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NEUROCIÊNCIAS:

EVOLUÇÃO E ATUALIDADE

Autora: Otilia Lizete de Oliveira Martins Heinig

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Profa. láudia Regina Pinto Michelli

Revisão Gramatical: Profa. Iara de Oliveira

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © Editora UNIASSELVI 2012


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

616.8
H468n Heining, Otilia Lizete de Oliveira Mertins
Neurociência : evolução e atualidade / Otilia Lizete de
Oliveira Mertins Heining. Indaial : Uniasselvi, 2012.
158 p. : il

ISBN 978-85-7830-652-6

1. Neurociência - evolução.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Otilia Lizete de Oliveira Martins Heinig

Possui mestrado em Educação pela Fundação


Universidade Regional de Blumenau (1995) e
doutorado em Linguística pela Universidade Federal
de Santa Catarina (2003). Atualmente é professor
titular, tempo integral, da Fundação Universidade
Regional de Blumenau, atuando no curso de Letras e no
Mestrado em Educação. Tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Letras no que concerne aos aspectos
educativos, atuando principalmente nos seguintes temas:
professores, ensino fundamental, ensino-aprendizagem,
leitura e sistema alfabético.
Sumário

APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1
Neurociência: Histórico e Evolução................................... 9

CAPÍTULO 2
Neurociência: Estudos Atuais............................................. 45

CAPÍTULO 3
Aplicações dos Estudos da Neurociência para a
Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita.. 77

CAPÍTULO 4
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita......................115
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

Caro pós graduando, estamos chegando ao final do seu curso de


Neuropsicopedagogia, e nesta disciplina iremos estudar os movimentos históricos
na Neurociência e sua contribuição para a Educação. Organizamos esse caderno
de estudos, em quatro capítulos:

No primeiro capítulo abordaremos a origem e o desenvolvimento histórico


das neurociências, os rumos desses estudos e as implicações dessas novas
descobertas, para finalizar esse capítulo histórico falaremos sobre os estudos
atuais da neurociência seus avanços e contribuições.

No capítulo seguinte, estudaremos a noção da neurociência molecular,


celular e dos sistemas comportamentais e cognitivos, concluiremos esse capítulo
apresentado o estudo da neurociência para a leitura e a escrita.

A aprendizagem da leitura e da escrita será o ponto central de estudo no
terceiro capítulo, nele apresentaremos os conhecimentos de leitura e escrita
dentro das novas descobertas da neurociência. Descrevemos o processo de
leitura com base nos recentes estudos sobre o neurônio da leitura, para finalizar
elencaremos problemáticas da leitura e da escrita com base nesses novos
estudos e relacionaremos as questões de aprendizagem da leitura e da escrita
com base nos estudos psicolinguísticos e da neurociência.

O quarto capítulo, apresentaremos o processamento da língua falada e


escrita, assim como compreenderemos as bases da linguistica e psicolinguística
na organização do sistema alfabético do português do Brasil. Conheceremos
as contribuições dos estudos psicolinguísticos para detectar os problemas de
processamento, e por fim, como aplicar esses conhecimentos adquiridos na
compreensão de um caso de dificuldade de aprendizagem de leitura e de escrita.

Dessa forma, esperamos que este caderno de estudos contribua na sua


formação profissional e que você compreenda quais as relações da leitura e da
escrita sob o viés cognitivo.

Bons estudos!

A autora.
C APÍTULO 1
Neurociência: Histórico e Evolução

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Historicizar os estudos da neurociência, a fim de que se possa reconstruir o


processo de descobertas e das aplicações dos estudos na área.

99 Estabelecer relações entre os estudos atuais e as descobertas realizadas


desde o surgimento dos estudos da neurociência.

99 Enumerar os principais avanços da neurociência e apontar suas contribuições


para os estudos atuais.
Neurociências: evolução e atualidade

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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

Contextualização
Pare um instante e tente analisar seu jeito de andar. Você consegue
descrever seus movimentos de forma consciente?

Pois é, nós falamos, andamos, pensamos. Isso tudo acontece de forma


tão natural em nossa vida que não paramos para refletir sobre o que acontece
conosco. Apenas realizamos as ações.

