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A cassação de mandato por quebra de

decoro parlamentar
Sindicabilidade jurisdicional e tipicidade

Eduardo Fortunato Bim

Sumário
1. Introdução. 2. A perda do mandato parla-
mentar: cassação vs. extinção. 3. Entraves episte-
mológicos ao controle jurisdicional dos atos de
cassação por quebra de decoro parlamentar em
nossa jurisprudência. 4. A inexistência da dou-
trina da insindicabilidade dos atos políticos ou
de governo (political question doctrine) na cassa-
ção de mandato de parlamentar. 4.1. A sindica-
bilidade jurisdicional dos atos interna corporis do
legislativo na Suprema Corte norte-americana
(Powell vs. Mc Comarck e Bond vs. Floyd). 5. A sin-
dicabilidade jurisdicional dos atos de cassação
de mandato parlamentar: existência de direitos
subjetivos em jogo. 6. A evolução da concepção
sobre o decoro parlamentar nas Constituições
brasileiras. 6.1. O decoro parlamentar como um
conceito indeterminado (CF/67 e de 1946). 6.2.
O decoro parlamentar como um conceito não
tão indeterminado (CF/69 e de 1988): tipicidade
constitucional. 7. A possibilidade de controle
sobre a definição regimental dos atos indecoro-
sos: inexistência de atribuição de cheque em bran-
co ao legislador regimental. 8. Os limites da sin-
dicabilidade jurisdicional do processo de cassa-
ção de mandato no direito constitucional brasi-
leiro: tipicidade e proporcionalidade. 8.1. O exa-
me da tipicidade: existência dos fatos e correta
qualificação normativa. 8.2. O controle da pro-
porcionalidade do ato de expulsão. 9. O ato in-
decoroso e o crime: incisos II e VI do artigo 55 da
CF/88. 9.1. A influência da esfera penal na parla-
mentar. 10. A ratio essendi da quebra de decoro
parlamentar e a inexistência do princípio da con-
temporaneidade: atos pré-mandato e os pratica-
dos fora da função parlamentar (art. 56 da CF).
10.1. A revogação da Súmula 4 do STF e a possi-
Eduardo Fortunato Bim é Advogado em São bilidade de se cassar o parlamentar afastado para
Paulo, SP. o exercício de cargos executivos (CF, art. 56). 11.
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A vedação da renúncia como instrumento de sal- pode ocorrer por extinção ou cassação
vação da cassação do mandato e da inelegibili- (MELLO FILHO, 1984, p. 124). Uadi Lammêgo
dade. 12. Conclusão. Bulos (2003, p. 770) define a cassação como
“o ato que decreta a perda do mandato pelo
cometimento de uma falta funcional, tipifi-
1. Introdução cada em lei e sancionada por ela.” José Afon-
so da Silva (2005, p. 539-540, grifo do au-
Em várias legislaturas, membros do tor), por sua vez, explica que extinção do man-
Legislativo têm o seu mandato cassado por dato “é o perecimento do mandato pela ocor-
quebra de decoro parlamentar, fazendo sur- rência de fato ou ato que torna automatica-
gir diversas questões jurídicas em torno do mente inexistente a investidura eletiva, tais
tema. Essas questões são relevantes porque como a morte, a renúncia, o não compareci-
o parlamentar vencido na esfera política mento a certo número de sessões expressa-
geralmente tenta a perpetuação de seu man- mente fixado (desinteresse, que a Constitui-
dato no Judiciário, invocando razões jurídi- ção eleva à condição de renúncia), perda ou
cas para obstar o julgamento político de seus suspensão dos direitos políticos”.
pares. A utilidade e razão da distinção reside
O conceito de decoro parlamentar foi na necessidade ou não de votação da Câ-
definido em nosso direito constitucional mara ou do Senado para a perda do manda-
somente na CF/1969, que imprimiu um ca- to do parlamentar e, ipso facto, na existência
ráter menos indeterminado a esse conceito. (cassação) ou inexistência (extinção) de juí-
Paralelamente, alguns atos tidos como in- zo político do parlamento.
decorosos são anteriores à vida de parla- Para os casos de cassação (incisos I, II e VI
mentar ou são da legislatura antecedente; do art. 55 da CF), há necessidade de votação
alguns são praticados quando o parlamen- secreta1 pela maioria absoluta dos membros
tar se afasta do parlamento para assumir da casa, mediante a provocação da respec-
funções executivas (ministérios, secretarias tiva Mesa ou de partido político representa-
etc.) ou quando tira simples licenças (CF, do no Congresso Nacional, assegurada a
art. 56). Discute-se se em tais casos há a pos- ampla defesa. Nos de extinção do mandato
sibilidade de cassação do mandato por que- (CF, art. 55, incs. III, IV e V), haverá apenas a
bra do decoro parlamentar, uma vez que tais declaração da Mesa, não votação secreta por
atos não foram praticados pelo parlamen- maioria absoluta.2
tar enquanto tal. Na cassação, a decisão tem natureza
Como questão prejudicial, tem-se o fato constitutiva; na extinção, meramente decla-
de o Judiciário considerar o ato de cassação ratória. Em ambos os casos, a Constituição
um ato exclusivamente político, logo, insin- assegura a ampla defesa ao parlamentar, o
dicável jurisdicionalmente pela aplicação que não significa a admissão de advogado
da political question doctrine. na tribuna, ficando tal matéria à disposição
O propósito deste estudo é responder a regimental.3
tais questões e algumas que gravitam em Na cassação de mandato, o parlamento
torno dela, tais como a renúncia para evitar move-se em duplo e cumulativo juízo: um
a cassação. objetivo (existência e enquadramento nas
situações previstas nos incisos I, II e VI) e
2. A perda do mandato parlamentar: outro subjetivo (aprovação por maioria ab-
cassação vs. extinção soluta – típica questão política). Sem a
existência de qualquer um deles, não há
A perda do mandato dos parlamentares que se falar em cassação de mandato par-
está prevista no artigo 55 da Constituição e lamentar.

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Por último, ressalte-se o fato de que a Nos antigos Recursos em Mandado de
Constituição vê ambas as formas de perda Segurança nos 8.893/SC (BRASIL, 1961, p.
do mandato (cassação e extinção) em uma 72) e 10.141/CE (BRASIL, 1964, p. 4432) e
visão procedimentalista, uma vez que cita nos recentes Mandados de Segurança nos
“processo que vise ou possa levar à perda” 21.8614, 23.5295 e 23.3886, o Supremo enten-
(CF, art. 55, § 4o). Essa visão procedimenta- deu que a cassação do mandato é uma ques-
lista também é usada na Constituição Fin- tão política (political question doctrine) por
landesa (seção 28, 3 e 4), uma vez que essa caber exclusivamente ao parlamento, im-
reconhece que a cassação do mandato por possibilitando ao Judiciário conhecer sobre
negligência essencial e reiterada dos deve- o mérito da cassação, ou seja, se houve ou
res de parlamentar e por fato grave que de- não quebra de decoro parlamentar.
monstre a ausência de confiança e respeito No pronunciamento mais recente de que
necessários às funções inerentes ao cargo se tem notícia (17 de agosto de 2005), o STF
tem que ser previamente aprovada pelo Co- – pela decisão monocrática do Ministro
mitê de Direito Constitucional antes de ser Cezar Peluso no RE 382.344/SP (agravo re-
votada por dois terços. No Brasil, a matéria gimental pendente) – manteve sua posição
é reservada ao regimento interno da casa de somente analisar os aspectos formais do
legislativa, assim como nos EUA, no qual a processo de cassação, confirmando a eluci-
Casa dos Representantes submete a resolu- dativa decisão do STJ (BRASIL, 2002c, p.
ção de expulsão à House Committe on Stan- 112):
dards of Official Conduct. “RECURSO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. DEPUTADO ESTA-
3. Entraves epistemológicos ao DUAL. PERDA DO MANDATO. MÉ-
controle jurisdicional dos atos de RITO. ATO INTERNA CORPORIS.
REPRESENTAÇÃO. VALIDADE.
cassação por quebra de decoro
– No tocante ao aspecto meritório
parlamentar em nossa jurisprudência da penalidade aplicada, à valoração
Questão prejudicial ao tema deste artigo e ao acerto da decisão daquela Casa
reside na possibilidade do controle jurisdi- Legislativa, se efetivamente o recorren-
cional dos atos de cassação; caso contrário, te é autor de procedimentos contrári-
pouco adiantará qualquer especulação ju- os à Ética e ao Decoro Parlamentar,
rídica sobre a quebra de decoro parlamen- na gradação suficiente para a medida
tar, porque não haverá nenhuma instância disciplinar adotada, tenho que esta
para controlar esse ato da casa legislativa, questão é de natureza unicamente
tornando-o incontrastável. política, interna corporis, sendo veda-
Para avaliar a sindicabilidade do pro- do ao Judiciário apreciar o recurso em
cesso e do ato de cassação de mandato, faz- tal direção. Resta, tão-somente, a esta
se necessário auscultar a doutrina da insin- Corte considerar o aspecto formal do
dicabilidade das questões políticas. Os pre- processo de cassação, com a aplica-
cedentes do Supremo que inadmitem a sin- ção dos princípios constitucionais da
dicabilidade do ato de cassação sob o pris- ampla defesa, contraditório e devido
ma da ocorrência ou não da quebra de deco- processo legal.
ro parlamentar baseiam-se na impossibi- – A representação instaurada pela
lidade de se controlar os atos interna Assembléia Legislativa do Estado com
corporis do Legislativo, por pertencerem a indicação de perda de mandato não
unicamente à esfera de decisão do precisa, obrigatoriamente, obedecer
parlamento, sendo questões exclusiva- aos parâmetros do art. 41, do CPP, ou
mente políticas. mesmo o art. 161, da Lei 8.112/90,

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devendo ater-se aos preceitos e regra- entre função política ou de governo da exe-
mentos insculpidos no diploma legal cutiva, existem os atos políticos ou de go-
específico da Assembléia Legislativa, verno ao lado dos atos administrativos. Res-
in casu, a Resolução no 766, de 16 de salte-se que os atos políticos não são privi-
dezembro de 1994.” légios do Executivo, podendo ser editados
Alexandre de Moraes ( 2005, p. 416) en- pelos outros Poderes da República, embora
tende da mesma maneira, aduzindo que, por nesses sejam menos freqüentes.
tratar-se de ato disciplinar do parlamento, Os atos políticos são aqueles mais dire-
não compete ao Judiciário analisar a tipici- tamente ligados à condução política do Es-
dade da conduta nas previsões regimentais tado. Nos primórdios do desenvolvimento
ou sob o acerto da decisão, “pois tal atitude da doutrina dos atos de governos, dizia-se
consistiria em indevida ingerência em com- que estes eram insindicáveis pelo Judiciá-
petência exclusiva de órgão do Poder Legis- rio lato sensu (o que inclui o contencioso ad-
lativo, atribuída diretamente pela Constitui- ministrativo para os países que o adotam).
ção Federal (CF, art. 55, §§ 1o e 2o), sem preju- Aliás, essa foi a razão de sua criação. Se-
ízo de qualquer recurso de mérito”. gundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello
Registre-se, em um primeiro momento, (1969, p. 416), “a criação dessa categoria de
não se tratar de jurisprudência restritiva por atos objetivou justamente excluir uma série
estar em causa a interpretação do regimen- de atos, de caráter político, do controle da
to interno das casas legislativas, uma vez Justiça”. Régis Fernandes de Oliveira (1992,
que a quebra de decoro está expressamente p. 35) também aduz que a criação dos atos
prevista na Constituição, sendo função do políticos “objetivou excluir determinadas
regimento simplesmente esclarecer o senti- atitudes estatais, de caráter político, da apre-
do constitucional. ciação pelo Poder Judiciário”. A tese separa
Torna-se, portanto, imprescindível ana- os atos de administração dos políticos; es-
lisar a political question doctrine para enten- tes extraem seu fundamento direto da Cons-
der a fundamentação das decisões do Su- tituição, aqueles das leis infraconstitucio-
premo em relação à insindicabilidade dos nais; a discricionariedade destes é maior do
atos de cassação de mandato. que daqueles, uma vez que a Constituição é
mais aberta.
4. A inexistência da doutrina da Eduardo García de Enterría (1995, p. 56),
insindicabilidade dos atos políticos ou de em sua clássica obra A Luta Contra as Imuni-
dades do Poder no Direito Administrativo, re-
governo (political question doctrine) na
chaça a tese da insindicabilidade dos atos
cassação de mandato de parlamentar de governo, in verbis: “Ao se insistir sobre a
Decorrente da teoria da separação de diferença qualitativa entre Política e Admi-
poderes, a political question doctrine, que po- nistração se está dizendo algo óbvio, mas é
deria ser traduzida como da insindicabili- uma petição de princípio pretender arran-
dade jurisdicional das questões políticas, foi car desta diferença material uma diferença
fruto da evolução da jurisprudência da Su- de regime jurídico.” Por isso, também John
prema Corte norte-americana e constava nas P. Roche, citado por Herman Pritchett (1968,
Constituições de 1934 (art. 68) e de 1937 (art. p. 177), “atacou a doutrina das questões po-
94) com idêntica redação: “É vedado ao Po- líticas taxando-a de ilógica, baseada em um
der Judiciário conhecer de questões exclusi- raciocínio circular: ‘Questões políticas são
vamente políticas.” problemas não solucionáveis pelo proces-
Entende-se por questões políticas aque- so judicial; problemas não solucionáveis
las decorrentes dos atos políticos ou de governo. pelo processo judicial são questões
Na classificação, que pressupõe a distinção políticas’”.

