, 1991
117
Aqui a palavra atuação está utilizada como ação do no campo da atividade econômica em sentido amplo, ou
seja, serviços públicos somados à atividade econômica em sentido estrito (GRAU, Eros. A ordem econômica na
Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 137).
118
PELTZMAN, S. A teoria econômica da regulação depois de uma década de desregulação. In: MATTOS,
Paulo et alii. Regulação econômica e democracia. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 82.
59
119
LUHMANN, Niklas. Law as social system. Oxford/Nova Iorque: Oxford University Press, 2009, p. 480:
Politicamente, a economia não pode se submeter a nenhum controle Em nota de n.º 38: Isso não se demonstra
apenas com o fracasso da realização política de uma “economia socialista”, mas também o fracasso do
isolamento econômico nacional por razões de autopreferência política (por exemplo Brasil e México) com a
perda de crédito por parte de quase todos os Estados do sistema financeiro internacional (com conseqüências
consideráveis para esse sistema); ou, também, a grotesca subestimação das consequências econômicas da
politicamente desejável reunificação alemã. A política pode gerar decisões por motivos politicamente
relevantes, mas as suas consequências são decididas na economia.
120
OGUS, Antony I.. Regulation: legal form and economic theory. Oxford/Portland: Hart Publishing, 2004, p. 1.
60
121
Essa ideia está desdobrada no seguinte trecho (HOOD. C. et alli. The Government of Risk. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 23): [...] qualquer sistema de controle na arte ou na natureza precisa, por definição,
conter pelo menos três componentes [...]. É preciso que haja alguma capacidade de fixação de padrões, para
possibilitar a distinção entre um estado mais perfeito e um estado menos perfeito do sistema. É preciso também
que haja alguma capacidade de coleta de informações ou monitoramento, para que se produza conhecimento
sobre os estados atual e cambiante do sistema. Acima disso tudo deve haver alguma capacidade de
transformação comportamental para mudar o estado do sistema.
122
OGUS (Op. cit., p. 1)
123
É o que defende SUSTEIN no seguinte trecho (SUSTEIN , Cass R. After the rights revolutions –
reconceiving the Regulatory State. Cambridge: Harvard University Press,1993, p. 228): Nós vimos que a
regulação econômica e social foi desenhada para promover eficiência econômica, para redistribuir recurso de
acordo com o espírito público, para reduzir ou eliminar subordinação social, para refletir aspirações coletivas,
para proteger futuras gerações de perdas irreversíveis e para alterar preferências que são produzidas por
vários defeitos motivacionais ou cognitivos.
124
LINOTTE, Didier & ROMI, Raphaël. Droit public économique. Paris: Litec, 2006, p. 133.
61
125
Essa configura da regulação configura a passagem e o amadurecimento de paradigmas de Estado, como bem
se percebe no seguinte trecho (FARIA, José Eduardo. Regulação, direito e democracia. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2002, p. 8): É justamente esse o pano de fundo do debate travado neste livro, ou seja,
o contexto da substituição do tradicional Estado keynesiano do pós-guerra, capaz de articular os componentes
de acumulação com bases nacionais, institucionalizar os conflitos e assegurar a coesão social, por um Estado
de feições schumpeterianas – basicamente comprometido com a inovação tecnológica e a adequação de suas
estruturas à nova ordem econômica internacional. À medida que seu tamanho e seu alcance refluem, ao final da
década de 1990, suas funções e seus papéis mudam. Ele deixa de ser o controlador, diretor, planejador e
indutor do desenvolvimento e passa a atuar como regulador das atividades privatizadas, como balizador da
concorrência, como estimulador da oferta de serviços essenciais num ambiente competitivo, como garantidor
dos direitos do consumidor e como criador de oportunidades de negócios para a iniciativa privada e de
investimento para o desenvolvimento tecnológico.
126
SALOMÃO FILHO, Calixto. A regulação da atividade econômica. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 37.
127
É esse o sentido de regulação acolhido pelo Prof. Marcelo Figueiredo no seguinte trecho: Regulação é
conceito mais amplo. Juan Miguel de La Cuétara Martínez relacionou exemplificativamente técnicas de
regulação como sendo: técnicas de polícia, autorizações, licenças, alvarás, proibições, inspeções etc.; além
dessas, defesa da concorrência, controle de preços, ordenação setorial para garantir equilíbrio e harmonia,
disciplina de setores específicos (bolsa, bancos etc., obrigações de serviços públicos, relações pontuais de
sujeição especial, contratos com o Estado, concessões, contratos-programa, incentivos econômicos ou jurídicos
etc.) (FIGUEIREDO, Marcelo. Os controles políticos e legais nas agências no ordenamento jurídico norte-
americano e o princípio da separação de poderes. In: FIGUEIREDO, Marcelo. Direito e regulação no Brasil e
nos EUA. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 83).
62
128
Essa é a perspectiva do GETEL no programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da UnB:
http://www.getel.org/sites/default/files/PROGRAMA_REGULACAOSETORIAL_2006.pdf
129
CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos na Perspectiva da Constituição
Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007, p. 172
130
PROSSER (Op. cit., p.18).
131 131
STIGLER, George. A teoria da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo. Regulação econômica e
democracia. O debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004, pp. 49-80.
132
ARIÑO, Gaspar. Economia y Estado. Madri: Marcial Pons, 1993, p. 267.
63
133
Pomponius, D, I, 2, 2, 12
134
HESPANHA, A. M. Lei e justiça: história e prospectiva de um paradigma. In: HESPANHA, A. M. Justiça e
litigiosidade: história e prospectiva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 14.
65
135
Idem. Ibidem, p. 15.
66
136
Idem. Ibidem, p. 18.
137
HABERMAS, Jürgen. Teoría de La acción comunicativa, II – crítica de La razón funcionalista. Trad.
Manuel Jiménez Redondo. Madri; Taurus, 2001, p. 505.
67
No Estado Absolutista, tudo o que não estava regulado pelo Poder Político
com as formas jurídicas encontrava-se disforme138, entregue a um âmbito de
autodeterminação ou às coerções oriundas das comunidades tradicionais que
mantinham seus espaços de dominação.
A primeira jornada de juridicização, no Estado Absolutista, quando se
formou a sociedade civil, mostrou-se dominada pelas ambivalências expostas por
Marx sobre o trabalho livre. Ao mesmo tempo em que se emancipavam os
trabalhadores assalariados, conferindo-lhes liberdade de movimento e voluntariedade
para aderir ao emprego e às organizações, ocorria a proletarização dessa forma de
vida, que não foi objeto de regulação jurídica.
As jornadas seguintes construíram sobretudo discursos de emancipação,
com a constitucionalização e a democratização da dominação burocrática, inicialmente
absolutista. As instituições jurídicas que solidificaram a soberania passaram a ter
sentido inequivocamente139 garantidor de liberdades. Nesse cenário, sempre que o
direito formal burguês faz prevalecer as pretensões do mundo da vida em face da
dominação burocrática perde a ambivalência inerente a uma realização de liberdades
conseguida ao preço de efeitos laterais destrutivos140.
Nesse primeiro momento de organização do Estado, o conjunto dos seus
poderes tinha raízes na pessoa do rei, que centralizava as funções que posteriormente
seriam decompostas em judicial, executiva e legislativa141. No exercício dessa última
atividade, cabia ao soberano, pela edição de leis, limitar direitos em prol de um bem
maior, como por exemplo a paz, no caso da obra de Hobbes. Todavia, o aparecimento
da figura do soberano significa a centralização de poderes e a legitimação do poder
real que não estava na sua burocracia ou na técnica, mas apenas na proeminência de
uma vontade que se sobrepunha às demais, evitando conflitos142. O Estado Absolutista
consolidou seu poder com a expansão do direito escrito.
138
HABERMAS, Jürgen. Teoría de La acción comunicativa, II – crítica de La razón funcionalista. Trad.
Manuel Jiménez Redondo. Madri; Taurus, 2001, p. 507.
139
Idem. Ibidem, p. 510.
140
Idem. Ibidem, p. 508.
141
MONCADA, Luís S. Cabral. Lei e regulamento. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 31.
142
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 197.
68
143
HABERMAS (Op. cit., p. 508).
69
144
VAZ, Manuel Afonso. Lei e reserva de lei. Porto, 1996, p. 124.
145
HABERMAS (Op. cit., p. 509).
146
Idem. Ibidem.
70
147
HOLMES, Stephen. Vincoli constituzioli e paradosso della democrazia. In: ZAGREBELSKY, Gustavo et
alli. Il future della costituzione. Turim: Einaudi, 1996, p. 201.
148
HABERMAS (Op. cit., p. 509)
71
149
HABERMAS, Jürgen. Faticidad y validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Trota, 2001, p. 255.
150
Idem. Ibidem. pp. 255-6.
151
HOLMES (Op. cit., p. 198).
72
Esse caso forneceu suporte para que a regulação firmasse suas bases,
abrindo margem para que o sistema econômico sofresse influxos do Estado,
impulsionado pela necessidade de prover bens materiais como uma nova forma de
legitimação não baseada apenas na participação e no voto universal. No período da
referida decisão da Suprema Corte, a exploração das estradas de ferro alternou
momentos de forte competição nos preços e relativa estabilidade. Surgiu espaço para
discriminação de consumidores e cobranças de elevadas tarifas. Tanto empresas do
setor, querendo a estabilização de preços, como consumidores, clamaram por
intervenção do Estado. O resultado de tais forças foi a edição do Interstate Commerce
Act (de 1887) e a criação da Interstate Commerce Comission (ICC) para regular preços
do transporte ferroviário.
152
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, II – crítica de la razón funcionalista. Trad. Manuel
Jiménez Redondo. Madri; Taurus, 2001, p. 509.
153
Idem. Ibidem.
154
Apud VISCUSI, W. Kip, HARRINGTON, Joseph E. Jr. & VERNON, John M. Economics of regulation and
antitrust. 4ª ed. Boston: Massachusetts Institute of Technology, 2005, p. 362.
73
155
Ideia semelhante está em Vital Moreira (MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra:
Centelho, 1978, p. 119): A ideia subjacente à concepção do estado social é, sem dúvida, a de que este se propõe
fazer valer perante o econômico valores próprios do político e do jurídico (justiça, igualdade, paz social).
74
156
Idem. Ibidem, p. 491
157
É interessante assinalar que, para Luhmann, é no caminho da compensação para a sua reflexividade que se dá
a passagem do Estado Social para o Estado de Bem-Estar Social (LUHMANN, Niklas. Teoria política em El
Estado de Bienestar. Madri: Alianza Universidad, 1997, p. 31): Em certo modo parece então como se tudo o que
afeta ao indivíduo estivesse condicionado socialmente e, em tanto que destino imerecido, devesse ser
compensado, inclusive aquilo que se deve à sua própria ação.
[...]
Se é possível falar de uma ‘lógica do Estado de Bem-Estar’, esta pode ser compreendida mediante o princípio
da compensação. Trata-se da compensação daquelas desvantagens que recaem sobre cada qual como
consequência de um determinado sistema de vida. A experiência nos ensina, no entanto, que o conceito de
compensação tende a se universalizar, já que, como se formulam os problemas, todas as diferenças podem ser
compensadas e, ainda assim, sempre ficam diferenças ou aparecem novas carências que, por sua vez, exigem
ser compensadas. Quando tudo deve ser compensado, haverá de ser também o mesmo compensar. O conceito e
o processo de compensação tornam-se reflexivos.
75
158
HABERMAS (Op. cit., p. 493).
76
comprada com o preço dos bens e serviços distribuídos pelo Estado Social, tornando
aceitável uma participação pouco efetiva.
A democracia de massas, com o Estado Social, freou o antagonismo de
classes circunscrito ao sistema econômico sob a condição de que o crescimento
capitalista garantido pelo Estado se mantivesse. Era só assim que se podia efetivar a
massa de compensações aos consumidores e, especialmente, aos clientes da
burocracia, amortecendo os efeitos perversos do trabalho alienado e da codecisão
pauperizada.
A sustentação política do sistema econômico tinha como efeito um contínuo
aumento de sua complexidade, que se acompanhara de uma expansão e densificação
interna dos campos de ação formalmente organizados. Isso explicou os processos de
concentração nos mercados de bens, capitais e trabalho, a centralização das
empresas e institutos, e também uma boa parte do crescente número de funções que
nascem para o Estado e a expansão da atividade estatal159. Era o alargamento de um
complexo burocrático-monetário.
No entanto, a demanda por eficácia na distribuição de direitos sociais
compeliu a que a Administração fosse obrigada a assumir funções dos outros dois
poderes, seja para legislar, seja para julgar casos em que se exigia pronta e eficiente
intervenção estatal. Esse foi o legado do Estado Social para o Estado Democrático de
Direito: a desfiguração do esquema clássico da divisão de poderes.
No Estado Social, não só a Administração assumia a função dos outros
poderes, como o âmbito de sua atuação se expandia de tal maneira que as próprias leis
que regulavam sua atuação tinham que condicionar a atividade administrativa, de
forma genérica e imprecisa, estabelecendo programas teleológicos e se valendo de
cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, abrindo para o administrador
uma ampla margem de discricionariedade. O Executivo fora alçado para um âmbito de
ação muito além da mera aplicação da lei, no Estado Social, para o qual a sua
conformação clássica não estava preparada. É o que descreve Habermas:
Na medida em que, por exemplo, a implementação de programas finalistas ou
teleológicos grava a Administração com a necessidade de prover organizativamente
tarefas que, pelo menos implicitamente, têm o caráter de uma produção de direito
ou de um desenvolvimento do direito e de uma aplicação judicial da lei, deixa de ser
159
Idem. Ibidem, p. 496
77
160
HABERMAS, Jürgen. Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001, p. 262.
161
VISCUSI, W. Kip, HARRINGTON, Joseph E. Jr. & VERNON, John M. Economics of regulation and
antitrust. 4ª ed. Boston: Massachusetts Institute of Technology, 2005, p. 363.
162
SUNSTEIN, Cass R. After the rights revolutions – reconceiving the Regulatory State. Cambridge: Harvard
University Press,1993, p. 19.
163
Idem. Ibidem, p. 21.
78
164
Dentre elas (Idem. Ibidem, p. 25): Federal Communications Commission (1936), Soil Conservation Service
(1935), Social Security Administration (1935), Federal Power Commission (1935), Securities and Exchange
Commission (1934), National Labor Relations Board (1934), Federal Housing Administration (1934), Public
Works Administration (1933), Tennesse Valley Authority (1933), Civil Works Administration (1933), Civilian
Conservation (1933), Federal Deposit Insurance Corporation (1933), Federal Home Loan Board (1932).
