Você está na página 1de 44

FMUSP

COMPLIANCE
PARA MÉDICOS
FMUSP/HC/FZ/FFM

Secretaria de Saúde
22

GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO


João Doria
SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE
Dr. Jean Carlos Gorinchteyn
HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP
CONSELHO DELIBERATIVO PRESIDENTE
Prof. Dr. Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho
VICE-PRESIDENTE
Prof. Dr. Roger Chammas
MEMBROS TITULARES MEMBROS SUPLENTES
Profa. Dra. Eloísa Silva Dutra de Oliveira Bonfá Prof. Dr. Edivaldo Massazo Utiyama
Prof. Dr. Giovanni Guido Cerri Prof. Dr. Wagner Farid Ga�az
Prof. Dr. Luiz Augusto Carneiro D’Albuquerque Prof. Dr. Uenis Tannuri
Prof. Dr. Edmund Chada Baracat Profa. Dra. Ana Cláudia Latronico Xavier
Prof. Dr. Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho Prof. Dr. Paulo Marcelo Gëhm Hoff
Prof. Dr. Alberto José da Silva Duarte Profa. Dra. Linamara Rizzo Ba�stella
Prof. Dr. Fábio Biscegli Jatene Prof. Dr. Gilberto Luis Camanho
DIRETORIA CLÍNICA
Profa. Dra. Eloísa Silva Dutra de Oliveira Bonfá
Prof. Dr. Edivaldo Massazo Utiyama
SUPERINTENDÊNCIA E CHEFIA DE GABINETE
Eng. Antonio José Rodrigues Pereira
Dra. Elizabeth de Faria
3

EXEMPLOS DAS ORIENTAÇÕES CONTIDAS NA CARTILHA


Relações com a Patrocínio direto Prêmio por prescrição Patrocínio à Instituição/Divisão
Indústria
Tirar ou compartilhar foto de Postagens/aulas com paciente Discussão de caso em grupo fechado e só com
Sigilo médico pacientes identificável médicos

Publicidade Fotos com paciente ou antes/ Propagandas, preços ou pro- Postagem educativa/científica
depois moções
médica
Fora do Guia Farmacêutico HC Em papel alheio ao do HC Off label de medicações padronizadas
Prescrições

Falta de termo ou com informa- Mediante pressão de Livre, esclarecido, e revogável


Consentimento do ções incompletas qualquer tipo
paciente

Identificação corretamente e Feito com compartilhamento de Fornecimento de cópias


completo logins Ao pct. | Solicit. Judicial | outros
Prontuário (inclusive polícia)

Entre cirurgiões e anestesia Entre médicos que cuidam do Entre profissional e


Responsabilização
paciente Residente | interno
em conjunto
(solidária) Depende

Uso de jalecos e Na rua ou vias internas de Em lanchonete/restaurantes Em ambulatórios/enfermarias/CC


pijamas cirúrgicos circulação do HC

Receber ou ter em posse no HC Fornecer a pacientes no HC Em sua clínica particular


Amostras grátis

Caso de estupro ou risco de vida Condições incompatíveis com Exigir BO | Denunciar à polícia
materno, ou caso de anencefalia a vida
Aborto Legal (é crime de violação
(mediante autorização judicial) e sigilo e antiético)
44

SUMÁRIO
Introdução ......................................................... 4 9) Responsabilidade médica ............................. 23
1) Conflito de interesses .................................... 5 9.1. O que é culpa?........................................ 23
2) Sigilo médico ................................................. 6 9.2. Dever de garante .................................... 24
3) Os atestados médicos .................................. 7 9.3. Equipe e preceptoria .............................. 25
4) Publicidade médica ....................................... 10 10) Telemedicina .............................................. 28
5) Papel do médico na judicialização ................ 11 11) O processo ético-profissional ..................... 30
6) Usos off label ................................................. 12
12) Os processos judiciais ................................. 31
7) Relação com os pacientes ............................ 13
13) Outros cuidados gerais ............................... 33
7.1. Boa comunicação ................................... 13
13.1. Uso do jaleco ....................................... 33
7.2. Agressão por pacientes ........................... 14 13.2. Imunização dos profissionais da saúde. 34
7.3. Consentimento ........................................ 15 13.3. Entrega de amostras grátis ................... 35
7.4. Assédio contra pacientes ......................... 16 13.4. Relações com o poder público ............. 36
7.5. Alta a pedido ........................................... 17 13.5. Deveres de notificação ......................... 37
7.6. Gravação de consultas ............................. 18 13.6. Aborto Legal ......................................... 38
8) O prontuário ................................................. 20 13.7. Falsidade de atestado .......................... 39
8.1. Aspectos legais ........................................ 21 13.8. Medicina Defensiva .............................. 40
8.2. Prontuário eletrônico .............................. 22 14) Lei Geral de Proteção de Dados .................. 41
5

INTRODUÇÃO

Esta Cartilha é um compilado dos assuntos que mais estão e


estarão presentes em sua vida profissional e podem gerar
atritos ou conflitos com a ética ou mesmo com a lei.

Através da leitura e da consulta aos pontos de interesses,


você poderá estar preparado para lidar com essas questões,
tomando as melhores decisões para proteger a você, seus
colegas, seus pacientes, e a Instituição em que trabalha.

Boa leitura!
66

1- CONFLITO DE INTERESSES
O conflito de interesses é uma (Associação Brasileira da Indústria os profissionais receber nenhuma
situação em que a tomada de de Alta Tecnologia de Produtos de remuneração (direta ou indireta)
decisões deixa de atender aos Saúde) aderiram, desde 2018, a além do pagamento das despesas,
melhores interesses dos pacientes um acordo setorial que proíbe do durante a duração do evento.
e/ou da Instituição Hospitalar e patrocínio direto à ida de médicos
passa a privilegiar interesses em eventos científicos (congressos, Estas normas internas fazem parte
particulares, deixando assim de ser eventos, simpósios, etc.), sendo de um esforço da indústria para
ética e de estar em conformidade vedado o patrocínio desde as taxas a melhora da transparência das
com o esperado. de inscrição até a acomodação e relações comerciais e melhora da
passagens aéreas, podendo a violação imagem e da confiabilidade no setor.
No contexto da assistência médica, gerar a expulsão da associação.
são principalmente problemáticas Na Instituição aderimos a tais
as relações com a indústria de Já no setor farmacêutico, desde esforços, considerando que qualquer
medicamentos e dispositivos, e as 2016 o Código de Conduta da tipo de patrocínio direto ao
contratações de fornecedores e INTERFARMA prevê que o profissional leva à necessidade de
colaboradores. patrocínio direto pode acontecer, declaração de conflito de interesses,
porem não pode estar condicionado nos termos da nossa Cartilha de
Com isto em vista, as centenas de à prescrição, venda ou promoção de Compliance.
indústrias associadas à ABIMED produtos, bem como não podem
7

2- SIGILO MÉDICO
O sigilo (ou segredo) profissional amparo legal. Exemplos desta justa
ligado às atividades de assistência causa estão previstos na própria
à saúde é considerado relevante o legislação penal, como na obrigação
suficiente para que sua violação, do profissional de saúde em levar a
sem justa causa, constitua crime conhecimento das autoridades o
(art. 154 do Código Penal), além de crime que tenha conhecimento e
violação ética prevista nos códigos que envolva o paciente como vítima,
profissionais. e a obrigatoriedade de quebra do
sigilo profissional em casos de
Este imperativo de sigilo é tão forte notificação de determinadas
que deve prevalecer até mesmo em doenças.
situações nas quais os profissionais
tenham conhecimento da prática de Essa obrigação também encobre os
atos ilícitos pelos pacientes. ensaios clínicos em seres humanos
(Resolução 466/2012 do Conselho Na-
A exceção à regra (a justa causa) cional de Saúde), já que a coleta de
evidencia que não é criminosa dados envolvida nestes diz respeito
qualquer revelação de segredo, mas a inúmeras informações pessoais e
somente aquela que não possuir íntimas acerca dos indivíduos
88

