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Distribuição das forças realizadas pelo pavimento em um veículo acelerado

Technical Report · May 2018


DOI: 10.13140/RG.2.2.28716.56966

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Fernando Lang da Silveira


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Distribuição das forças realizadas pelo pavimento em um veículo
acelerado

Fernando Lang da Silveira


IF-UFRGS

RESUMO. A distribuição das forças realizadas pela pista de rolamento


sobre um veículo automotor acelerado durante uma frenagem é prevista a
partir de um modelo simples que desconsidera possíveis efeitos do ar no
veículo em movimento. A redistribuição das forças normais às rodas e a
importância do freio dianteiro sobre o traseiro decorrem de efeitos inerci-
ais associados à aceleração do veículo.

1 - Introdução

O objetivo deste artigo é responder um questionamento feito no Pergunte ao


CREF relativo às forças durante a frenagem de um automóvel ou outro veículo automo-
tor. A questão tem o seguinte conteúdo:

Razão para a eficiência maior do freio dianteiro sobre o traseiro em veículos


automotores (https://www.if.ufrgs.br/novocref/?contact-pergunta=razao-para-a-
eficiencia-maior-do-freio-dianteiro-sobre-o-traseiro-em-veiculos-automotores - aces-
sado em 09/05/2018)

Professor Lang

Leio atentamente as postagens do CREF e lhe agradeço por repartir conosco seus
conhecimentos. Depois de sua postagem sobre os freios da motocicleta -Frenagem de
motocicletas: somente o freio traseiro? - fui pesquisar sobre a razão para os freios di-
anteiros serem mais eficientes do que os traseiros. Encontrei um material –
https://coisasdeengenheiro.wordpress.com/category/dinamica-da-frenagem/ – expli-
cando que “Em todos os veículos, a transferência de peso (weight transfer) refere-se a
redistribuição do peso suportado por cada pneu durante a aceleração longitudinal e la-
teral do veículo, bem como a sua desaceleração quando de uma frenagem.” Depois com-
plementa “A transferência de peso ocorre quando o centro de gravidade do veículo (CG)
se altera durante as manobras do veículo.”

Considero que há problemas nessa explicação pois se todas as partes do automóvel


são fixas umas em relação às outras, não há como deslocar o centro de gravidade em re-
lação ao próprio automóvel. O que o sr. tem a dizer sobre isto? Agradeço antecipadamen-
te.

O perguntante tem razão em sua estranheza relativa à transferência de peso


pois as diferentes partes do automóvel mantém suas posições no próprio sistema de
referência do veículo durante a frenagem, exceto por pequenas mudanças devido à
suspensão do veículo e dos líquidos que se redistribuem nos respectivos compartimen-
tos de estocagem. Entretanto estes efeitos de redistribuição são irrelevantes para a
alegada transferência de peso. Como se demonstrará a seguir existe uma redistribui-
ção das forças normais à pista de rolamento durante uma frenagem, sendo mais apro-
priado referir então como mudanças de carga e não como transferência de peso.

2 - Forças exercidas em um automóvel durante uma frenagem

As forças exercidas sobre um automóvel em uma pista horizontal, desconside-


rando-se as forças exercidas pelo ar, durante uma frenagem estão indicadas na figura 1,
bem como as dimensões importantes para a análise da dinâmica desse sistema.

Figura 1 – Dimensões relevantes e forças exercidas sobre um automóvel durante uma frenagem.

Na figura 1 os vetores indicados pela letra N representam as forças normais ao


pavimento horizontal (as duas forças normais sobre as rodas traseiras e dianteiras es-
tão representadas por uma única força atrás e na frente). Os vetores indicados coma
letra A representam as forças de atrito do pavimento sobre a banda de rodagem dos
pneus. O peso P do automóvel está indicado como uma força localizada no centro da
massa CM (que coincide com o centro de gravidade) do automóvel. A dimensão d iden-
tifica a distância entre o eixo traseiro e dianteiro, e as demais dimensões (d1, d2 e h)
localizam o centro de massa do automóvel. O automóvel possui uma aceleração, repre-
sentada pelo vetor a em relação à pista, consequente das forças de atrito durante uma
frenagem.

