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20/01/2024, 08:39 Publicações - INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA I…

Publicações

INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA


INSTITUIR O RECALL PARLAMENTAR NO BRASIL.

PÉRICLES PRADE

Parecerista

Ex-Professor de Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo, Ex-Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal de Santa Catarina, Ex-
Professor de Ações Constitucionais da Escola Superior da Magistratura/SP e autor de várias obras
jurídicas. Membro da Academia Paulista de Direito e do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional.

PARECER

I - Considerações Gerais

1. Consulta-me o Deputado Federal


Paulo Roberto Bauer a respeito da possibilidade de aplicação, em nosso
ordenamento jurídico, pela via parlamentar, do instituto da revogação popular de mandato eletivo,
indicando e justificando o mecanismo legal necessário à sua implantação, se positiva a resposta.

2. Entendo que, antes da resposta


propriamente dita, convém fazer remissão à tipologia do mencionado instituto da
democracia representativa e semidireta, bem como ao conceito, à origem, no âmbito do direito
comparado, em regime sucinto, a fim de melhor aferir as características da espécie.

II - Tipologia

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3. A revogação do mandato eletivo
deve ser examinada à luz de sua dúplice face, haja vista o fato de, no direito
comparado, compreender dois tipos distintos, sendo o primeiro denominado Recall (típico do direito
norte-americano: no sentido de “revocar”, “trazer de volta” ou “re-chamada”), e o segundo
batizado Abberufungsrecht (direito suíço/alemão), significando direito de revogação (recht=direito
e
aberufungs=revogação).

4. Em seguida, atendendo ao perfil


jurídico de cada qual, apontarei os respectivos conceitos em voga.

III – Conceito de Recall

5. Inúmeros doutrinadores de
renome têm conceituado esse instituto, decorrente da soberania popular, merecendo
destaque alguns deles, devido à correção das análises feitas.

6. Exemplificando, relaciono,
abaixo, os seguintes conceitos, indicando alguns dos vários jurisconsultos nacionais
que de forma didática os trataram, fundados em dicionários (v. Black´s Law Dictionary) e obras
estrangeiras, notabilizando-se as de Thomas E. Cronin, James Barnett e F.F. Abbott.

Vejamos:

a) Willian Junqueira Ramos: “É um instrumento de participação semi-direta onde


determinado número de eleitores, não satisfeitos com a conduta de seu representante no poder,
determinar sua remoção do cargo.” (Cf. O instituto do recall ou revogação de mandatos eletivos,
Boletim Jurídico, Edição nº 505, 2009)

b) Antônio Machado Paupério: “É um instituto de caráter jurídico-político, inerente


à democracia semidireta, pelo qual o eleitorado goza da faculdade de revogar o mandato outorgado
a titulares de órgãos representativos antes designados. No fundo, é uma verdadeira suspensão de
confiança ou uma consequente anulação da nomeação ou escolha anterior”. (Cf. Enciclopédia
Saraiva do Direito, verbete “recall”. Saraiva, 1977. v. 63. p. 312..)

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c) Paulo Bonavides: "É a forma de revogação individual. Capacita o eleitorado a
destituir funcionários, cujo comportamento, por qualquer motivo, não lhe esteja agradando". (Cf.
Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 2000, 10ª Ed,
p. 292).

d) Alexander Santana: “é o direito político, exercido através de uma consulta


popular direta, de caráter vinculatório e convocada pelos próprios eleitores, que permite a estes
revogar, antes do prazo normal, o mandato de um ou mais representantes políticos eleitos.” (Cf. O
direito de revogação do mandato político representativo, UFPR, 2004, disponível em
http://bit.ly/hab0Ys), considerando seus elementos o procedimento, o caráter jurídico político, a
votação especial, titularidade reservada aos eleitores e a revogação antes do prazo normal e
encerramento do mandato.

e) Antônio Alberto Zvirblis: “O recall se constitui na revogação do mandato. É a


retirada do poder de alguém que tenha sido eleito para uma função pública”. (Cf. Democracia
participativa e opinião pública: cidadania e desobediência civil, RCS, 2006, p. 70)

f) Vinícius Cordeiro: “É o instituto de direito político, de caráter constitucional ou


não, possibilitando que parte de um ente político (país ou a União Federal, Estados, Províncias,
Distritos ou Municípios) convoque uma consulta popular para revogar o mandato popular antes
conferido” (Cf. HTTP://www.viniciuscordeiro.adv.br)