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No Estado de direito, não podem existir dito com justiça da doutrina dos atos políti-
círculos de poder imunes ao controle juris- cos que ela constitui pura e simplesmente
dicional, uma vez que uma de suas caracte- uma reminiscência da velha idéia da razão
rísticas é a responsabilidade pelos atos de Estado e do poder desta para subjugar
estatais, corolário da República (ATALI- em algum momento a justiça; este é justa-
BA, 1998); responsabilidade impossível mente o título, La survivance de la raison
sem o controle jurisdicional (CF, art. 5o, d´Etat, do famoso livro de André Gros (Pa-
XXXV). rís, 1932), e basta seu enunciado para con-
Prossegue Enterría (1995, p. 62) aduzin- denar sua presença em um Estado de Direi-
do que, excepcionalmente, os atos de rela- to que mereça esse nome”7.
ções internacionais estão isentos da apreci- No Brasil, fica clara a relação entre auto-
ação judicial por serem autênticos atos po- ritarismo e razões de Estado vestidas sob o
líticos, como ocorre no direito inglês com os caráter da insindicabilidade das questões
acts of State. Ele acredita, porém, que todos políticas quando no governo de Vargas –
os demais pretendidos atos de governo, social, mas não tutelador das liberdades
“sem exceção, são atos administrativos pu- individuais – ambas as Constituições (CF/
ros e simples, somente dotados de uma es- 1934, art. 68, e CF/37, art. 94) vedavam ao
pecial importância política (ordinaria- Poder Judiciário conhecer de questões ex-
mente em sentido da luta política)”, alegan- clusivamente políticas.
do ser exatamente essa importância que jus- Não se nega a existência, nos atos políticos (e
tificaria a sua classificação, razão pela qual também nos administrativos em sentido es-
se exigiria a sua análise mais cuidadosa pela trito), de uma zona de liberdade em que o Judici-
jurisdição, não havendo que se proclamar a ário não pode substituir o órgão decisor (politi-
sua isenção radical ante esta. cal question)8; mas daí defender a insindica-
A configuração política de um ato não bilidade de maneira ampla e genérica é fa-
exclui seu caráter político, fazendo de seus zer apologia à doutrina da razão de Estado,
defensores – coincidentemente os governan- inadmissível em um Estado de direito que
tes cujos atos não querem que sejam exami- faça jus a esse nome (Enterría), motivo pelo
nados sob o acidental prisma da legalidade qual a doutrina nacional em peso rechaça a
e constitucionalidade, principalmente quan- categoria dos atos políticos como atos in-
do causem dano ao direito individual dos sindicáveis.9
cidadãos ou dos próprios entes da federa- A seara da political question doctrine não
ção – autênticos sectários da doutrina da é demarcada pela pura e simples insindica-
razão de Estado. bilidade jurisdicional, sendo o círculo vici-
O que a doutrina da insindicabilidade oso descrito por John P. Roche, mas pelas
dos atos políticos propugna é exatamente questões que dizem respeito aos outros poderes
uma das formas de apologia das razões de (Legislativo e Executivo) ou ao eleitorado
Estado. Sob o pretexto de que o problema é como um todo e que não tenham norma visi-
político (argumento nunca bem compreen- velmente aplicável ao caso (CASTRO, 1999,
dido), quer-se violar o direito ou a moral (ar- p. 60; COELHO, 2004, p. 369; TRIBE, 2000,
gumentos sempre bem compreendidos nes- p. 367).
ses casos); e a melhor maneira de fazê-lo é Não se pode entrar na discricionarieda-
excluindo o controle jurisdicional, deixan- de do ato político, assim como também não
do o poder sem controle. se pode fazê-lo nos administrativos (embo-
Não por outro motivo – antes de relatar ra essa discricionariedade possa ser contro-
o desaparecimento da doutrina dos atos de lada sob alguns aspectos). O que identifica-
governo do direito francês –, Eduardo García mos como razões de Estado não é a resistên-
de Enterría (1995, p. 70) concluiu: “Se há cia contra a ingerência do Judiciário nessa

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discricionariedade – que nas questões polí- significar a existência de questões cons-
ticas deu azo à genuína political question titucionais isentas de controlo. Em pri-
doctrine –, mas a tentativa de absolutizar meiro lugar, não deve admitir-se uma
essa zona de discricionariedade do ato po- recusa de justiça ou declinação de compe-
lítico, impossibilitando qualquer tentativa tência do Tribunal Constitucional só
de controle jurisdicional. Afinal, ato políti- porque a questão é política e deve ser
co não pode ser confundido com ato arbi- decidida por instâncias políticas. Em
trário. Aceitar isso seria negar o Estado de segundo lugar, como já se disse, o pro-
direito porque este – nos dizeres de Jacques blema não reside em, através do controlo
Chevallier (2003, p. 132) – implica que a constitucional, se fazer política, mas sim
liberdade dos órgãos estatais, em todos os em apreciar, de acordo com os parâmetros
níveis, enquadra-se na existência de normas jurídico-materiais da constituição, a cons-
jurídicas, cujo respeito é garantido pela in- titucionalidade da política. A jurisdição
tervenção judicial. constitucional tem, em larga medida,
Rejeitando essa tentativa de alargamen- como objecto, apreciar a constitucio-
to das questões políticas, diversos autores nalidade do ‘político’. Não significa
norte-americanos criticaram-na, chegando isto, como é óbvio, que ela se transfor-
uns, como os brasileiros, a propugnar a sua me em simples ‘jurisdição política’,
extinção pelo perigo que a sua existência pois tem sempre de decidir de acor-
encerra à liberdade. Bernard Schwartz do com os parâmetros materiais fi-
(1966, p. 167) doutrinava: “‘Se admitirmos xados nas normas e princípios da
apenas uma exceção ao princípio da legali- constituição.”
dade’, como um jurista francês [Duguit] acer- Dizer que a cassação dos mandatos dos
tadamente declarou, ‘não podemos saber parlamentares é questão política, desauto-
aonde isto nos levará’... Admitir apenas uma rizando o judicial review, ignora de forma
exceção ao princípio da legalidade é dar o cristalina o requisito negativo dessa doutri-
primeiro passo fatal na direção da doutrina na: a ausência de norma diretamente aplicá-
alemã e dizer... com Jellinek: ‘O Estado está vel ao processo de cassação (CF, art. 58, § 1o).
acima de toda e qualquer regra de lei’.” Louis Reconhecer questão política no proces-
Henkin (apud TRIBE, 2000) (Is there a “poli- so de cassação de mandatos ignora outros
tical question” doctrine), depõe Tribe (2000, p. interesses vitais à democracia, como a liber-
367), “como outros, tem criticado duramen- dade de voto, pressuposto da soberania po-
te a idéia de que existem partes da Consti- pular, e as eleições livres, que vão além da
tuição para as quais o judiciário deve ser mera diplomação e posse. O poder de cas-
cego”. sar o mandato deve ser controlado pelo Ju-
A political question doctrine, na sua feição diciário, porque não são apenas interesses
absoluta, é muito bem explicada e refutada do parlamento que estão em jogo, mas de
por Canotilho (2002, p. 1291, grifo do au- toda a democracia, uma vez que expulsar
tor), em longo trecho que vale ser citado na parlamentares sem justa causa ameaça
íntegra: autorizar um poder sem controle sobre a
“O princípio foi definido pelo juiz vontade do eleitor e sobre a liberdade de
Marshall como significando haver eleição.
certas ‘questões políticas’, da compe- Inexiste motivo para que o Judiciário não
tência do Presidente, em relação às julgue o ato de cassação do mandato, con-
quais não pode haver controlo juris- clusão reforçada pela análise dos julga-
dicional. No entanto, como acentua a dos da Suprema Corte norte-americana
própria doutrina americana, a doutri- Powell vs. Mc Comarck e Bond vs. Floyd,
na das questões políticas não pode como se verá.

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4.1. A sindicabilidade jurisdicional dos o poder do Congresso de julgar os seus pa-
atos interna corporis do legislativo na res será limitado às qualificações previstas
Suprema Corte norte-americana (Powell na Constituição, não havendo como ampli-
vs. Mc Comarck e Bond vs. Floyd) ar o taxativo rol constitucional e nem que se
falar em questão política. Muito embora,
A resolução de expulsão do parla- corretamente, o Justice Douglas tenha afirma-
mentar tem tratamento diverso de acordo do que o caso não se confunde com o da
com o sistema e a cultura constitucional vi- expulsão do membro por comportamento
gente. Na Inglaterra, por exemplo, as cortes desregrado – disorderly behaviour (caso si-
não analisam a legalidade da cassação do milar ao nosso decoro parlamentar) –, a con-
parlamentar, sustentando a doutrina daque- clusão que se extrai do caso é que esse ato
le país que isso não é exatamente um pro- interna corporis não é ilimitado e muito me-
blema, porque contra eventuais abusos do nos imune ao judicial review quando há pre-
Parlamento existe a possibilidade de uma visão constitucional, ainda que vaga.
reeleição do parlamentar expulso, ou seja, No caso Bond vs. Floyd (1966), a Supre-
não haveria inelegibilidade como resultado ma Corte norte-americana reconheceu-se
da expulsão( BRADLEY; EWING, 2003, p. apta a julgar caso de expulsão de parlamen-
221). tar (Bond) da Casa de Representantes da
Por outro lado, nos EUA, a possibilida- Georgia por criticar a política do governo
de de análise judicial do processo de quali- federal na Guerra do Vietnã. Ela declarou a
ficação de seus membros foi expressamente expulsão inconstitucional por ofender a li-
admitida pela Suprema Corte. Exatamente berdade de expressão prevista na Primeira
a mesma corte que inaugurou a doutrina da Emenda à Constituição, que consistia em ex-
insindicabilidade das questões políticas. A pressar-se contra a Guerra do Vietnã, não
Constituição dos EUA admite que os parla- havendo que falar em incitação a condu-
mentares sejam julgados, em suas qualifi- tas subversivas (lembrar que era o auge
cações, pelos seus próprios membros. É o da Guerra Fria).
sistema de controle do processo eleitoral A diferença de regime do judicial re-
denominado verificação de poderes, pratica- view em relação aos atos políticos entre os
do na França em 1588 como uma concessão EUA e a Inglaterra reside em uma série de
do poder real e posteriormente consolidado fatores concatenados. Enquanto na Ingla-
na Inglaterra (GOMES, 1998, p. 24-25). terra tem-se a supremacia do Legislativo, nos
Nos Estados Unidos, distingue-se a ex- EUA tem-se a supremacia da Constituição.
pulsão da exclusão. A expulsão (expulsion) Por tradição, a Inglaterra tem uma visão exa-
equivale ao ato incompatível por quebra de cerbada da separação de poderes, fato ino-
decoro parlamentar, ocorrendo por escrutí- corrente nos EUA, no qual o Legislativo,
nio de dois terços e por disorderly behaviour. como todos os poderes do Estado, submete-
Na exclusão (exclusion), corolário da verifi- se ao império da Constituição. As seme-
cação de poderes, nega-se ao eleito sua vaga lhanças entre o sistema brasileiro e o nor-
no parlamento por votação majoritária te-americano, mas não com o inglês, sal-
(MASKELL, 2002, p. 3). Por causa da au- tam aos olhos. Temos uma Constituição
sência de requisitos constitucionais do par- escrita e temos a supremacia da Consti-
lamentar-eleito para ocupar sua vaga no tuição, que vincula todos os poderes do
parlamento, a exclusão é hoje entendida Estado10.
como não sendo uma punição disciplinar Não há que se falar em questão política
(MASKELL, 2002, p. 4). ou em ato interna corporis para justificar a
No caso Powell vs. Mc Comarck (1969), a insindicabilidade jurisdicional do ato quan-
Suprema Corte estadunidense decidiu que do a Constituição dá as balizas para o jul-

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gamento; como a brasileira fornece tal parâ- fixara o entendimento de que o que se
metro no artigo 58, § 1o, a sindicabilidade é exclui do conhecimento do Judiciário
possível. No entanto, isso não significa são os aspectos de conveniência e
dizer que o Judiciário pode substituir o oportunidade do ato, não os seus pres-
parlamento, mas somente que, em princí- supostos constitucionais ou legais. A
pio, a cassação é suscetível de controle Constituição vigente reforçou essa
jurisdicional. doutrina, ao dispor que a lei não po-
derá excluir da apreciação do Poder
5. A sindicabilidade jurisdicional Judiciário qualquer lesão de direito
dos atos de cassação de mandato individual (art. 141, § 4o).” (BRASIL,
1956, p. 3564, grifo nosso)
parlamentar: existência de direitos
Recentemente, o STF voltou a se pronun-
subjetivos em jogo ciar sobre a questão, admitindo a sindicabi-
Como se viu, o problema da sindicabili- lidade jurisdicional de questões aparente-
dade do ato ou processo de cassação reside mente políticas quando em jogo direitos sub-
na existência da doutrina das questões po- jetivos (BRASIL, 1992b, p. 88; 1999a, p. 792;
líticas (political question doctrine), que não 1999b, p. 88). Carlos Velloso (BRASIL,
existe no caso não só por ter norma consti- 1999b, p. 51), no voto no MS 21.564/DF, é
tucional expressa, mas ainda por existirem enfático quanto à inexistência de questão
direitos subjetivos lesados. puramente política quando em jogo direitos
O Ministro Sepúlveda Pertence (BRASIL, subjetivos:
1998a, p. 209) realçou a possibilidade de os “Onde houver a alegação no sen-
direitos dos parlamentares serem lesados tido de que um direito subjetivo, pú-
enquanto tais: blico ou privado, está sendo violado,
“Há casos, entretanto, em que a lá estará o juiz para curar a lesão. É
violação de norma regimental pode, certo que há atos de natureza pura-
sim, a meu ver, violar direito subjeti- mente política, tanto do Congresso
vo; não só de terceiros, de estranhos quanto do Executivo, que estão imu-
ao Congresso, mas, também, de mem- nes ao controle jurisdicional. Todavia
bros do Congresso, que têm, como ins- – a lição é velha, mas é atual, é a do
trumentos do exercício do seu man- maior constitucionalista brasileiro, é
dato, numerosos direitos-função que de Ruy –, ‘a violação de garantias in-
não lhes podem ser subtraídos, seja dividuais, perpetradas à sombra de
por violação de norma constitucional, funções políticas, não é imune à ação
legal ou regimental.” dos tribunais.’”
No processo de cassação do mandato do Não discrepando desse entendimento, o
parlamentar, estão em jogo seus direitos Ministro Celso de Mello (BRASIL, 1998a,
subjetivos; e quando existem direitos subje- p. 2001), ao votar no MS 22.494/DF,
tivos em jogo, não há que se falar em politi- consignou:
cal question doctrine. Por isso, a doutrina da “É da essência de nosso sistema
insindicabilidade das questões políticas so- constitucional, portanto, que, onde
fre críticas da doutrina e da jurisprudência quer que haja uma lesão a direitos
de nossa Suprema Corte. Como entende o subjetivos, não importando a origem
Supremo desde a década de 50: da violação, aí sempre incidirá, em
“A tese de que as questões políti- plenitude, a possibilidade de contro-
cas escapam à apreciação judiciária le jurisdicional. A invocação do cará-
tem de ser aceita em termos. Já na vi- ter interna corporis de determinados
gência das Constituições anteriores se atos, cuja prática possa ofender direi-