A análise dinâmica será feita no sistema da referência do próprio automóvel, por-


tanto um sistema de referência acelerado ou não –inercial. A vantagem de realizar a
análise no sistema do automóvel é que a situação é estática mas, para tanto, uma
força inercial (Fi) deve ser considerada adicionalmente conforme representado na fi-
gura 2.

2
Figura 2 – No sistema de referência não-inercial do automóvel uma força inercial (Fi) é exercida no cen-
tro de massa.

3 – As condições de equilíbrio para o automóvel

Como já notado, no próprio sistema de referência do veículo acelerado (sistema


de referência não-inercial) o veículo encontra-se em equilíbrio e portanto o somatório
dos torques ou momentos das forças, bem como o somatório das forças, deve ser nulo.

O somatório dos torques em relação ao ponto de aplicação das forças exercidas


pelo pavimento na roda traseira é dado por

Fi . h + P . d2 − N1 . d = 0 , (1)

e, portanto, resulta que

d2 h
N1 = P . + Fi . d . (2)
d

Da mesma forma se demonstra que

d1 h
N2 = P . − Fi . d . (3)
d

Se o automóvel não estiver acelerado em relação à pista, a força inercial é nula (Fi
= 0) e as forças normais resultam respectivamente em

d2
N1∗ = P . e (4)
d

d1
N2∗ = P . . (5)
d

Substituindo-se (4) em (2) obtém-se

h
N1 = N1∗ + Fi . d . (6)
3
Substituindo-se (5) em (3) obtém-se

h
N2 = N2∗ − Fi . . (7)
d

Das equações (6) e (7) conclui-se que se o automóvel está acelerado a intensidade
da força normal nas rodas dianteiras sofre um acréscimo e nas rodas traseiras um de-
créscimo por uma quantidade cujo valor é

h
∆N = Fi . . (8)
d

Ou seja, como o valor da força inercial é F i=M.a, onde M é a massa do automóvel e


a é o valor da sua aceleração no sistema de referência da pista, a mudança no valor das
forças normais quando o veículo é acelerado vale

h
∆N = M. a . d . (9)

Desta forma fica evidente que em veículos automotores, mesmo não ocorrendo
nenhuma mudança no centro de massa ou centro de gravidade durante o processo de
aceleração, as cargas (forças normais à pista) nas rodas dianteiras e traseiras se alte-
ram de maneira importante.

Automóveis com motores na parte frontal, dado que seus centros de massa estão
mais próximos do eixo dianteiro do que do eixo traseiro, mesmo quando não se encon-
tram acelerados, apresentam forças normais mais intensas nas rodas dianteiras do que
nas rodas traseiras.

Em frenagens de emergência, conforme o automóvel sofre acelerações maiores, a


equação 9 juntamente com as equações 6 e 7, implica que a intensidade da força nor-
mal aumenta nas rodas dianteiras enquanto diminui pelo mesmo valor nas rodas tra-
seiras. Assim sendo, o valor máximo possível para as forças de atrito, por dependerem
diretamente das intensidades das forças normais, cresce nas rodas dianteiras e diminui
nas traseiras conforme aumenta a aceleração.

4 – Distribuição das forças de atrito em frenagens de emergência

Considera-se agora a situação extrema em frenagens quando as forças de atrito


entre os pneus e o pavimento assumem o máximo valor possível, igual ao produto do
coeficiente de atrito (µ) pela intensidade da força normal.

Na equação 2, como o valor da força inercial deve ser igual ao valor máximo da
força de atrito e este por sua vez é o produto das intensidades das forças normais pelo
coeficiente de atrito (µ), segue que

d2 h
N1 = P . + μ. (N1 + N2 ) . . (10)
d d

Como a soma das intensidades das forças normais tem o mesmo valor do peso,
encontra-se