Há ainda outros tipos de normas O CFM adota o parecer 14/2017 Em eventos médicos, como
que dizem respeito às comunicações definindo que é permitida a simpósios, aulas, e treinamentos,
necessárias, o que constitui justa comunicação entre médicos e a obrigação de sigilo também
causa nos limites do quanto deve pacientes para tirar dúvidas ou permanece, não podendo ser
ser comunicado e para quem. enviar dados (sem jamais substituir expostos dados pessoais dos
uma consulta), bem como entre pacientes ou imagens que os
Neste tema, o uso das ferramentas médicos – apenas, e em grupos tornem identificáveis.
digitais para a comunicação entre os fechados – para a discussão de casos
profissionais é uma realidade que clínicos. Neste último caso, o
não pode ser ignorada. grupo deve ser composto apenas por
Contudo, existem algumas regras médicos, ser privado, tratar apenas
que devem ser seguidas para da discussão de casos, sem assuntos
preservar o sigilo e também paralelos, e não incluir dados
resguardar os profissionais de identificáveis de pacientes – neste
qualquer questionamento. ponto, exceção feita aos grupos
fechados de profissionais que
cuidam dos mesmos pacientes.
9

3- OS ATESTADOS MÉDICOS
O Atestado Médico é um documento cujo conteúdo é de inteira
responsabilidade do médico, e tem como circunstâncias geradoras
as consultas de rotina ou de urgência, devendo refletir fidedigna e
estritamente um parecer técnico. O médico tem liberdade de atestar
o que achar conveniente e ético, sendo o atestado um documento que
deve refletir o estado do paciente e, se for o caso, cuidados que devem
ser tomados.
O atestado tem fé pública, ou seja, presunção de veracidade
(é considerado verdadeiro até prova em contrário). De outra forma,
caso o médico emita tal documento com informações falsas, estará
cometendo o crime previsto no artigo 302 do Código Penal.

Do ponto de vista ético, a Resolução CFM 1.658/2002 normatiza a


emissão de atestado médico, estabelecendo que “o atestado médico
é parte integrante do ato médico, sendo seu fornecimento direito
inalienável do paciente, não podendo importar em qualquer
majoração de honorários”. O Código de Ética Médica preconiza que é
vedado ao médico “deixar de atestar atos executados no exercício
profissional, quando solicitado pelo paciente ou por seu
representante legal” (art. 91).
10
10

O atestado médico para fins de abono de trabalho é o Do ponto de vista ético, importante lembrar que o
documento que contempla o direito do paciente e próprio Código de Ética Médica, no artigo 73 revela
atende ao disposto na Consolidação das Leis do que é vedado ao médico “revelar fato de que tenha
Trabalho (artigo 6º, §1º, letra “f” e § 2º), não podendo conhecimento em virtude do exercício de sua profissão,
ser substituído por outros documentos médicos sob salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento,
qualquer justificativa. Ainda, o Parecer CFM 17/2011 por escrito, do paciente”.
aponta que a declaração de comparecimento
fornecida pelo setor administrativo de estabelecimento Assim, destaque-se que o atestado médico tem fé
de saúde, assim como a atestada por médico sem pública, é direito do paciente e não precisa conter CID
recomendação de afastamento do trabalho, pode ser ou diagnóstico para que seja válido; caso seja do desejo
um documento válido como justificativa perante o do paciente que essas informações constem do
empregador, para fins de abono de falta no trabalho, documento, a autorização deve ser por escrito em
desde que tenha a anuência deste. conjunto com a assinatura do profissional no atestado.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a


nulidade de cláusula coletiva que previa a
obrigatoriedade da informação sobre o CID como
requisito para a validade dos atestados médicos e
para o abono de faltas para empregados.
11

4- PUBLICIDADE MÉDICA
É fato que hoje em dia muitos Além disso, toda publicação deve nome comercial, indicar empresas
profissionais usam as redes como pautar-se pela discrição e pela parceiras (como farmácias de
Facebook e Instagram para interagir veracidade, devendo ser focada a manipulação), e também é vedada
com pacientes e com o público. informar o público e não a promover a publicação dos famosos “antes e
Porém, são necessários alguns o profissional. Assim, são permitidas depois”.
cuidados, conforme normas do postagens sobre novas técnicas e
Conselho Federal de Medicina e da substâncias (desde que já aprovadas A violação a estes termos pode
Comissão de Divulgação de Assuntos e de eficácia cientificamente acarretar a abertura de sindicância
Médicos. comprovada), educar sobre doenças, e processo ético-profissional, por
prevenção, e as atividades ligadas às violação à ética médica e prática de
Os primeiros e mais importantes especialidades médicas. concorrência desleal.
passos são nunca publicar nada
com identificação de paciente, seja Podem constar dados como as No tocante a postagens envolvendo
por escrito ou em imagens – assim, atividades desenvolvidas pelo a Instituição, seus locais, símbolos
nenhuma foto com pacientes, selfies, profissional e seu local de atendi- e pacientes, deve ser tomado
etc., evitando fotos que de qualquer mento, sendo, contudo, vedado cuidado adicional, verificando-se a
forma permitam a identificação –, e publicar preços de consultas, Resolução CONDEL 01/2012 e
sempre colocar no perfil do profis- oferecer qualquer tipo de descontos buscando-se o Núcleo de
sional seu número de CRM e de RQE, ou promoções/prêmios, divulgar Comunicação Institucional em
caso possua especialidade. marcas ou medicamentos sob o caso de dúvidas.
12
12

5- PAPEL DO MÉDICO NA JUDICIALIZAÇÃO


às demandas, como uma insatisfação ou tratamento.
geral dos indivíduos.
Em um sistema público deve-se
Embora a conscientização de que sempre pensar no coletivo, tendo
todo indivíduo pode socorrer-se do atenção à limitação dos recursos,
Poder Judiciário, não seja em si um de modo que é também papel do
fenômeno negativo, deve-se ter em profissional evitar contribuir para
mente que as decisões individuais tal fenômeno e, assim, para o
geram desequilíbrios em todo o desequilíbrio do sistema e a criação
sistema. de atendimentos desiguais.
O fenômeno chamado judicialização Colocar decisões relativas à saúde na
significa a submissão de questões mão dos juízes gera dramas de Na Instituição, é vedada qualquer
para resolução pelo Poder Judiciário, consciência derivados da responsa- prescrição, laudo, ou parecer que
quando estas deveriam na verdade bilidade de conceder ou não àquele envolva medicamentos não
ser resolvidas por outras instâncias, que recorre ao Judiciário uma incorporados pelo Guia Farmacêutico,
como o Executivo ou agências de oportunidade de tratamento, algum podendo o profissional ser acionado
controle, por exemplo. No âmbito medicamento de vanguarda, ou para ressarcir os cofres caso um
da saúde, os números processuais técnica cirúrgica mais avançada, paciente obtenha ganhos em
crescem a cada ano, demonstrando sendo que aqueles não têm a pedidos derivados de documentos
tanto a falta de controle dos órgãos expertise necessária para decidir a elaborados por profissional da
e atores que deveriam dar resolução respeito de cada tipo de medicamento Instituição.
13

6- USOS OFF LABEL


Muitos medicamentos possuem usos que vão além daqueles pre-
vistos na bula, podendo trazer inúmeros benefícios a
pacientes. A indicação do medicamento nestas situações se
chama prescrição off label, e encontra amplo respaldo na
literatura e na prática da medicina.

Até a algum tempo, entendia-se que no âmbito do SUS este tipo


de prescrição seria vedado, ainda que o medicamento estivesse
incorporado ao sistema. No entanto, desde o ano de 2018, o
Superior Tribunal de Justiça abriu uma importante exceção,
entendendo ser permitida a prescrição e o fornecimento para
tais usos desde que o medicamento seja registrado na ANVISA e
sejam observados os usos por ela autorizados.