g) Caio Márcio de Brito Ávila: “O recall é um mecanismo de democracia


semidireta, típico dos Estados Unidos da América, adotado no início do século XX em
determinados Estados da Federação norte-americana, para combater a corrupção e incompetência
das autoridades públicas, principalmente em nível local. Caracteriza-se como direito político do
cidadão, não sendo permitida sua utilização contra autoridades federais. O mecanismo existe
atualmente em 18 Estados norte-americanos e o seu procedimento básico consiste numa primeira
fase de coleta de assinaturas dos eleitores, mediante caução prévia em dinheiro e, após a obtenção
de um percentual mínimo de assinaturas válidas, resulta numa segunda fase na qual se realiza, de
modo geral, uma eleição especial para destituir (e substituir) autoridades públicas estaduais e
municipais (geralmente eleitas, inclusive juízes) ou para revogar decisão judicial (de juízo
monocrático ou de segundo grau de jurisdição) que tenha negado aplicação de lei, sendo que sua
utilização hoje, nos Estados Unidos, ocorre principalmente em nível local, onde se permite,
inclusive, seu uso excepcional para destituição de diretores de escolas”. (Cf. A revogação do
mandato político pelos eleitores: uma proposta para o sistema jurídico brasileiro. USP, 2009, p. 18,
disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-08032010-094820/pt-br.php )

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IV – Conceito de Abberufungsrecht

7. A propósito desse conceito,


remeto-me a doutrinadores estrangeiros, que o versaram com maior profundidade
técnica:

a) Marcel Prélot: “É a forma de revogação coletiva. Aqui não se trata, como no


recall, de cassar o mandato de um indivíduo, mas o de toda uma assembléia. Requerida a
dissolução, por determinada parcela do corpo eleitoral, a assembléia só terá findo seu mandato após
votação da qual resulte patente pela participação de apreciável percentagem constitucional de
eleitores que o corpo legislativo decaiu realmente da confiança popular.” (Apud Paulo Bonavides,
Curso de Direito Constitucional, p. 86.)

b) Jean-François Aubert: “Abberufungsrecht é a dissolução de uma assembléia de


representantes ou pelo voto do povo ou em razão da aprovação referendária de um pedido para uma
revisão geral da constituição, momento em que o parlamento é inteiramente destituído e uma nova
eleição é convocada para escolher os membros da assembléia constituinte [...] Teoricamente, uma
iniciativa popular poderia intentar a dissolução do Parlamento, ou requerendo a revisão total da
Constituição, ou através da inserção de uma regra transitória ...” (Cf. Traité de Droit Constitutionnel
Suisse, Éditions des et Calendes, 1967. v. 2. p. 442).

8. Percebe-se, comparando os
conceitos, que, no fundo, o recall e o abberufungsrecht constituem espécie do
mesmo gênero.

A distinção é simples, no plano dos objetivos, já que o abberufungsrecht tem por


alvo a revogação coletiva dos mandatos, e o recall visa à revogação de forma individual.

Quem melhor conceituou suas feições foi o Senador Pedro Simon, em seu parecer
adiante referido:

“O que se tem, na posição média, é uma junção das figuras do recall americano, que se
define como a revogação individual do mandato do agente político que decaia da
confiança popular ou da percepção de deter condições éticas, políticas e morais mínimas
para nele permanecer, e do direito de revogação coletiva do direito alemão, que confere à

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coletividade a prerrogativa de postular a dissolução de todo o colegiado legislativo, pelas
mesmas razões. O que se tem, na posição média, é uma junção das figuras
do recall americano, que se define como a revogação individual do mandato do agente
político que decaia da confiança popular ou da percepção de deter condições éticas,
políticas e morais mínimas para nele permanecer, e do direito de revogação coletiva do
direito alemão, que confere à coletividade a prerrogativa de postular a dissolução de
todo o colegiado legislativo, pelas mesmas razões.” (grifei)

9. Em virtude dessa distinção,


verifica-se, de imediato, que o abberufungsrecht, alvejando a revogação coletiva de
mandatos, não tem espaço no direito constitucional brasileiro, sendo factível o recall, guardada as
devidas proporções, conforme será explicitado noutro tópico.

Daí que este parecer terá por finalidade exclusiva o exame do instituto do recall, ou
seja, adstrito à seara da revogação do mandato político representativo.