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tos assegurados pela ordem jurídica, ação leva-a à Justiça e a Justiça pode
não tem o condão de impedir a revi- dela conhecer. Já não é exclusividade
são judicial de tais deliberações. Os política.”
círculos de imunidades de poder – Eduardo García de Enterría (1995, p. 62)
inclusive aqueles que concernem ao afirma: “Proclamar a imunidade jurisdicio-
Poder Legislativo – não o protegem da nal da Administração nessas matérias, as-
intervenção corretiva e reparadora do sim genérica e imprecisamente chamadas
Judiciário, que tem a missão de fa- políticas, implica nada mais nada menos
zer cessar os comportamentos ilíci- do que consagrar que a Administração pode
tos que vulnerem direitos públicos operá-las sem limite legal algum, inclusive
subjetivos.”11 atropelando os direitos mais elementares e
Em nossa doutrina, não se passa dife- mais óbvios dos cidadãos”. Por isso,
rente. Entende-se, desde Ruy Barbosa Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1969,
(1933), que não existe questão exclusivamen- p. 417), ao negar a sua existência sob a au-
te política quando se ferem direitos subjeti- sência de critérios científicos para a sua
vos de alguém. Depois de dizer que não constatação, aduziu que, “no Estado de Di-
existe nada mais artificial do que a distin- reito, torna-se inadmissível atividade insus-
ção entre questões políticas e jurídicas, Ruy cetível de controle do Judiciário, quando vi-
Barbosa (1933, p. 42) afirmou: “Quando a ola direitos e causa danos.”
pendência toca a direitos individuais, a jus- Powell vs. Mc Comarck (1969) é um típico
tiça não se pode abster de julgar, ainda que exemplo de a negação da diplomação ou
a hipótese entenda com os interesses políti- posse ao parlamentar ser questão sindicá-
cos de mais elevada monta.”12 Mais recen- vel pelo Judiciário porque há direitos subje-
temente, Pontes de Miranda (1960, p. 204), tivos envolvidos, como nos casos de expul-
após listar algumas matérias que são consi- são do parlamentar por quebra de decoro.
deradas como questões políticas, doutrinou Constata-se o mesmo em Bond vs. Floyd
com precisão: (1966), quando a Suprema Corte reconhe-
“As espécies de que tratamos são ceu sua jurisdição para declarar inconstitu-
as que comumente se apontam como cionalidade da exclusão de Bond da Casa
excludentes do judicial review. Ora, de Representantes da Georgia por criticar a
não se podem enumerar casos, por- política do governo federal na Guerra do
que tais casos ratione materiae não exis- Vietnã.
tem. O que existe é a regra de compe- Embora se referisse ao impeachment, a li-
tência. O que um Poder, Legislativo, ção do Ministro Sepúlveda Pertence é apli-
Executivo ou Judiciário, faz – dentro cável ao processo de cassação de mandato
de suas atribuições – vale, nos casos por quebra de decoro parlamentar, uma vez
concretos; o que qualquer deles prati- que esse também se submete a uma tipologia
ca fora das suas atribuições, ferindo constitucional mínima13, ou seja, a uma defi-
direitos públicos e privados, a que nição mínima dos atos indecorosos por parte
correspondam ações ou exceções, é da Constituição, conforme veremos no pró-
suscetível de ser considerado incons- ximo item. Disse o Ministro do STF:
titucional. Quando John Marshall di- “(...) não excluo, por exemplo, que cai-
zia que as questões por sua natureza ba ao Poder Judiciário a verificação
política nunca poderiam ser ventila- da existência, em tese, da imputação
das na Corte Suprema, pronunciava de um crime de responsabilidade,
frase vaga, que não se pode repetir sem dada a exigência constitucional, que
perigo. Onde a ‘questão política’ se é peculiar ao nosso sistema, de sua
liga a atos que violaram direitos, a tipificação em lei, ainda que não ex-

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 73


clua a ampla discricionariedade e a ro parlamentar, advertindo: “No fundo, fal-
exclusividade do juízo do Senado na ta de decoro parlamentar é a falta de decên-
concretização dos conceitos inde- cia no comportamento pessoal, capaz de
terminados da definição legal típica desmerecer a Casa dos Representantes (in-
dos crimes de responsabilidade.” continência de conduta, embriaguez, etc.) e
(BRASIL, 1999b, p. 58) falta de respeito à dignidade do Poder
Posta a possibilidade do judicial review Legislativo, de modo a expô-lo a críticas in-
do processo de cassação de mandato por fundadas, injustas e irremediáveis, de for-
quebra de decoro, uma vez que há (i) direta ma inconveniente.”
disposição constitucional e também (ii) di- O poder de legislar seria de pouca valia
reitos subjetivos em jogo (os do parlamentar se não houvesse o poder de punir os mem-
cassado ou em vias de sê-lo), atraindo a bros por quebra de decoro ou desobediên-
cláusula do artigo 5o, XXXV, da CF com toda cia às regras da casa (que precisam estar
a sua força normativa (princípio da máxi- previstas no regimento para dar azo à cas-
ma efetividade dos direitos fundamentais), sação do mandato – CF, art. 58, § 1o). Quan-
vejamos a concepção de decoro parlamen- do um membro perde de tal maneira o senso
tar nas Constituições brasileiras. de dignidade e dever do cargo de parlamen-
tar, o parlamento cai na desgraça pela inde-
6. A evolução da concepção sobre o corosa conduta, sendo indispensável o po-
decoro parlamentar nas der de expulsão pela grave conduta ofensi-
va ao decoro; poder esse que é excepcional,
Constituições brasileiras
constituindo o último dique de contenção
O parlamento tem o direito de punir e da dignidade da instituição parlamentar.
até expulsar os seus membros por conduta Na Inglaterra, Bradley e Ewing (2003, p. 220,
incompatível com o decoro parlamentar. tradução nossa) aduzem que “a expulsão é
Esse poder deriva da “compreensão de que, a última sanção disciplinar que a Casa pode
no universo da honra, a conduta desonra- exercer sobre seus membros”. Logo, esse po-
da não se esgota no indivíduo que a come- der punitivo tem natureza político-discipli-
teu, mas compromete todo o coletivo a que nar (CAVALCANTI, 1952, p. 59; MORAES,
ele pertence. Pois se um membro partilha 2005, p. 416).
da honra de seu grupo, e com este se Essa natureza disciplinar do processo
identifica predominantemente, a sua deson- de cassação tem uma importante conse-
ra se reflete sobre a honra de todos. Havia, qüência prática: o seu impulsionamento de
assim, uma honra coletiva a ser preservada, ofício, salvo regra legal ou regimental em
que encontrou expressão na noção de sentido contrário. Não pode o denunciante
decoro parlamentar.” (TEIXEIRA, 1996, p. encerrar o processo sob o fundamento de
112). querer retirar a sua denúncia. O processo
O decoro parlamentar serve para extir- disciplinar é indisponível, sendo apenas o
par a maçã podre do parlamento, que com- impulso inicial exclusivo das pessoas arro-
promete a imagem e abala a segurança e es- ladas no regimento do parlamento. A me-
tabilidade das instituições, uma vez que a lhor analogia é com a ação penal pública e
simples existência do Estado não é sufici- com a ação direta de inconstitucionalidade.
ente para acabar com a guerra de todos con- O poder de expulsar um membro não está
tra todos; somente a crença e o respeito nas reduzido a ofensas cometidas durante a ses-
instituições são capazes de fazê-lo. Nele re- são parlamentar (ou durante a legislatura)14,
side uma defesa da instituição parlamen- mas se estende a todos os casos nos quais a
tar. Miguel Reale (1969, p. 89), de maneira ofensa é tamanha que, a juízo da casa legis-
acertada, expõe a função de defesa do deco- lativa, desapropria-o de seus deveres parla-

74 Revista de Informação Legislativa


mentares15. A imposição de decoro parla- 6.1. O decoro parlamentar como um
mentar é uma defesa do parlamento, razão conceito indeterminado (CF/67 e de 1946)
pela qual a condição de parlamentar é a que
importa, não a temporariedade ou qualida- As Constituições de 1946 e de 1967 dis-
de do ato tido como indecoroso. punham sobre a perda do mandato por con-
Tal poder não é uma exclusividade bra- duta incompatível com o decoro parlamen-
sileira. Com maior ou menor diferença, ou- tar de maneira genérica. Dizia o artigo 48, §
tras Constituições também o prevêem. Por 2o, da CF/46: “Perderá, igualmente, o man-
exemplo, na Constituição norte-americana dato o Deputado ou Senador cujo procedi-
(art. I, seção 5, cláusula 2), o comportamen- mento seja reputado, pelo voto de dois ter-
to incompatível com o decoro parlamentar é ços dos membros de sua Câmara, incompa-
chamado de comportamento desregrado – tível com o decoro parlamentar.” Por sua
disorderly behaviour; na Constituição argen- vez, o artigo 37, II, da CF/67: “Perde o man-
tina (1994), o artigo 66 fala em desorden de dato o Deputado ou Senador: (...) II – cujo
conducta; a Constituição Finlandesa (seção procedimento for declarado incompatível
28) preceitua negligência essencial e reite- com o decoro parlamentar;”.
rada (essentially and repeatedly neglects) de Ambas não definiram o que se entende-
seus deveres como parlamentar ou por acu- ria por decoro parlamentar, deixando uma
sação que demonstre a ausência de confi- ampla margem de discrição ao Legislativo
ança e respeito necessários às funções ine- sobre a extensão da expressão. Como os
rentes ao cargo (“If the offence is such that vocábulos da Constituição têm conteúdo
the accused does not command the trust and semântico mínimo, o que se tinha – e ainda
respect necessary for the office of a Repre- se tem, embora com o plus da tipicidade –
sentative”). era uma definição de decoro parlamentar
O decoro parlamentar, em uma acepção como exposta por Manoel Gonçalves
não normativa, pode ser entendido como Ferreira Filho (1997, p. 330): “Entende-se por
prática de atos que ferem a imagem do Parla- atentatório ao decoro parlamentar a condu-
mento, como violação de regras e menti- ta que fira os padrões elevados da morali-
ra. Segundo os léxicos, decoro significa dade, necessários ao prestígio do mandato,
correção moral, compostura, decência, à dignidade do Parlamento.” Celso Bastos
dignidade, nobreza, honradez, brio (DE- (1999, p. 243), por sua vez, doutrina: “O par-
CORO, 1999, p. 611; DECORO, 2001, p. lamentar deve ter conduta impecável, con-
922). dizente com o prestígio da função que de-
No entanto, essa concepção léxica do sempenha. O comportamento incompatível
conceito de decoro não serve bem à Consti- do congressista com os padrões éticos exi-
tuição, porque houve uma alteração normativa gidos pela dignidade do Parlamento é cau-
na fisionomia do decoro parlamentar. Confor- sa bastante para a perda do mandato.”
me se verá, era um conceito indeterminado Nesse quadro normativo, pode até pare-
nas Constituições brasileiras até a Consti- cer razoável que o STF se esquive de anali-
tuição de 1967. A partir da CF/69, foi alte- sar a ocorrência ou não do decoro parla-
rada a sua natureza para imprimir-lhe o ca- mentar por dizer que isso é uma questão
ráter de puro conceito legal, deixando-o me- política. Quem teria que dizer o que se en-
nos indeterminado, muito embora tenha que tende por decoro seria a própria casa legis-
se balizar ao limite semântico da expressão, lativa ofendida, não outro poder. Embora
ou seja, não se admite que qualquer ato seja tal concepção infirmasse a força normativa
tido por indecoroso, mas tão-somente aque- da Constituição e ignorasse a doutrina da
les que demonstrem um conteúdo mínimo sindicabilidade dos atos políticos quando
de desonra ou descompostura. em jogo direitos subjetivos, ela não agredia