Isso não significa, contudo, que basta ao profissional verificar


esta possibilidade segundo a ANVISA. É ainda preciso que o
medicamento esteja incorporado ao SUS.
14
14

7- RELAÇÃO COM OS PACIENTES


Existem diversos pontos que são insatisfação e abandono. para que se evite a exposição do
essenciais para uma boa relação profissional a acusações.
com os pacientes. Vejamos alguns. Com isso, os profissionais da área
da saúde estão sujeitos a inúmeras Sabe-se que o trato humanizado com
acusações infundadas. O paciente ou os pacientes, no qual a boa comuni-
a família que sofre buscam racionalizar cação é essencial, demanda muita
o acontecimento e encontrar um cul- paciência e energia do profissional,
pado, não conseguindo compreender sobretudo em um ambiente alta-
os riscos inerentes à situação e os mente estressante.
possíveis desfechos negativos.
No entanto, são quase diários os
Por isso é fundamental que se casos divulgados na mídia sem
estabeleça uma comunicação ampla qualquer rigor técnico, com acusações
7.1. Boa comunicação e franca, de modo que cabe ao de ocorrência de negligência,
profissional não apenas buscar imperícia, ou violações éticas, com
Muitas das acusações de “erro fazer-se compreender, como formar repercussões graves na vida pessoal
médico” encontram sua raiz em uma uma ligação com o paciente e a e profissional dos envolvidos.
dinâmica deficiente entre médico e família, deixando-o confortável para
paciente/familiares, com a falta da relatar seus sintomas e histórico, Além das consequências privadas,
compreensão de riscos e consequên- tirar suas dúvidas e opinar em seu há ainda a questão de possível
cias, atitudes que aparentam descaso, tratamento, demonstrando cuidado. responsabilização nas áreas civil –
gerando um sentimento geral de Esta é a primeira linha de defesa com a possibilidade de condenação
15

a elevadas indenizações –, criminal – de trabalho, seja violência verbal, qualquer forma de violência pode e
com penas que podem ser agressões psicológicas, e até mesmo deve buscar a proteção não somente
elevadíssimas –, e ético-disciplinar – em agressões físicas, mas apenas da instituição em que trabalha, como
podendo-se chegar mesmo à 1 em cada 5 destes profissionais também, a depender da gravidade
cassação do registro profissional. denunciou de alguma forma a dos fatos, da Justiça cível ou crimi-
violência. nal, havendo as hipóteses de ação
Assim, cabe a todo profissional estar de indenização por danos morais e
ciente destes riscos, mantendo em A ocorrência das agressões faz parte materiais, e a responsabilização
mente que além de tratar de doenças de uma má relação médico-paciente, penal dos agressores por crimes
e outras situações patológicas, deve o que prejudica tanto os próprios como difamação, injúria, ameaça e
haver o cuidado com o indivíduo pacientes, que se portam de forma lesões corporais.
inclusive do ponto de vista emocional, que impacta negativamente seu
criando com isso uma importante tratamento, como os profissionais, Essa situação como um todo é um
barreira de proteção. que para além das agressões em ponto ainda pouco evidenciado
si devem lidar com altos níveis de da tensa relação médico-paciente
estresse, o que também pode levar em geral, e a relação desgastada
7.2. Agressão por pacientes a agressões entre os profissionais. que existe em locais que contam
O Conselho Regional de Medicina Inobstante, nenhum fator que cerca com poucos médicos e leitos para a
do Estado de São Paulo e o o às vezes dificultoso e sempre demanda da população, merecendo
Conselho Regional de Enfermagem estressante atendimento médico assim a atenção de profissionais da
de São Paulo realizaram pesquisa, pode servir de desculpa para a saúde e de gestores de instituições
em 2017, que evidenciou que 3 em prática das agressões. hospitalares, com a adequada
cada 4 profissionais já sofreram proteção e acolhimento de seus
algum tipo de violência no ambiente O profissional que for vitimado por colaboradores.
16
16

7.3. Consentimento Nos casos de recusa, não sendo Por sua vez, o Código de Ética
questão de risco iminente de morte, Médica aborda a questão de forma
a conduta ideal é a documentação específica dispondo diversas
da recusa do paciente, e encami- proibições ao profissional que
nhamento a outro profissional ou a não obtém o consentimento do
alternativas. Já se o paciente estiver paciente, deixa de informar, ou
incapaz de consentir, sendo possível desrespeita as decisões dos
deve-se aguardar que um pacientes.
responsável legal tome as decisões.
Assim, para que o profissional possa
No Brasil embora não existam leis exercer sua autonomia – isto é, seu
específicas sobre o tema, este vem direito de definir o tratamento e
sendo tratado tanto pelo dever de aplicá-lo – é indispensável o
informação previsto no Código de consentimento do paciente ou de
Trata-se, sobretudo, de um processo Defesa do Consumidor, como seu representante legal, com a
de comunicação entre profissionais constrangimento ilegal em casos exceção de casos de emergência
e pacientes, abrangendo as mais graves. Além disso, há decisões (risco de morte iminente).
informações a respeito de riscos, judiciais de que a falha em obter o
benefícios, e alternativas aos consentimento, ou a obtenção de Contudo, mesmo que obtido o
procedimentos, possibilitando ao forma viciada (por exemplo, consentimento informado, este não
paciente tomar uma decisão mediante informações incompletas) exclui a responsabilidade do pro-
autônoma sobre se deseja ou não dá ao paciente o direito de fissional quando houver imperícia,
se submeter ao tratamento ou indenizações por danos morais, negligência, ou imprudência na
procedimento, e sendo revogável a independentemente do resultado do realização dos atos, levando a danos
qualquer instante. procedimento. ao paciente.
17

Entretanto, de nada adianta firmar • Esclarecimentos acerca das 7.4. Assédio contra
termos mal elaborados, vagos, consequências da negação do
imprecisos, ou incompreensíveis – tratamento; pacientes
o que pode até ser visto como um • Apresentação de alternativas de
O CREMESP cassou, em 2019, sete
indício de que o paciente não foi tratamento (e porque não seriam a
registros médicos de profissionais
adequadamente informado. primeira indicação);
envolvidos em casos de assédio
Ainda, não basta o preenchimento • Esclarecimentos sobre a
sexual. Vale dizer que não se fala
de formulário em papel, devendo medicação que será utilizada
aqui nos delitos de estupro ou
haver a adequada comunicação durante todo o tratamento
estupro de vulnerável (muitas vezes
pessoal entre o paciente e os (e, se houver, durante a anestesia/
denominado “abuso sexual”),
profissionais. sedação) e seus riscos;
conduta que vai muito além do
• Informar a possibilidade de
assédio.
São importantes para o termo e para revogação do consentimento a
as explicações verbais: qualquer tempo; Essa conduta – que é crime –
• Identificação completa do • Anotar que houve a plena corresponde a constranger o
paciente e dos profissionais satisfação do paciente com a paciente, com o intuito de obter
envolvidos; informação recebida e que foram vantagem ou favorecimento sexual,
• Natureza da enfermidade e sua sanadas todas as suas dúvidas; e prevalecendo-se da condição de
evolução natural (sem intervenção); • Data e assinatura do médico, ascendência inerente à profissão.
• O procedimento que se pretende do paciente, e de uma a duas É o uso do poder que se detém
realizar e suas especificações; testemunhas (acompanhantes, sobre o outro, usado de forma a
• Detalhamento dos benefícios e enfermeiros, etc.), acrescidas de obter vantagens sexuais, por
dos riscos (conhecidos e normais, identificação civil (como CRM ou meio de condutas indesejáveis e
incluindo prováveis complicações); RG). reprováveis.
18
18