V – Esboço histórico

10. Autores representativos sustentam


que o direito de revogação do mandato eletivo tem sua origem na antiguidade (ex.: a
votações gregas do ostracismo = exílio), mormente na idade média, em que vigia o mandato
imperativo, adstrito a prévias instruções ao mandatário, ou nas colônias britânicas do século XVII,
mas tudo indica ter o instituto surgido na Suíça, no século XIX, e nos Estados Unidos da América,
no albor do século XX, com a carta de Los Angeles, em 1903, formulada por Theodore Roosevelt,
difundindo-se nos países da Europa. Obs.: A partir de 1975 a Grã-Bretânha admitiu consultas
populares com tal finalidade.

Nos Estados Unidos, diga-se de passagem, após a primeira destituição de


autoridades estatuais (não atinge as de natureza nacional), na Califórnia, em 1911 (a Constituição da
Georgia é de 1978), o instituto do recall foi consagrado, mormente nas órbitas estadual e municipal.

11. Por reflexo dessa difusão,


alcançados também foram países da América Latina, como a Argentina (art. 67 do
Estatuto da Cidade Autônoma de Buenos Aires), sob o nome de destituição, sendo que, no Brasil,

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sob os auspícios do Decreto de 16 de fevereiro de 1822, inspirado por José Bonifácio, foi previsto
durante o período imperial, mas sem implicar funcionamento.

Entretanto, vingou na Venezuela, sob o rótulo de referendo revocatório (atingindo


quaisquer cargos eletivos), admitido pelo art. 72 da Constituição de 1999. Antes, registro, a
Constituição de Panamá, de 1972, consignava revogação de mandatos com base na infidelidade
partidária

E não se olvide que também é


aplicado no Canadá (British Columbia), nos países socialistas, Ásia e África.

12. Além do mais, da mesma sorte


como ocorreu no Período Imperial, também na época da Primeira República não
funcionou, malgrado as positivações nas constituições dos estados de Santa Catarina (1892), São
Paulo (1891), Rio Grande do Sul (1897) e Goiás (1891).

13. Não se pode olvidar o fato de


que, ao ensejo da realização da Assembléia Nacional Constituinte de 1987, o então
Deputado Lysânias Maciel propôs a instituição do voto destituinte.

Contudo, a Constituição de 1988 não o contemplou, por ter sido admitida outra
proposta, a do então Deputado Samir Achôa, referente à ação de impugnação de mandato eletivo.
Aliás, uma fórmula bem diversa do recall para contornar a possibilidade da revogação propriamente
dita.

14. Mais tarde a matéria voltou a


estimular os congressistas, tendo os Senadores Antônio Carlos Valladares e Jefferson
Péres, em 2003, proposto emendas constitucionais visando a ampliar o rol do art. 14 (com a
inclusão dos incisos IV e V) da Constituição Republicana.

O primeiro mediante a proposta (PEC 80/03) de instituir a revogação do mandato


individual e coletivo, além do veto popular, e, o segundo, propondo (PEC 82/) a criação de
plebiscitos de confirmação de mandato de prefeito, governador, Presidente da República e Senador,
alterando os arts. 28, 29, 32, 55 e 82 da CF . Ambas não prosperaram, apesar da existência de
argumentos favoráveis.

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15. Em que pese essa frustração


contínua, o Senador Eduardo Suplicy elaborou o projeto de emenda à Constituição
nº 73/2005, na realidade com conteúdo mais próximo do instituto do abberufungsrecht, adotado por
determinados cantões suíços, e mais afastado do recall, pois pretendia a revogação de mandatos de
forma coletiva (no caso da Câmara dos Deputados), através da iniciativa popular, além da
revogação individual, propondo alterações ao art. 14 da CF (como forma de democracia direta) e ao
art. 49 da Carta Magna (para retirar do Congresso a competência referente à autorização de
referendo na hipótese explicitada pelo novo art. 14-A).

16. Tendo sido essas propostas


submetidas à audiência pública, adveio, após análise pela Comissão de Constituição
e Justiça do Senado Federal, o substitutivo de lavra do Relator das aludidas propostas de emendas à
Constituição, Senador Pedro Simon, consolidando-as e atribuindo ao povo o direito de propor
plebiscito, com o objetivo de revogar mandato eletivo, tanto do Presidente da República, quanto dos
parlamentares.

17. O Senador Pedro Simon, na


qualidade de relator, votou pela aprovação da PEC nº 73/2005 do senador Eduardo
Suplicy, declarando a prejudicialidade com referência às PECs nºs 80 e 82/2003.