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 75


tão diretamente a Constituição quanto a sua aqui, o rígido princípio da legalidade
aplicação agride hoje. criminal”.
De qualquer maneira, frise-se que, se por Na Constituição de 1988, manteve-se a
um lado os conceitos indeterminados têm tipificação constitucional do decoro parla-
um núcleo mínimo de significado que não mentar. Em seu artigo 55, § 1o, preceitua
pode ser desprezado, por outro não se está ser incompatível com o decoro parlamen-
perante uma political question quando se tem tar, além dos casos definidos no regimen-
texto constitucional expresso que a resolva to interno, o abuso das prerrogativas
e a decisão não pertença ao eleitorado como asseguradas a membro do Congresso
um todo ou exclusivamente aos poderes Nacional ou a percepção de vantagens
executivo ou legislativo (CASTRO, 1999, indevidas16.
p. 60; COELHO, 2004, p. 369; TRIBE, 2000, Percebe-se que existem três hipóteses cons-
p. 367). titucionais de quebra de decoro parlamentar:
(i) os casos previstos no regimento (a
6.2. O decoro parlamentar como um mais ampla de todas);
conceito não tão indeterminado (CF/69 (ii) o abuso das prerrogativas assegura-
e de 1988): tipicidade constitucional das a membro do Congresso Nacional, As-
Com o advento da EC 1/69, a situação sembléias Legislativas e Câmaras de Verea-
normativa do decoro parlamentar foi modi- dores; e
ficada. Dispunha o artigo 35 da CF/69: (iii) percepção de vantagens indevidas.
“Perderá o mandato o deputado ou Quando a acusação do comportamento
senador: incompatível com o decoro parlamentar,
(...) II – cujo procedimento for declara- seja no Senado, seja na Câmara dos Depu-
do incompatível com o decoro parla- tados, for formalizada, é preciso que ela, sob
mentar ou atentatório das instituições pena de ofensa à Constituição, descreva con-
vigentes; (...) duta prescrita em uma daquelas três hipó-
§ 1o Além de outros casos definidos teses constitucionais. A maior amplitude
no Regimento Interno, considerar-se- acusatória certamente residirá nos regimen-
á incompatível com o decoro parla- tos internos e nos seus respectivos códi-
mentar o abuso das prerrogativas as- gos de ética e decoro parlamentar (como
seguradas aos congressistas ou a re- no caso da Câmara dos Deputados, que
cepção, no exercício do mandato, de instituiu o Código de Ética e Decoro Par-
vantagens ilícitas ou imorais.” lamentar como uma extensão do seu regi-
Cristalino é o fato de que a previsão cons- mento interno)17.
titucional (de 1969) dos atos incompatíveis Embora a Constituição exija uma tipifi-
com o decoro parlamentar era tipificada. cação dos atos indecorosos nos regimentos
Havia previsões de três tipos – expressão internos, o decoro parlamentar continua re-
emprestada do direito penal – para os atos lativamente indeterminado em face da car-
atentatórios ao decoro parlamentar. ga axiológica que ainda se pode nele inserir
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1972, e da descrição aberta do tipo previsto no re-
p. 230) afirmava que a CF/69 “restringiu o gimento. Carla Costa Teixeira (1996, p. 124)
âmbito do decoro parlamentar. De fato, à explica a razão da maior indeterminação do
luz deste parágrafo [§ 1o do art. 35], cumpre decoro: “O decoro parlamentar, como um
afirmar que não há infração ao decoro par- código de honra, precisa se referir aos valo-
lamentar apta a ensejar a perda do manda- res de uma época e de um grupo. Vem daí
to, senão quando configurar ação ou omis- sua necessária imprecisão, sua natureza
são descrita como tal, na Constituição ou avessa à plena tradução em atos especifica-
no regimento interno. Adotou-se, pois, dos juridicamente.”

76 Revista de Informação Legislativa


O abuso das prerrogativas asseguradas 6.2.1. A questão do quórum de cassação
a membro do Congresso Nacional seria o como corolário da menor indeterminação
equivalente a abusar das imunidades ou- do conceito de decoro parlamentar
torgadas ao parlamentar para o bom e
independente desempenho de seu cargo Reforça a tese de que houve uma consci-
(BASTOS, 1999, p. 243). Ressalve-se que ente tipificação constitucional dos atos ti-
o exercício das imunidades não pertence dos como incompatíveis com o decoro par-
tão subjetivamente ao próprio parlamen- lamentar a questão do quórum de cassação
to, podendo ser controlado se o parlamen- do mandato.
to não extrapolou na qualificação de in- Na Constituição dos EUA, a inserção do
decoroso do regular exercício das imuni- quórum de 2/3 dos votos dos parlamenta-
dades. res ocorreu porque havia um receio de que
Precisa a advertência de Miguel Reale as paixões políticas levassem grupos majo-
(1969, p. 88): “Grave risco cercearia o regi- ritários a cassarem colegas também eleitos
me democrático se ‘faltar ao decoro parla- pelo povo por motivos outros que não fosse
mentar’ viesse a significar, também, preten- o comportamento desregrado. Por isso,
sos excessos praticados pelo parlamentar inspirados no sistema estadunidense
no exercício de seu dever de crítica e de fis- (MAXIMILIANO, 1954, p. 75; REALE, 1969,
calização dos negócios públicos, a começar p. 90-91), copiamos o seu quórum e o ca-
pelos da própria Casa a que pertence.” Não ráter aberto do conceito de decoro (“deco-
há que se falar em ato interna corporis, sendo ro parlamentar” aqui e “comportamento
perfeitamente admitido o controle judicial desregrado” lá) nas Cartas de 1946 e de
sobre o eventual abuso, como admitiram o 1967.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul18 e Quanto maior a indeterminação do con-
a Suprema Corte norte-americana, que, no ceito que autoriza a perda do mandato, mais
julgamento Bond vs. Floyd (1966), decidiu que elevado é o quórum para proteger a repre-
a cassação do parlamentar por criticar a po- sentação cristalizada no mandato dos ca-
lítica do governo federal em relação à Guer- prichos da maioria. Isso não ocorre apenas
ra do Vietnã era inconstitucional por violar na Constituição dos EUA, está presente na
a liberdade de expressão, prevista na pri- Magna Carta Finlandesa também. Nesta
meira emenda à Constituição norte-ameri- Constituição, na seção 28, há duas previ-
cana19. sões abertas: a primeira consistente na ne-
A percepção de vantagens indevidas gligência essencial e reiterada dos deveres
pode ser definida como qualquer benefício de parlamentar (3), a segunda na acusação
que o parlamentar receba, seja de particula- por fato que demonstre a ausência de confi-
res, seja do próprio Estado por meio de seus ança e respeito necessários às funções ine-
órgãos, sem título legítimo. A legitimidade rentes ao cargo (4). Em ambos os casos, o
da vantagem deverá ser aferida formal e quórum de cassação é de maioria qualifica-
substancialmente, sendo possível provar tal da (2/3).
ilegitimidade pela via indiciária (desde que Com a tipificação constitucional dos atos
seja um feixe de indícios convergentes). Não indecorosos promovida pela Constituição de
se exige mais a contemporaneidade da per- 1969 e seguida pela de 1988, a possibilida-
cepção da vantagem indevida com o man- de de que paixões políticas no processo de
dato, como ocorria com o regime constituci- cassação influenciassem em sua condução
onal de 1969. Vantagens indevidas auferi- diminuiu sensivelmente, uma vez que as
das antes do mandato ou fora dele são ca- chances de arbítrio são remotas com um con-
pazes de violar o decoro parlamentar, au- ceito de decoro parlamentar tipificado. Con-
torizando a cassação do mandato. seqüentemente houve uma redução do quó-

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rum de cassação, que passou de 2/3 (CF/ sação pela quebra de decoro em uma des-
46 e 1967) para maioria absoluta (CF/69 e culpa para revogar mandatos legitimamen-
1988). te conferidos pelo povo.
Em suma, defender que há incontrolável A teoria do cheque em branco ignora a
âmbito de atuação e qualificação dos atos força normativa dos vocábulos constitucio-
indecorosos aos parlamentares é interpreta- nais, uma vez que o decoro parlamentar não
ção retrospectiva, uma vez que “procura in- pode ser encarado como uma desculpa qual-
terpretar o texto novo de maneira a que quer para cassar o mandato parlamentar
ele não inove em nada, mas, ao revés, fique pela maioria; tal proceder compactua com a
tão parecido quanto possível com o antigo onipotência da maioria e com o arbítrio, vi-
(BARROSO, 2003, p. 71)20”. No atual siste- olando diversos corolários do princípio de-
ma normativo (desde a Carta de 1969), os mocrático: proteção das minorias contra a
atos indecorosos são constitucionalmente tipifi- maioria (TOCQUEVILLE, 1998, p. 289-305),
cados, diminuindo o poder do parlamento contenção do arbítrio estatal21 e preserva-
para cassar o mandato baseado no inciso II ção da representação, cristalizada no man-
do artigo 55 da CF. dato outorgado pelo povo.
O mandato dado pelo povo não pode ser
7. A possibilidade de controle sobre a usurpado pela maioria parlamentar sem que
definição regimental dos atos indecorosos: estejam presentes as hipóteses constitucio-
nais, o que não significa que o parlamento
inexistência de atribuição de cheque em
deva se intimidar com a gravidade da
branco ao legislador regimental pena a ser aplicada. Por isso, faz-se ne-
Definidos os atos tidos como atentado- cessário delimitar o conceito de decoro
res ao decoro parlamentar pelo regimento para que o regimento interno não preveja
interno da casa legislativa, poderiam esses atos indecorosos que manifestamente não
ser controlados pelo Judiciário? A questão o são.
é relevante porque esse é o único caso em Celso Bastos (1999, p. 236) aduz que o
que a Magna Carta delega a tarefa de defi- conceito de decoro parlamentar não é tão
nir os procedimentos incompatíveis com o amplo que abarque qualquer forma de imo-
decoro parlamentar ao regimento, de modo ralidade, mas tão-somente aquela que aten-
que, pela amplitude de tal delegação, a casa te contra o prestígio do parlamento. São suas
legislativa facilmente pode extrapolar seu as palavras:
poder delegado e prever atos manifestamen- “O que parece certo é que o consti-
te não-indecorosos como ofensivos ao deco- tuinte não quis encampar toda e qual-
ro parlamentar. quer forma de moralidade, mas ape-
As palavras da Constituição têm que ter nas aquela cuja lesão possa depor
um significado mínimo, sob pena de menos- contra o decoro parlamentar, ou seja,
prezo a sua força normativa. Quando a CF/ contra a nobreza, a dignidade, cuja
88 fala em decoro parlamentar, ainda que degradação possa influir no próprio
remeta a sua definição ao regimento, não o conceito do Parlamento. Por isso, Nel-
faz de forma ilimitada, não passa um cheque son de Souza Sampaio refere-se ao
em branco ao legislador regimental. Ainda que decoro como uma moralidade exteri-
haja amplitude na definição dos atos incom- or ou expressão externa da honradez
patíveis com o decoro parlamentar, não há ou auto-respeito. Não se trata de coi-
como ignorar o conteúdo mínimo da expres- sas que se passam no foro íntimo de
são como algo que minimamente fira a dig- cada um, mas de comportamentos, de
nidade, a imagem, a respeitabilidade do par- atitudes que, pelo seu caráter incom-
lamento, sob pena de transformar-se a cas- patível com o bom proceder de um

78 Revista de Informação Legislativa


parlamentar, acabam por depor dade do parlamento. Em regra, ninguém
contra a própria reputação da insti- melhor do que o próprio Parlamento para
tuição.”22 saber quais os atos imorais que ofendem o
Rubem Nogueira (1993, p. 354) tem en- seu decoro; por isso a delegação ao regimen-
tendimento semelhante ao dizer que não é to interno. No entanto, tal poder tem limites
qualquer ato contrário à moral (ou ética) que no conteúdo semântico mínimo da expres-
autoriza a cassação do mandato parlamen- são decoro parlamentar. Se a previsão regi-
tar, mas o declarado incompatível com o mental estiver em desacordo com o signifi-
decoro parlamentar. cado mínimo do decoro, ou seja, o ato mani-
Esse entendimento fica bem evidente em festamente não for indecoroso, o Judiciário
antigo pronunciamento do STF (RMS 2.319), pode anular o processo de cassação, con-
da lavra do Min. Nelson Hungria (BRA- trolando a constitucionalidade do regimen-
SIL, 1954, grifo nosso), que, após realçar to interno de forma incidental (que não im-
a sindicabilidade judicial da cassação por possibilita, antes recomenda, o controle con-
quebra de decoro parlamentar, negando centrado).
seu caráter puramente discricionário 23,
expôs: 8. Os limites da sindicabilidade
“Não é exato que o reconhecimen- jurisdicional do processo de cassação de
to dessa incompatibilidade atende a
mandato no direito constitucional
critério meramente subjetivo. Admiti-
lo valeria por admitir, obliquamente,
brasileiro: tipicidade e proporcionalidade
o arbítrio que a Constituição e a lei
8.1. O exame da tipicidade: existência
ordinária repelem.
dos fatos e correta qualificação normativa
Não fica ao puro capricho da Câmara
Legislativa esse reconhecimento, pois, de Em regra, o Judiciário não pode dizer se
outro modo, qualquer atitude de um de tal ato é ou não ofensivo ao decoro parla-
seus membros, por mais alheia ao decoro mentar, exceto e excepcionalmente se o ato
parlamentar, poderia ser considerada não estiver enquadrado em uma das três
ofensiva deste, com a mais intolerável hipóteses constitucionais ou ele estiver fora
desgarantia à função de representante do conteúdo semântico mínimo da expres-
do povo. são constitucional decoro parlamentar. Estar
O critério de apreciação há de ser, fora do conteúdo semântico mínimo da ex-
necessariamente, objetivo, isto é, ten- pressão também é uma afronta à tipicidade
do por base ‘id quod plerumque porque pune ato que a Constituição não
accidit’. autoriza, já que ela não passou um cheque
A ofensa ao decoro parlamentar há em branco ao parlamento na interpretação
de ser reconhecível segundo a opinião das duas condutas constitucionais que ca-
geral.” (BRASIL, 1954, p. 891, grifo racterizam os atos incompatíveis com o de-
nosso). coro parlamentar ou na previsão de outras
Se essas afirmações deram-se em face da no regimento.
CF/46, quando o conceito de decoro era in- A tipicidade dos atos indecorosos exige
determinado, com tanto mais razão e de que, mais do que o enquadramento em al-
maneira mais rigorosa deve ser aplicável ao guma das hipóteses constitucionais, ela efe-
conceito de decoro parlamentar da CF/88, tivamente deva ocorrer no mundo dos fatos.
que agora é determinado, tipificado pela Não estão imunes ao controle os atos de cas-
Magna Carta. sação fundados em motivos inexistentes ou
Deduz-se, dessa forma, que o ato inde- os que, embora fundados em motivos exis-
coroso tem que ser imoral e ofender a digni- tentes, foram erroneamente qualificados.