165
Idem. Ibidem, p.23.
166
Pode-se citar (Idem. Ibidem): Department of Energy (1977), Office of Surface Mining (1977), Nuclear
Regulatory Commission (1975), Materials Transportation Board (1975), Mine Safety and Health Administration
(1973), Occupational Safety and Health Administratuion (1973), Consumer Product Safety Commission (1972),
National Highway Traffic Safetty Administration (1970), Environmental Protection Agency (1970), Equal
Employment Opportunity Commission (1964), United States Commission on Civil Rights (1957, 1960).
79
167
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, II – crítica de la razón funcionalista. Trad. Manuel
Jiménez Redondo. Madri; Taurus, 2001, p. 496.
168
Idem. Ibidem, p. 512
169
Idem. Ibidem, p. 513.
80
170
Idem. Ibidem, p. 515.
171
Idem. Ibidem, 516.
81
172
Percebe-se principalmente na bibliografia de direito econômico, como em CYRINO, André Rodrigues.
Direito Constitucional Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 38 e seg.
82
173
A alusão à criação de órgãos reguladores pelo art. 21, IX (telecomunicações) e art. 177, §2º, III (petróleo, gás
e minerais nucleares) e algumas outras referências laterais no texto constitucional mostram-se como argumentos
de retórica e de conforto para a admissão do poder normativo de tais entes, que deriva de imperativos dos
sistemas econômico e político. O assunto está desenvolvido no item 2.9.
174
É o que se depreende do seguinte trecho elaborado pelo Prof. Tércio Sampaio Ferraz (FERRAZ, Tércio
Sampaio. O poder normativo das agências reguladoras à luz do princípio da eficiência. In: ARAGÃO, Alexandre
Santos. O Poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 276): Se olharmos a
questão do ponto de vista da doutrina mais tradicional, haveria de reconhecer-se que, na configuração de tipos
legais para atos normativos, a Administração está adstrita à Lei. Tanto que o Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (art. 25) revogou, no prazo que determina, todos os dispositivos legais que
atribuíssem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso, especialmente
no que tange à “ação normativa”. Assim, por exemplo, embora no passado, à luz da Constituição, fosse possível
sustentar que a imposição de penas administrativas pudesse resultar de regulamentos, na Constituição vigente
trata-se de expressa competência do Congresso (art. 48), caput, cc. art. 24, I). Afinal, como observa Celso
Bastos (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, vol. 2º p. 31): ‘Quanto aos regulamentos delegados,
encontráveis em alguns países, também eles não se amoldam ao nosso direito, porque se trata de transferir
competência legislativa, o que só se pode fazer pela única via constitucionalmente aceita, que é a da lei
delegada.’ E para expedição de regulamentos o que resta é apenas a competência privativa do Presidente da
República (regulamento para a fiel execução de leis, art. 84, IV da CF). Nestes termos, a eventual competência
conferida a órgãos administrativos para elaborar e aprovar ser regimento interno diz antes respeito ao próprio
funcionamento, portanto a regras que disciplinam sua atenção no que diz respeito a seus membros e
funcionários, não quanto a direitos dos administrados.
83
180
Idem. Ibidem, p. 99.
181
Sobre a necessidade de competências regulamentares amplas, assim se manifesta Egon Moreira (MOREIRA,
Egon Bockman. Os limites à competência normativa. In: ARAGÃO, Alexandre Santos. O poder normativo das
agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 187): O que há de inaugural em nosso ordenamento
são competências regulamentares amplas e dinâmicas, criadas por lei e por ela limitadas, dirigidas à disciplina
jurídica de setores econômicos onde há o forte exercício de poder econômico por parte dos respectivos agentes,
adicionado de características dinâmicas (tecnológicas, econômicas, sociais etc.). Logo, tais competências
devem ser simultaneamente mais largas e mais rápidas do que aquela de simples execução dos comandos legais,
alcançando a origem de novas hipóteses e mandamentos normativos [...].
182
É exemplo LOSS, Giovani. Os limites à competência normativa. In: ARAGÃO, Alexandre Santos. O poder
normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 167.
183
FERRAZ, Tércio Sampaio. O poder normativo das agências reguladoras à luz do princípio da eficiência. In:
ARAGÃO, Alexandre Santos. O Poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
283.
85
184
Esse é um tema trabalhado por Foucault, como se pode perceber de sua obra Microfísica do poder. Org. e
trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2004.
87
185
HESPANHA, A. M. Lei e justiça: história e prospectiva de um paradigma. In: HESPANHA, A. M. Justiça e
litigiosidade: história e prospectiva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 29.
186
Ver LUHMANN, Niklas. La costituzione come acquisizione evolutiva. In: ZAGREBELSKY, Gustavo et alli.
Il futuro della costituzione. Turim: Giulio Einaudi, 1996, pp. 85 e 86.
88
187
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1979, p. 15.
188
Heidegger ressalta que a essência é duração (HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Petrópolis:
Vozes, 2002, p. 33).
189
FOUCAULT (Op. Cit., p. 18).
190
Idem. Ibibem,p 19.
89
191
Idem. Ibidem, p. 24.
90
Para o filósofo francês, a peça que se representa nesse teatro, que é um não
lugar, é sempre a mesma. Nas suas palavras:
Em certo sentido, a peça representada nesse teatro sem lugar é sempre a mesma: é
aquela que repetem indefinidamente os dominadores e os dominados. Homens
dominam outros homens e é assim que nasce a diferença de valores; classes
dominam classes e é assim que nasce a ideia de liberdade; homens se apoderam de
coisas das quais eles têm necessidade para viver, eles lhes impõem uma duração
que elas não têm, ou eles as assimilam pela força – e é o nascimento da lógica. Nem
a relação de dominação é mais uma ‘relação’, nem o lugar onde ela se exerce é um
lugar. E é por isso precisamente que em cada momento da história a dominação se
fixa em um ritual; ela impõe obrigações e direitos; ela constitui cuidadosos
procedimentos192.
192
Idem. Ibidem, p. 25.
193
Idem. Ibidem. p. 26.
91
194
Nas palavras de Jellinek: no mundo antigo faltava, com efeito, a única coisa que poderia levar a conceber
essa noção de soberania: a oposição entre o poder político e outros poderes [Igreja, Império e grandes
corporações no Estado] (JELLINEK, Georges. L’État moderne et son droit. Trad. Georges Fardis. Paris: M.
Giard & É. Brière, 1913, p. 79).
195
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p. 24 e seg.
196
Idem. Ibidem, p. 29.
197
Idem. Ibidem, p. 30
92
198
Idem. Ibidem, p. 35.
93
pesquisa etc. O poder se exerce também em mecanismos sutis que são aparelhos de
saber.
Com essas precauções, pode-se dizer que a teoria política da soberania
desempenhou quatro papéis. Antes de mais nada, referiu-se a um poder efetivo, o do
monarca feudal. Em segundo lugar, foi instrumento e justificativa para a constituição
de grandes monarquias administrativas, absolutistas. Em terceiro lugar, a partir dos
séculos XVI e XVII, na época das guerras religiosas, a teoria da soberania circulou
entre monarquistas e antimonarquistas, para reforçar ou limitar o poder real. Por
último, já em Rousseau e seus contemporâneos, construiu-se um modelo alternativo
contra essas monarquias, o das democracias parlamentares. A partir desses quatro
papéis, pode-se dizer que, no período feudal, a relação de soberania recobria a
totalidade do corpo social, podendo, ao menos no essencial, o poder ser explicado em
termos de relação soberano-súdito.
Nos séculos XVII e XVIII surgiu uma nova mecânica de poder,
incompatível com o foco exclusivo nas relações de soberania. Essa nova mecânica
incide primeiro sobre os corpos e sobre o que eles fazem, mais do que sobre a terra e
sobre seu produto199. Esse mecanismo permite extrair mais tempo e trabalho do que
bens e riqueza. O poder se exerce continuamente por vigilância e não
descontinuamente por impostos. Seu pressuposto é uma trama cerrada de coerções
materiais que vai muito além da existência física de um soberano. Define-se uma nova
economia, baseada no crescimento das forças sujeitadas e na eficácia do que as sujeita.
Dito de outro modo, a teoria da soberania está muito mais vinculada a um
poder que se exerce sobre a terra e seus produtos do que sobre corpos e condutas. Ela
se refere à extração e à apropriação de bens e da riqueza, e não do trabalho e de sua
organização. O poder político funda-se na existência física de um soberano, e não em
sistemas permanentes de vigilância. O poder dito absoluto pode encontrar respaldo no
gasto irrestrito, mas é incapaz de calcular o poder com um gasto mínimo e uma
eficiência máxima, como ocorre no poder disciplinar200.
199
Idem. Ibidem, p. 42.
200
Idem. Ibidem, p. 43.
94
201
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 143.
202
Idem. Ibidem, p. 148.
203
A abordagem funciona e destaca a distribuição de poder, dando ênfase às organizações (LUHMANN, Niklas.
Political Theory in the Welfare State. Trad. John Bednarz Jr.. Berlim/Nova Iorque, Walter de Gruyter, 1990, p.
161): Hoje qualquer aumento, diversificação e refinamento de poder depende de organizações formais. Isso é
notavelmente verdade no caso do desenvolvimento de longas e mais permanentes cadeias de poder, para
indiretas formas do seu uso na direção do exercício de poder por outros e pelo incremento de sua efetividade no
sentido de que com uma decisão uma pessoa pode engatilhar várias decisões resultantes que, individualmente,
não podem ser antecipadas, mas que são, no entanto, essencialmente conectadas à primeira. Claro, para
estabelecer interconecções dentro de organizações e ao longo de suas linhas de comando, ainda se podem
encontrar mecanismos de dominação pessoal. Isso não pode ser negado nem subestimado. Entretanto, eles são
guiados pela lógica da organização e permanecem dependentes na ocupação de posição dentro delas.
95
De algum modo se pode dizer que o poder disciplinar está em toda a parte e
sempre alerta, embora discreto por funcionar permanentemente e em silêncio. As
técnicas de controle e vigilância, a física do poder204, lhes permitem pelo cálculo e
pelas regras (normatização ou normalização) não recorrer, em princípio, ao excesso da
força e da violência.
Por meio das disciplinas, reforça-se o poder da norma, da normalização
social. O normal se estabelece mesmo como princípio de ensino205. Assim como a
vigilância, a regulamentação passa a ser contemporaneamente um grande instrumento.
Os status, os privilégios e o parentesco vão-se substituindo por filiação a uma
homogeneidade social, de acordo com classificações, hierarquizações, situações etc. O
regramento, ao tempo em que uniformiza, permite medir desvios, níveis,
especialidades, utilidades e seus ajustes. A normalização pode, inclusive, funcionar
dentro de um sistema de igualdade formal com a distribuição de graduação de
diferenças individuais.
Com isso, as disciplinas podem controlar multiplicidades humanas com
base em três critérios: desonerar o exercício do poder, diminuindo suas despesas; por
sua fraca exteriorização, suscitar pouca resistência; e estender o poder social ao
máximo de intensidade e tão distante quanto possível, sem lacunas evidentes.
Isso possibilita uma economia completamente diversa com base em
mecanismos de poder que, no lugar de retirar ou deduzir, integram-se à eficácia
produtiva dos aparelhos e ao seu crescimento. As disciplinas permitem substituir o
antigo princípio de “retirada-violência” pelo “suavidade produção-lucro”206. São
técnicas que permitem agregar indivíduos e individualidades e multiplicar os aparelhos
de produção.
Historicamente, a burguesia tornou-se, no século XVIII, a classe dominante,
instalando um quadro jurídico explícito, codificado, baseado na igualdade formal e
organizado com base num regime parlamentar e representativo. Como ressaltado, a
generalização dos dispositivos disciplinares constituíram uma outra vertente obscura
de tal processo. Ao mesmo passo que o regime representativo possibilita a formação
204
FOUCAULT (Op. cit., p. 148).
205
Idem. Ibidem, p. 153.
206
Idem. Ibidem, p. 180.
96
207
Idem. Ibidem, p. 183.
208
O panoptismo pode ser entendido a partir de uma extensão metafórica do panóptico de Bentham que é
descrito por Foucault (Idem. Ibidem, p. 165): “O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa
composição. O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta vazada de
largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma
atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às
janelas da torre; outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então
colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou
um escolar...”
209
Idem. Ibidem, p. 184.
210
Idem. Ibidem, p. 185.
97
coesão desse mesmo corpo social. O exercício do poder acontece entre esses dois
limites heterogêneos.
As disciplinas têm um caminho próprio. Criam aparelho de saber e
conhecimento. Seu discurso não é o do direito baseado na soberania popular. É o da
regra, o da norma, que se apoia na natureza, na ciência. Em Foucault:
[...] Que, atualmente, o poder se exerça ao mesmo tempo através desse direito e
dessas técnicas, que essas técnicas das disciplinas, que esses discursos nascidos da
disciplina invadam o direito, que os procedimentos da normalização colonizem
cada vez mais os procedimentos da lei, é isso, acho eu, que pode explicar o
funcionamento global daquilo que eu chamaria uma ‘sociedade de normalização’.
Quero dizer, mais precisamente, isto: eu creio que a normalização, as
normalizações disciplinares, vêm cada vez mais esbarrar contra o sistema jurídico
da soberania; cada vez mais nitidamente aparece a incompatibilidade de umas com
o outro; cada vez mais é necessária uma espécie de discurso árbitro, uma espécie
de poder e de saber que sua sacralização científica tornaria neutros. [...]
211
É o que se depreende do título da obra de PINHEIRO, Armando Castelar & SADDI, Jairo. Direito, economia
e mercados. São Paulo: Campus, 2005. Na página 362 expõe-se o critério usual no direito da concorrência para
delimitação dos mercados: A definição do mercado relevante tem duas dimensões, uma de produto e outra
geográfica. A primeira consiste em definir quais são os bens ou serviços que são substitutos próximos do
produto comercializado pelas empresas envolvidas. A identificação de produtos substitutos usualmente se centra
98
no lado da demanda, procurando medir a elasticidade de substituição entre eles, para avaliarem em que medida
os consumidores trocariam um produto pelo outro no caso de ‘um pequeno mas significante aumento
transitório’ do preço do produto em questão, mantidas constantes as condições de venda de todos os demais
produtos. Se dois produtos têm um elevado grau de substituição entre si, devem ser considerados como
pertencentes a um mesmo mercado.
A segunda dimensão relevante para a definição do mercado relevante é a geográfica. Esta busca avaliar o grau
em que existem concorrentes próximos em tamanho e condições capazes de coibir o exercício de poder de
mercado pela nova empresa, tornando pouco interessante para esta promover um aumento pequeno mas
significante e não transitório de preço. [..] Dessa forma, ela considera o grau de substituição pelo lado da
oferta.