18. É de suma conveniência


transcrever, para melhor compreensão da matéria, esta passagem do parecer de lavra
do Relator Pedro Simon, alusivo às das propostas analisadas pela Comissão de Constituição de
Justiça do Senado:

“Inicialmente, é de se louvar a decisão desta Casa pela tramitação conjunta das


proposições. São elas complementares umas das outras e aditam elementos importantes
à disciplina constitucional do instituto do direito de revogação de mandatos, o recall do
direito norte-americano, que ora se pretende importar para o sistema brasileiro e que, nas
três proposições, encontra diferentes feições. O que se tem, na posição média, é uma junção
das figuras do recall americano, que se define como a revogação individual do mandato do
agente político que decaia da confiança popular ou da percepção de deter condições éticas,
políticas e morais mínimas para nele permanecer, e do direito de revogação coletiva do
direito
alemão, que confere à coletividade a prerrogativa de postular a dissolução de todo o
colegiado legislativo, pelas mesmas razões. É ociosa a sustentação da base democrática,
participativa e cidadã dessas instituições do direito constitucional estrangeiro. Significam
elas um avanço monumental rumo à responsabilidade no exercício do mandato e um ponto
final às retóricas vazias e mentirosas, envernizadas pelo marketing político, que sustentam
campanhas de candidatos aos Legislativos e aos Executivos, conveniente e

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despudoradamente esquecidas após a posse. Os efeitos de trazer o eleitor ao principal
palco na política diária – e não apenas quadrienal –, de propiciar a fiscalização diuturna
das condutas políticas e institucionais dos eleitos e da imposição de responsabilidade
política no desempenho das funções públicas são tão evidentes que dispensam a veiculação
de teses que os sustentem. A necessidade de adoção desses mecanismos é, tanto quanto os
efeitos democráticos destes, igualmente exuberante. Percorrer com olhos da
responsabilidade pública os jornais dos últimos lamentáveis anos da história política deste
País é ter diante de si a evidência da necessidade de uma ação decisória e contundente na
esfera pública do Brasil, sob pena de se condenar este País, seu sistema e suas instituições,
à falência final. A Proposta de Emenda à Constituição nº 80, de 2003, não apresenta
óbices de ordem constitucional, nem formal, nem material. Pensamos, contudo, que se
ressente de uma regulamentação mais objetiva do direito de revogação de mandato,
individual e coletivo, este objeto de divergências quanto à sua aplicabilidade, inclusive por
não fazer reserva legal. A Proposta de Emenda à Constituição nº 82, de 2003, por seu
turno, não identifica a revogação de mandatos como hipótese de democracia direta,
atacando diretamente os arts. 28, 29, 32, 55 e 82 da Carta da República, no que esses
dispositivos regulam pleitos executivos, apenas. Os mandatos legislativos ficam fora do
alcance do poder de revogação.
A Proposta de Emenda à Constituição nº 73, de 2005, finalmente, enfoca alterações ao art.
14 e acresce um novo dispositivo ao texto constitucional, art. 14-A, que regula o direito de
revogação como cláusula geral, incluindo os mandatos legislativos e atribuindo
competência aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para adaptarem as
prescrições constitucionais federais aos seus respectivos documentos políticos. Parece-nos
que o modelo sugerido por esta última proposição é a base mais adequada para a
organização desse novo instituto. Em face dos elementos aditados pelas proposições que
tramitam conjuntamente, optamos pela formulação de um substitutivo que contemple o
melhor de cada uma delas, e que formulamos a seguir. Em 24 de setembro foi realizada
audiência pública, atendendo ao Requerimento (anexado ao processado) nº 20, de 2009 –
CCJ, de autoria deste Relator, que contou com a participação de notáveis juristas e
cientistas políticos. Esse Relatório reformulado é, em nosso entendimento, o ponto de
convergência e de adequação aos argumentos expostos”.

No mesmo fluxo das propostas anteriores, o próprio substitutivo (altera os arts. 14 e


19 da CF, acrescenta os arts. 14-A e 14-B, com o fito de revogar, por referendo popular, os
mandatos do Presidente da República e dos membros do Congresso Nacional, bem como os dos
Chefes do Poder Executivo Estadual e Municipal, a par dos membros do Poder Legislativo local)
não alcançou seu objetivo, encontrando-se em aberto o espaço para a elaboração de novo projeto de
emenda à Constituição, objetivando a instituição do recall no Brasil.

VI – Breve justificativa da adoção do Recall e sugestões para implantá-lo

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19. A possibilidade de adoção do
instituto do Abberufungsrecht deve ser afastada, à partida, em se tratando de forma
de revogação coletiva dos mandatos, por não se afeiçoar aos moldes do sistema representativo
republicano vigente.