Segundo o Código de Ética Médica, Além de, por óbvio, abster-se de tais 7.5. Alta a pedido
tal conduta consistiria em violação condutas, são forma de proteção
ao art. 40 - Aproveitar-se de contra acusações: cercar-se de um À exceção de situações de
situações decorrentes da relação acompanhante ao paciente durante emergência, com risco iminente de
médico-paciente para obter exames físicos – podendo ser vida e/ou impossibilidade de
vantagem física, emocional, acompanhante do próprio pacien- obtenção de consentimento, toda
financeira ou de qualquer outra te ou de um profissional auxiliar –, conduta médica depende do
natureza. independente do sexo do profissional; consentimento do paciente em não
sempre tocar o paciente com apenas aceitar a estas, como
Em estudo mais antigo do CREMESP delicadeza e bom senso nos exames concordar em estar no ambiente
(2012), chegou-se a criar uma físicos; esperar que o próprio médico-hospitalar.
“Câmara do Assédio” para investigar paciente tire a roupa e se vista, sem
as situações, chegando-se a tentar ajudar (por mais que a sala de Assim, se a conduta profissional
identificar características similares espera esteja lotada), disponibilizando somente é legítima enquanto há a
nas situações de assédio: manipu- meios para que cubra as partes concordância do indivíduo em ser
lações genitais demoradas e/ou íntimas do seu corpo não examinadas; tratado, negar a alta a um paciente
atípicas, a conduta sistemática de pontuar a importância de determi- que assim o deseje viola o Código
questionar a frequência de relações nados questionamentos sensíveis à de Ética Médica, e pode até mesmo
sexuais semanais em situação que apuração da queixa clínica; e sempre configurar o crime de constrangi-
não diz respeito ao caso clínico, e explicar detalhadamente os procedi- mento ilegal.
comentários sobre os corpos de mentos a serem realizados, antes de
pacientes. fazê-los. Para navegar a situação, alguns
profissionais indicam que houve a
evasão do paciente, acreditando
19

assim que estarão resguardados de casos em que o paciente seja de Preferencialmente, deve-se
eventuais repercussões negativas. qualquer forma incapaz – por sempre obter a assinatura do
Ocorre que isto não é verdadeiro, exemplo, paciente psiquiátrico ou paciente e também de alguma
pois tanto o profissional possui pediátrico –, esta pode ser feita testemunha – familiar ou outro
dever de guarda e garantia sobre o mediante solicitação e representação colaborador da Instituição –, além
paciente, de modo que lhe refleti- do responsável legal. da obrigatória identificação do
rá negativamente ter seu paciente profissional responsável pelo
simplesmente “fugido”, desassistido, Em qualquer caso, a situação deve procedimento.
sobretudo caso este tenha ser bem documentada em
posteriormente alguma intercorrência prontuário ou em termo separado, Por fim, o profissional deve sempre
negativa. detalhando-se a requisição e que fornecer as orientações médicas
todos os esclarecimentos foram necessárias, bem como o atestado
A melhor forma de respeitar as prestados, principalmente acerca médico, caso solicitado.
regras e princípios que regem o dos riscos de tal conduta, estando
cuidado ao paciente, e igualmente o paciente a retirar-se à revelia do
prevenir-se contra implicações profissional.
futuras é, em casos nos quais o
paciente possua capacidade plena Já nos casos em que exista risco
para os atos da vida civil e condições iminente de vida, a alta deve ser
de entendimento, e não havendo negada, também com registro da
risco iminente de vida, que se realize ocorrência em prontuário.
a alta a pedido do paciente. Nos
20
20

7.6. Gravação de consultas

Embora a legislação considere Caso o profissional não concorde, é permitido que este
legal a gravação de qualquer se recuse a atender (exceto, claro, em situações de ur-
conversa ou situação da qual a gência ou emergência), ou ainda que registre em prontu-
própria pessoa faça parte (isso é, ário essa situação e até mesmo que também realize sua
não são legítimos os ‘grampos’ e própria gravação.
as escutas ambientais, por
exemplo), valendo isso em Ou seja: embora o paciente tenha este direito, o pro-
regra para o ambiente de uma fissional também tem o direito de se resguardar. Vale
consulta ou procedimento sempre, primeiro, conversar com o paciente para enten-
médico, existem peculiaridades der a situação, que pode ser contornada com uma boa
na relação médico-paciente. comunicação.

Situação diferente, no entanto, é a gravação do ambien-


Por isso, entende-se que a gravação deve ser te hospitalar em geral, sobretudo outros pacientes e
consentida pelo profissional a ser gravado, conforme profissionais. Neste caso, prevalece o direito ao sigilo e
entendimento do Conselho Federal de Medicina à intimidade dos terceiros, sendo proibida esta forma de
(Despacho SEJUR 386/2016) e do CREMESP (Consulta gravação, podendo ser solicitado que o paciente/acom-
122.508/2018). panhante exclua imagens e até mesmo se retire do local.
21

8- O PRONTUÁRIO
ressaltar: o CFM considera como (nome e registro no CRM, e ende-
parte dos elementos essenciais da reço da clínica), o qual pode encon-
prescrição o cabeçalho impresso, trar-se impresso ou mesmo escrito
com nome, registros e endereço do à mão, e então a data do ato e sua
profissional ou instituição. assinatura no respectivo documento.

A utilização correta e o preenchi- A única situação em que realmente


mento completo do prontuário pode ser exigido o uso do carimbo
médico são importantes passos para é na prescrição de medicamen-
a implantação das ferramentas de tos controlados, de acordo com a
No dia a dia os profissionais têm controle institucional, de melhoria Portaria SVS/MS 344/98. Embora a
de trabalhar com inúmeros da qualidade assistencial, e de pro- receita possa ser feita sem o carimbo,
documentos, todos com seus teção ao profissional, devendo assim desde que respeitada a identificação
requisitos específicos. cercar-se dos cuidados e da atenção legível, a aposição do carimbo é ne-
cabíveis. cessária para o talonário “A” (Noti-
Para além dos cuidados com a ficação de receita de entorpecentes
legibilidade do preenchimento e a Ao contrário do que muitos podem e psicotrópicos) – para os talonários
correta indicação do profissional e pensar o uso de carimbo nos docu- azuis e brancos não há a necessidade
paciente, existem também alguns mentos médicos não é obrigatório. O –, para a requisição de notificação
requisitos formais que são de igual que é legal e eticamente obrigatório de receita, e para a prescrição de
importância, sendo aqui de interesse é a identificação clara do profissional talidomida.
22
22

O uso do carimbo, assim, é uma 8.1. Aspectos legais a obrigatoriedade de seu preenchi-
conveniência para o profissional não mento em letra legível, assim como a
ter que sempre escrever seus dados, O prontuário médico é um documen- correta identificação dos prestadores
tendo passado, por sua prevalência, to –físico ou virtual – que reúne in- do atendimento.
a ser considerada essencial pelo formações do paciente, dos exames
público e até por profissionais de realizados e prescrições feitas, e no Para além destes cuidados, vale
outras áreas (como farmacêuticos), qual constam as condutas adotadas esclarecer que embora a responsa-
que não aceitam o documento sem a pelos profissionais responsáveis bilidade pelo preenchimento seja da
aposição do carimbo. Entretanto, tais pelo atendimento. É de extrema equipe, e a guarda seja de respon-
exigências são arbitrárias. relevância não apenas no cuidado ao sabilidade da Instituição, o titular do
paciente, como também é importante prontuário é o paciente, de modo
Por fim, vale ressaltar a necessidade prova, jurídica ou administrativa – que este (ou seus representantes
de cuidado: com a cultura de em defesas ou acusações. legais/herdeiros) possui o direito de
confiança na simples aposição de solicitar cópias.
carimbo, é importante que este Dada sua relevância, foram criados
diversos dispositivos regulamentares Por último, a solicitação de cópias
esteja sempre sob a guarda do
acerca de seu preenchimento. Por para a instrução de procedimentos
profissional, para evitar o uso
exemplo, o Código de Ética Médica investigativos pode ser liberada desde
indevido por terceiros, o que
recomenda a elaboração de prontuários que a requerimento do paciente/re-
pode gerar responsabilização do
individuais, vedando a escrita de presentante, do profissional envolvido
profissional.
forma ilegível ou secreta, enquanto a (para sua defesa, unicamente), ou
resolução CFM 1638/2002 estabelece por solicitação judicial.
23

8.2. Prontuário eletrônico Um aspecto fundamental é a ado- igualmente objeto de revisão e


ção de mecanismos de segurança auditoria.
para a garantia da autenticidade das
informações, confidencialidade, e Em nível institucional há a necessidade
integridade das informações – para de ferramentas de armazenamento
isso, o melhor meio é a certificação seguro, backup para a preservação
digital e outras tecnologias similares de dados, rastreabilidade de toda
de assinatura eletrônica individual, inserção e alteração realizada no
como o uso de logins individuais. sistema, e imutabilidade das
anotações realizadas.
Assim, por exemplo, um prontuário
em papel escaneado não é um PEP, Com o uso do PEP, não é necessária
tratando-se apenas de uma forma a impressão de vias físicas para a
mais conveniente de armazenamento validade do documento, permitindo
Mais do que simplesmente um da via física. maior agilidade, facilidade no
prontuário em meio digital, o compartilhamento das informações
prontuário eletrônico do paciente Formalmente, o prontuário eletrônico e seu acesso pelos profissionais
(PEP) possui características especiais deve seguir as mesmas determinações multidisciplinares, economia de
e requisitos para sua validade e daquele feito em papel, conforme insumos, e preservação do meio
conformidade. resolução CFM 1638/2002, sendo ambiente.
24
24

9- RESPONSABILIDADE MÉDICA
aquelas condutas que fujam ao de todos os atos realizados, bem
parâmetro esperado de um profissional como a conversa e esclarecimento
diligente e atualizado, que atue do paciente e acompanhante sobre
conforme a ciência e com os as finalidades e limitações das inter-
princípios bioéticos. venções.