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 79


Pensar diferente poderia levar à cassa- dos servidores públicos (BRASIL, 2005b, p.
ção de mandato não somente por atos ine- 13), a punição na esfera parlamentar é um
xistentes como por atos que não se enqua- pouco mais delicada. Os padrões puniti-
drariam em nenhuma das hipóteses consti- vos de reprovabilidade são carregados de
tucionais (acusação de um fato e qualifica- intensa paixão e sensibilidade política, con-
ção por outro), o que se revela arbitrário, tendo grande carga axiológica, constituin-
negando a essência do Estado de direito e do área em que o Judiciário normalmente
abalando exatamente o fundamento das ins- não tem a sensibilidade necessária para
tituições que o parlamento alega defender dosar a pena. Somente em casos excepci-
ao proceder a cassação de mandato por que- onais deve o Judiciário se ingerir na cor-
bra de decoro. reção da intensidade da punição parla-
O parlamento não é tão senhor de si as- mentar.
sim; não pode escolher quem permanece e Nessas hipóteses excepcionalíssimas, o
quem vai ser cassado. Admitir isso seria Judiciário não deve substituir a pena apli-
negar o poder investido ao parlamentar pe- cada pelo parlamento, mas declará-la des-
los votos populares e ser conivente com per- proporcional, determinando que a autori-
seguições políticas às minorias ou a desafe- dade competente aplique outra que seja
tos da maioria parlamentar. menos grave (BRASIL, 2000c, p. 293).
Não há como negar que o primeiro re-
quisito para a instauração de um processo 9. O ato indecoroso e o crime: incisos
de cassação de mandato por quebra de de- II e VI do artigo 55 da CF/88
coro “é a existência de um ato que, por sua
natureza, possa configurar, objetivamente, O fato indecoroso não precisa constituir
uma infração a um dever político determi- crime, mas o sendo, não há óbice ao proces-
nado: quando não há qualquer correspon- so de cassação, ainda que tal fato seja objeto
dência lógica entre o supedâneo fático (para de investigação ou processo judicial, re-
empregarmos expressões de Pontes de Mi- vestindo, por assim dizer, uma dupla ti-
randa) e a norma constitucional invocada, picidade24.
o que surge, sob a aparência de um proces- Ives Gandra da Silva Martins (1994, p.
so, é o abuso ou desvio de poder, como de- 267) – em opinião legal, frise-se – deixou-se
corrência do puro querer da maioria.” seduzir pelo argumento de que o fato de o
(REALE, 1969, p. 91) ato tido como indecoroso ser capitulado
como crime inibiria a cassação de mandato
8.2. O controle da proporcionalidade pelo inciso II do artigo 55 da CF/88, restan-
do ato de expulsão do somente a possibilidade de cassação pelo
Quanto à proporcionalidade da puni- inciso VI do mesmo artigo. Entendeu o ju-
ção, o tema é mais delicado. Poderia o Judi- rista: “Se todo o ato considerado criminoso
ciário medir a graduação da pena discipli- fosse também tido como atentatório ao de-
nar imposta ao parlamentar? Em outras coro parlamentar, à evidência, o n. VI nun-
palavras, poderia entender o Judiciário que ca poderia ser utilizado, na medida em que
a pena de expulsão já imposta ou a ser im- a sanção pretendida viria com a singela apli-
posta é desproporcional à conduta do par- cação do n. II.”
lamentar e anulá-la, ou o processo, ou mes- Não faria sentido suprimir o poder dis-
mo substituí-la? ciplinar da casa legislativa exatamente nos
O controle da proporcionalidade é, em casos mais graves, como são os crimes. O
regra, vedado ao Judiciário. Embora a nos- voto do Ministro Octavio Gallottti (BRASIL,
sa Suprema Corte admita o controle da pro- 1992b, p. 794), no MS 21.443 foi categórico a
porcionalidade das punições disciplinares esse respeito:

80 Revista de Informação Legislativa


“Nem seria compreensível que, nas do Judiciário, embora em ambos os casos
hipóteses presumivelmente mais gra- haja observância à tipicidade (da lei penal
ves de quebra de decoro (as coinci- ou a da Constituição, seja direta ou indireta
dentes com tipos delituosos), a ação – regimento interno), mais intensa na seara
de disciplina da Câmara ficasse tolhi- criminal.
da pela dependência e a espera não Em segundo lugar, o fato de o ato inde-
só da deliberação do Poder Judiciá- coroso constituir crime não poderia trans-
rio, como da própria iniciativa do ór- formá-lo em salvo-conduto para o parlamen-
gão do Ministério Público, em se tra- tar faltoso, deixando o parlamento indefe-
tando de crime de ação pública.” so. Na interpretação das normas constitu-
Aceitar que a existência do crime – por cionais, deve-se atentar para as exegeses que
ser causa autônoma de perda do mandato – evitem o absurdo, bem como as que restrin-
impede a cassação por quebra de decoro alija gem a eficácia dos preceitos constitucionais.
o poder disciplinar do parlamento, confun- A previsão da perda do mandato por con-
dindo a esfera político-disciplinar do par- denação criminal transitada em julgado tem
lamento com a judicial. Atos indecorosos a função de proteger o parlamento – não ne-
podem ter descrição parecida com a de um cessariamente o parlamentar – e não de pre-
crime, mas não preencher todos os seus pres- judicá-lo. É que, além da perda do cargo
supostos porque, não raro, as acusações são público ser efeito secundário, embora não
de crimes (nominalmente falando), mas os automático, da sentença criminal condena-
fatos se enquadram em descrições regimen- tória transitada em julgado (art. 92, I, do CP),
tais ou constitucionais que comumente não ela também suspende os direitos políticos
têm todos os elementos do crime. Agregue- (CF, art. 15, III), levando, se não fosse o arti-
se que, não raras vezes, pelo princípio da go 55, VI, à extinção do mandato do parla-
tipicidade em matéria penal, por questões mentar. Em suma, com a previsão constitu-
processuais, por prazos prescricionais etc., cional, a perda não é automática, dependen-
o criminoso não é condenado ou o é muito do da avaliação da casa parlamentar em um
tempo após o término da legislatura. Sus- juízo político (processo de cassação) para
tentar que atos indecorosos não podem ser averiguar eventuais danos à imagem da ins-
criminosos é garantir a desonra do parla- tituição.
mento, deixando-o aleijado enquanto não
transitar em julgado a condenação do pro- 9.1. A influência da esfera penal na parlamentar
cesso judicial nos casos presumivelmente Ao Legislativo interessa a prova do fato
mais graves. feita perante ele, que não se confunde com a
Ademais, a existência de crime não jus- sua prova ou qualificação judiciária. Inilu-
tificaria a impossibilidade da perda de man- divelmente há uma independência das es-
dato por quebra de decoro somente porque feras cíveis, criminais e político-disciplina-
há disposição específica sobre o crime como res.
causa autônoma. Sabe-se que o julgamento da esfera pe-
Primeiro, porque não se sabe se o fato é nal, quando absolve por inexistência do fato
realmente um crime, só quem poderá dizê- ou da autoria (o que não se confunde com a
lo é o Judiciário, após processo em que fo- ausência de provas sobre eles), impossibili-
rem observadas as garantias inerentes ao ta a ação cível ex delicto, bem como eventual
devido processo legal, não o Legislativo. Se punição disciplinar dos servidores públi-
o fato for crime, a causa da perda é outra cos. Essa relação da jurisdição penal com a
que não a simples quebra de decoro, embo- cível influenciaria a esfera parlamentar
ra a descrição do fato seja a mesma. A qua- quando a sentença criminal reconhecesse a
lificação que o Legislativo faz é diferente da inexistência do fato ou da autoria?

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 81


Acredita-se que sim. Se na esfera dis- 10. A ratio essendi da quebra de
ciplinar do Poder Executivo essa influên- decoro parlamentar e a inexistência do
cia existe25, não haveria motivos para que princípio da contemporaneidade: atos
ela não existisse na punição disciplinar pré-mandato e os praticados fora da
parlamentar, que tem natureza político-
função parlamentar (art. 56 da CF)
disciplinar (BRADLEY; EWING, 2003, p.
220; CAVALCANTI, 1952, p. 59; MORA- Estabelecida a premissa de que o ato de
ES, 2005, p. 416). Essa natureza política, cassação é sindicável – com limites – pelo
agregada à disciplinar, não é uma pala- Judiciário e que os atos indecorosos preci-
vra mágica para imunizar o juízo políti- sam se amoldar a uma das três hipóteses
co. Alegar a separação de poderes seria constitucionais de quebra de decoro parla-
argumento frágil porque no Executivo, que mentar, investigue-se a possibilidade da
é tão Poder quanto o Legislativo, o STF cassação do mandato por quebra de decoro
reconhece a influência da jurisdição parlamentar quando o ato praticado prece-
criminal. de ao mandato ou foi praticado pelo parla-
Obviamente, essa influência somente mentar afastado em uma das hipóteses do
advirá com o trânsito em julgado da deci- artigo 56 da CF/88.
são ou quando ela sair da esfera ordinária, Embora o TJSC tenha decidido (em caso
indo para a especial. Assim não fosse, uma de cassação de mandato de vereador) que a
absolvição de um juiz de primeiro grau bas- contemporaneidade entre os atos indecoro-
taria. De qualquer modo, o magistrado de- sos com a legislatura em curso do mandato
verá ser cauteloso para ordenar – em pro- que se quer cassar deve existir, impossibili-
cesso próprio, não no criminal – a reinte- tando a cassação por ato anterior26, ela não
gração do parlamentar cassado pelo reco- existe. Não se exige a contemporaneidade do ato
nhecimento na sentença penal da inexistên- indecoroso com o mandato a ser cassado. A elei-
cia do fato ou da autoria antes do trânsito ção não é uma borracha que expia os peca-
em julgado. Embora haja perigo na demora dos do passado ou a sua potencialidade le-
para o parlamentar cassado, que não pode- siva à imagem do parlamento.
rá assumir o cargo em virtude da cassação, Nos autos do MS 23.388, as informações
também o há para o parlamento, cuja ima- do Presidente da Câmara dos Deputados
gem continuará conspurcada e que não po- são esclarecedoras a esse respeito:
derá processá-lo novamente, ficando inerte “28. Dúvida inexiste, pois, que a
e esperando o resultado dos longos e prote- quebra de decoro parlamentar afeta
latórios recursos da esfera criminal (que direta e imediatamente às Casas Le-
podem até caminhar para a prescrição). A gislativas, transferindo a má imagem
análise, no processo administrativo ou ju- do congressista indecoroso à própria
dicial em que o parlamentar tentará a rein- instituição que integra.
tegração, dos motivos da absolvição no pro- (...) e o bem jurídico tutelado é a
cesso penal deve ser substancialmente críti- boa imagem ou, mesmo, a credibilida-
ca, evitando a sacralização do título abso- de que o Parlamento deve ter perante
lutório penal que pode acabar absolvendo a Nação, como condição primeira
por uma causa do artigo 366 do CPP e escre- para o eficaz exercício de suas fun-
vendo outra. ções institucionais.
Efeito importante reside no cancelamen- 30. Em assim sendo, consideran-
to da inelegibilidade de oito anos estabele- do que a manutenção da imagem do
cida pela LC 64/90 (art. 1o, I, b), podendo tal Poder Legislativo não pode se ater a
cancelamento ocorrer por declaração da Jus- critérios exclusivamente cronológicos,
tiça Eleitoral. ligados à duração das legislaturas,