Também raramente buscamos saber que estudos explicam nosso modo de


pensar, acumular conhecimentos, guardar histórias e rostos, por exemplo. Nossa
tarefa, neste momento, é compreender como chegamos a ser como somos sob a
ótica das neurociências.

Neste capítulo, que está organizado em três seções, temos como principal
objetivo compreender os estudos da grande área da Neurociência na linha da
história.

Por isso, ele foi organizado da seguinte maneira:

1) Origem e desenvolvimento histórico das Neurociências.

2) Os rumos dos estudos na área e as implicações para novas descobertas.

3) Os estudos atuais: avanços e contribuições para a área.

Considere que estas partes se articulam entre si, pois a construção de uma
casa começa com seu alicerce, muitas vezes escondido, mas que sustenta um
todo sólido, bonito e à mostra. Portanto, sua tarefa é a de um arquiteto que visa a
estudar uma edificação já pronta e buscar compreender e descrever o processo
de sua construção. Preparado(a)? Então, vamos lá.

Origem e Desenvolvimento Histórico


das Neurociências
Como você já sabe, temos intenções aqui e elas estão articuladas, mas
iremos deixar mais clara a maneira como organizamos o todo e as partes deste
capítulo. Na primeira seção, nosso objetivo é apresentar cronologicamente
os estudos da neurociência para que se possa reconstruir o processo das
descobertas e das aplicações dos estudos na área. Feito isso, iremos estabelecer

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Neurociências: evolução e atualidade

relações entre as descobertas realizadas ao longo dos séculos e os estudos mais


recentes, para, finalmente, enumerar os principais avanços da neurociência e
apontar suas contribuições para os estudos atuais.

Agora que você já sabe qual nosso propósito geral e de que maneira nos
organizamos, convidamos você a realizar sua primeira atividade.

Atividades de Estudos:

Observe com atenção e analise a foto que segue:

Figura 1 - Imagens que se encontram no museu Museu


Nacional de Praga (República Tcheca)

1) Observando as três cabeças, o que há de diferente entre elas?


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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

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2) Em que época viveu cada um desses seres representados nas


estátuas? Se tiver dúvidas quanto a isso, faça uma pesquisa em
materiais sobre a evolução das espécies.
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O que você fez até aqui foi olhar para o exterior do ser humano e, partindo
da aparência, fazer inferências sobre a organização cerebral, tendo como ponto
de referência a configuração da cabeça de cada um dos seres representados na
Figura 1. Entretanto, para que se possa saber mais acerca da organização cerebral
humana, as neurociências apresentaram contribuições muito importantes, as quais
foram construídas ao longo de milhares de anos. Para ajudar a fazer um passeio
pela história, consultamos, selecionamos e traduzimos a cronologia apresentada
em “Marcos das Pesquisas em Neurociências”, o qual foi disponibilizado pela
universidade de Washington.

Se você quiser saber mais sobre os marcos das pesquisas em


Neurociências, sugerimos que acesse o site:

http://faculty.washington.edu/chudler/hist.html

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Neurociências: evolução e atualidade

A cronologia está organizada em seis momentos históricos e, como salienta


o autor, nem todos foram incluídos e as pesquisas se deram em diferentes fontes.

Leia com atenção as descobertas e eventos de cada época


e já vá destacando (assinale, pinte, sublinhe) aquelas que julgar
importantes para a evolução dos estudos das neurociências I 4000
a.C. a 0 d.C.

ca. 4000 a.C. - Efeito euforizante da papoula é relatado em


registros sumérios.

ca. 4000 a.C. - Tabuletas de argila da Mesopotâmia discutem


como usar o álcool para diluir medicamentos.

ca. 2700 a.C. - Shen Nung dá origem à acupuntura.

ca. 1700 a.C. - Edwin Smith: primeiro registro escrito sobre o


sistema nervoso (em papiro).

ca. 1400-1200 a.C. – O sistema Ayuvedic de medicina hindu é


desenvolvido.

ca. 500 a.C. - Alcmaion de Crotona disseca nervos sensoriais e
descreve o nervo óptico.

460-379 a.C. - Hipócrates descreve a epilepsia como um distúrbio
do cérebro. Hipócrates afirma que o cérebro está envolvido com
a sensação e é a sede da inteligência.