Dessa forma, ainda que uma 9.1. O que é culpa?


intervenção terapêutica não tenha
Quando falamos dos famigerados
o resultado esperado – inclusive
“erros médicos”, é comum ouvir-se
ocorrendo a morte do paciente –,
falar em conduta culposa, ou respon-
não haverá responsabilização do
sabilidade por culpa. Mas o que isso
profissional que empregou todos os
Como profissionais, já podem ter significa?
meios adequados e possíveis para
ouvido falar de obrigações de meio e sua atuação. Ao contrário da noção geral de culpa,
de resultado. Mas o que são?
significando simplesmente a atribuição,
Ora, como as profissões que lidam Por outro lado, nas intervenções ele- por terceiros, de responsabilidade
com a saúde, como a médica e odon- tivas nas quais o fim é estético pode a um indivíduo que gerou um prejuízo
tológica, não trabalham com promessas haver a discussão de que haveria (moral, material, etc.) a alguém,
de êxito, o possível insucesso é parte uma responsabilidade pelo resul- juridicamente a culpa significa uma
integrante da atividade. tado, daí a importância de não se atuação com imprudência, negligência
prometer “milagres”. ou imperícia, e sem qualquer intenção
Assim, em regra são tuteladas apenas Por isso, importante sempre o registro de dano.
25

Dessa forma, a conduta culposa é alegação de imprudência, por não se existe quando se trata de profissio-
uma na qual ocorre um dano pela buscar o profissional com o melhor nais de saúde. Isso significa que,
falta de um cuidado objetivo, sendo conhecimento. mesmo em episódios de omissão,
esta a ação imprudente – o agir sem as atitudes podem ser consideradas
o necessário cuidado, é uma conduta Em todo caso, qualquer conduta como uma ação (chamada comissão
ativa com precipitação, insensatez ou deverá sempre ser comprovada por omissão), ou seja, a omissão em
inconsideração –, negligente – a mediante a constatação do nexo agir equipara-se à ação, e com isso
forma omissiva da culpa, consistente entre os atos do profissional e o vem a maior reprovabilidade. Isso
em deixar de tomar os cuidados resultado, bem como a existência porque, entende-se que há uma rela-
devidos, é a inação, passividade –, concreta de um dos elementos da ção especial entre aquele indivíduo e
ou imperita – a ação feita com culpa. Somente mediante tal consta- o bem jurídico que se busca proteger
inaptidão, a falta de capacidade, tação objetiva poderá o profissional (a saúde, integridade física, vida).
conhecimento, ou habilidade para ser responsabilizado por qualquer
Nestes casos não se pune a omissão
aquela atividade. ocorrência negativa.
em si mesma, mas este “não agir”
Via de regra o profissional devida- quando se deveria fazê-lo por obrigação
mente formado e registrado no CRM
9.2. Dever de garante legal – a posição de garante (art. 13,
sempre será considerado perito, por §2º, a, Código Penal).
Todos temos noções básicas de res-
possuir os conhecimentos técnicos Há, ainda, a possibilidade da cha-
ponsabilidade pessoal pelos nossos
mínimos. Contudo, a atuação em mada “culpa por assunção”, a qual
atos.
situações complexas e que envol- ocorre quando o profissional opta
vem conhecimentos específicos de Acontece que fora das ideias básicas, por assumir o encargo de um paciente
especialidades diversas daquela para o Direito Penal existe o denomi- ao invés de remetê-lo (caso não seja
do profissional podem gerar uma nado “dever de garante”, que sempre especialista naquela questão) a outro
26
26

mais competente, ou ainda na hipó- 9.3. Equipe e preceptoria Em primeiro lugar, a todos os atos
tese de o médico sentir-se incapaz ou aplica-se o chamado “princípio da
exausto para a realização das condu- confiança”, segundo o qual é direito
tas necessárias e mesmo assim atuar daquele que trabalha em uma
(art. 13, §2º, b, do Código Penal). equipe esperar que seus compa-
nheiros ajam de acordo com a
Vale notar que se é possível “assumir” melhor técnica, não cabendo a cada
a culpa, é também possível legiti- um vigiar os demais, senão apenas
mamente transferir o dever de agir supervisionar a equipe dentro de
a terceiro, o que exonera os até limites razoáveis – ou seja, tendo
então responsáveis. Isso ocorre, por algum dever de supervisão, observar
exemplo, na divisão de funções na- caso haja uma ação ou omissão a
turalmente existente nos Hospitais, que possa, dentro de seus conheci-
A divisão do trabalho é uma
valorizando-se a relação de confiança mentos, perceber como errônea ou
condição necessária à realização
entre os profissionais e a limitação incomum.
dos procedimentos médicos e da
da responsabilidade aos setores
rotina hospitalar, sendo então
especificamente competentes. Já os limites da justificação de uma
importante a definição e delimita-
Desse modo, é importante que os ção da responsabilidade de cada conduta por obediência a ordens
profissionais tenham consciência integrante, seja em relações com superiores seguem determinados
de suas responsabilidades e do que divisão vertical de tarefas – relação limites, devendo o sujeito atentar-se
é esperado de cada um em suas de subordinação –, seja com uma à ilicitude manifesta da ordem, ou a
funções, bem como saibam que a distribuição horizontal de tarefas, ordens que são claramente ineptas à
segurança dos pacientes depende de na qual existem, a rigor, responsa- consecução do resultado ou mesmo
si de forma ativa. bilidades autônomas. danosas.
27

Por fim, para profissionais que atuam entre residente e preceptor, que é o consulta nº 23.090/1989 dispõe que
em turnos, assumindo o dever de responsável por conduzir e supervi- o residente “tenha os necessários
cuidado de pacientes que estavam, sionar o desenvolvimento dos médi- conhecimentos para tratar de vida
anteriormente, sob o cuidado do cos residentes, ensinando a clinicar e humana. (...) não há como isentar
outro, a responsabilidade sobre fatos a realizar procedimentos, conforme Residentes, Internos e Docentes
ocorridos deve recair sobre aquele regulado pela Resolução nº 5/2004 da responsabilidade jurídica por
que efetivamente violou os deveres do Conselho Nacional de Residência eventuais danos”.
de cuidado, bem como caso este não Médica, que em seu art. 2º dispõe
venha a informar seu sucessor, só que caberá ao preceptor “orientar O Conselho Federal de Medicina
podendo o segundo profissional ser diretamente os médicos residentes entende que há, em regra, a
responsabilizado de alguma forma do programa de treinamento”. responsabilidade compartilhada
se este puder, no caso concreto, entre preceptor e residente na
identificar a existência dos riscos e Mas qual a responsabilidade de cada prática de atos médicos
tiver a possibilidade de revertê-los. um? Alguns consideram que além da (Processo-Consulta nº 3.426/2001),
responsabilidade pessoal, o preceptor e caso ocorram erros médicos na
Nada disso, é claro, afasta a respon- pode responder em conjunto caso ausência do preceptor, haverá a
sabilidade individual de cada um de, permita que um residente claramente responsabilidade deste, posto que a
nos limites de sua atuação, agir de ainda imperito realize atos complexos atuação do residente deve ser a todo
forma consciente, seguindo a melhor sem a adequada supervisão. tempo seguida de perto (parecer
técnica e os princípios da boa nº 23/2015).
atenção à saúde. O CREMESP entende há anos que o
Saindo do campo ético-disciplinar, o
residente, sendo médico já formado,
Superior Tribunal de Justiça já se
Também é necessário trazer alguns possui plena capacidade de respon-
manifestou no sentido de que a
esclarecimentos sobre a relação der por seus atos. Por exemplo, a
responsabilização do preceptor
28
28