82 Revista de Informação Legislativa


pois a instituição parlamentar é per- do mandato, da função parlamentar) e, ipso
manente, tem-se também que o expur- facto, merece ser refutado separadamente, é
go dos maus congressistas que cons- o de que não há possibilidade de cassar o
purcam sua imagem não deve se limitar mandato do parlamentar por atos que pra-
à coexistência entre a prática dos atos inde- ticou quando assumiu cargos do Executivo,
corosos e o momento em que o poder censó- nos termos do artigo 56 da CF. Aduz-se que,
rio da instituição faz operar seus efeitos. por serem atos praticados na condição de
31. Destarte, nada obsta que De- secretário ou ministro de Estado, eles não
putado, autor de atos atentatórios ao poderiam ser tidos em conta para a quebra
decoro parlamentar em determinada de decoro parlamentar, uma vez que o par-
legislatura, possa responder a proce- lamentar não exercia as funções de parla-
dimento disciplinar destinado à per- mentar.
da de seu mandato em legislatura sub- Ademais, a revogação da Súmula 4 do
seqüente, para a qual se restringiu; isto STF vem reforçar tal entendimento, na me-
porque o dano à imagem do corpo legisla- dida em que prevê: “Não perde a imunida-
tivo, de ter no seu seio autor de fato inde- de parlamentar o congressista nomeado
coroso, persiste íntegro, independente da ministro de Estado.” No Inquérito 104, ela
legislatura em que foi praticado aquele foi revogada sob o argumento de que o par-
ato.” (BRASIL, 2001b, p. 105) lamentar investido da função de Ministro
Esse entendimento também foi acatado de Estado não perde o mandato, porém não
por unanimidade pelo Supremo Tribunal pode invocar a prerrogativa da imunidade
Federal (BRASIL, 2001b, p. 209): – material ou processual – pelo cometimen-
“(...) Sustenta-se que a cassação do to de crime no exercício da nova função
mandato, para nova legislatura, fica (BRASIL, 1982, p. 477).
restrita à hipótese de, no curso dessa O argumento da revogação da Súmula 4
legislatura, se verificarem condutas, do STF pode ser assim resumido: se o parla-
dela contemporâneas, capituláveis mentar não pode invocar a imunidade, é
como atentatórias do decoro parla- porque não estaria ao abrigo do regime par-
mentar. (...) 6. Tese invocada, acerca lamentar constitucional, não podendo, con-
da inexistência de contemporaneida- seqüentemente, faltar com o decoro parla-
de entre o fato típico e a competência mentar, parte integrante desse regime. Como
da atual legislatura, que se rejeita.”27 se não fosse suficiente, punir por quebra de
O rechaço da tese da contemporaneida- decoro o parlamentar investido em funções
de torna admissível, em nosso sistema jurí- executivas quebraria o equilíbrio entre os
dico, a cassação de mandato por ato inde- poderes, ferindo a cláusula da separação de
coroso praticado antes da legislatura em poderes (CF, art. 2o).
questão, ainda que o parlamentar não o te- O argumento peca pela ausência de con-
nha praticado nessa qualidade, ou seja, ain- sistência, porque é somente o regime das
da que ele estivesse licenciado do parlamen- imunidades o que não se aplica ao que está
to ou não fosse um parlamentar. afastado do cargo de parlamentar para as-
sumir funções executivas por ausência do
10.1. A revogação da Súmula 4 do exercício do mandato. A revogação da Sú-
STF e a possibilidade de se cassar o mula 4 do STF reconhece somente isso: sem
parlamentar afastado para o exercício exercício do mandato, sem imunidade. A
de cargos executivos (CF, art. 56) ausência de proteção penal não significa que
Argumento de certa forma superado pelo o parlamento perdeu o poder disciplinar
item anterior, mas que parece ter certa auto- sobre o membro licenciado em termos de de-
nomia (lá, atos pré-mandato, aqui, atos fora coro ou, em última instância, que o parlamen-

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 83


to não poderia ter a sua respeitabilidade ma- dato (que ainda existe), então não autori-
culada pelo membro licenciado ou afastado. zam a imunidade parlamentar constitucio-
O fundamento do poder punitivo por nal, que só serve para quem está exercendo
atos incompatíveis com o decoro parlamen- as funções de parlamentar. Quem está no
tar está na maculação que o comportamen- Executivo não exerce as funções de parla-
to do parlamentar causa ou pode causar à mentar, mas não perde o mandato, poden-
dignidade da instituição parlamentar. Pou- do ferir o decoro do parlamento, uma vez
co importa se o parlamentar está ou não exer- que ainda está vinculado ao parlamento.
cendo o mandato, estando afastado para Não há que se confundir a imunidade com
assumir algum cargo executivo, em licença- o poder disciplinar do parlamento.
saúde ou para tratar de interesse particular. Argumento que deve ser visto com cui-
A dignidade do parlamento pode ser macu- dado é o risco de haver uma ingerência do
lada de qualquer maneira enquanto o par- Poder Legislativo, por meio do processo de
lamentar for um de seus membros, ainda que cassação do mandato, na política do Execu-
esteja afastado ou licenciado (CF, art. 56). tivo, ferindo a separação de poderes. Não
Lapidares as palavras de Carla Teixeira existe a alegada interferência, uma vez que
(1996, p. 113): a política do Executivo estará a salvo, não
“Na identidade parlamentar, o havendo como o parlamento influenciar nis-
anonimato inexiste, seja enquanto ide- so. Se o parlamentar for cassado, a pena não
al ou prática, pois a valorização do atingirá o cargo executivo, uma vez que a
sujeito se dá a partir do seu pertenci- cominação de inelegibilidade não alcança
mento ao corpo de parlamentares; a cargos de confiança – cargos não elegíveis
pretensão/reconhecimento de uma por natureza. O Executivo continuará com
imagem (prestígio e dignidade) é fun- o seu ministro ou secretário, se quiser, não
damental no desempenho de sua fun- havendo nenhuma interferência entre os
ção; a condição de deputado federal poderes da República.
integra todas as demais inserções so- A Administração Federal é exercida pelo
ciais do sujeito (...) Pois é imprescin- Presidente, sendo somente auxiliada pelos
dível à honra/decoro parlamentar ministros, não havendo que se falar em in-
que o sujeito tenha uma conduta dig- gerência em outro poder (CF, art. 84, II), prin-
na em todas as circunstâncias da vida cipalmente atentando que, embora a nome-
cotidiana: nas obrigações como pai, ação seja prerrogativa do Presidente da Re-
marido, filho, empresário/trabalha- pública, na prática, ela é dividida com mem-
dor, contribuinte e, por fim, represen- bros do Poder Executivo, legisladores, juí-
tante político. Não é possível postu- zes e com representantes do setor privado,
lar meia honra – em apenas uma esfe- como bem observa Louis Fisher no presiden-
ra social –, pois a honra rejeita a frag- cialismo norte-americano (FISHER, 1997, p.
mentação do sujeito; a honra é sem- 22)28. Não menos verdadeiro é que, ainda
pre pessoal.” que houvesse alguma ingerência, essa seria
Admitir que o afastamento para assumir mínima e perfeitamente afinada com a se-
funções executivas exime o parlamentar de paração de poderes na medida em que certa
se comportar com decoro seria negar a pró- interferência entre os poderes faz parte do
pria condição de parlamentar, fato inocor- sistema de check and balances29.
rente, uma vez que a Constituição fala em Essa situação não se alteraria se os atos
afastamento e não em renúncia do mandato indecorosos praticados pelo Ministro de
ou aposentadoria compulsória. Estado fossem aqueles previstos na sua com-
O argumento do STF é claro: se os atos petência constitucional (CF, art. 87) ou in-
não foram praticados no exercício do man- fraconstitucional. O ato praticado nas fun-

84 Revista de Informação Legislativa


ções institucionais dos Ministros ou Secre- 11. A vedação da renúncia como
tários pode ser enquadrado como ato incom- instrumento de salvação da cassação
patível com o decoro parlamentar desde que do mandato e da inelegibilidade
eles estejam naquele mínimo constitucional
semântico do conceito de ato indecoroso e Por último, não se poderia deixar de
sejam tipificados pelo regimento ou se enqua- abordar o § 4o do artigo 55 da Constituição
drem em uma das hipóteses constitucionais. Federal e o Decreto Legislativo 16/94.
As esferas cíveis, criminal e administra- Com o caso dos anões do orçamento, em
tiva não se confundem porque os bens que que os parlamentares acusados de mano-
elas protegem são distintos, exigindo formas brar o orçamento tinham o pedido de cassa-
jurídicas diferenciadas para essa tutela. ção pronto, mas não foram cassados por-
Como as esferas de responsabilidade do que renunciaram aos seus cargos antes da
Legislativo (quebra de decoro) e do Executi- votação, o Congresso aprovou o Decreto
vo (crimes de responsabilidade) são distin- Legislativo 16, de 24/3/1994, estabelecen-
tas, elas necessitam de formas diversifica- do que a renúncia do parlamentar ficaria
das para a sua proteção, ensejando a possi- sujeita a uma condição suspensiva, só pro-
bilidade de punição por atos que estejam duzindo efeitos se a decisão final não con-
elencados no artigo 87 da CF, desde que res- cluísse pela perda do mandato. Dispõe o seu
peitada a tipicidade constitucional dos atos artigo 1o:
indecorosos e de seu mínimo semântico. O “A renúncia de parlamentar sujei-
argumento parece levar à impossibilidade to a investigação por qualquer órgão do
da punição dos atos indecorosos pratica- Poder Legislativo ou que tenha contra
dos no exercício dos poderes conferidos aos si procedimento já instaurado ou proto-
Ministros ou Secretários de Estado por ofen- colado junto à Mesa da respectiva Casa,
sa à separação de poderes, mas esquece o para apuração das faltas a que se re-
importante: não importa com base em que o ferem os incisos I e II do art. 55 da
ato indecoroso foi praticado, na maioria dos Constituição Federal, fica sujeita a
casos sempre haverá alguma desculpa le- condição suspensiva, só produzindo
gal e/ou constitucional para a sua prática, efeitos se a decisão final não concluir
o que importa é a tipicidade e sua real lesi- pela perda do mandato.
vidade (ainda que potencial) ao decoro do Parágrafo único. Sendo a decisão
parlamento. Certamente o Judiciário deve final pela perda do mandato parla-
controlar a tipicidade do ato (existência e mentar, a declaração da renúncia será
qualificação do fato) e a sua compatibilida- arquivada.”
de com o mínimo semântico do conceito Ficou evidente a intenção do legislador
constitucional de decoro parlamentar para de evitar que se repetisse a impunidade do
saber se não há um desvio de poder na utili- caso dos anões do orçamento, protegen-
zação dessa sanção disciplinar. do a imagem do Congresso e mantendo
Por último, deixe consignado que o par- ativo o seu poder disciplinar. Ademais,
lamentar licenciado não precisa retornar à aprovou-se também uma emenda à Cons-
casa legislativa para que possa ser cassado tituição, inserindo o § 4o ao artigo 55, in
por quebra de decoro. Ainda que licencia- verbis:
do, submete-se ao processo de cassação de A renúncia de parlamentar subme-
mandato por quebra de decoro porque a tido a processo que vise ou possa le-
imagem do parlamento continua passível var à perda do mandato, nos termos
de conspurcação. Esperar o parlamentar li- deste artigo, terá seus efeitos suspen-
cenciado retornar pode causar ainda mais sos até as deliberações finais de que
danos à imagem da instituição parlamentar. tratam os §§ 2o e 3o.

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Embora Alexandre de Moraes (2005, p. norma mais restritiva que a Lei Maior, con-
417) entenda que houve uma constitucio- vivendo ambos os preceitos normativos?
nalização do Decreto Legislativo 16/94, a Acredita-se que sim. Somente seria inadmis-
questão merece maiores desenvolvimentos, sível a regulamentação diferente da forma
porque tal decreto é mais rigoroso que a Lei prevista na Constituição se ela quisesse es-
Maior. gotar a matéria, o que não é o caso. Embora
Enquanto o decreto legislativo fala em a Emenda Constitucional seja posterior ao
“parlamentar sujeito a investigação” ou Decreto, não se vê elementos para dizer que
“que tenha contra si procedimento já instau- ela é exaustiva, fechada (numerus clausus),
rado ou protocolado junto à Mesa”, a Consti- impossibilitando prescrições mais restriti-
tuição fala em “parlamentar submetido a vas por instrumentos infraconstitucionais.
processo que vise ou possa levar à perda do A inserção do § 4o ao artigo 55 da CF tem o
mandato”. Pela Constituição, haveria a ne- mérito de tirar das maiorias eventuais um
cessidade de processo instaurado; pela re- núcleo duro da sistematização da matéria –
dação do Decreto Legislativo, o simples pro- a suspensão da renúncia enquanto o parla-
tocolo junto à Mesa seria suficiente. Mas o mentar estiver submetido a processo que vise
Decreto não pára por aqui: preceitua que a ou possa levar à perda do mandato –, mas
simples investigação por qualquer órgão do Po- não impede a sua normatização mais restri-
der Legislativo é suficiente para suspender os tiva nas esferas parlamentares federal, esta-
efeitos da renúncia (“sujeito a investigação por dual e municipal.
qualquer órgão do Poder Legislativo”). No caso do Congresso Nacional, vale o
O que precisa ficar claro é o momento em Decreto Legislativo 16/94. Nas Assembléi-
que se inicia a suspensão do pedido de re- as Legislativas e nas Câmaras de Vereado-
núncia ao mandato. Para precisar tal mo- res, aplica-se o § 4o, artigo 55, da CF/88 caso
mento, urge analisar as relações entre o De- não haja regulamentação diversa e mais res-
creto Legislativo 16/94 e a Constituição. A tritiva, uma vez que a Constituição Federal
inserção do § 4o ao artigo 55 revogaria a nor- é o limite mínimo e não máximo, podendo
ma constante do Decreto Legislativo 16/94? as casas parlamentares, fruto de sua auto-
Existe a possibilidade de ambas as normas nomia, dispor de maneira mais restritiva.
conviverem? Deixa-se um último questionamento
A questão afigura-se fundamental por- quanto à possibilidade de o parlamentar re-
que, se houver uma renúncia inválida e a querer aposentadoria para escapar do pro-
cassação se confirmar, haverá inelegibilida- cesso de cassação, uma vez que a cassação
de por oito anos (LC 64/90, art. 1o, I, b), pos- da aposentadoria de servidores públicos é
sibilitando ao parlamentar que renunciar constitucional, ainda que os benefícios pre-
para evitar a inelegibilidade sofrer ação de videnciários assumam caráter contributivo
impugnação de registro de candidatura. (BRASIL, 2005a, p. 4), não havendo que se
Preliminarmente, é preciso ressaltar que falar em violação ao ato jurídico perfeito
a função do Decreto Legislativo é regular as (BRASIL, 2002a, p. 629; 2002b, p. 161) ou a
relações internas do Congresso, motivo pelo uma proibição de bis in idem (BRASIL,
qual não precisa de sanção do Executivo. 2002a, p. 629). Se a pena disciplinar de cas-
Logo, ele teria condições de determinar a sação da aposentadoria para o servidor pú-
suspensão da renúncia para evitar impuni- blico será aplicada quando o inativo hou-
dades, acarretando a inelegibilidade nos ver praticado, na atividade, falta punível
termos da LC 64/90 (art. 1o, I, b). com a demissão (Lei 8.112/90, art. 134), é de
Outra questão que se afigura é a relação se perguntar se não se aplicaria o mesmo
entre a Constituição e o Decreto Legislativo. regime (ainda que com fundamento unica-
Poderia o Decreto Legislativo estabelecer mente constitucional, como ocorre com o