212
Isso fica muito claro no seguinte trecho (BRUNA, Sérgio Varella. Agências reguladoras: poder normativo,
consulta pública, revisão judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 27): Por tal motivo, pode-se
afirmar que todos os mercados são regulados, variando somente a intensidade dessa regulação. [...] Em todos
os campos da atividade econômica, as relações de mercado desenvolvem-se de acordo com um arcabouço
institucional de maior ou menor abrangência, do qual participam, dentre outras, as normas relativas à
propriedade, aos contratos, aos impostos etc.
213
Essa ideia está desenvolvida em MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003, p. 159: Quanto à autonomia, embora se deva reconhecer que se trata de um conceito
polissêmico, como tantos outros no Direito, parece suficiente lembrar que, no caso das agências reguladoras,
além das tradicionais características autonômicas de que gozam as autarquias, em geral, há essa outra e com
nova dimensão de autodeterminação que resulta da abertura, pela lei, de um espaço decisório deslegalizado em
seus respectivos setores de atuação.
Fenômeno semelhante ocorre na França (LINOTTE, Didier & ROMI, Raphaël. Droit Publique Économique.
Paris: Litec, 2006, p. 138): A atribuição de personalidade jurídica às últimas autoridades de regulação é o sinal
da emergência de um novo modelo que poderia ser coexistente com o modelo “antigo” das AAI ou substituí-las
paulatinamente.
Trata-se de uma escolha explicita intermediária entre a solução precedente e a da juridicionalização. A
concessão da personalidade jurídica é constitutiva de uma independência mais afirmada, e dá certamente uma
maior legitimidade às instâncias que dela são dotadas, mesmo se essa independência pudesse ser ainda mais
construída.
214
Essa ideia está presente nesta citação (BALDWIN, Robert & CAVE, Martin. Understanding regulation –
theory, strategy and practice . Nova Iorque: Oxford, 1999, p.69): Agências reguladoras são corpos que agem em
nome do governo central, mas não são Departamentos do Estado Central. Um de seus pontos fortes, como
instituições, é a capacidade de combinar funções governamentais. Eles geralmente decidem disputas entre
partes, promulgam regras e aplicam essas regras.
99
215
O constitucionalismo teve sua marcha marcada pela divisão de poderes e a soberania como se vê no seguinte
excerto: FIORAVANTI, Maurizio. Costituzione. Bolonha: Il Mulino, 1999, p. 101: A situação no último quarto
do século XVIII poderia ser representada nos seguintes termos: de uma parte a tradição constitucionalista do
poder limitado, de outra a nascente afirmação de recolocar em discussão a forma política, e aquela mesma
tradição, a partir do povo, que no caso de Rousseau era sem meio termo definido como soberano.
100
216
VISCUSI, W. Kip, HARRINGTON, Joseph E. Jr. & VERNON, John M. Economics of regulation and
antitrust. 4ª ed. Boston: Massachusetts Institute of Technology, 2005, p. 357.
217
Idem. Ibidem, p. 375.
101
218
Idem. Ibidem, p. 375.
219
Idem. Ibidem, p. 376.
102
220
Idem. Ibidem, p. 378.
221
Idem. Ibidem, p. 379.
103
Essa teoria, no entanto, se apresenta muito mais como hipótese, pois não
explica como a regulação acaba controlada pelos produtores. Há inclusive modos de
regulação contrários a essa teoria, como o caso dos subsídios cruzados, em que os
baixos preços de um produto são financiados por outro com preço mais elevado, e há
ainda a regulação a favor de pequenos produtores. Isso sem contar vários mercados,
nos EUA, como os de petróleo e gás natural222.
222
Idem. Ibidem, p. 380.
223
STIGLER, George. A teoria da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo. Regulação econômica e
democracia. O debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004, pp. 49-80.
104
regulação econômica são justificar quem receberá os benefícios ou quem arcará com
os ônus da regulação; qual forma a regulação tomará e quais os efeitos desta sobre a
alocação de recursos224.
Essa teoria foi complementada por Sam Pelztman225, que destacou: a) a
legislação regulatória redistribui bem-estar; b) o comportamento dos legisladores é
dirigido pelo seu desejo de permanecer na função pública, empregando a regulação
para aumentar sua sustentação política; c) grupos de interesse competem oferecendo
sustentação política em troca de legislação favorável. A partir disso, a normatização
regulatória é direcionada para atender aos grupos políticos mais organizados que
obtenham mais ganhos com um marco legislatório favorável.
Assim, grupos compactos e com interesses bem definidos teriam maior
benefício com a regulação do que grupos maiores com interesses difusos226. Para
investir grandes recursos e obter regulação, o ganho per capita de cada regulado
precisa ser grande, com obtenção de legislação favorável, e gerar grande contribuição
no âmbito de um grupo de interesse pequeno, causando forte impacto para definir o
interesse a ser protegido com a regulação. Isso explica o fato de a regulação beneficiar
pequenos grupos de produtores, em detrimento de grandes grupos de consumidores227.
No entanto, não se pode ignorar que os consumidores ainda assim formam um grupo
de interesse. Os resultados da teoria econômica da regulação podem ser assim
resumidos228:
Nós derivamos quatro maiores resultados usando a abordagem de Stigler para a
teoria da regulação. Esses resultados caracterizam a forma da regulação e
estabelecem quais mercados serão regulados. Em primeiro lugar, há a tendência de
a regulação beneficiar grupos com fortes preferências pela regulação em
detrimento de relativamente grandes grupos com fracas preferências pela
regulação. Em vários casos, a consequência disso é que a regulação será a favor
224
STIGLER, George J. A teoria da regulação econômica. In: Mattos. Regulação econômica e democracia. O
debate norte-americano. São Paulo, Ed. 34, 2004, p. 23.
225
PELTZMAN, Sam. Toward a more general theory of regulation. In: Journal of Law and Economics 19
(August 1976), pp. 211/40.
226
PELTZMAN, Sam. A teoria econômica da regulação depois de uma década de desregulação. In: MATTOS,
Paulo. Regulação Econômica e Democracia. O debate norte-americano. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 50.
227
Um exemplo de benefício da regulação para um pequeno grupo em detrimento de um maior é o caso do
programa de amendoim nos EUA, que está no seguinte trecho de VISCUSI, W. Kip et alii. Op. cit., p. 383:
Desde 1949, o governo federal tem mantido um programa que limita o número de fazendeiros que podem vender
amendoins nos Estados Unidos. Importações também são severamente restritas. No auge dessas restrições, a
sustentação de preços visa a garantir que os fazendeiros com quotas de amendoim possam cobrir os seus custos
de produção em cada ano. Esse sistema geralmente resulta num preço mínimo de venda 50% acima da média
mundial.
228
VISCUSI, W. Kip et alii. Op. cit., p. 390.
105
dos produtores. Em segundo lugar, ainda que a regulação seja a favor do produtor,
a normatização regulatória, especialmente a de preço, não será estabelecida apenas
para maximizar lucros da indústria. Em virtude da influência dos grupos de
consumidores, os preços serão estabelecidos abaixo do nível superior de
maximização dos lucros. Um terceiro resultado é mais atrativo para mercados
relativamente competitivos ou relativamente monopolísticos, porque aí a regulação
terá maiores impactos no bem-estar de determinados grupos. Finalmente, a
presença de falhas de mercado faz a regulação mais atrativa, já que os ganhos de
alguns grupos de interesse será maior do que as perdas de outros grupos de
interesse. Como resultado, o ator terá mais influência no processo legislativo,
ceteris paribus.
229
POSNER, Richard A. Teorias da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo. Regulação Econômica e Democracia. O debate
norte-americano. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 49.
106
230
Idem. Ibidem, p. 50.
107
critérios para tanto podem ser um número fixo de competidores para explorar
determinada linha ou faixa de mercado, capital mínimo a ser investido, expertise para
a exploração da atividade ou taxas administrativas e complexidade de procedimentos
para a obtenção de licenças ou autorizações.
Um outro objeto de regulação é a qualidade dos produtos e serviços. Isso
tem lugar com a fixação de padrões de confiabilidade. A fixação de critérios nesse
âmbito exige a avaliação de uma gama de variáveis, como na regulação do transporte
aéreo com a avaliação de pontualidade, segurança, serviços de bordo, entrega de
bagagens etc.
231
HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p. 48.
108
232
Idem. Ibidem, p. 49.
233
Idem. Ibidem, p.. 50.
109
234
POSNER (Op. cit., p. 51).
235
Neste trecho de SUSTEIN confirma-se essa ideia (SUSTEIN, Cass R. After the rights revolutions –
reconceiving the Regulatory State. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 29): Além disso, na década
de 60 e 70, o Congresso abandonou a fé do New Deal na autonomia administrativa. A burocracia era o
problema, não a solução. O Congresso muitas vezes se recusou, por exemplo, em fornecer cheques em branco
do New Deal para as agências reguladoras, permitindo-lhes para evitar "o comportamento, ou agir" razoável
no “interesse público". A experiência tinha mostrado que a autonomia administrativa suscitava riscos de
representação de autointeresse e facciosismo que a moldura original originalmente buscava prevenir. Como
veremos, o resultado das delegações abertas têm sido frequentemente mal direcionados regulamentos, bem
como falta ou excesso de regulamentação.
110
236
WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. V. 2. Brasília: Editora
UnB, 1999, p. 187 e seg.
237
HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ‘ideologia’. Lisboa, Edições 70, 2001, p. 45.
112
A par dessa pressão por racionalização, que vem a partir de baixo, há uma
coação que vem a partir de cima, com a substituição das legitimações tradicionais de
dominação pela pretensão de veracidade das ciências modernas.
O último quarto do século XIX viu surgirem duas novas tendências
evolutivas240: 1ª) um incremento na atividade intervencionista do Estado e 2ª) uma
crescente interdependência da investigação técnica, colocando as ciências como
primeira força produtiva. Essas tendências solapam o marco institucional típico de
Estado Liberal.
O capitalismo não poderia estar abandonado a si mesmo, cabendo ao Estado
intervir e regular a longo prazo o processo econômico e seu simbiótico vínculo com a
produção tecnológico-científica. A atividade estatal visa ao crescimento econômico,
238
HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ‘ideologia’. Lisboa, Edições 70, 2001, p. 64.
239
Idem. Ibidem, p. 65.
240
Idem. Ibidem, p. 68.
113
241
Idem. Ibidem, p. 74.
114
242
Idem. Ibidem, p. 80.
243
Idem. Ibidem, p.88.
244
Idem. Ibidem.
115
245
Idem. Ibidem, p. 99.
246
Idem. Ibidem, p. 101.
247
Idem. Ibidem, p.102.
248
Idem. Ibidem, p. 105.
116
249
Idem. Ibidem, p. 108.
250
WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. V. 2. Brasília: Editora
UnB, 1999, p. 529 e seg.
251
HABERMAS (Op. cit., p. 108).
252
Idem. Ibidem, p. 109.
117
253
Idem. Ibidem, p. 113.
118
254
Idem. Ibidem, p. 114.
255
Idem. Ibidem, p. 117.
119
256
Idem. Ibidem, p. 122.
120
257
Idem. Ibidem, p. 127
121
258
JUSTEN FILHO, Marçal. Agências reguladores e democracia. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder
normativo das agências reguladores. Forense: Rio de Janeiro, 2006, p. 310.
259
MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Agências reguladoras e democracia. In: SALOMÃO FILHO, Calixto.
Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 183.
122
260
Idem. Ibidem, p. 191.
261
STIGLER, George. A teoria da regulação econômica. In: MATTOS, Paulo. Regulação econômica e
democracia. O debate norte-americano. São Paulo: Ed. 34, 2004, pp. 23 e seg.
123
262
Sobre a simbiose da prestação de utilidades pelo Estado Social e o incremento de riscos e potenciais de
autoameaça: Essa mudança da lógica de repartição de riqueza na sociedade da carência à lógica da repartição
dos riscos na modernidade desenvolvida está vinculado historicamente a (ao menos) duas condições. Em
primeiro lugar, essa mudança se consuma (como sabemos hoje) ali onde e na medida em que mediante o nível
alcançado pelas forças produtivas humanas e tecnológicas e pelas seguridades e regulações do Estado Social se
possa reduzir objetivamente e excluir socialmente a miséria material autêntica. Em segundo lugar, essa mudança
categorial depende ao mesmo tempo de que ao fio de crescimento exponencial das forças produtivas no
processo de modernização liberem-se os riscos e os potenciais de autoameaça numa mediada desconhecida até
o momento. (BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Barcelona: Paidós, 2002, p. 25)
124
263
GRAU, Eros. Direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 183.
264
FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. O poder normativo das agências reguladoras à luz do princípio da eficiência.
In: ARAGÃO, Alexandre Santos. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
pp. 281 e seg.
265
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo & FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo. Trad.
Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 201.
125
modificações e negar por completo o poder normativo que acabou sendo atribuído a
tais entes, reconheça-se, ao arrepio do texto constitucional e das instituições jurídicas
do Estado Democrático de Direito.
Há algo, no entanto, que precisa ser encarado: o potencial de coerção que
cerca esse deslocamento de poder normativo. Poder e dinheiro se potencializam, ainda
mais quando legitimados por discursos de verdade oriundos da ciência e da técnica,
que formam um exponencial poder disciplinar no âmbito da normatização regulatória.
A regulação traz potenciais de rendimento e riscos extraordinários.
A coerção da regulação não resulta apenas do potencial uso da força física,
mas também do dinheiro e dos discursos de verdade. Algo marcante – tanto em relação
aos riscos como à coercibilidade inerente aos entes reguladores – é seus efeitos se
espalharem por toda a cadeia de produção e consumo que envolve o agente regulado.
Assim, se multada uma prestadora de serviços, o encargo da multa não será absorvido
integralmente pelo infrator que, valendo-se dos instrumentos de mercado, tentará
repassar os ônus financeiros da penalidade para seus fornecedores e seus
consumidores. De igual modo, é lugar-comum, em relação ao sistema financeiro,
referir-se ao risco sistêmico para aludir a esse efeito de contaminação que se dá por
intermédio das relações de mercado. No extremo, pode acabar espalhando-se por todo
o mercado regulado.
Se o Estado Democrático de Direito é obrigado a conviver com esses
exércitos de Leviatãs contemporâneos, dotados de consideráveis poderes normativos e
de coerção, deve-se preocupar com a legitimação e a justificação dos seus poderes e,
portanto, com os direitos dos cidadãos266. E mais: à dimensão da coercibilidade é
necessário contrapor questões de princípios ainda mais acuradas267.