depende de efetiva verificação de Dessa forma, a posição do preceptor acostumar o futuro profissional ás
conduta que evidencie negligência, é cercada de muita responsabilidade, exigências e recomendações éticas
imprudência ou imperícia, ainda que tanto pela ação quanto pela omissão, e disciplinares, embora não tenha
por omissão (Habeas Corpus 17.461), sendo imprescindível que os atribuição para fiscalizar e punir os
e o Tribunal de Justiça do Estado profissionais que atuam nessa estudantes.
de São Paulo já condenou apenas a condição atuem com a diligência
preceptora que realizou uma cirurgia devida e zelando pela plena Ainda, importante ressaltar que a
indevida, ainda que auxiliada pelo segurança de seus pacientes. não submissão ao CFM não quer
residente e demais membros da dizer que haja um automático
equipe, por entender haver total O interno, ao contrário do residente, afastamento da responsabilidade em
domínio da situação por ela (Apela- ainda não é médico formado e caso de eventos adversos, já que os
ção nº 0011041-09.2003.8.26.0050). registrado perante o Conselho princípios da atuação com prudência
Regional de Medicina, de modo que e atenção seguem valendo, podendo
Isso porque, caso o residente atue durante esta fase o estudante não o estudante ser responsabilizado civil
estritamente seguindo orientações está sujeito às normas e sanções do ou criminalmente por atos que tenha
do preceptor e ocorram danos ao Conselho. realizado de forma indevida, contra
paciente, poderá ser excluída a ordens expressas, sem buscar o
responsabilidade do residente se lhe Isso não quer dizer, contudo, que os amparo dos professores e
era impossível prever tal resultado, princípios da bioética não devam ser preceptores, e sem o devido
confiando nos conhecimentos do seguidos e, sobretudo, aquelas nor- cuidado.
superior. mas da Instituição a que pertence. Por
Esses entendimentos baseiam tanto isso, o Conselho Federal de Medicina
condenações criminais, como o dever lançou em 2018 o Código de Ética do
civil de indenizar. Estudante de Medicina, que ajuda a
29

10- TELEMEDICINA
Com as recentes iniciativas visando à disseminação da telemedicina, surge a ne-
cessidade de uma reflexão sobre a responsabilidade dos profissionais que atuam
neste cenário, sobretudo tendo em vista a ausência de nova normativa do CFM.

Na Resolução n. 1.643/2002 o CFM define que a telemedicina deve ter por obje-
tivo “assistência, educação e pesquisa em Saúde”, afirmando que “o médico que
exerce a Medicina a distância, sem ver o paciente, deve avaliar cuidadosamente
a informação que recebe, só pode emitir opiniões e recomendações ou tomar
decisões médicas se a qualidade da informação recebida for suficiente e perti-
nente para o cerne da questão”.

Na mesma resolução, se aponta que “A responsabilidade profissional do aten-


dimento cabe ao médico assistente do paciente. Os demais envolvidos respon-
derão solidariamente na proporção em que contribuírem por eventual dano ao
mesmo.” – ou seja, o responsável primário é aquele que está com o paciente,
utilizando o serviço de teleconsultoria.

Há ainda a Declaração de TelAviv sobre responsabilidades e normas éticas na uti-


lização da telemedicina, a qual é reconhecida pelo CFM, que afirma claramente
que ao “utilizar a Telemedicina diretamente com o paciente, o médico assume a
responsabilidade do caso em questão. Isto inclui o diagnóstico, opinião, trata-
mento e intervenções médicas diretas”.
30
30

Importante aparte: a profissão médica não trabalha com médico responsável pela orientação, somente naquele
promessa de êxito, se tutelando apenas aquelas condu- momento, e pelos responsáveis por sua guarda, em linha
tas que fujam ao parâmetro esperado de um profissional com os arts. 102 a 109 do Código de Ética Médica, o art.
diligente e atualizado na ciência médica. 154 do Código Penal, e o art. 5º, X, da Constituição Fede-
ral – sendo que o desrespeito ao sigilo constitui violação
Passando à questão da confidencialidade, tema também destes dispositivos, ensejando a responsabilização em
central à discussão, a Declaração de TelAviv destaca que cada uma das esferas pertinentes –, e em breve também
a “informação sobre o paciente só pode ser transmitida em linha com a Lei Geral de Proteção de Dados.
ao médico ou a outro profissional de saúde se isso for
permitido pelo paciente com seu consentimento escla- Assim, a telemedicina, nos moldes normativos atuais,
recido”, sendo obrigação do profissional “assegurar que carrega os mesmos riscos da atividade médica tradicio-
sejam aplicadas todas as normas de medidas de segu- nal, com os desafios adicionais de se proteger os dados
rança estabelecidas para proteger a confidencialidade do transmitidos e possibilitar ao profissional que auxilia à
paciente”. distância um panorama fidedigno da situação do pacien-
te, de forma a permitir que sua conduta seja a mais ade-
Dessa forma, temos que o armazenamento dos dados quada ao caso – sendo profissional fisicamente presente
individuais, sobretudo aqueles de viés médico, deve o maior responsável, cabendo a si filtrar as recomenda-
ser mantido em servidor seguro e acessível apenas ao ções e orientações recebidas.
31

11- O PROCESSO ÉTICO-PROFISSIONAL


Esta sindicância pode ser iniciada atos de instrução probatória com a
após denúncia de algum indivíduo oitiva das partes e testemunhas,
(que, contudo, não pode ser e a possibilidade de manifestação
anônima), ou mesmo de ofício, pelo de uma das câmaras técnicas
próprio Conselho caso este tome especializadas, bem como manifesta-
conhecimento de um fato que ção final das partes acerca de todos
considere passível de apuração. os elementos produzidos.

Durante a sindicância há a possibi- Por fim, será proferido acórdão,


lidade de manifestação escrita para com a decisão dos conselheiros
defesa, sendo então elaborado um julgadores a respeito da situação
O processo ético-profissional é
relatório final recomendando o e a punição que estes consideram
iniciado após uma apuração
arquivamento ou a transformação adequada, podendo varias de uma
preliminar, denominada sindicância,
em processo ético-profissional, advertência confidencial até a
caso esta conclua pela existência de
decisão esta passível de recurso cassação permanente do registro
indícios mínimos de violação ética
ao CFM. profissional.
e autoria por parte do profissional
investigado. Esta decisão também é passível de
Caso torne-se processo, haverá no- recurso ao CFM, que pode reforma-
vamente a oportunidade de defesa -la total ou parcialmente ou decidir
escrita, bem como serão tomados por sua manutenção.
32
32

12- OS PROCESSOS JUDICIAIS

sobre a documentação do caso), obrigações materiais, como a


e manifestações escritas sobre os cobertura de medicamentos e
elementos produzidos, sendo ao tratamentos.
fim proferida uma sentença que é
passível de recurso por qualquer Já o processo criminal possui a fase
das partes – no caso, primeiramente anterior, denominada de inquérito,
ao Tribunal competente (chamada que é conduzida pela autoridade
segunda instância), e caso cabível, policial. Similarmente à sindicância
posteriormente ao Superior Tribunal são colhidos elementos para emba-
de Justiça ou ao Supremo Tribunal sar um juízo preliminar de existência
Federal. do fato criminoso e da autoria deste,
com análise de documentos, oitivas,
Similarmente ao processo ético-pro- O processo cível não possui uma perícias, e possibilidade de manifes-
fissional, o processo civil possui as fase preliminar como a sindicância, tação escrita. Também similarmente
fases de defesa dos fatos imputados iniciando-se sempre por iniciativa à sindicância este pode iniciar-se por
(chamada contestação), a produção da parte que se considera lesada, comunicação dos ofendidos (por um
probatória (que pode consistir em ou seus representantes legais. No Boletim de Ocorrência, por exemplo,
oitivas de testemunhas, interrogatórios, tocante às consequências, podem ir ou por requisição de autoridades
produção de documentos, desde indenizações a determinações como CRM, conselhos de ética, ou
juntada de pareceres, e exames de fornecimento de cuidados, juízes de processos cíveis), ou de
periciais sobre os pacientes ou documentos, ou outras formas de ofício.
33