Figura 2 - Hipócrates (?460 a.C. – ?377 a.C.),


conhecido como o pai da medicina moderna, foi a primeira
pessoa a separar medicina de superstição

Fonte: Disponível em: <http://www.filosofia.com.br/historia_


14 show.php?id=27>. Acesso em: 1º dez. 2012.
Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

387 a.C. - Platão ensina em Atenas. Considera o cérebro como a


sede do processo mental.

335 a.C. - Aristóteles escreve sobre o sono; acredita que o


coração é a sede de processo mental.

335-280 a.C. - Herófilo (o “Pai da Anatomia”) acredita que os


ventrículos são sede da inteligência humana.

280 a.C. - Erasístrato de Chios regista as divisões do cérebro.

0 d.C. a 1500

177 - Galeno faz palestra sobre o cérebro.

ca. 100 - Marinus descreve o décimo nervo craniano .

ca. 100 - Rufus de Éfeso descreve e dá nome ao quiasma.

ca. 390 - Nemésio desenvolve a doutrina da localização


ventricular de todas as funções mentais.

ca. 900 - Rhazes descreve sete pares de nervos cranianos e 31


nervos espinhais em Kitab al-Hawi Fi Al Tibb.

ca. 1000 - Al-Zahrawi (também conhecido como Abulcasis ou


Albucasis) descreve vários tratamentos cirúrgicos para distúrbios
neurológicos.

1025 - Avicena escreve sobre a visão e o olho em The Canon of


Medicine.

1088 - Abu Ruh escreve The Light of the Eyes, descrevendo


várias operações de olho.

1260 - Luís IX funda a primeira instituição para cegos.

1316 - Mondino de’Luzzi escreve o primeiro livro europeu de


anatomia (Anothomia).

1402 – O Hospital Santa Maria de Belém é usado exclusivamente


para doentes mentais.

1410 – Uma instituição para doentes mentais é estabelecida em


Valência, Espanha.

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Neurociências: evolução e atualidade

1500 – 1600

1504 - Leonardo da Vinci produz em cera o elenco dos ventrículos


humanos.

Figura 3 – As contribuições em desenho para os estudos da Anatomia

Fonte: Disponível em: <http://www.leonardo-da-vinci-biography.com/


leonardo-da-vinci-anatomy.html>. Acesso em: 1º dez. 2012.

1536 - Nicolo Massa descreve o fluido cerebrospinal.

1538 - Andreas Vesalius publica a Tabulae Anatomicae.

1542 - Jean Fernel publica De naturali parte Medicinae, o qual


traz pela primeira vez o termo “fiosologia”.

1543 - Andreas Vesalius publica On the Workings of the Human


Body.

1543 - Andreas Vesalius discute a glândula pineal e desenha o


corpo estriado.

1549 - Jason Pratensis publica De Morbis Cerebri, um livro


inicialmente dedicado à doença neurológica.

1550 - Vesalius descreve a hidrocefalia.



1550 - Eustachio Bartolomeo descreve a origem cerebral dos
nervos ópticos.

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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1561 - Gabriele Falloppio publica Observationes Anatomicae e


descreve alguns dos nervos cranianos.

1562 - Eustachio Bartolomeo publica The Examination of the


Organ of Hearin.

1564 - Giulio Cesare Aranzi cunha o termo hipocampo.

1573 - Constanzo Varolio é o primeiro a cortar o cérebro a partir


de sua base.

1573 - Girolamo Mercuriali escreve De nervis opticis, a fim de


descrever a anatomia do nervo óptico.

1583 - Felix Platter afirma que a retina é onde as imagens são


formadas.

1583 - Georg Bartisch publica Ophthalmodouleia: das ist


Augendienst com desenhos de olhos.

1586 - A. Piccolomini distingue entre o córtex e a substância


branca.

1587 - Guilio Cesare Aranzi descreve os ventrículos e o


hipocampo. Ele também demonstra que a retina tem uma imagem
invertida.

1590 - Zacharias Janssen inventa o microscópio composto.

1600 – 1700

1601 - Hieronymus Fabricius ab Aquapendente publica Tractatus


de Oculo Visusque Organo, descrevendo o local correto da lente
em relação à íris.