86 Revista de Informação Legislativa


prosseguimento do impeachment nos EUA, um direito subjetivo em jogo, afastando a
mesmo depois da renúncia do Presidente) insindicabilidade jurisdicional.
(TRIBE, 2000, p. 157-158) ao parlamentar Por um motivo e/ou pelo outro, é perfei-
cassado, uma vez que ele, de certa forma, tamente sindicável o processo de cassação
também é um servidor federal, embora na de mandato por quebra de decoro parlamen-
categoria agente político. tar pelo Judiciário. O Poder Judiciário não
pode lavar as mãos quanto à análise do pro-
12. Conclusão cesso de cassação do mandato do parlamen-
tar.
A análise judicial do processo de cassa- O decoro parlamentar não é mais um
ção de mandatos não esbarra na insindica- conceito tão indeterminado quanto nas
bilidade da questão puramente política. A Constituições de 1967 e de 1946, quando era
doutrina da questão política (political ques- um puro conceito indeterminado, uma vez
tion doctrine) propugna, de forma geral, que que elas somente falavam em decoro par-
o Judiciário não pode se imiscuir em assun- lamentar, não dando mais nenhuma baliza
tos decididos pelos outros poderes quando para a descoberta do conceito, deixando
a decisão é atribuída a outro poder ou ao amplíssima margem de liberdade ao
eleitorado como um todo e não há parâme- Legislativo. No entanto, nas Constituições
tro constitucional. Não é, entretanto, o que de 1969 e na de 1988, o conceito de decoro
ocorre na cassação dos mandatos dos par- sofreu uma mutação normativa; ficou mais
lamentares. Embora a questão seja de com- preciso, sendo constitucionalmente tipifica-
petência de outro poder (Legislativo), tem do. Essas Constituições definiram o que se
claro parâmetro constitucional: o § 1o do entenderia por quebra de decoro. O atual §
artigo 55 da Magna Carta. Derrubando o 1o do artigo 55 da Lei Maior preceitua que
mito de que o julgamento pelo parlamento os atos incompatíveis com o decoro parla-
da qualificação de seus pares seria uma mentar são aqueles que: (i) são definidos no
questão política ou interna corporis, a Supre- regimento, (ii) abusam das prerrogativas as-
ma Corte norte-americana (Powell vs. Mc seguradas a membro do Congresso Nacio-
Comarck) entendeu inválida a desqualifica- nal ou (iii) consistem em percepção de van-
ção de um parlamentar (Powell) pelo Con- tagens indevidas.
gresso porque os motivos alegados excede- O atual sistema normativo preceitua que
ram as possibilidades constitucionais. Em- o decoro parlamentar tem que estar definido
bora o julgamento refira-se ao sistema de con- no regimento ou consistir em atos caracteri-
trole eleitoral chamado verificação de pode- zadores de abuso das prerrogativas asse-
res, no qual o próprio Legislativo cuida da guradas aos parlamentares ou em percep-
regularidade das eleições, o tema refuta a ção de vantagens indevidas, aquelas que
aplicação da political question doctrine nos contrariam o direito. Sem a subsunção do
julgamentos feitos pelo Legislativo, refutan- ato tido como incompatível com o decoro
do a pretensa imunidade da decisão somen- parlamentar às definições constitucionais,
te por se caracterizar um ato interna corporis. ainda que indireta, no caso da previsão re-
Ademais, a doutrina – desde Ruy gimental, impossível a cassação de qualquer
Barbosa – e a jurisprudência do Supremo parlamentar sob a luz do inciso II do artigo
são unânimes em não reconhecer a aplica- 55 da CF/88. Existe, dessa forma, uma tipi-
bilidade da political question doctrine quan- cidade constitucional dos atos indecorosos
do em jogo lesão ou ameaça de lesão a direi- perfeitamente controlável pelo Judiciário.
tos individuais e – acrescenta-se – coletivos. Por sua abrangência praticamente ilimi-
Indubitavelmente os direitos do parlamen- tada, faz-se necessário especificar a previ-
tar sujeito à cassação de seu mandato têm são dos atos indecorosos no regimento in-

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 87


terno da casa parlamentar. Quando a CF/ Não existe a impossibilidade de se cas-
88 fala em decoro parlamentar, ainda que sar um mandato por ato incompatível por
remeta a sua definição ao regimento, não o quebra de decoro quando esse for um crime.
faz de forma ilimitada, não passa um cheque Não faria sentido deixar os casos mais gra-
em branco ao legislador regimental. Embora ves de ausência de decoro condicionados
haja amplitude na definição dos atos incom- ao trânsito em julgado de uma sentença cri-
patíveis com o decoro parlamentar, não há minal. Além da demora, há outras questões
como ignorar o conteúdo mínimo da expres- que podem levar à absolvição do parlamen-
são como algo que minimamente fira a dig- tar, como a prescrição. Sustentar a inexis-
nidade, a imagem ou a respeitabilidade do tência da cassação por quebra de decoro
parlamento, sob pena de transformar a cas- nesses casos é alijar o parlamento do direito
sação pela quebra de decoro em uma des- de defesa de sua respeitabilidade, honra,
culpa para revogar mandatos legitimamen- decoro. Tal posição é inadmissível também
te conferidos pelo povo. A teoria do cheque porque não se sabe se o fato é realmente um
em branco ignora a força normativa dos vo- crime, embora seja enquadrado como ato in-
cábulos constitucionais, uma vez que o de- compatível com o decoro; só quem poderá
coro parlamentar não pode ser encarado dizê-lo é o Judiciário. A qualificação que o
como uma desculpa qualquer para cassar o Legislativo faz é diferente da do Judiciário,
mandato parlamentar pela maioria; tal pro- ainda que em ambos os casos haja obser-
ceder compactua com a onipotência da mai- vância à tipicidade: da lei penal ou a da
oria e com o arbítrio, violando diversos co- Constituição, seja direta ou indireta – regi-
rolários do princípio democrático: proteção mento interno. Depois, o fato de o ato inde-
das minorias contra a maioria, contenção coroso constituir crime não poderia trans-
ao arbítrio estatal e preservação da repre- formá-lo em salvo-conduto para o parlamen-
sentação do parlamentar eleito. tar faltoso, deixando o parlamento indefe-
A tipicidade constitucional dos atos in- so. A previsão da perda do mandato por
decorosos exige mais do que o enquadra- condenação criminal transitada em julga-
mento em alguma das hipóteses constituci- do tem a função de proteger o parlamento –
onais; ela efetivamente deve ocorrer no mun- não necessariamente o parlamentar – e não
do dos fatos. Não estão imunes ao controle de prejudicá-lo. É que, além da perda do car-
os atos de cassação de mandato fundados go público ser efeito secundário, embora não
em motivos inexistentes ou os que, embora automático, da sentença criminal condena-
fundados em motivos existentes, foram er- tória transitada em julgado (art. 92, I, do CP),
roneamente qualificados. Outro controle, ela também suspende os direitos políticos
excepcionalíssimo, que o Judiciário pode (CF, art. 15, III), levando, se não fosse o arti-
fazer é sobre a proporcionalidade do ato de go 55, VI, automaticamente à extinção do
cassação. Tal faculdade deve ser usada com mandato do parlamentar. Essa cláusula evi-
mais cautela que o exame da tipicidade, ta a perda automática, mantendo na esfera
porque será a sensibilidade do parlamento, parlamentar a avaliação dos danos à ima-
certamente influenciada pelas repercussões gem da instituição no juízo político que é o
do ato, que dirá se o ato típico (e existente no processo de cassação.
mundo dos fatos) deve levar ou não a cassa- Questão relacionada ao processo crimi-
ção. Nessas hipóteses excepcionalíssimas, nal pelo mesmo fato, ainda que a qualifica-
o Judiciário não deve substituir a pena apli- ção dada pelo parlamento seja nominalmen-
cada pelo parlamento, mas declará-la des- te diferente da criminal, é a da influência do
proporcional, determinando que a autori- julgamento penal na esfera parlamentar.
dade competente aplique outra que seja Sabe-se que a inexistência de fato ou de au-
menos grave. toria na esfera penal tem efeitos na esfera

88 Revista de Informação Legislativa


disciplinar e até mesmo na cível. A pergun- poderes (CF, art. 2o) quando a punição reca-
ta residiria nisso: haveria essa influência da ísse sobre o parlamentar licenciado para
esfera penal no disciplinar-parlamentar? assumir cargos executivos.
Acredita-se que sim. Se a sentença penal Os argumentos pecam pela ausência de
transitada em julgado der o fato por inexis- consistência, porque é somente o regime das
tente, o parlamentar cassado pode requerer, imunidades que não se aplica ao que está
judicial ou administrativamente, a sua rein- afastado do cargo de parlamentar para as-
tegração ao cargo, se isso ainda for possível, sumir funções executivas. A revogação da
ou seja, se estiver na mesma legislatura. Ou- Súmula 4 do STF reconhece somente isso. A
tro efeito seria o de cancelar a inelegibilidade ausência de proteção penal não significa que
de oito anos estabelecida pela LC 64/90. o parlamento perdeu o poder disciplinar
Não existe o princípio da contemporanei- sobre o membro licenciado em termos de
dade dos atos indecorosos com a legislatura decoro ou, em última instância, que o parla-
em que o parlamentar exerce seu mandato. mento não poderia ter a sua respeitabilida-
Por esse princípio, somente os atos pratica- de maculada pelo membro licenciado.
dos na legislatura autorizariam a cassação O fundamento do poder punitivo por
do parlamentar; atos pré-mandato não po- atos incompatíveis com o decoro parlamen-
deriam ser atos indecorosos para fins de tar está na maculação que o comportamen-
cassação de mandato. Felizmente, o STF (MS to do membro causa ou pode causar à dig-
23.388) reconheceu a inexistência desse nidade da instituição parlamentar. Pouco
princípio, que poderia prejudicar a função importa se ele está ou não exercendo o man-
de defesa da respeitabilidade que exerce a dato, estando afastado em cumprimento ao
vedação de atos incompatíveis com o deco- artigo 56 da CF. A dignidade do parlamen-
ro parlamentar. to pode ser maculada de qualquer maneira
Desdobramento do princípio da contem- enquanto o parlamentar for um de seus
poraneidade é a possibilidade de cassação membros, ainda que esteja afastado ou li-
dos parlamentares afastados por estarem de cenciado (CF, art. 56). Admitir que o afasta-
licença prevista no artigo 56 da CF/88. Os mento para assumir funções executivas exi-
defensores do princípio da contemporanei- me o parlamentar de se comportar com de-
dade aduzem que os atos praticados na con- coro seria negar a própria condição de par-
dição de secretário ou ministro de Estado, lamentar, fato inocorrente, uma vez que a
os praticados quando em licença-saúde ou Constituição fala em afastamento e não em
para tratar de motivo particular não poderi- renúncia do mandato ou aposentadoria
am ser tidos em conta para a quebra de compulsória.
decoro, uma vez que o parlamentar não exer- O argumento do STF é claro: os atos não
cia as funções de membro do Legislativo. foram praticados no exercício do mandato
Sempre que o parlamentar estivesse licenci- (que ainda existe), então não autorizam a
ado pelos motivos elencados no artigo 56 imunidade constitucional, que só serve para
da CF/88, haveria a impossibilidade de cas- quem está exercendo as funções de parla-
sá-lo. Usam em reforço de sua tese a revoga- mentar. Quem está no Executivo não exerce
ção da Súmula 4 do STF, cujo argumento as funções de parlamentar, mas não perde o
pode ser assim resumido: se o parlamentar mandato, podendo ferir o decoro do parla-
não pode invocar a imunidade, é porque mento, uma vez que ainda está a ele vincu-
não estaria ao abrigo do regime parlamen- lado.
tar constitucional, não podendo, conse- Argumento que deve ser visto com cui-
qüentemente, faltar com o decoro parlamen- dado é o risco de haver uma ingerência do
tar, parte integrante desse regime. Haveria, Poder Legislativo, por meio do processo de
ainda, violação à cláusula da separação de cassação do mandato, na política do