Encerradas as investigações, o inquérito passa por Proferida a sentença ao final do feito, esta pode ser
análise do Promotor de Justiça que decidirá pelo absolutória ou condenatória, e em ambos os casos é
oferecimento de denúncia ou pelo arquivamento. Caso passível de recurso ao Tribunal tanto por parte da acusação
seja ofertada denúncia, terá início a fase de ação penal. quanto da defesa. Também são possíveis, a depender do
cabimento, recursos posteriores ao Superior Tribunal de
Nesta, há tanto a defesa escrita como a defesa oral Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal.
(interrogatório), bem como a possibilidade de oitiva de
testemunhas e vítimas. A parte vitimada poderá atuar As consequências dependem do crime imputado, indo de
como assistente do Ministério Público, ofertando multas, passando por penas alternativas como pagamento
documentos e realizando perguntas às testemunhas de cestas básicas e prestação de serviços à comunidade,
e ao acusado. a penas restritivas da liberdade que podem se dar em
regime aberto, semiaberto ou fechado.
34
34

13- OUTROS CUIDADOS GERAIS


13.1. Uso do jaleco
Mais do que uma peça de uniforme ou símbolo da profissão, o jaleco é uma barreira
de proteção contra micro-organismos, e assim, como ferramenta ligada à prevenção
de contaminações, é regulado pela ANVISA e pelo CFM.

Realmente, pesquisas demonstram que o jaleco é foco de presença de inúmeras


bactérias nocivas, sendo que os locais de maior concentração são os bolsos (mais
uma razão para sempre lavar as mãos!) e a região do abdômen, sendo a bactéria
mais prevalente o Staphylococcus aureus. Assim, é salutar não misturar o jaleco
com o utros objetos pessoais e vestimentas, e lavar a peça regularmente, separada
de outras peças de roupa.

É comum vermos profissionais circulando até mesmo De acordo com a Resolução 32 da ANVISA, o jaleco deve
com as vestimentas de centro cirúrgico, em conduta ser utilizado apenas dentro do ambiente de trabalho. Já
que desvirtua a função das vestimentas e expõe a riscos pelo CFM, os profissionais devem gravar nos jalecos o
os pacientes e demais profissionais, sobretudo em nome, o termo “médico”, e a especialidade. Além destas
ambientes como lanchonetes e restaurantes. regras, na cidade de São Paulo o uso em locais públicos
pode gerar multa ao profissional (médico, enfermeiro, ou
qualquer outro profissional de saúde).
35

13.2. Imunização dos profissionais da saúde

Para os profissionais de saúde as vacinas recomendadas aos cidadãos em geral (segundo


o Programa Nacional de Imunização e Portaria MS 597/2004) adquirem um caráter especial,
havendo um calendário específico, já que apresentam um risco aumentado de infecção
por microrganismos relacionados a doenças passíveis de prevenção por imunização, com
possibilidade de se tornarem também fonte de disseminação na comunidade.

Segundo a norma técnica de Vacinação do Estado de São Paulo, estas são:


• Inicial: Hepatite B + SCR (Sarampo, Caxumba, Rubéola) + DT (Di�eria, Tétano)
• 2 meses após a inicial: Hepatite B + DT
• 4 meses após a inicial: Hepatite B + DT
• Reforço a cada 10 anos: DT
• Influenza: anualmente
• Varicela: indicada para profissionais que atuam em determinadas áreas da saúde,
como pacientes imunodeprimidos

Além desta norma, a NR 32 do Ministério do Trabalho além daquelas citadas na própria norma (hepatite B,
fixa claramente a obrigatoriedade de o empregador tétano e di�eria).
disponibilizar todas as vacinas registradas no país que
possam, segundo critérios de exposição a riscos, estar Essa recomendação vale a todos os profissionais que
indicadas para o trabalhador e estabelecidas no Programa trabalham em instituições geradoras de saúde, seja em
de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), caráter assistencial ou administrativo.
36
36

13.3. Entrega de amostras grátis


Existe em nosso Código ou alterado”, produtos sem registro adequado na
Penal o delito de ANVISA ou com a composição em desacordo com o
“Falsificação, corrupção, registro, com redução de sua qualidade, atividade, ou
adulteração ou alteração valor terapêutico, de procedência ignorada, ou adquiri-
de produto destinado a dos de estabelecimentos sem a devida licença sanitária,
fins terapêuticos ou podem adentrar na seara da distribuição de amostras
medicinais”, que é dos grátis, já que não se sabe se aquele produto recebido de
crimes mais graves fato respeita a todos os registros, componentes, valor
previstos em nossa legislação, sendo inclusive considera- terapêutico preservado (seja por falha no produto ou no
do crime hediondo. armazenamento), etc.

O tipo abarca inúmeras condutas e situações, sendo Assim, a conduta adequada à proteção do profissional e
algumas de crimes que dependem de um resultado e também de todos os pacientes é a de abstenção do
outras de ocorrência meramente formal, ou seja, bastando recebimento e distribuição das amostras, deixando a
a mera conduta, havendo ainda a previsão tanto para tarefa de dispensação de medicamentos aos profissio-
a modalidade dolosa (intencional) quanto culposa (não nais adequados.
intencional) – como por negligência no cuidado exigível.
Na Instituição, a questão é normatizada, sendo absoluta-
No que tange especificamente às amostras grátis, a mente proibido o recebimento de amostras em qualquer
tipificação das condutas de distribuir ou entregar a local do território institucional, bem como ter consigo,
consumo “o produto falsificado, corrompido, adulterado ou mesmo entregar gratuitamente as amostras.
37

13.4. Relações com o poder público

Para a lei - Extraviar, sonegar, ou inutilizar ou deixar de levar o fato à


criminal, são documento; autoridade competente);
equiparados a - Emprego irregular de verbas - Advocacia administrativa (patroci-
funcionários públicas; nar interesse privado perante a
públicos para - Concussão (exigir vantagem, para administração pública);
fins da apura- si ou para terceiro, em razão da - Abandono de função;
ção e punição função); - Violação de sigilo funcional (isso
de crimes, mesmo aqueles que - Corrupção passiva (solicitar ou além do dever de sigilo já existente
exerçam atividade de forma tempo- receber, para si ou para terceiro, sobre as informações médicas, cuja
rária ou gratuita, se no âmbito da vantagem indevida ou aceitar violação é crime por si só); e
assistência à saúde. São os crimes promessa de vantagem. A pena - Violação do sigilo de proposta de
específicos: ainda é aumentada se o indivíduo concorrência pública.
retarda ou deixa de praticar ato de
- Peculato (apropriação ou desvio sua função); Todos esses casos são crimes que
de bens ou valores públicos); - Prevaricação (retardar ou deixar podem ser objeto de investigação
- Inserção (ou facilitação da inserção) de praticar ato de sua função, ou pelo Ministério Público ou pela
de dados falsos em sistema de faze-lo contra a lei, apenas por Policia Civil independentemente de
informações para obter vantagem sentimento ou interesse pessoal); alguma denúncia interna ou
ou causar dano; - Condescendência criminosa representação de eventual vítima,
- Modificação não autorizada em (deixar de responsabilizar podendo então tornar-se ações
sistema de informações; subordinado que cometeu infração penais.
38
38