266
Sem dúvida, uma das questões fundamentais do direito é a justificativa do uso da coerção, como assinala
Dworkin: Uma teoria política do direito completa, portanto, inclui pelo menos duas partes principais: reporta-
se tanto aos fundamentos do direito – circunstâncias nas quais proposições jurídicas devem ser aceitas como
bem fundadas ou verdadeiras – quanto à força do direito – o relativo poder que tem toda e qualquer verdadeira
proposição jurídica de justificar a coerção em vários tipos de circunstâncias excepcionais. Essas duas partes
devem apoiar-se mutuamente. A atitude assumida por uma teoria integral sobre a questão de até que ponto o
direito é dominante, e quando pode ou deve ser posto de lado, deve estar à altura da justificativa geral que o
direito oferece para o uso da coerção, que por sua vez provém de seus pontos de vista sobre os polêmicos
fundamentos do direito. Uma teoria geral do direito, assim, propõe uma solução a um complexo conjunto de
equações simultâneas [...] (DWORKIN, Ronald. Law´s Empire. Cambridge: The Belknap Press, 1986, p. 110)
267
Isso significa entrar numa dimensão mais reflexiva e questionadora sobre o direito com juízos de moral
política que constituem o cerne dos princípios e dos direitos. A questão da regulação é em boa medida uma
126
questão técnica, o que permite propor, como abertura de horizontes hermenêuticos para a próxima parte do
trabalho, o trecho final do ensaio A questão da técnica, de Heidegger: Questionando assim, damos testemunho
da indigência de, com toda técnica, ainda não sabermos a vigência da técnica; de, com tanta estética, já não
preservarmos a vigência da arte. Todavia, quanto mais pensarmos a questão da essência da técnica, tanto mais
misteriosa se torna a essência da arte. Quanto mais nos avizinharmos do perigo, com maior clareza começarão
a brilhar os caminhos para o que salva, tanto mais questões haveremos de questionar. Pois questionar é a
piedade do pensamento. (HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 38.)
268
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 164 e seg.
269
GRAU, Eros (Op. cit., p. 173).
270
Eros Grau constrói raciocínio semelhante (Idem. Ibidem, p. 176/7).
127
271
Idem. Ibidem, p. 173.
272
Em Luhmann, o tempo é definido com base na diferença de passado e futuro, não como pontos de partida,
mas como horizontes (PINTO, Cristiano Paixão Araújo. Modernidade, tempo e direito. Belo Horizonte: Del Rey,
2002, p. 240). O dinheiro, por sua vez, como código da economia, não se relaciona ao tempo (ou, mais
precisamente ao tempo-espaço) como um fluxo, mas exatamente como um meio de vincular tempo-espaço
associando instantaneidade e adiamento, presença e ausência. (GIDDENS, Anthony. As consequências da
modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p. 32). Ainda de acordo com Giddens, o dinheiro é um mecanismo de
desencaixe (Idem. Ibidem). Se referido ao tempo, a capacidade de deslocamento (desencaixe) da instantaneidade
do presente para os horizontes do passado e do futuro pelo dinheiro é capaz de alongá-los indefinidamente de
forma mensurada, o que faz com que a economia se reproduza numa intensidade muito maior que a do sistema
político-burocrático e a do direito. Daí a demanda sobrecarregada por normatização e decisões por parte do
direito e do sistema político-burocrático, que resulta nessa normatização de conjuntura.
128
273
GRAU, Eros (Op. cit., p. 179).
274
Idem. Ibidem, p 183.
129
Eros Grau considera que o art. 5º, II, mais geral, tem outra configuração, que permite
falar em reserva da norma (reserva legal relativa), pois esse dispositivo enuncia que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei. A obrigação nessa última hipótese não deriva da lei como ocorre na reserva legal
absoluta, mas em virtude dela, o que é compatível com a atribuição, explícita ou
implícita, ao Executivo para, no exercício da função normativa, definir obrigação de
fazer e não fazer que se imponha aos particulares – e os vincule275. Para tal raciocínio,
se existem dispositivos constitucionais que falam da reserva da lei, isto é, matérias que
só podem ser tratadas pela lei, as outras podem ser tratadas pela função normativa da
Administração, constituindo reserva de norma.
O raciocínio é uma inversão radical, de 180º. A proteção do art. 5º, II, da
Constituição Federal praticamente perde todo o seu sentido. Se aceito o raciocínio de
Eros Grau, qualquer assunto, excluídos os temas tributários, penais e de livre
iniciativa, pode ser objeto da função normativa com sentido primário da
Administração. Certamente, não é esse o sentido que a Constituição dá a tal
dispositivo, assim como a reinscrição do princípio da legalidade no art. 5º, XXXIX, no
art. 150, I, e o parágrafo único do art. 170 nada mais são do que reiterações e
estabelecimentos de regimes mais rígidos de legalidade. Aqui a lei não contém
palavras desnecessárias. Simplesmente reforça o sentido garantista do princípio da
legalidade, concebendo-o de forma mais rígida.
Como já aduzido, são três os formatos da legalidade, e a hipótese discutida
da função normativa de entes administrativos é uma exceção vinculada aos
imperativos sistêmicos que a originaram e requerem como prestação uma
normatização de conjuntura. Não é demais reafirmar, a regulação encerra grande
potencial de coerção e riscos, não havendo sentido em deixá-la aberta para toda e
qualquer hipótese.
O primeiro passo para o fechamento dessa competência se dá com a
exigência de autorização legislativa para o seu exercício. É o que impropriamente se
chama de delegação, mas em verdade é uma delimitação, uma configuração e um
direcionamento para o exercício da função, que por sua própria natureza conjuntural só
275
Idem. Ibidem, p. 184.
130
pode ser exercida pela Administração. Esse é um poder que precisa ser moldado para
ser exercido, o que gera um delineamento de competências com âmbitos distintos para
o Legislativo e para a Administração. O Legislativo deve estabelecer sua conformação,
e a Administração desdobrá-lo276 conforme as exigências conjunturais.
Os Estados Unidos têm longa experiência na utilização de tais instrumentos,
denominando-os tradicionalmente de regulamentos delegados. No seu debate judicial,
teve decisão sobre sua admissão no primeiro quarto do século XIX277. Para tanto, já se
exigia que a lei autorizadora da competência regulamentar estabelecesse standards a
serem observados e objetivos a serem alcançados. Foi pela ampliação de entes
regulatórios a partir do New Deal que o tema ganhou impulso.
Os contornos atuais da delegation doctrine remontam aos ainda hoje
aplicáveis casos Panama Refining Co. v. Ryan278 e A. L.A. Schecheter Poultry Corp. v.
United States279. Nos dois discutiu-se a constitucionalidade do National Insdustrial
Recovery Act (NIRA), editado dentre as medidas do New Deal. No caso Panama
Refining, a discussão travava-se em torno da seção 9, “c”, do NIRA, que conferia ao
Presidente a competência de proibir o transporte de petróleo entre os Estados-membros
para estancar a crise de superprodução de petróleo. Tendo como guia a regra da
Constituição norte-americana de que todos os poderes legislativos são atribuídos ao
Congresso280, em face de vários objetivos vagos a serem atingidos pelo Chefe do
Executivo, a Suprema Corte considerou as diretrizes por demais amplas e inidôneas
para guiar a autoridade pública no exercício dos poderes aí conferidos, o que levou à
declaração de inconstitucionalidade do dispositivo em questão. No caso, Schechter
Poultry, que cuidava de proibição de venda de carne avícola por preço abaixo do
estabelecido, o NIRA foi afastado por completo por razões análogas às do caso
anterior.
276
A alusão metafórica de Eros Grau é plenamente aplicável: a atribuição conferida ao Executivo para aludido
exercício poderia ser comparada ao tiro de partida que é dado para que se desenrole uma corrida de 100
metros; a faculdade de correr velozmente é própria a quem participa da prova, como é própria ao Executivo,
repito, a função normativa regulamentar (Idem. Ibidem, p. 186).
277
BRUNA, Sérgio Varella. Agências reguladoras - poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 100.
278
293 US 388, de 1935.
279
295 US 495, de 1935.
280
Artigo I, seção 1; artigo I, seção 1, § 18.
131
281
319 US 190, de 1943.
282
321 US 414, de 1944.
283
BRUNA (Op. cit., p. 106).
284
415 US 336, de 1974
285
490 US 212, de 1989.
132
286
488 US 361, de 1989.
287
Os limites são basicamente interdições de competência. As conformações, por sua vez, amoldamentos e
obrigatoriedades de exercício de competências. Já as diretrizes são objetivos de interesse público e da
coletividade a serem atingidos com a normatização de conjuntura.
288
Marcelo Figueiredo salienta que o condicionamento não é mais apenas legal, mas também global, pelo
ordenamento: Não obstante, portanto, condicionada pelo direito, a Administração Pública, em seu agir, como
sabemos, não se revela simplesmente como mera executora das leis. Podemos compreendê-la no mundo
contemporâneo, cada vez mais complexo, como protagonista de um papel mais amplo, mais dilatado, tendo já
agora o ordenamento jurídico como limite, e não apenas a lei em sentido estrito (FIGUEIREDO, Marcelo. As
agências reguladoras. O Estado Democrático de Direito no Brasil e sua atividade normativa. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 292).
133
A vasta literatura que se produziu nos últimos anos sobre a distinção entre
princípios e regras é demonstração eloquente da relevância da problemática que cerca
este antigo tema. Já no Código Austríaco de 1811 se falava em princípios gerais de
direito e, em muitos outros textos legais, eles se fizeram presentes, assim como em
trabalhos de dogmática jurídica e na jurisprudência289.
Como assinalado no 1.º capítulo, o tema ganhou grande impulso com a
publicação, em 1967, do texto Is a law a system of rules?, de Ronald Dworkin. Um
amplo debate iniciou-se a partir daí. A discussão empreendida foi e vai muito além da
mera distinção entre princípios e regras, significando, em verdade, uma outra
abordagem sobre o direito.
Vários lugares-comuns formaram-se no seu desenvolvimento. O de que as
regras se aplicam no tudo ou nada, enquanto os princípios têm dimensão de peso. A de
que regras têm estrutura de hipótese de incidência e consequência, ao passo que
princípios são valorativos ou teleológicos, e assim por diante. É muito frequente nesses
estudos uma catalogação de critérios distintivos, o que tem algum valor didático pela
simplificação e pelo caráter sintético das abordagens.
Compete, no entanto, tomar cuidado com a superficialidade desse tipo de
enfrentamento. A forte preocupação com os princípios no direito não trata apenas da
inserção ou da revalorização de mais um elemento na teoria no direito. O mero
confronto dos princípios com as regras acaba deslocando o foco e excluindo boa parte
das consequências do estudo da temática. Para exemplificar, talvez mais relevante do
que a distinção em questão seja refletir sobre as implicações que o reconhecimento dos
princípios como parte fundamental do direito trazem para o relacionamento entre o
direito, a moral e a política.
289
ATIENZA, Manuel & MANERO, Juan Ruiz. Sobre princípio y reglas. p. 101. In: Doxa. Disponível em
http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/public/12482196462352624198846/cuaderno10/doxa10_04.
pdf?portal=4. Acesso em 10.10.2010.
134
Uma tensão está como pano de fundo da distinção entre princípios e regras.
O direito concebido como sistema de regras, objeto de um estudo descritivo e
científico, procura valorizar a certeza e o cálculo no direito, que de algum modo pode
ser entendido como produto acabado290. Os princípios, por sua vez, remetem a uma
atitude reflexiva, típica de outras virtudes intelectuais, como a filosofia e a prudência,
abrindo na unidade uma dimensão de indeterminação, abertura e possibilidades291.
Assim, a presente parte do trabalho se assenta em dois eixos: um apanhado
vertical das implicações dessa distinção para a teoria do direito e para as instituições
de direito público e uma exposição horizontal da distinção, procurando retomar e
marcar as várias possibilidades de critérios distintivos entre princípios e regras.
Para a elaboração da abordagem vertical, com preocupação de
aprofundamento, houve uma escolha, sob pena de entrar no labirinto do ecletismo. O
aprofundamento sobre os princípios, as regras e vários outros temas adjacentes,
embora não menos importantes, buscou concentrar-se apenas numa abordagem teórica.
Como não poderia deixar de ser, a opção foi pela teoria que melhor se
adequou aos pressupostos do trabalho. Por isso, a escolha de Dworkin, que fornece
uma concepção hermenêutica e interpretativa do direito como substrato de seu
tratamento sobre os princípios. Houve uma seleção, nas principais obras sobre o tema
– Levando os direitos a sério e O Império do Direito – das ideias que poderiam
guindar a crítica da regulação que se pretende empreender a partir da referência aos
princípios.
A abordagem horizontal a ser realizada não pretende ser exaustiva ou
mesmo pode ser considerada fonte canônica das teorias que possibilitaram a
identificação dos critérios de distinção a serem expostos. A preocupação foi a de
possibilitar uma noção geral e resumida do tema como um dos pontos de apoio para a
reflexão sobre a relação entre os princípios, as regras e, consequentemente, a própria
regulação, colocando em destaque características dos princípios que têm implicações
na concepção de direito e, portanto, na regulação.
290
CASALMIGLIA, Albert. El concepto de integridad en Dworkin. In: Doxa, p.155. Disponível em
http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=15638&portal=4. Acesso em 10.10.2010.
291
GADAMER, Hans-Georg. L’inizio della filosofia occidentale. Milão: Edizioni Angelo Guerini e Associati,
2001, p. 23.
135
292
HART, H. L. A. Punhishment and responsibility. Oxford: Oxford University Press, 1968, p. 182.
293
DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona: Ariel, 1999, p. 56.
136
294
DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona: Ariel, 1999, p. 66 e DWORKIN, Ronald. Is Law a
system of rules? In.: DWORKIN, R. M. The philosophy of Law. Oxford: Oxford University Press, 1977, p. 38.
137
298
HABERMAS, Jürgen. Faticidad y validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Trota, 2001, p. 319.
299
Idem. Ibidem, p. 278.
300
DWORKI8N (Op. cit., p. 75).
301
Idem. Ibidem, p. 76.
139
302
HAMERMAS (Op. cit., p. 278).
303
DWORKIN (Op. cit., p. 80).
140
3.1.4 A discrição
304
Idem. Ibidem, p. 83.
141
Nesse caso, não haverá limitação por normas, mas somente utilização de princípios
que estão além do direito.