20. Todavia, tendo nosso modelo de


representação política admitido a confluência geminada da democracia participativa
e semidireta (CF, art. 14, ao albergar o plebiscito, referendo e iniciativa popular), afeita ao princípio
federativo, considero pertinente, em homenagem ao Estado Democrático de Direito, a aplicação, no
sistema jurídico nacional, do instituto/instrumento recall, a título sancionador, com temperamentos.

21. E tudo porque sua finalidade


precípua, como direito político, é o controle das atividades dos agentes políticos que
se desviaram da conduta ética, praticando irregularidades e infrações diversas (inclusive as de
extração criminal) e de toda ordem, como a corrupção, sem falar na incompetência propriamente
dita, desnaturando os valores morais.

22. Em que pese essa sustentável


possibilidade técnico-jurídica, dando azo a um maior vínculo entre os eleitores e os
eleitos, mediante o encaminhamento de Projeto de Emenda Constitucional (CF, art. 60, I), mediante
proposta de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal,
com intuito supremo de fiscalizar (controlar: melhor dizendo) os atos ilícitos de autoridades de
quaisquer poderes da República, repercutindo na revogação de mandato de Chefes do Poder
Executivo e parlamentares, ou de integrantes do judiciário e de escolas públicas (como ocorre nos
Estados Unidos da América), no Brasil, entendo, por ora, ser ideal tão somente o alcance de
prefeitos e vereadores. Em suma: limitando-se aos municípios.

23. Não quer dizer que, no futuro,


possam, por força de nova ou novas Emendas Constitucionais, ser alcançados tanto
o Presidente da República, quanto os Governadores, Senadores, Deputados Federal e Deputados
Estaduais, mas tal pretensão terá condições de viabilizar-se se houver efetiva reforma política, com
a adoção, entre outras medidas fundamentais, do voto distrital misto.

24. Atualmente, sem dúvida, com


o sistema proporcional para a
eleição de deputados, os votos dos eleitores se diluem, abrangendo todos ou quase todos os
municípios de determinado estado, tornando impossível o controle, dada a inexistência da
aproximação entre o eleitor e o eleito.

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25. Quanto a esse ponto de vista,


acentuo que é na linha esposada pelo jurista Caio Márcio de Brito Ávila, que, em
tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sustentou a
pertinência de “o recall ser permitido pela Constituição Federal para os pequenos e médios
municípios brasileiros (ou seja, para aqueles com menos de 100.000 habitantes) com base na
autonomia dessas entidades. Vale lembrar, aqui, novamente, que o recall é tradicionalmente um
instrumento local e os nossos Municípios possuem longa história de autonomia e gestão de seus
próprios interesses.” (Grifei. Ob. cit. p. 20). Neste caso, devem ser alterados os arts. 14 e 15 do
Estatuto Político.

26. O fundamento nuclear, para


permitir o recall com referência aos agentes políticos municipais, visando à
revogação dos respectivos mandatos, reside no fato de que, na atualidade, desnecessária é a
mudança do sistema eleitoral para os eleitores residentes no município tomarem a iniciativa nesse
sentido.

Volto a ressaltar, porém, que, se quaisquer emendas constitucionais pretenderem


revogar mandatos de deputados, federais ou estaduais, é imprescindível a alteração do sistema atual,
sob pena de desnaturar a essência do instituto de tamanha relevância.

VII – Conclusões

27. Inexiste vedação para emenda


constitucional que vise a introduzir, no Brasil, o instrumento do recall, por não
afetar cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º).

28. A justificação mais significativa de


sua aplicação, em homenagem à cidadania, encontra-se no parágrafo único do art. 1º
da Constituição Republicana, relacionando os princípios fundamentais reitores, que reza: “todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição.” (Grifei)

29. O ideal, enquanto não ocorrer


reforma política, com ênfase no sistema eleitoral, é adotar o aludido instituto no
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âmbito municipal. Trata-se de postura, como visto, diversa dos projetos das emendas anteriores,
elaborados pelos Senadores Antônio Carlos Valadares, Jefferson Pérez, Eduardo Suplicy e Pedro
Simon (substitutivo).

30. A espécie normativa para tal


mecanismo é a elaboração de projeto de emenda constitucional, com o detalhamento
de sua disciplina (procedimento, número de assinaturas, situações permissivas, direito contraditório
etc), de tal arte a proporcionar maior eficácia à democracia semidireta.

Florianópolis/Brasília, 1º de Dezembro de 2010.

Profº Péricles Prade

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