13.5. Deveres de notificação


O primeiro caso, e o mais simples, é Por fim, há também a previsão de notificação compul-
a notificação compulsória de doenças, sória de violências interpessoais ou autoprovocadas
cuja lista é definida pelo Ministério (lesões ou tentativas de suicídio, por exemplo), esta feita
da Saúde. A omissão intencional desta apenas ao Ministério da Saúde caso não se enquadre nos
notificação, por qualquer profissional da casos acima – não sendo, assim, uma denúncia a outras
saúde, é prevista como crime (art. 269, Có- autoridades. Configuram as hipóteses: “Caso suspeito ou
digo Penal), com detenção de 06 meses a 02 anos e multa. confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual,
autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo,
Mas há também a previsão de notificação compulsória
trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências
de casos de violência doméstica, com a novidade, de
homofóbicas contra mulheres e homens em todas as
2019, que dispõe a necessidade de notificação com-
idades. No caso de violência extrafamiliar/comunitária,
pulsória também dos indícios, isto é de elementos que
somente serão objetos de notificação as violências contra
indiquem a situação de violência doméstica, mesmo sem
crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, pessoa
comprovação – tanto ao Ministério da Saúde como às
com deficiência, indígenas e população LGBT.”.
autoridades policiais ou Ministério Público.
A obrigatoriedade da notificação também vale para casos Em 2021 houve alteração na portaria que regula a comu-
de maus tratos contra crianças e adolescentes (Estatuto da nicação à autoridade policial de casos de violência contra
Criança e do Adolescente) – para a Sinan e Conselho Tutelar a mulher. Esta notificação deve ser feita tanto pelos
– e idosos conforme (Estatuto do Idoso) – para a autorida- serviços públicos quanto privados, no prazo de 24h, e
de Sanitária e o Ministério Público ou Conselho da Pessoa sem dados que identifiquem a vítima e o profissional de
Idosa. Para pessoas com deficiência (Estatuto da Pessoa saúde notificador.
com Deficiência), deve ser acionada a autoridade policial, A comunicação deve ser feita em canais digitais seguros,
MP ou Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência. nos termos do SINAN e da Portaria.
39

13.6. Aborto legal


No ano de 2020 algumas portarias do Minis- O profissional pode recusar-se a realizar pela escusa
tério da Saúde foram editadas no tocante de consciência, mas a Instituição em que trabalha deve
ao aborto legal (Portaria 2.282/2020 e fornecer o serviço por meio de algum profissional
Portaria 2.561/2020). habilitado – assim, caso o profissional seja o único
presente, deverá realizar o procedimento.
Vale lembrar que o aborto legal e seguro é
um direito da mulher e um dever do Estado e A norma vigente do Ministério da Saúde sobre questões
seus prestadores de serviços de saúde. formais da prática do aborto legal (Portaria 2.561/2020)
não prevê qualquer dever da equipe de informar à
Relembrando, o aborto é permitido em casos de risco à gestante sobre a possibilidade de visualizar o feto ou
vida da gestante (aborto terapêutico), em caso de embrião por meio de ultrassonografia. A comunicação
gravidez oriunda de violência sexual (aborto emocional), à autoridade policial não é obrigatória, devendo-se,
e no caso de fetos anencefálicos (permissão dada pelo contudo, preservar possíveis evidências de crime (como
STF na ADPF 54). fragmentos de embrião ou feto).

Outras situações podem ser pleiteadas ao Judiciário, A norma define ainda os termos que deverão integrar o
em caso de situações que envolvam o feto e sejam chamado Procedimento de Justificação e Autorização da
incompatíveis com a vida (como um exemplo, o Interrupção da Gravidez: relato; exames médicos e parecer,
Síndrome de Patau). Ao contrário dos casos anteriores, além de avaliação de equipe multidisciplinar; aprovação
nos quais não é necessário qualquer tipo de autorização de procedimento pela equipe; assinatura de termo de
ou documento policial ou jurídico, nestes casos deve ser responsabilidade pela gestante; assinatura de termo de
aguardada a decisão autorizadora. consentimento livre e esclarecido pela gestante.
40
40

13.7. Falsidade de atestado

O fornecimento de atestado médi- Também o atestado de óbito é documento que, se falso,


co falso é crime previsto no Código configura o crime. Porém, caso a falsidade do atestado
Penal, com penalidade que envolve de óbito vise a alterar a verdade em documento público
“detenção, de um mês a um ano” e (ex: alteração de causa mortis no Registro Público), o
multa. crime cometido é o de falsidade ideológica, que tem
pena de “um a cinco anos, e multa”, com aumento de um
O que se proíbe (e pune) é a entrega de sexto em razão da condição de funcionário público osten-
documento escrito dotado de falsidade tada por todos os colaboradores do Complexo.
referente a fato juridicamente relevante, isto é: a
afirmação a respeito de o paciente ser ou ter sido porta- Também há alteração do crime para o de certidão ou
dor de determinada moléstia, a afirmação falsa de que o atestado ideologicamente falso caso a vantagem a ser
paciente possui perfeita saúde, ou a certificação de que obtida com o documento seja também de natureza
o indivíduo sofre de enfermidade diversa daquela de que pública (ex: auxílio-doença), sendo a punição para este
realmente é portador. crime a “detenção, de dois meses a um ano”.

Essa falsidade recai tão somente sobre fatos concretos Vale dizer, por fim, que além da configuração de crime há
indiscutivelmente falsos, não incluindo meras divergên- também infração a artigos do Código de Ética Médica.
cias de opinião profissional ou erros de diagnóstico.
41

13.8. Medicina Defensiva


Já houve diversas matérias jornalísticas com afirmações Além da mera defesa, é largamente utilizada no arsenal
de que hospitais estariam premiando profissionais que de profissionais que dispõem de pouco tempo com cada
realizassem mais pedidos de exames, em troca de benefí- paciente – o que inviabiliza um exame físico adequado –,
cios financeiros, sendo chamada de “máfia dos exames”. seja por questões estruturais ou pela alta rotatividade,
Também um Ministro da Saúde já denunciou um suposto de modo a “cobrir as bases”.
exagero nos exames de imagem solicitados pelo SUS,
pois segundo ele 80% dos exames trariam resultados Acontece que, além de gritantemente antiética, tal modo
absolutamente normais, a evidenciar desperdício. de ação também gera claros problemas, aumentando
riscos de intercorrências, encarecendo a medicina e, até
Na verdade, ambas as situações podem ser vistas como mesmo, podendo mesmo levar à criação das tais “má-
parte da prática da chamada Medicina Defensiva, aquela fias”.
voltada à proteção do profissional e que parte da pre-
missa de que todo paciente é um inimigo em potencial, Frente a este cenário, recomenda-se que as decisões
e veio na esteira de um aumento nas demandas judiciais sejam sempre tomadas com consciência da sua real
ligadas à saúde, havendo uma decisão consciente para a necessidade, e não como mera tentativa de criar uma
solicitação de exames subsidiários, encaminhamentos a proteção – para isto, basta a conduta correta e bem
especialistas, e prescrição excessiva de medicamentos. registrada em prontuário.
42
42

14- LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS


Entrando em vigor em consentimento e o legítimo interesse.
agosto de 2020, a Lei
Geral de Proteção A lei também tem por objetivo aumentar a segurança
de Dados (LGPD) de informações confidenciais, de modo que tratará com
estabelece regras sobre mais rigor os dados passados entre os sistemas das
a coleta, armazena- próprias instituições, entre clínicas e hospitais, laborató-
mento, tratamento e rios ou operadoras de saúde.
compartilhamento
de dados pessoais, Além de precisar ser autorizado pelos pacientes, o
impondo obrigações de proteção e penalidades para o compartilhamento destas informações só poderá ser
não cumprimento de suas regras, com multas que feito se as mensagens forem criptografadas, ou seja,
podem chegar a R$ 50 milhões. codificadas.

A lei entende por “dados pessoais” qualquer informação Os pacientes terão o direito de saber quais dados cons-
relacionada à pessoa natural identificada ou identificável, tam no sistema e para que finalidade essas informações
e por “tratamento de dados” toda operação realizada serão utilizadas, bem como terão o direito de pedir a
com dados pessoais, como as que se referem à coleta, exclusão de seus dados.
classificação, utilização, acesso, reprodução, processa-
mento, armazenamento, eliminação, controle da Embora a troca de mensagens via aplicativos ou redes
informação, entre outros. O novo texto prevê nove sociais não estejam proibidas, os profissionais devem
hipóteses que tornam lícitos os tratamentos de dados, ficar atentos aos riscos assumidos para permanecer
com destaque a duas principais: fornecimento de dentro das exigências.
CONTATO
compliance@hc.fm.usp.br

1ª Edição - ano 2021

Você também pode gostar