Um positivista pode, nessa direção, considerar que os princípios não são
vinculantes, o que é um equívoco. O cidadão tem o direito de que eles sejam levados
em consideração. A obrigatoriedade de uma norma para um juiz ou autoridade
significa que ele deve segui-la, senão estará cometendo um erro305. A parte tem o
direito de que o seu caso seja decidido segundo normas jurídicas vinculativas, aí
incluídos os princípios, e o juiz tem o dever de aplicá-las.
De igual modo, um positivista poderá dizer que, ainda que os princípios
sejam obrigatórios, não podem por si sós determinar uma decisão. Isso, no entanto,
significa apenas que princípios não são regras. Só estas impõem um resultado de forma
peremptória. Os princípios orientam uma decisão num sentido, mesmo que não em
forma conclusiva, e sobrevivem intactos mesmo quando não prevalecem306. A
característica de peso dos princípios não significa que eles não sejam obrigatórios e
que haja espaço para a discrição.
Uma terceira observação de um positivista poderia ser a de que os
princípios são discutíveis por natureza, em seu peso e sua autoridade. É certo que os
princípios não são demonstráveis, mas se pode defendê-los, nesses aspectos, apelando
para práticas, tradições e até mesmo para outros princípios.
A par dessas considerações sobre possíveis argumentos positivistas, há uma
observação decisiva sobre a obrigatoriedade dos princípios. A não ser que se
reconheça alguns princípios como vinculativos para os juízes, tampouco se pode dizer
que as normas são obrigatórias. É o caso da supremacia legislativa e da segurança
jurídica.
Retornando à norma de reconhecimento, Hart considera que as regras
jurídicas são válidas pela promulgação de uma autoridade competente ou, em último
305
Essa observância dos princípios afasta-os da arbitrariedade, como bem ressalta Klaus Günther (GÜNTHER,
Klaus. Teoria da Argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. São Paulo: Landy Editora, 2004,
p. 411): O descobrimento ou a busca por normas implícitas não ocorre de modo arbitrário, nem com uma
intenção legislativa usurpadora. Dworkin insiste para que os juízes não criem novos direitos, mas descubram os
direitos que sempre existiram, ainda que frequentemente de modo implícito. Esta argumentação de Dworkin é
consequente, porque, no âmago, direitos são de natureza moral, portanto inacessíveis à alteração
positivadora...
306
DWORKIN (Op. cit., p. 89).
142
caso, na sua aceitação. O problema é que esse tipo de certificação não serve para os
princípios que atuam sobre casos difíceis como o Riggs. A origem dos princípios não
está em qualquer decisão particular ou num ato legislativo, mas num sentido de
conveniência e oportunidade que, tanto no fórum como na sociedade, desenvolve-se
com o tempo307. É por isso que os princípios não são revogáveis ou rechaçáveis, mas
simplesmente se desgastam.
Referências institucionais são necessárias para se assentir sobre a existência
de um princípio, como exemplos identificados em precedentes, em artigos de lei etc.
Entretanto, não há fórmula para dizer a partir de quando e em que medida um princípio
se converte em jurídico. Para advogar por um princípio é necessário lidar com
inumeráveis padrões cambiantes – que são também princípios – sobre interpretação,
responsabilidade institucional, práticas morais e assim por diante. Isso não pode ser
reunido para formar uma única norma (regra), a de reconhecimento. É que a lista de
princípios é inumerável e exige que o aplicador vá além dos limites do direito,
entrando na moral e na política. Dworkin esclarece:
Se uma teoria do direito tem de proporcionar uma base para o dever judicial, então
os princípios que enuncia devem tratar de justificar as normas estabelecidas,
identificando as preocupações e tradições morais da comunidade que, na opinião
do jurista que elaborou a teoria, fundamentam realmente as normas. Esse processo
de justificação conduz o jurista a aprofundar na teoria política e moral além do que
seria necessário dizer que algum “critério” de “justificação” serve para decidir,
entre duas teorias diferentes de nossas instituições políticas, qual é a melhor.
307
Idem. Ibidem, p. 95.
308
Idem. Ibidem, p. 99.
143
Nos casos fáceis (por exemplo, quando se acusa um homem de violar uma
disposição que proíbe exceder o limite de velocidade), parece correto dizer que o juiz
309
Idem. Ibidem, p. 120.
310
Idem. Ibidem, p. 100.
144
311
Idem. Ibidem, p. 47.
312
Idem. Ibidem, p. 48.
313
Idem. Ibidem, p. 51.
314
Idem. Ibidem, p. 146.
145
315
Idem. Ibidem, p. 158.
316
Idem.Ibidem, p. 152
146
princípios, direitos e pelos limites legais (regras). O problema é que em temas como a
regulação abre-se ao administrador uma esfera de apreciação que diz respeito à
definição de fins coletivos e, portanto, de diretrizes políticas. Em suma, na
Administração, as decisões dizem respeito tanto a princípios, direitos, limites legais
(regras) e diretrizes políticas. É nessa confluência que reside o problema da
justificação, legitimação e controle dos atos administrativos, especialmente os de
regulação.
317
Idem. Ibidem, p. 156. Essa ideia foi desenvolvida de forma mais completa em outra obra de Dworkin – O
Império do Direito – sob a denominação de integridade, que será tematizada mais à frente.
147
318
Idem. Ibidem, p. 159
319
Idem. Ibidem, p. 162.
320
Idem. Ibidem, p. 172.
148
321
Na visão de Dworkin, há forte aproximação entre direitos e princípios. Todavia, com a utilização do vocábulo
direitos, põe-se em relevo seu caráter contramajoritário.
322
Essa ideia também está presente no trecho (DWORKIN, Ronald. Liberalismo, Constituición y Democracia.
Trad. Julio Montero e Alfredo Stolarz. Buenos Aires: Isla de La Luna, 2003, p. 44): Todo funcionário jura
lealdade à Constituição e é assim que tem a responsabilidade de desafiar a vontade popular quando as
garantias constitucionais estão em jogo.
323
DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona: Ariel, 1999, p. 210.
324
A ideia está muito bem expressa por Allard (ALLARD, Julie. Dworkin et Kant. Reflexion sur le jugement.
Bruxelas: Editions de l’Universite de Bruxeles, 2001, p. 122/3): Em verdade, o texto da lei utiliza palavras
149
ambíguas, vagas e abstratas. São as obscuridades linguísticas. Essas obscuridades e confusões são necessárias
ao direito, de modo que se pode aí encontrar a vontade do legislador de deixar aberto o direito (aberto para a
razão prática). É que ‘não podemos localizar na ambiguidade, no vago ou na abstração, numa expressão ou
numas palavras, as dúvidas que nós temos’. Dworkin conclui que “o epíteto ‘obscuro’ é o resultado, mais que a
ocasião, do método que pratica o juiz para interpretar os textos de direito.” O objetivo é deixar o direito aberto
à interpretação, ou seja, às interpretações sucessivas. Em termos kantianos, trata-se de apelar à faculdade de
julgar de todos os membros da comunidade de princípios”.
325
DWORKIN (Op. cit., p. 216).
326
Idem. Ibidem, p. 219.
150
327
Idem. Ibidem, p. 277.
328
A declaração de direitos forma um esqueleto principiológico (DWORKIN, Ronald. Freedom’s Law. The
moral reading of the american constitution. Cambridge: Harvard, 2003, p. 73): Em sua leitura mais clara, o Bill
of Rights estabelece uma rede de princípios, alguns extremamente concretos, outros mais abstratos e alguns de
abstração quase ilimitada. Em conjunto, estes princípios definem um ideal político: eles constroem o esqueleto
constitucional de uma sociedade de cidadãos iguais e livres.
329
De iguais respeito e consideração decorre a igualdade de recursos que pode ser entendida a partir do trecho
(DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. A teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005,
p. 209): Mas a forma igualmente fácil da neutralidade não tem papel nenhum na igualdade de recursos;
pertence a uma versão da concepção diferente que chamei de igualdade de bem-estar. A igualdade de recursos
almeja a neutralidade em outro sentido: pretende que os recursos que as pessoas têm à disposição, com os quais
realizarão planos, projetos ou modos de vida, sejam definidos pelos custos de terem esses e não outros, e não
por qualquer juízo coletivo sobre a importância comparativa das pessoas ou o valor comparativo dos projetos
ou das moralidades pessoais.
151
330
DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona: Ariel, 1999, p. 278.
152
Além dos deveres para com o Estado, o indivíduo tem outros deveres como,
por exemplo, os com a sua consciência331. Em última instância, conduz o indivíduo a
ter o direito de fazer o que julga correto, assumindo os riscos de julgamento e de
punição pelo Estado, em reconhecimento também da existência de um dever para seus
concidadãos.
Uma reflexão sobre o que significa direito, em sentido subjetivo, pode
esclarecer a questão. Quando se diz que alguém tem direito a algo, considera-se que
está errado interferir na sua ação ou, no mínimo, que para justificar tal interferência se
precisa de uma razão especial. Se os direitos individuais, com base moral, são direitos
contra o Estado, o cidadão tem o direito de desobedecer a uma lei ou norma sempre
que firam injustamente seu direito, inclusive valendo-se do acesso à Justiça, mas os
princípios não podem ser amesquinhados com a restrição de seu debate apenas no
Judiciário. O campo dos princípios é amplo, abrangendo a sociedade civil, o
Legislativo, o Executivo e transitando entre as linguagens técnicas, institucionais e
natural. Enfim, os instrumentos judiciais de controle de constitucionalidade não podem
encerrar o debate e a concretização dos direitos.
Se toda vez que uma lei fosse de duvidosa inconstitucionalidade frente a
direitos do indivíduo, fosse ele obrigado a agir como se ela fosse válida, perder-se-ia o
principal meio que uma democracia dispõe de controlar o conteúdo de suas leis. Com
o tempo o direito seria cada vez menos justo e certamente os cidadãos menos livres332.
Os direitos individuais são trunfos333 políticos nas mãos dos indivíduos334.
Os cidadãos têm direitos quando um fim coletivo não é justificação para lhes negar o
que querem ou quando, por questão de princípios, não se lhes justifica a imposição de
uma perda. Essa é uma definição formal de direito, não remetendo a nenhum caráter
metafísico nem mesmo garantindo que se tenham direitos.
331
Idem. Ibidem, p. 279.
332
Idem. Ibidem, p. 312.
333
É interessante observar que a teoria sistêmica também considera os direitos fundamentais como uma
aquisição evolutiva, essencial não só para o indivíduo como para a sociedade (LUHMANN, Niklas. I diritti
fondamentali como istituzione. Bari: Edizioni Dedalo, 2002, p. 294): Essa interdependência torna necessária a
institucionalização de uma pluralidade de direitos fundamentais, que preservam contemporaneamente a
individualidade pessoal, a civilização das expectativas de comportamento, a orientação ao dinheiro da
economia e o fundamento do poder da sua inclusão na esfera de competência do sistema político.
334
DWORKIN (Op. cit., p. 37).
153
335
O giro de perspectiva proposto por Dworkin, ao levar os direitos subjetivos a sério, inclusive os de moral
política, faz com que o princípio de direito administrativo de que o interesse público prevalece sobre o particular
(como exemplo veja-se FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 65) perca o seu sentido. Está muito claro pela sua teoria que o interesse público é a conjugação dos
direitos particulares, que têm prevalência sobre objetivos coletivos, até mesmo como forma de proteger a
minoria da maioria.
336
DWORKIN (Op. cit., p. 292).
154
337
Idem. Ibidem, p. 326.
338
Essa concepção de Dworkin é incompatível com os tradicionais princípios de presunção de
constitucionalidade da lei (como exemplo ver BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2000, p. 391) e de legalidade dos atos administrativos (como exemplo ver FIGUEIREDO, Lúcia
Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 171). Explica-se pelo giro metodológico
por ele empreendido ao reconstruir o Direito e suas instituições a partir dos direitos subjetivos e dos deveres das
autoridades, e não de um sistema de regras ou leis.
155
Se há direitos fortes, algo que tem de ser aceito é que o direito do indivíduo
sobrevive mesmo contra leis e sentenças opostas, que valem como decisões, mas
jamais podem implicar a supressão da possibilidade de o cidadão questionar tais atos,
ainda que apenas no uso de seu direito de livre expressão. Um homem tem, sem
dúvida, o direito de expor suas opiniões de maneira não agressiva.
É parte da tarefa das autoridades definir os direitos por leis, normas e
decisões judiciais, aclarando oficialmente seus limites, inclusive no que se refere à
institucionalização jurídica de seu conteúdo moral. Todavia, há um caminho que deve
ser visto com reservas: o de que se deve buscar um equilíbrio entre os direitos dos
indivíduos e as exigências da sociedade. É algo estabelecido nas retóricas judicial e
política340. A instituição de direitos exigíveis contra o Estado é complexa e difícil e,
certamente, torna mais custoso assegurar o benefício geral.
339
Há uma tensão constitutiva no direito que pode ser apreendida nos títulos de livros como o Faticidade e
Validade de Habermas (HABERMAS, Jürgen. Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri:
Editorial Trotta, 3ª ed., 2001) e Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil de Marcelo Neves (NEVES, Marcelo.
Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006).
340
DWORKIN (Op. cit., p. 294).
156
341
O mesmo ponto de vista pode ser colocado de outra forma (DWORKIN, Ronald. The roots of justice. In.:
WESCHE, Steffen & ZANETTI, Véronique. Dworkin, Bruxelas/Paderborn: Ousia/Verlag, 1999, p.89): O
princípio da igualdade subentende que as comunidades políticas devem tratar seus próprios membros com igual
consideração: nenhuma decisão política é permitida que não possa ser justificada a partir do pressuposto de
que cada cidadão é tão importante, no ponto de vista da comunidade, quanto qualquer outro.
342
DWORKIN (Op. cit., p. 296).
157
respeito aos direitos, embora não vazados em textos legais. Em resumo, o interesse
público e a legalidade são nortes na atividade administrativa, mas os princípios e os
direitos constitucionais são obrigações perante os cidadãos, ainda mais quando se trata
de um exercício de uma competência normativa aberta.
158
343
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 201.
344
Idem. Ibidem, p. 202.
159
345
Idem. Ibidem, p. 216.
346
Idem. Ibidem.
160
347
Idem. Ibidem, p. 217.
348
Idem. Ibidem, p. 229.
349
Idem. Ibidem, p. 230.
350
A constituição de uma comunidade de princípios corresponde à última etapa de evolução da perspectiva
social e da consciência moral, chamada por Habermas, com apoio em Kohlberg, de pós-convencional, demonstra
que, dentre outras características: a busca de princípios de justiça e, em último termo, de procedimentos do
discurso fundamentador de normas, deriva-se da moralização inevitável de um mundo social problemático.