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 89


Executivo, ferindo a separação de poderes. nal com trânsito em julgado, que, embora acarrete
Não existe a alegada interferência. Se o par- a perda dos direitos políticos, é caso de cassação
de mandato.
lamentar for cassado, a pena não atingirá o 3
“AMPLA DEFESA – PARLAMENTAR – PER-
cargo executivo, uma vez que a cominação DA DE MANDATO – REPRESENTAÇÃO POR
de inelegibilidade não alcança cargos de ADVOGADO NO ÂMBITO DA CÂMARA DOS
confiança. DEPUTADOS OU DO SENADO FEDERAL – SUS-
Instigante é a relação entre o preceito TENTAÇÃO DA TRIBUNA. A expressão ‘ampla de-
fesa’ contida no § 2o do artigo 55 da Constituição Federal
constitucional constante no § 4o do artigo não encerra, necessariamente, a representação do parla-
55 e o Decreto Legislativo 16/94, ambos sus- mentar por profissional da advocacia, a ponto de impor,
pendendo a renúncia do parlamentar até a qualquer das casas do legislativo, a admissão deste na
que seja finalizado o processo de cassação. tribuna. O processo de perda de mandato não é
A diferença entre ambos reside no termo ad administrativo, nem judicial, mas político, sendo
regido por normas interna corporis. Mesmo no cam-
quem para a suspensão da renúncia. Pela po jurisdicional, em que se tem o advogado como
Constituição, haveria a necessidade de pro- indispensável à administração da justiça – artigo
cesso instaurado; pela redação do Decreto 133, Capítulo IV, ‘Do Poder Judiciário’, da Consti-
Legislativo, o simples protocolo junto à Mesa tuição Federal –, é possível encontrar recursos que
ou a simples investigação por qualquer ór- não ensejam a sustentação da tribuna, sem que,
com isto, a norma restritiva possa ser tida como
gão do Poder Legislativo seria suficiente merecedora da pecha de inconstitucional. Tanto
para suspender os efeitos da renúncia. O quanto possível, deve ser preservada a disciplina
conteúdo constitucional é mínimo, poden- do funcionamento dos órgãos dos Poderes da
do a casa parlamentar, no uso de sua auto- União, buscando-se, dessa forma, a eficácia da clá-
nomia, instituir maior rigor para evitar a usula constitucional que lhe é inerente – da harmo-
nia e independência. A solução emprestada ao pro-
repetição de casos como o dos anões do or- cesso político de perda de mandato não obstaculi-
çamento, no tratamento da matéria, como za o acesso ao Judiciário, cuja atuação se faz, sob o
fez o Decreto Legislativo 16/94 em relação ângulo da legalidade, com a inestimável colabora-
ao Congresso Nacional. Mesmo sendo nor- ção do profissional da advocacia” (BRASIL, 1993,
ma anterior, não foi revogada pela inserção p. 153, grifo nosso).
4
“Inviável qualquer controle sobre o julgamen-
do § 4o do artigo 55 da CF, que teve a função to do mérito da acusação feita ao impetrante, por
de estabelecer um limite mínimo para toda a procedimento incompatível com o decoro parlamen-
federação, não suprimindo a autonomia das tar.” (BRASIL, 2001a).
casas para imprimir regime que entendam 5
“Mandado de segurança de que não conhece,
mais adequado às suas peculiaridades. na parte referente à qualificação do fato tido como
indecoroso.” (BRASIL, 2001c, p. 215).
6
“Não cabe, no âmbito do mandado de segu-
rança, também discutir deliberação, interna corpo-
ris, da Casa Legislativa. Escapa ao controle do Ju-
Notas diciário, no que concerne a seu mérito, juízo sobre
fatos que se reserva, privativamente, à Casa do
1
Votação obrigatoriamente secreta, desautori- Congresso Nacional formulá-lo” (BRASIL, 2001b,
zando a Constituição Estadual ou Lei Orgânica a p. 209).
prever a votação aberta sob pena de inconstitucio- 7
Antes de André Gros, Jèze (apud ENTERRÍA,
nalidade (BRASIL, 2005b) do procedimento de vo- 1995, p. 70) tinha dito que a teoria dos atos de
tação e, conseqüentemente, do de cassação do man- governo não era mais do que uma “‘sistematização
dato. da razão de Estado’: Das Verwaltungsrecht der
2
Não há definição sobre qual modalidade de französischen Republik, 1913, pág. 448”.
perda de mandato ocorre no caso de perda dos 8
Para uma visão geral da political question doc-
direitos políticos (inc. IV), mas a doutrina, correta- trine, cf. o excelente e crítico livro de Antonio Um-
mente, entende que ela ocorre na modalidade extin- berto de Souza Júnior (2004, p. 61-98).
ção do mandato (SILVA, 2005, p. 540; BULOS, 9
Ver: Castro (1999, p. 61-63), Coelho (2004, p.
2003, p. 770). Teori Albino Zavascki (1985) defen- 373), Comparato (1997, p. 355-366), Figueiredo
de que a perda também ocorre por meio da extin- (2004, p. 200), Freitas (2004, p. 71), Celso Mello
ção, mas distingue esse caso da condenação crimi- (2004, p. 352), Oswaldo Mello (1969, p. 417),

90 Revista de Informação Legislativa


Moreira Neto (1999, p. 98, 170), Oliveira (1992, p. Cível, AC 592029367, rel. Des. Celeste Vicente Ro-
35-37), Silva Filho (1994, p. 123-134). vani, j. em 8/9/1992).
10
“Nenhum dos Poderes da República está aci- 19
Os julgadores devem ter em mente que a li-
ma da Constituição.” (BRASIL, 2002a, p. 20) berdade de expressão do parlamentar é um dever
11
No mesmo sentido, votou o Ministro Celso de de expressão deste, é um dever de fiscalização e
Mello (BRASIL, 1999a, p. 833) no MS 21.689: “Aten- denúncia no trato das questões que envolvem a res
ta a esse princípio básico, a jurisprudência consti- publica. Deve, por isso, ser interpretado de forma
tucional do Supremo Tribunal Federal jamais tole- generosa em relação à liberdade de expressão do
rou que a invocação do caráter político das resolu- cidadão.
ções tomadas pelas Casas Legislativas pudesse con- 20
Cunhador dessa expressão, José Carlos Bar-
figurar – naquelas estritas hipóteses de lesão ao bosa Moreira (1998, p. 152), estigmatizando a equi-
direito de terceiros – um inaceitável manto protetor vocidade dessa postura hermenêutica, aduziu:
de comportamentos abusivos ou arbitrários, prati- “Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu
cados à margem da Constituição”. sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daque-
12
Embora as lições de Ruy (1933) sejam basea- las, e a despeito dessas, a disciplina da matéria,
das em doutrina norte-americana, caracterizando- afinal das contas, mudou pouco, se é que na verda-
se, entre outras coisas, como uma defesa do con- de mudou. É um tipo de interpretação a que
trole difuso de constitucionalidade, entende-se que não ficaria mal chamar ‘retrospectiva’: o olhar
o controle das questões políticas também é possí- do intérprete dirige-se antes ao passado que ao
vel em controle concentrado. presente, e a imagem que ele capta é menos a
13
Some-se a isso a doutrina que defende que o representação da realidade que uma sombra fan-
processo de cassação de mandato por quebra de tasmagórica.”
decoro parlamentar é, mutatis mutandis, uma for- 21
“... é inquestionável que não existem poderes
ma de impeachment (REALE, 1969, p. 10). ilimitados em qualquer estrutura institucional fun-
14
Thomas Cooley (2002, p. 55), em lição per- dada em bases democráticas” (BRASIL, 2000b, p.
feitamente aplicável à Constituição brasileira, 3).
doutrinou: “Qualquer membro pode ser expul- 22
Propugnando pela inquirição judicial da real
so pelo seu mau comportamento, bastando re- existência dos motivos autorizadores da cassação,
velar-se a má conduta, quer durante as sessões, bem como se estes se enquadram na falta de ética
quer fora delas.” parlamentar, cf. Geraldo Ferreira Lanfredi (1989, p.
15
Como dizia o STF, na pena do Min. Nelson 164).
Hungria (BRASIL, 1954), em 1954: “... o procedi- 23
“Em matéria de questões de natureza políti-
mento que pode ser reputado incompatível com o ca, a apreciação destas pelo poder Judiciário se
decoro parlamentar não é só aquele que o acusado impõe independentemente de tal natureza, toda vez
tenha tido no seio da corporação legislativa a que que envolvam a lesão de um direito subjetivo indi-
pertence, senão também fora dele, mas com evi- vidual. Nem mais se controverte a respeito, nota-
dente ricochete sobre a dignidade da corporação”. damente em face do nosso vigente Direito Consti-
16
“O constituinte deixou ao regimento interno a tucional, que já não repete, por ocioso ou propicia-
incumbência de definir os casos de conduta incom- dor de confusões, o princípio da inacessibilidade
patível com o decoro parlamentar, considerando, das ‘questões exclusivamente políticas’ à órbita de
entretanto, o abuso das prerrogativas e a percep- competência do Poder Judiciário. Na espécie, a pró-
ção de vantagens indevidas como incompatíveis pria exigência legal do ‘motivo’ de incompatibili-
com o decoro parlamentar.” (FERREIRA FILHO, dade do procedimento do senador, deputado ou
1999, p. 176). vereador com o decoro parlamentar está a eviden-
17
Em nível federal, o Código de Ética e Decoro ciar que não se trata de ato puramente arbitrário,
Parlamentar da Câmara dos Deputados prevê al- nem mesmo apenas discricionário” (BRASIL, 1954,
gumas condutas em seus artigos 4o e 5o; no Senado, p. 891).
há uma mera repetição da Constituição em seu 24
“Cassação de mandato de parlamentar (art.
artigo 32, § 1o, eximindo o seu regimento interno de 55, II, da Constituição Federal). Ato disciplinar da
definir alguma conduta que caracterize o decoro, o competência privativa da Câmara respectiva, situ-
que pode impossibilitar a cassação de algum man- ado em instância distinta da judiciária e dotado de
dato por quebra de decoro por faltar a necessária natureza diversa da sanção penal, mesmo quando
tipicidade constitucional (indireta nesse caso). a conduta imputada ao deputado coincida com
18
“Não configura também ofensa ao decoro tipo estabelecido no Código Penal. Pedido indeferi-
parlamentar a crítica forte, revestida de linguagem do” (BRASIL, 1992b, p. 791).
até desmesurada contra o auto-aumento dos sub- 25
“RESPONSABILIDADES ADMINISTRATI-
sídios dos edis, veiculada por jornal local, mor- VA E PENAL – INDEPENDÊNCIA. A jurispru-
mente quando desvestida de dolo” (TJRS, 1a Câm. dência sedimentada do Supremo Tribunal Federal

Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 91


é no sentido da independência das responsabilida- Relator: Min. Eros Grau. Rio Grande do Sul, 30
des administrativa e penal. A exceção corre à conta jun. 2005. Diário da Justiça da União, Brasília, 19
de situação concreta em que, no campo penal, ha- ago. 2005a.
jam ficado patenteadas a inexistência da materiali-
______ . ______ . Ações diretas de inconstituciona-
dade ou a negativa de autoria” (BRASIL, 1997, p.
lidade n. 2461 e 3.208. Relator: Min. Gilmar Mendes.
49230).
Rio de Janeiro, 12 maio 2005. Diário da Justiça da
26
“MANDADO DE SEGURANÇA. VEREA-
União, Brasília, 7 out. 2005b.
DOR CASSADO POR INFRAÇÃO POLÍTICO-
ADMINISTRATIVA (ART. 7o, I, DO DECRETO No ______ . ______ . Inquérito n. 104. Relator: Min.
201/67). ACUSAÇÃO DE PRÁTICA DE IRRE- Djaci Falcão. Rio Grande do Sul, 26 ago. 1981. Re-
GULARIDADES NA LEGISLATURA AN- vista Trimestral de Jurisprudência, Rio de Janeiro, v.
TERIOR. INCOMUNICABILIDADE. MANDA- 99, p. 477, 1982.
TOS ELETIVOS ESTANQUES. DECRETO LEGIS-
LATIVO DECLARADO NULO. RESTABELECI- ______ . ______ . Mandato de segurança n. 20941.
MENTO DO MANDATO CASSADO. ORDEM Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Distrito Federal,
CONCEDIDA SEM PREJUÍZO DA APURAÇÃO 9 fev. 1990. Revista Trimestral de Jurisprudência, Rio
DO TIPO PENAL – RECURSO IMPROVIDO. En- de Janeiro, v. 142, p. 88, 1992a.
cerrado o mandato legislativo em que ocorreram os ______ . ______ . Mandato de segurança n. 21360.
fatos ensejadores do processo político-administra- Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 12 mar. 1992.
tivo, a punição pela cassação da investidura políti- Revista Trimestral de Jurisprudência, Rio de Janeiro, v.
ca tornou-se inaplicável. Ao fazê-lo, a Câmara 146, p. 153, 1993.
Municipal julgou politicamente quem não podia
julgar e aplicou punição que já não comportava ______ . ______ . Mandato de segurança n. 21443.
cabimento” (BRASIL, 1998b). Relator: Min. Octavio Gallotti. Distrito Federal, 22
27
No mesmo sentido: Brasil (2003, p. 58). abr. 1992. Revista Trimestral de Jurisprudência, Rio de
28
Embora nos EUA a nomeação do Presidente Janeiro, v. 142, p. 791, 1992b.
precise de aprovação do Senado, não é essa apro- ______ . ______ . Mandato de segurança n. 21689.
vação que faz com que o processo seja influenciado Relator: Min. Carlos Velloso. Distrito Federal, 16
pelos diversos setores da sociedade norte-america- dez. de 1993. Revista Trimestral de Jurisprudência,
na, mas a constatação de que não se governa sozi- Rio de Janeiro, v. 167, p. 792-833, 1999a.
nho em um sistema democrático.
29
Imagine o caso em que o Congresso se recu- ______ . ______ . Mandato de segurança n. 21861.
sasse a aprovar alguma medida provisória. Não Relator: Min. Néri da Silveira. Distrito Federal, 29
haveria interferência nos planos do Executivo? Cer- set. 1994. Diário da Justiça da União, Brasília, 21 set.
tamente que sim, mas interferência afinada com a 2001a.
separação de poderes.
______ . ______ . Mandato de segurança n. 22476.
Relator: Min. Marco Aurélio. Alagoas, 20 de agosto
de 1997. Diário da Justiça da União, Brasília, 3 out.
1997.
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