d2 h
N1 = P . + μ . P. , (11)
d d

4
d2 h
N1 = P . ( + μ . d) . (12)
d

Multiplicando-se a equação 12 pelo coeficiente de atrito obtém-se

d2 h
μ. N1 = μ. P . ( + μ. ). (13)
d d

Como o produto do coeficiente de atrito pela intensidade na força normal 1 é o


valor máximo da força de atrito nas rodas dianteiras (A 1), encontra-se

d2 h
A1 = μ . P . ( + μ . d) . (13)
d

De maneira semelhante, partindo-se da equação 3, demonstra-se que o valor má-


ximo da força de atrito nas rodas traseiras (A2) vale

d1 h
A2 = μ . P . ( − μ. ). (14)
d d

A razão entre a equação 13 pela equação 14 resulta ser

A1 d2 + μ .h
= . (15)
A2 d1 − μ .h

A equação 15 implica que crescendo o coeficiente de atrito entre os pneus e o pa-


vimento, cresce a razão entre a intensidade das forças de atrito nas rodas dianteiras
pela intensidade das forças de atrito nas rodas traseiras. Desta forma, com o cresci-
mento da aceleração de frenagem, maior é a contribuição dos freios dianteiros em rela-
ção aos traseiros.

5 - A frenagem da motocicleta BMW R1200GS

Como aplicação da teoria desenvolvida nas seções anteriores analisaremos o caso


da motocicleta BMW R1200 GS. A razão da escolha deve-se à existência de um estudo
sobre a determinação do centro de massa da motocicleta em um documento intitulado
Calculating Motorcycle Center of Mass
(http://www.me.unm.edu/~starr/moto/cm.pdf - acessado em 05/05/2018).

O autor do estudo localizou o centro de massa de sua motocicleta no local identi-


ficado na foto da figura 3, obtida na Wikipedia
(https://en.wikipedia.org/wiki/BMW_R1200GS#/media/File:BMW_R1200GS_in_Muni
ch.jpg - acessado em 0/5/05/2018), em amarelo. O ponto identificado em azul é o cen-
tro de massa do sistema constituído pela motocicleta e o seu piloto (suposto como ten-
do a massa aproximada de 80 kg). A massa do sistema motocicleta e o piloto perfaz 320
kg e, portanto o seu peso é cerca de 3140 N. O centro de massa se localiza a 0,80 m (d 1)
atrás do eixo traseiro e a 0,65 m acima da superfície de apoio (h), sendo de 1,50 m (d)
a distância entre os eixos traseiro e dianteiro.

5
Figura 3 – Identificação do centro de massa do sistema constituído pela motocicleta juntamente com o
piloto.

Na figura 4 estão representados o peso da motocicleta e as forças normais (bem


como suas intensidade fornecidas pelas equações 4 e 5) quando a motocicleta não
possui aceleração.

Figura 4 – Peso da motocicleta e forças normais à superfície de apoio quando a motocicleta não está ace-
lerada.

Supondo-se uma frenagem de emergência sobre uma pista de rolamento que


apresente um coeficiente de atrito estático (µ) de 0,90, induzindo assim uma acelera-
6
ção de frenagem de 0,9.9,8=8,82 m/s2, a equação 9 implica numa mudança das forças
normais com o valor

0,65
∆N = 320. 8,82 . 1,50 = 1223 N . (16)

Ou seja, a intensidade da força normal na roda dianteira (traseira) é acrescida


(subtraída) de 1223 N no valor indicado na figura 4, levando aos valores indicados na
figura 5. Na figura 5 também estão indicados os valores das forças de atrito estático
(produto do coeficiente de atrito estático pela intensidade da respectiva força normal).

Figura 5 – Forças normais, peso e forças de atrito durante a frenagem de emergência conseguida em uma
pista de rolamento (coeficiente de atrito estático igual a 0,90).

Assim sendo, a intensidade da força de atrito na roda dianteira é cerca de 6


(2419/407=5,9) vezes maior do que na roda traseira (esta razão também pode ser ob-
tida diretamente da equação 15).

6 - Conclusão

É fácil estender as análises desse artigo para situações de veículos acelerados, se-
ja quando ganham velocidade, seja quando façam curvas (acelerações perpendiculares
à velocidade do veículo).

O importante desta discussão é que a redistribuição das forças normais à


pista de rolamento em situações aceleradas decorre de efeitos inerciais e não de
uma redistribuição do peso do veículo. Fica bem caracterizado que os freios diantei-
ros são os que mais contribuem nas frenagens, aumentando de importância conforme
aumenta a aceleração de frenagem.

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