Essas são as ideias de justiça que substituem a conformidade com as funções e as normas na etapa pós-
161
3.3.1 A legitimidade
convencional (HABERMAS, Jürgen. Conciencia moral y acción comunicativa.Trad. Ramón García Cotarelo.
Barcelona: Península, 2000, p 194/5)
351
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 241.
352
Idem. Ibidem, p. 241 e seg.
162
353
Idem. Ibidem, p. 243.
354
Idem. Ibidem, p. 251.
163
355
Idem. Ibidem, p. 252 e seg.
356
Idem. Ibidem, p. 254.
357
Idem. Ibidem, p. 255.
358
Idem. Ibidem, p. 257.
164
regras, mas um sentimento mais verdadeiro, profundo e constante pela política em que
a legislação espelha o conjunto de princípios que adentra a aplicação do direito pela
Jurisdição e pela Administração.
É o modelo do direito como integridade, que não é apenas uma coerência
em que casos semelhantes devem ser tratados de maneira semelhante. A coerência359
que se busca é a da comunidade fraternal de princípios, cujas virtudes a serem
atingidas são a justiça, a equidade e o devido processo legal numa correta proporção. É
aqui que se tem a melhor apresentação da legitimidade de uma associação política.
mais: o principal objeto das interpretações são os princípios. Nas palavras de Dworkin,
raciocinar em termos jurídicos significa aplicar a problemas jurídicos específicos [...]
uma ampla rede de princípios de natureza jurídica ou de moralidade política362.
A história tem grande importância para o direito como integridade. Não se
trata de um resgate de todas as etapas históricas, nem mesmo de um direito que esteja
entrando em desuso. Não se busca uma reconstrução de todas as regras vigentes na
comunidade. Cuida-se de uma retomada horizontal em que direitos e deveres resultam
de decisões coletivas oriundas do passado, que justificam a coerção; e seu conteúdo,
sobretudo, reflete um sistema de princípios.
O ponto de referência do direito como integridade é o presente da
comunidade de princípios. O retorno ao passado ocorre na medida em que a
reconstrução contemporânea dos princípios o exija como condição de possibilidade de
um futuro honrado. As decisões do passado e os princípios que as embasam se
apresentam e se reconstroem continuamente numa visão otimista de que representam
uma possibilidade atraente na prática da coerência de princípios que a integridade
requer. Isso de modo algum exclui o conflito e a divergência que podem constituir
terreno fértil para a elaboração de soluções conforme a integridade, a partir de uma
interpretação imaginativa363.
valor em uma peça ou num poema complexo364. Juízes, ressalta Dworkin, são
igualmente autores e críticos de sua própria obra, o que promove uma comparação
mais fértil na relação literatura e direito com o gênero literário do romance em
cadeia365.
Nesse projeto, um grupo de autores redige um romance em que cada um
interpreta os capítulos anteriores que recebeu para escrever o seu e abre caminho para
o romancista seguinte. Cada um propõe o seu capítulo como o melhor possível para o
romance que está sendo elaborado.
Algo semelhante ocorre com os juízes ou outros aplicadores do direito
quando se dedicam a decidir um caso difícil. Tanto o romancista como os juízes se
dedicam a criar em conjunto apenas um romance unificado, com a melhor qualidade
possível. A obra não se pode apresentar como feita a várias mãos, como na verdade é,
mas deve ser atribuída com fidedignidade a um único autor, como já dito à
comunidade personificada.
A tarefa exigirá uma reflexão sobre elementos como trama, gênero, tema,
objetivos etc. Um bom crítico trabalhará com tais questões de forma sofisticada e
multifacetada, já que um bom romance não comporta apenas uma perspectiva.
Também identificará níveis e correntes de sentido diferentes, mas não apenas um
enfadonho tema.
Duas dimensões apresentam-se, nesse estilo literário, como eixos centrais: a
da adequação e a da justificação. Na da adequação ressalta-se a fluência do texto e um
poder de explicação geral, buscando uma interpretação que apreenda boa parte do
texto, ainda que reconhecendo que ele não pode ser plenamente bem-sucedido e que
algumas partes devem ser abandonadas. Na da justificação, o autor do romance em
cadeia pode encontrar mais de uma interpretação que se ajuste ao texto. Terá de julgar
364
Idem. Ibidem, p. 275. Em outra obra Dworkin é mais explícito sobre a vinculação entre direito e arte
(DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000,
p.249): transmito apenas meu entendimento de que política, arte e direito estão unidos, de algum modo, na
filosofia.
365
A metáfora do romance em cadeia não é casual. Ela reflete as preocupações estéticas da hermenêutica
filosófica que reinsere o juízo e o gosto entre os conceitos guias humanísticos (GADAMER, Hans-Georg.
Verdade e Método. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 76 e seg. e GADAMER, Hans-
Georg. Estética y hermenêutica. Trad. Antônio Gómez Ramos. Madri: Tecnos, 2001, pp. 55 e seg.)
167
quais das duas melhor se adéqua, colocando em jogo seus juízos estéticos mais
profundos sobre as diferentes ideias que o romance poderia expressar.
Embora se fale nesses dois planos, não há como separá-los de maneira
absoluta. Os juízos pessoais do aplicador, que surgem na dimensão da justificação,
devem ser confrontados com a integridade do texto, na adequação, procurando, assim,
a proposta de interpretação que lhe mantenha a coerência. Há entre essas duas
dimensões um jogo circular que busca a coerência e ideais transcendentais como a
justiça e a equidade.
O direito como integridade impele o juiz, ou o aplicador do direito, para que
se considere como um autor na cadeia de sentidos que forma o direito. Outros colegas
decidiram casos afins, e o juiz deve considerá-los como parte de uma longa história a
ser interpretada de acordo com suas opiniões, que expressam a melhor proposta para a
continuidade dessa história.
Dworkin propõe um juiz hipotético chamado Hércules para dar cabo a
missões dessa ordem366. Contudo, ele apenas apresentará as respostas que julgar
melhores no momento da decisão, e sua abordagem sobre os temas que lhe são postos
será mais reflexiva e indagadora do que definitiva.
Hércules emite opiniões sobre adequação que se irradiam numa série de
círculos concêntricos que atravessam as diversas áreas do direito. Então, para tratar de
um caso de danos morais, ele inicialmente circunscreve-se à responsabilidade civil
aquiliana, depois passando à contratual para verificar princípios aproveitáveis e
comuns e assim por diante. Hércules tem uma visão construtiva dessa
compartimentalização, em que as divisões do direito são vistas sob a melhor luz para
solucionar os casos que se lhe apresentam367.
Isso é o reflexo de que os aplicadores do direito que aceitam o caráter
interpretativo do direito como integridade, na decisão de casos difíceis, buscam um
conjunto coerente de princípios que estruturem direitos e deveres a partir da melhor
interpretação da vivência política de sua comunidade e de sua doutrina jurídica. Na
dimensão de adequação, encontram-se limiares oriundos da história política da
366
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 287.
367
Idem. Ibidem, p. 300.
168
368
Idem. Ibidem, p. 305.
369
Idem. Ibidem, p. 306.
169
370
Idem. Ibidem, p. 380
371
Idem. Ibidem, p. 396.
372
CASALMIGLIA, Albert. El concepto de integridad em Dworkin. In: Doxa, p.171. Disponível em
http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=15638&portal=4, acesso em 10.10.2010
170
375
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 454.
172
direitos. Isso equivale a negar a Constituição, que certamente leva os direitos a sério,
não considerando que eles tenham um momento canônico que possa parar no tempo.
De igual modo, é preciso distinguir diretrizes políticas de direitos
individuais para preservar o caráter de trunfo que têm estes últimos em favor do
indivíduo em relação a estratégias coletivas. Embora, nas decisões, preferências e
considerações de bem-estar coletivo tenham de estar presentes, é preciso preservar os
direitos como uma questão de princípio.
Nas questões de princípio, a integridade exige das políticas estatais o
mesmo tom, reconhecendo direitos a todos, sem negá-los a ninguém. Nas questões
políticas isso é mais difuso. O Estado deve tratar as pessoas como iguais, mas isso é
uma diretriz para estratégias, estatísticas e metas. Há um tipo de incoerência que não
se aceita, que é a de conceder benefícios distintos sem critério de discrímen pertinente,
como no caso de subsídios para um agricultor católico.
A igualdade material deve levar o governo a adotar programas que tornam
segmentos e classes mais iguais em termos de riqueza material enquanto grupos, e
assim por diante. As decisões em busca dessas estratégias, julgadas uma por uma, são
questões de política e não de princípios376. É importante perceber que boa parte das
teorias políticas vigentes também reconhece direitos individuais distintos como
trunfos capazes de influenciar essas decisões políticas, direitos que o governo é
obrigado a respeitar caso por caso, decisão por decisão377.
O direito como integridade procura também um equilíbrio entre uma
postura passivista e outra ativista, no que diz respeito à decisão de outros poderes do
Estado sobre direitos e princípios, especialmente os constitucionais. No passivismo,
considera-se que as grandes cláusulas constitucionais são muito genéricas e abstratas.
Por isso, deve-se deixar aos outros poderes, que contam com maior legitimação
democrática, a decisão final sobre os direitos, cabendo ao Judiciário prestar deferência
aos demais poderes e se limitar à mais rigorosa interpretação do texto da lei. Segundo
essa postura, não é tarefa das cortes criar direitos. Na democracia é o povo, por meio
de seus representantes, que deve inovar sobre direitos.
376
Idem. Ibidem, p. 267.
377
Idem. Ibidem, p. 268.
173
378
Uma opinião mais contundente está neste trecho (DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here?.
Principles for a new political debate. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2005 p. 143): Assim,
devemos abandonar a ideia familiar de que a regra da maioria é um procedimento exclusivamente justo de
tomada de decisão, mesmo na política. Em algumas cicunstâncias, como nos casos de salvamento e de
projectos, parece profundamente injusta e, em outros, quando a questão que ela levanta é de se deve haver uma
decisão coletiva sobre algum assunto no seu todo. A regra da maioria não é um método especial para perceber
e alcançar a verdade, e ela não chega nem perto de garantir o equilíbrio do poder político de uma grande
comunidade política com instituições políticas representativas.
174
379
POSTEMA, Gerald J. Integrity: justice in workclothes. In: BURLEY, Justine. Dworkin and his critics with
replies by Dworkin. Malden: Blakwell Publising, p. 293.
380
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 484.
381
Interessa marcar o caráter aproximativo que tem a interpretação com a prudência, como se pode depreender
do seguinte trecho (GRAU, Eros. Direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 32):
Como o direito reclama interpretação – na medida em que apenas desde que interpretado ele se realiza como
jurisprudência prática (pois ele é a jurisprudência prática) – e a interpretação é uma prudência, devo
necessariamente concluir que o direito é uma prudência.
177
382
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 490.
383
HABERMAS, Jürgen. Factidad y Validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Editorial Trotta, 3ª ed.,
2001, p. 277.
178
384
Idem. Ibidem, p. 545.
385
Idem. Ibidem, p. 281.
386
Idem. Ibidem, p. 547.
179
387
Idem. Ibidem, p. 550.
180
já que, no caso dos princípios, não há como se falar apenas numa validação formal
dada a sua fluidez, bem como à de seu conjunto.
O debate sobre o tema também tem como um dos seus pontos de apoio a
distinta estrutura lógica e a sintaxe de princípios e regras, pois é a composição
sintática interna dessas últimas, com hipótese de incidência e sanção, e sua articulação
sistemática a partir de uma norma fundamental ou norma de reconhecimento que
possibilitam a certeza e o cálculo no direito.
Como não poderia deixar de ser, a diferenciação em questão tem
implicações na aplicação de regras e princípios. Os critérios de apartamento entre
princípios e regras serão agregados por suas relações com o conteúdo, a validade, a
sintaxe e a aplicação. Não se pode deixar de notar que as inter-relações entre os
critérios inevitavelmente levarão a redundâncias na sua abordagem, o que não impede
que se enfatizem as nuances diferenciadoras.
Outro ponto muito importante é que a feição bifronte expressada pela
distinção entre princípios e regras no direito é fundamental para que ele possa
funcionar como transformador no contato entre o mundo da vida e os sistemas – poder
administrativo-burocrático e economia. Essa dupla apresentação do direito vai muito
além de uma mera categorização em estudos jurídicos.
3.5.1 O conteúdo
388
ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón prática. pp. 140 e seg. In: Doxa. Disponível
em http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/public/12471730982570739687891/
cuaderno5/Doxa5_07.pdf?portal=4. Acesso em 10.10.2010.
181
389
VIGO, Rodolfo L. Os princípios jurídicos – perspectiva jurisprudencial. Buenos Aires: Depalma, 2000, p.5.
390
Idem. Ibidem, p. 20.
391
HART, H. L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p.111 e seg.
182
3.5.1.2 A matéria
392
DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio. Barcelona: Ariel, 1999, p. 72.
393
HABERMAS, Jürgen. Faticidad y validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Trota, 2001, p. 278.
394
LARENZ, Karl. Derecho justo. Madri: Civitas, 1985, p. 36.
183
395
VIGO (Op. cit., p. 15).
396
ALEXY (Op. cit., p. 144).
397
Kelsen dá a seguinte noção de sistema dinâmico (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armênio
Amado, 1974, p. 271): O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter
por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade
legisladora ou – o que significa o mesmo – uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais
e as individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental.
184
3. 5.1.6 A interação
398
ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mite. Turim: Einaudi, 2005, p. 148.
399
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado, 1974, p.
263.
400
HART. H. L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p. 111;
401
ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gediz, 1997, p. 170.
185
3.5.1.8 A linguagem
3.5.2 A identificação
3.5.2.1 A origem
402
FIGUEROA, Alfonso García. Principios y positivismo jurídico. Madri: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 1998, p. 137.
403
DWORKIN, Ronald M. Los derechos en serio. Barcelona: Ariel, 1999, 95.
186
3.5.2.2 A validade
404
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. 3ª ed. Coimbra: Armênio Amado — Editor, sucessor,
1974, p. 267 e seg.
405
HART, H. L. A.. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p. 111 e seg.
406
Uma noção sobre a validade formal pode ser extraída deste trecho (KELSEN, op. cit., p. 267): O fundamento
de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o
fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto
com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior.
407
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007, p. 275.
187
3.5.2.3 A especificação
3.5.2.4 A derrogação
As regras podem ser revogadas por outras, seja pelo critério da superior, da
posterior ou mesmo da específica. Num sistema de regras é possível estabelecer
critérios de pertinência ao sistema, o que permite verificar a inclusão ou a exclusão de
uma regra.
Os princípios, no máximo, desgastam-se. Eles são sobretudo razões e
argumentos que retiram a sua validação do seu potencial de convencimento e da sua
força de gravidade. De mais a mais, um princípio que, em determinado contexto
acabou por excluído, pode ressurgir como decisivo em outro.
3.1.2.5 A localização
3.5.2.6 A demonstração
3.5.2.7 A fundamentação
408
DWORKIN. Los Derechos en Serio. Trad. Marta Gustavino. Madri: Ariel, 1999, p. 162.
409
ESSER, Josef. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Barcelona: Bosch,
1961, p. 169.
189
3.5.3 A sintaxe
3.5.3.2 A colisão
Havendo colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida ou
se deve criar uma exceção. É uma dimensão formal que decorre do caráter de tudo ou
nada típico da aplicação das regras.
No caso dos princípios, ainda que apontem em direções opostas, coexistem
e devem ser considerados na sua dimensão de peso na compatibilização com outros
princípios.
410
LARENZ, Karl. Derecho justo. Madri: Civitas, 1985, p. 32 e seg. e Idem. Metodología de la ciencia del
derecho. Barcelona: Ariel, 1980, pp. 418 e 465.
411
Diante da introdução de uma terceira categoria por Dworkin, ao lado dos princípios e das regras, a de
diretrizes políticas, o caráter teleológico não tem sentido para os princípios. A distinção está explicitada no item
3.2.2.
190
3.5.3.3 A sanção
3.5.4 A aplicação
3.5.4.1 A determinação
Alexy considera que princípios são argumentos prima facie, e regras são, se
não houver o estabelecimento de alguma exceção, razões definitivas418. Os princípios
devem ser colocados lado a lado para então surgir a possibilidade de edição de uma
solução para a controvérsia. A regra determina peremptoriamente a solução do caso
quando aplicável sua hipótese de incidência.
412
ATIENZA, Manuel & MANERO, Juan Ruiz. Sobre principio y reglas. p. 108. In: Doxa. Disponível em
http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/public/12482196462352624198846/cuaderno10/
doxa10_04.pdf?portal=4. Acesso em 10.10.2010.
413
RICOEUR, Paul. O justo ou a essência da justiça. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 149.
414
DWORKIN, Ronald M. Los derechos en serio. Barcelona: Ariel, 1999, p. 77.
415
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo Malheiros, 2004, p.68.
416
Idem. Ibidem.
417
RICOEUR (Op. cit., p. 149).
418
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 106.
192
3.5.4.4 O cumprimento
3.5.4.5 As funções
419
ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gediz, 1997, p. 162.
420
BOBBIO, Norberto. Principi generali di diritto. In: Novissimo digesto italiano, v. XIII, 1966, p. 865.
193
421
Funções de acordo com a classificação proposta por Hart (HART, H. L. A. O conceito de direito. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p. 103).
194
422
COING, Helmut. Elementos fundamentais de filosofia do direito. Trad. Elisete Antoniuk. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p.90.
423
Kelsen dá a seguinte noção de sistema dinâmico (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armênio
Amado, 1974, p. 271): O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter
por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade
legisladora ou – o que significa o mesmo – uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais
e as individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental.
424
LARENZ, Karl. Metodología de la ciencia del derecho. Barcelona: Ariel, 1980, pp. 39 e seg.
195
425
Idem. Ibidem, p. 309 e seg.
196
426
LARENZ, Karl. Derecho justo. Madri: Civitas, 1985, p. 36.
197
427
É o que se depreende da distinção entre questões sensíveis à escolha e questões insensíveis à escolha de
Dworkin (A virtude soberana. A teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 281): No entanto é
essencial notar uma distinção importante entre dois tipos de classes de decisões políticas: as que envolvem principalmente o que
chamarei de questões sensíveis à escolha e as que envolvem principalmente as questões insensíveis à escolha. As questões sensíveis
à escolha são aquelas cuja solução correta, por questão de justiça, depende essencialmente do caráter e da distribuição de
preferências dentro da comunidade política. A decisão de usar fundos disponíveis para construir um novo centro esportivo ou um
sistema rodoviário é, tipicamente, sensível à escolha. Embora possam surgir diversas questões nessa decisão, das questões de
justiça distributiva às de políticas adequadas para o meio ambiente, as informações sobre quantos cidadãos querem ou estão
dispostos a usar ou serão direta ou indiretamente beneficiados com cada uma dessas obras rivais são nitidamente relevantes e
podem muito bem ser decisivas. A decisão de matar assassinos condenados ou proibir a discriminação racial no trabalho, por
outro lado, é insensível à escolha. Creio que a decisão correta nessas questões não depende, de maneira substancial, de quantas
pessoas querem ou aprovam a pena capital ou acham injusta a discriminação racial. Acredito que o argumento contra a pena
capital é tão forte na comunidade em que a maioria dos membros é a favor dela quanto na comunidade em que o povo se revolte
contra ela.
199
Até que ponto, hoje, pode-se falar em liberdade? Está aí uma pergunta
inquietante para um mundo crescentemente mais regulado428 numa sociedade
fracionada e inflada com discursos de especialistas. A conformação industrial da
sociedade inibe possibilidades emancipatórias num mundo progressivamente
burocratizado429. A regulação não traz apenas problemas teóricos, mas questões
práticas, de conteúdo moral, profundamente importantes para o compreender na
sociedade contemporânea. Esse tema é talvez um dos eixos centrais pelos quais se
estrutura a tensão entre teoria e prática. Nas palavras de Gadamer430:
Estou convencido de que a tensão entre teoria e prática tampouco vai desaparecer
num mundo de regulações, planificações e burocratização progressiva, de modo que
creio que vale a pena refletir sobre como a vida vai buscando suas próprias vias
entre a regulação e os espaços de liberdades que escapam a ela.
428
GADAMER, Hans-Georg. Acotaciones hermeneuticas. Madri: Editorial Trotta, 2002, p. 18.
429
Idem. Ibidem, pp. 63/4.
430
Idem. Ibidem, p. 13.
201
431
Idem. Ibidem.
432
Idem. Elogio de la teoria. Barcelona: Península, 2000, p. 63.
433
Autonomia que pode ser compreendida positivamente a partir da lei fundamental da razão pura prática, em
Kant: age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de
uma legislação universal (KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 42)
202
434
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Extraordinário n.º 511.961. DJ n.º 213 de
13.11.2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24
%2ESCLA%2E+E+511961%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+511961%2EACMS%2
E%29&base=baseAcordaos. Acesso em fevereiro de 2011. Voto do Ministro Gilmar Mendes, p.24.
204
435
Idem. Ibidem, p. 27.
436
Idem. Ibidem, p. 30.
437
Idem. Ibidem, p.30.
205
438
Idem. Ibidem, p. 36.
439
Idem. Ibidem, p. 41.
206
jornalismo. Deduziu-se que isso seria uma limitação aos não inscritos, de exercerem
em toda sua amplitude um direito garantido a todo ser humano da referida Convenção
– a livre expressão – gerando uma infração da ordem pública democrática sobre a qual
se fundamenta a própria Convenção. Até mesmo porque o bem comum, dentro de tal
contexto, refere-se a condições da vida social que permitiriam aos indivíduos alcançar
o maior grau de desenvolvimento pessoal e de positivação dos princípios
democráticos.
Dentro de uma sociedade democrática devem garantir-se as maiores
possibilidades de divulgação de notícias, ideias e opiniões. Essa é uma base primária
da democracia, que não é viável sem o debate livre e sem a franca manifestação dos
insatisfeitos e dos oposicionistas. O jornalismo não pode ser atividade exclusiva de um
grupo da sociedade, sob pena de violar o direito do indivíduo de buscar e difundir
informações por qualquer meio e ainda o direito da comunidade de receber a
informação sem travas. Não se trata, como noutras profissões, de aplicação de
conhecimentos específicos aprendidos em universidades, mas de exercício da
liberdade de expressão.
O relator conclui que, a exemplo do Decreto-Lei n.º 911/69, o Decreto-Lei
n.º 972/69 foi editado sob a égide do Ato Institucional n.º 5, de 1968. Ficou claro,
então, que a exigência de diploma de curso superior para exercício da profissão tinha
como objetivo afastar dos meios de comunicação artistas, políticos e intelectuais que
compusessem a oposição ao regime. Isso reforça a inadequação das restrições previstas
no decreto-lei em questão a um Estado Democrático de Direito. Daí concluir-se por
sua inconstitucionalidade.
Das declarações de votos que aderiram ao relator, vale a pena ressaltar,
como ponto relevante para análise do tema, trecho do voto do Ministro Ricardo
Lewandowski: a faculdade de restringir tais liberdades [trabalho, ofício e profissão],
que o constituinte delegou ao legislador ordinário, dirige-se às atividades cujo
exercício exija conhecimentos técnicos específicos, o que não é o caso do
jornalismo440. Em sentido semelhante manifestou-se o Ministro Cezar Peluso, ao
defender que as qualificações especiais e a regulação da profissão têm sobretudo sua
440
Idem. Ibidem. Voto do Ministro Ricardo Lewandoski, p. 1.
208
constituídas, que limitam até mesmo o legislador. Mesmo no caso de reserva legal
qualificada haveria um dever implícito para o legislador, que seria o de estabelecer
limites razoáveis e proporcionais em face do núcleo do direito em questão. Noutros
termos, o princípio da supremacia da legislação exige conjugação e aplicação
complementar com outros princípios, não sendo a reserva legal uma autorização em
aberto para o legislador.
Esse raciocínio é interessante, pois coloca limites até mesmo para a
regulação autorizada em sede constitucional para o legislador. Ora, a conclusão para os
casos de exercício da regulação no âmbito da Administração é muito clara. Se mesmo
para o legislador os direitos constitucionais constituem um limite imediato para o
exercício da atividade normativa, com mais razão constituem também restrições
imediatas para o Executivo. Em resumo, qualquer atividade reguladora é exercida
imediatamente frente à Constituição, estando o sentido das regras administrativas
subordinado à comunidade de princípio à qual devem respeitar.
Outra decorrência dessa verificação é a de que âmbitos de liberdades e de
emancipação, inerentes aos direitos, interpõem-se em qualquer atividade reguladora do
Legislativo ou do Executivo. A regulação deve respeitar espaços gerados a partir das
argumentações de moral política inerentes aos princípios, o que tem como decorrência
um debate não centralizado apenas nos papéis sociais de consumidor e clientes, mas no
de cidadão e de seus correspondentes direitos. Os direitos levados a sério são trunfos
principalmente na regulação.
Essa ideia é reforçada quando se diz que o jornalismo não pode ser objeto
de regulação quanto ao acesso à profissão e ao respectivo exercício e que não se
poderia criar uma autarquia de regulamentação profissional como decorrência dos
direitos de expressão, de informação e de comunicação. Essas liberdades constituiriam
fronteiras que inibiriam totalmente qualquer atividade de produção de regras prévias
nesse âmbito.
Outro ponto a ser destacado é o de que vários ministros insistiram que a
regulação da profissão de jornalista só se justificaria diante de qualificações e
conhecimentos técnicos específicos e de verdades científicas. Nesse precedente, está
muito claro que um marco regulador, com regras de origem legal e administrativa,
210
4.2.1 O caso
agência teria editado a Resolução n.º 85/98 para definir o que seria área local, isto é,
uma área geográfica contínua delimitada segundo critérios técnicos e econômicos,
devendo ainda serem levados em consideração: a) o interesse econômico, b) a
continuidade urbana, c) a engenharia das Redes de Telecomunicações; d) as
localidades envolvidas. Com base em toda essa normatização regulatória e em outras
considerações, o STJ considerou que a cobrança do serviço local de telefonia não
levaria em conta apenas critérios político-geográficos, mas também análises de custo-
benefício com base no contrato de concessão.
O tribunal superior julgou, ainda, tratar-se de matéria técnica, alheia ao
Judiciário, que apenas criaria embaraços à qualidade dos serviços prestados pelas
concessionárias se interviesse nesse âmbito. De forma ainda mais incisiva o relator,
Ministro João Otávio de Noronha, recusou o controle do tema:
Além disso, não concebo como se possa interferir de forma tão radical em um setor
de tamanha complexidade e sensibilidade como é o das comunicações com base em
mera presunção de que a prestadora de serviços dispõe, na área questionada, de
uma adequada engenharia de rede de telecomunicações.
445
HABERMAS, Jürgen. Faticidad y validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madri: Trota, 2001, p. 319.
215
4.3.1 O caso
446
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Extraordinário n.º 349.686. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261185DJ de 07.08.2005. Acesso em:
fevereiro de 2011.
216
447
TÁCITO, Caio. Temas de direito público (estudos e pareceres). Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 521/2.
217
timbre autoritário, o que leva a que alguns autores se refiram, em seu lugar, à polícia
administrativa448.
Marcello Caetano449 o considera como um modo de atividade
administrativa, ao lado dos serviços de utilidade pública. Há um contraste entre eles.
Os serviços de utilidade pública abrangeriam prestações, enquanto poder de polícia
seria um sistema de restrições que imporiam uma série de deveres de abstenção. Esse
sistema de interdições não tem caráter apenas de negatividade, já que condiciona450 a
liberdade e a propriedade, com base na lei, permitindo a definição dos contornos dos
direitos respectivos451. Nesse âmbito, a atividade desenvolvida é fiscalizadora,
preventiva e repressiva, podendo se expressar em atos administrativos normativos e
em atos materiais.
Tradicionalmente fala-se que o poder de polícia visa a assegurar a ordem
pública452ou a evitar danos sociais453. Ocorre que, num Estado Democrático de
Direito, é mais adequado, em respeito ao princípio da legalidade, falar-se em
satisfação de interesses sociais previstos em lei. Áreas clássicas de sua incidência
seriam a ordem, a segurança e a saúde pública, mas, em razão da importância do
sistema econômico, também a economia passou a ser objeto do poder de polícia454.
Com o advento do Estado Social, essa noção de poder de polícia,
consistente sobretudo em deveres de abstenção e interdições condicionadoras da
liberdade e da propriedade em prol de finalidades sociais previstas, ficou por demais
estreita. A regulação significa um passo além do poder de polícia, com a inserção de
prestações e deveres ativos aos agentes regulados, para produzir e distribuir utilidades
448
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 11.
449
CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo. Coimbra: Livraria Almedina,
1996, p. 268.
450
Celso Antônio Bandeira de Mello define a Polícia Administrativa como a atividade da Administração
Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e
na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação, ora fiscalizadora, ora preventiva,
ora repressiva, impondo coercivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de
conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo. (MELLO, Celso
Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 221)
451
É interessante marcar que os limites definidos pelo poder de polícia à liberdade e à propriedade são condições
de possibilidade para o estabelecimento dos direitos respectivos, como desenvolve Alessi (ALESSI, Renato.
Sistema instituzionale del diritto amministrativo italiano. Milão: Dott. A. Guiffrè, 1960, p. 526).
452
LAUBADÈRE, André de. Traité de droit administratif. Paris: Librairie Générale de Dorit et de
Jurisprudence, 1976, p.589.
453
CAETANO (Op. cit., p. 269).
454
TÁCITO (Op. cit., p. 526).
218
sociais, bem como para atingir um equilíbrio econômico de alto nível, com redução do
desemprego e crescimento. O campo próprio da regulação é o da atuação do Estado na
economia e o da gestão e distribuição de bens e serviços pela Administração. Daí,
falar-se em poder de polícia em relação ao controle de atividades econômicas, como o
fez o precedente em questão, embaça a inserção de agentes privados nas políticas
prestacionais típicas do Estado Social.
455
DAHL, Robert. Sobre a democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 175.
456
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade: função social e abuso de poder econômico. São
Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 270.
457
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000,
p. 271.
219
458
RAWLS, John. O liberalismo político. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000, p. 319/320.
459
Hunt, acertadamente, considera que todos os problemas caros aos economistas envolviam compromissos com
questões morais, políticas, sociais e práticas, mesmo que encobertas. (HUNT, E. K. História do pensamento
econômico. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989, p. 22)
460
LOPES (Op. cit., p. 275).
461
LUHMANN, Niklas. Law as social system. Oxford/Nova Iorque: Oxford University Press, 2009, p. 383.
220
4.4 A ortotanásia
4.4.1 O caso
463
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução 1.805/2006. D.O.U. de 28.11.2006, Seção I, p. 169.
222
Foi proposta pelo Ministério Público Federal ação civil pública contra o
Conselho Federal de Medicina, com pedido de tutela antecipada, questionando a
resolução em questão. O fundamento foi o de que a autarquia ré não poderia regular
como conduta ética permitida algo que é tipificado como crime. Em sede liminar, a
antecipação de tutela foi deferida464 com base nos fundamentos aduzidos pelo Parquet.
Contestada e instruída a ação, o próprio Ministério Público, ao lado do
Conselho Federal de Medicina, pugnou pela improcedência do pedido. Na sentença, o
mesmo juiz que prolatara a decisão liminar suspendendo os efeitos da resolução em
comento acolheu integralmente a manifestação final do Ministério Público, julgando-a
lícita.
Após algumas considerações, a sentença, transcrevendo a petição da
Procuradoria da República, apresentou os seguintes conceitos465:
Considera-se eutanásia a provocação da morte de paciente terminal ou portador de
doença incurável, através de ato de terceiro, praticado por sentimento de piedade.
Na hipótese, existe doença, porém sem estado de degeneração que possa resultar
em morte iminente, servindo a eutanásia para, justamente, abreviar a morte por
sentimento de compaixão.
[...]
Já a distanásia é o prolongamento artificial do estado de degenerescência. Ocorre
quando o médico, frente a uma doença incurável e/ou mesmo à morte iminente e
inevitável do paciente, prossegue valendo-se de meios extraordinários para
prolongar o estado de mortificação ou o caminho natural da morte. A distanásia é,
frequentemente, resultado da aplicação de meios não ortodoxos ou usuais no
protocolo médico, que apenas retardarão o momento do desenlace do paciente, sem
464
BRASIL. 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Decisão no processo n.º
2007.34.00.014809-3. Disponível em: http://www.jfdf.jus.br/inteiro_teor/doc_inteiro_teor/14vara/2007.34.00.
014809-3_decisao_23-10-2007.doc. Acesso em fevereiro de 2011.
465
BRASIL. 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Sentença no processo n.º
2007.34.00.014809-3. Disponível em: http://www.jfdf.jus.br/inteiro_teor/doc_inteiro_teor/14vara/
2007.34.00.014809-3_sentenca_03-12-2010.doc. Acesso em fevereiro de 2011. pp. 3/5.
224
Após tais conceituações, com base nos professores Luiz Flávio Gomes e
Luís Roberto Barroso466 e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
liberdade, que garantiriam também uma morte digna, considerou-se não haver
resultado penal desvalioso na ortotanásia, o que excluiria eventual crime de homicídio.
Também a omissão de socorro estaria descartada já que nesta modalidade de
acompanhamento médico há assistência para o bem-estar físico, social, mental e
espiritual do paciente. A sentença ressaltou, ainda, a existência de leis que positivam a
autonomia do paciente, como o art. 15 do Código Civil, o art. 7º, III, da Lei n.º
8.080/90 e também da Portaria n.º675/GM, de 20 de março de 2006 – Carta dos
Direitos dos Usuários da Saúde.
Ultrapassando o ponto de vista penal, a sentença observou que a resolução
em comento tratava de regulação do ato médico quanto a princípios regentes da
profissão (autonomia, beneficência, não maleficência etc.). Ressaltando que esse
regramento insere-se no ramo de medicina paliativa, expôs o significado de tais
princípios na medicina:
O princípio da autonomia reclama o envolvimento consciente do paciente no
processo terapêutico e propugna o respeito a suas decisões.
[...]
Quanto ao princípio da beneficência, é intuitivo concluir que compete ao médico
fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para melhorar as condições de vida do
paciente. Mesmo que determinado tratamento possa lhe causar sofrimento, se
466
Idem. Ibidem. pp. 5/6
225
467
Idem. Ibidem. p. 11.
468
p. 15 Idem. Ibidem.
226
Conclusão
normalização constante e permanente. Nessa linha, o que se apresenta são leis quadros,
que fixam objetivos a serem atingidos de forma ampla e fluida.
Essa abertura oferece risco a vários princípios republicanos, como a
isonomia, a liberdade e a sua densificação em leis genéricas, abstratas, impessoais. É
uma completa transformação. À generalidade da incidência da Lei, a regulação
contrapõe papéis sociais delimitados como destinatários, tais como fornecedores,
clientes e consumidores de um mercado específico. A impessoalidade, por sua vez,
passa a significar a relação de um cliente com a burocracia. A abstração vincula-se a
uma linguagem especializada de conteúdo técnico-científico que coisifica o cidadão ao
agrupá-los em categorias vinculadas à burocracia.
Essa irrupção de forças que remete ao dito “Estado Regulador”
evidentemente implica deslocamento do eixo de produção normativa por parte do
Poder Público, passando a atividade legislativa a concorrer com uma massa de atos
administrativos normativos numa microfísica do poder. Todavia, acompanha essa
mudança de ênfase um incremento de risco de exercício ilegítimo do poder de coerção
organizado do Estado. Isso, sem dúvida, remete a uma análise da regulação como
fenômeno de instrumentalização do direito, com potencial efeito degenerador.
Nessa linha, a regulação pode ser entendida a partir de duas categorias de
distribuição de poderes pretensamente legítimos na sociedade. Dois grandes sistemas
de estudos do poder opõem-se. Um primeiro deita raízes nos sistemas dos filósofos do
século XVIII. O contrato é a matriz do poder político, em que os indivíduos cedem
parte de suas liberdades para constituir uma soberania. A opressão está no
rompimento de um acordo, na ultrapassagem de seus limites. Uma segunda forma de
exercício de poder baseia-se na repressão não mais como desrespeito a um contrato,
mas, ao contrário, como simples continuação de dominação pelo poder disciplinar.
Nos séculos XVII e XVIII emerge uma nova mecânica de poder, incompatível com o
foco exclusivo nas relações de soberania. Era uma outra forma que incidia antes sobre
os corpos dos indivíduos que sobre a terra e seu produto, buscando extrair mais tempo
e trabalho pelo exercício da vigilância com vistas a uma produção lucrativa. Define-se
aí uma nova economia, baseada no crescimento das forças sujeitadas e na eficácia do
que as sujeita.
235
As autoridades, por sua vez, não podem praticar atos arbitrários com
poderes ilimitados, o que leva a concluir que os princípios são normas jurídicas
vinculativas e que elas têm o dever de aplicá-los para respeitar os direitos envolvidos.
É certo que a Administração tenha de se pautar pelas regras oriundas da Lei, mas não
menos correto é que deve observar princípios jurídicos e realizar diretrizes políticas.
Mais claramente, ao lado da aplicação da lei de ofício e da salvaguarda de interesses
públicos, as autoridades têm compromissos também com o respeito aos princípios e
seus decorrentes direitos.
A Constituição contém uma declaração de direitos e princípios, inclusive
com caráter contramajoritários, para tanto utilizando uma linguagem supostamente
vaga. Melhor que considerar os conceitos subjacentes como vagos é reconhecer sua
abertura para questões de moral política que colocam em jogo diversas concepções
para decidir a que melhor se amolda à constelação de princípios.
Não só o Judiciário tem de se submeter a tais discussões de moral política
inerentes à Constituição. Também a Administração deve deparar-se com tais questões,
principalmente no caso do exercício do poder regulador e da capacidade normativa de
conjuntura, em que se põe a lei autorizadora em termos abertos, estando por isso
necessariamente conectada ao eixo norteador formado pela constelação de direitos,
princípios e diretrizes políticas.
O caráter de argumentação dos direitos e princípios faz com que, mesmo no
caso de uma Suprema Corte, não se possa afirmar de modo peremptório que sua
decisão sobre determinado tema seja a correta, impedindo a evolução da discussão
para os casos subsequentes. Os direitos têm abertura interpretativa por sua própria
natureza, inserindo temas de moral política no debate jurídico. Dado isso, é inevitável
que todas as autoridades tenham, numa democracia, de se confrontar com intrincadas
questões em torno dos direitos. Isso, no entanto, não as exime da obrigação de
respeitá-los, procurando levá-los a sério, como é seu dever, atuando de maneira a
explicitar uma teoria coerente e concretizando uma prática institucional congruente
como forma de densificá-los, em que pese a sobrecarga que o caráter aberto dos
direitos constitucionais lhe imponha para cumprir a sua missão.
239
Obviamente não se trata de um cheque em branco para os entes reguladores. A Lei traz
limites, conformações e diretrizes, expressando o direito como integridade. As
agências estão inseridas em idêntica comunidade de princípios revelada pela Lei, mas
não contam com a legitimação pelo sufrágio. Por isso, a necessidade de um esforço
mais fidedigno para revelar regras que correspondam adequadamente e
justificadamente a um conjunto coerente de princípios e acurado de diretrizes políticas.
Os entes reguladores são intérpretes da Constituição e das Leis. Não lhes cabe
emendá-las. O campo de ação dos entes reguladores, sob o ponto de vista da
integridade, é o dos direitos e das diretrizes políticas definidas por Lei e pela
Constituição.
É dizer, as agências reguladoras cuidam de oportunidades de acesso a
mercados, da normalização das condições de seu funcionamento e da distribuição de
utilidades (public utilities) com vistas à manutenção de eficiência que possibilite
contínuo crescimento da economia e justa distribuição de bens. Obviamente, não é
apenas uma questão de direitos e de princípios. Outros diversos fatores têm de ser
considerados por imperativos de ordem científica, técnica, econômica, política etc.
Contudo, ao se valerem do direito como meio para realizá-los, o respeito à integridade
faz-se necessário com a busca de uma coerência nas diretrizes políticas relacionadas a
esses diversos fatores e também com a devida fidedignidade à comunidade de
princípios, que exige sofisticação e reflexão de seus aplicadores.
O direito tem uma feição bifronte, em que se apresenta como instrumento
conectado aos sistemas econômico e político-burocrático e como instituição vinculada
ao mundo da vida, em que circulam discursos ético-morais. Para realizar a tradução e a
articulação dessas esferas, o direito se vale de um tríplice sistema de regras que
favorece um conjunto de diretrizes políticas e respeita uma comunidade de princípios.
A atividade regulatória tem-se desenvolvido sobretudo no eixo das regras para
satisfação de demandas sistêmicas oriundas de uma sociedade de especialistas.
Ainda no que diz respeito ao eixo das regras, a comunicação promovida
pelo direito torna-se audível pelos sistemas em razão de sua coercibilidade, de sua
calculabilidade, de sua dinamicidade, de sua artificialidade, de sua linguagem e de sua
hierarquização. Todavia, essas mesmas características têm elevado poder deletério em
241
relação ao mundo da vida por sua instrumentalização. Daí a importância dos princípios
dotados de conteúdo de moral política e indutores de agregação, de reflexividade, de
universalidade, de argumentação, de coerência, de perenidade, de complementaridade,
constituindo uma metalinguagem com elevado poder de legitimação. Por último, no
eixo das diretrizes políticas de caráter teleológico e utilitário se formam ordens de
preferências para o atingimento de finalidades coletivas por decisões da comunidade
ou, mais especificamente, de suas autoridades, o que leva a uma grande instabilidade e
variabilidade na seleção desses objetivos, que pode ser amenizada com a vinculação
aos princípios num processo argumentativo em que se procure justiça e coerência.
A abordagem da regulação a partir de casos concretos visou a um
fechamento do trabalho com reflexões de razão prática que pudessem evidenciar os
espaços de liberdade e emancipação que cercam o tema. No Recurso Extraordinário n.º
511.961 merece destaque o estabelecimento de um núcleo para o direito de livre
exercício profissional, que implica limitações até mesmo para o exercício de uma
reserva qualificada pelo legislador, o que permite concluir que qualquer atividade
regulatória está imediatamente vinculada e referida aos direitos e seus princípios, que
reservam ao cidadão espaços de liberdade oriundos de argumentações de moral
política. Em contraste, o Recurso Especial n.º 572.070 evidenciou os riscos da
assunção instrumental dos discursos de verdade técnica das agências reguladoras para
a realização do Estado Democrático de Direito, já que, por imperativos de ordem
econômica e burocrática, deixou-se de debater o caso a partir de regras e princípios
jurídicos. O Recurso Extraordinário n.º 349.686 permitiu ressaltar que inerente à
análise jurídica da regulação está a abordagem de uma comunidade de princípios e de
diretrizes políticas coerentes de caráter econômico e social que não se compatibilizam
com uma concepção amorfa e definidora de deveres negativos pelo poder de polícia. O
último caso sobre a regulação da ortotanásia pelo Conselho Federal de Medicina
mostrou a capacidade crítica e reflexiva dos princípios que, com sua abertura,
permitem extrair regras legítima e fundamentadamente a partir da conjugação de
saberes morais, éticos, religiosos, técnicos, científicos e jurídicos.
Uma abordagem principiológica do direito pode abrir acessos para suavizar
o tecnicismo e os excessos burocráticos da pletória normativa de cada setor fiscalizado
242
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