1604 - Johannes Kepler descreve imagem invertida na retina.

1609 - J. Casserio publica a primeira descrição de corpos


mamilares.

1611 - Lázaro Riverius publica o livro-texto descrevendo


deficiências na consciência.

1621 - Robert Burton publica A anatomia da melancolia sobre a


depressão.

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Neurociências: evolução e atualidade

1623 - Benito de Daca Valdes publica o primeiro livro sobre o


teste de visão e adaptação de óculos.

1641 - Franciscus de la Boe Sylvius descreve a fissura na


superfície lateral do cérebro (fissura silviana).

1644 - Giovanni Battista Odierna descreve o aspecto microscópico


do olho da mosca em L’Occhio della Mosca.

1649 - René Descartes descreve o pineal como centro de controle
do corpo e da mente.

1650 - Franciscus de la Boe Sylvius descreve uma passagem


estreita entre os terceiro e quarto ventrículos (o aqueduto de
Sylvius).

1658 - Johann Jakof Wepfer teoriza que um vaso sanguíneo


quebrado no cérebro pode causar apoplexia (derrame).

1661 - Thomas Willis descreve um caso de meningite.



1662 - De homine de René Descartes é publicado (Ele morreu em
1650).

1664 - Thomas Willis publica Cerebri anatome (em latim).

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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

Figura 4 – Cerebri Anatome

Fonte: Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/


pineal-gland/>. Acesso em: 1º dez. 2012.

1664 - Thomas Willis descreve o décimo primeiro nervo craniano


(nervo acessório).

1664 - Gerardus Blasius descobre e nomeia o “aracnoide”.



1665 - Robert Hooke detalha o seu primeiro microscópio.

1667 - Robert Hooke publica Micrographia.

1668 - l’Abbe Edme Mariotte descobre o ponto cego.



1670 - William Molins nomeia o nervo troclear.

1673 - Joseph Duverney usa em pombos a técnica de ablação


experimental.
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Neurociências: evolução e atualidade

1681 – A edição em Inglês de Cerebri anatome de Thomas Willis


é publicada.

1681 - Thomas Willis cunha o termo Neurologia.



1684 - Raymond Vieussens publica Neurographia Universalis.

1695 - Humphrey Ridley publica A Anatomia do Cérebro.



1696 - John Locke escreve o Ensaio sobre o Entendimento
Humano.

1697 - Joseph G. Duverney introduz o termo “plexo braquial”.

1700 – 1800

1704 - Antonio Valsalva publica No ouvido humano.

1705 - Antonio Pacchioni descreve as granulações aracnoides.

1709 - George Berkeley publica a Nova teoria da visão.

1717 - Antony van Leeuwenhoek descreve as fibras nervosas na


seção transversal.

1721 - A palavra “anestesia” aparece pela primeira vez em Inglês.



1736 - Jean Astruc cunha o termo reflexo.

1749 - David Hartley publica Observações do Homem, o primeiro


trabalho Inglês usando a palavra “psicologia”.

1750 - Jacques Daviel realiza a primeira extração de catarata em
um olho humano vivo.

1752 - A Sociedade dos Amigos estabelece um ambiente
hospitalar para os doentes mentais na Filadélfia.

1760 - Arne-Charles Lorry demonstra que os danos ao cerebelo


afetam a coordenação motora.

1766 - Albrecht von Haller fornece descrição científica do líquido


cefalorraquidiano.

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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1773 - John Fothergill descreve a neuralgia do trigêmeo (tique


doloroso, síndrome do Fothergill).

1773 - Sir Joseph Priestley descobre o óxido nitroso.



1774 - Franz Anton Mesmer introduz o “magnetismo animal”
(mais tarde chamada de hipnose).

Figura 5 – Franz Anton Mesmer

Fonte: Disponível em: <hediedformygrins.blogspot.com>.


Acesso em: 1º dez. 2012.

1776 - M.V.G. Malacarne publica o primeiro livro dedicado


exclusivamente ao cerebelo.

1777 - Philip Meckel propõe que o ouvido interno é preenchido
com fluido, não ar.

1778 - Samuel Thomas von Soemmerring apresenta a


classificação moderna dos doze pares de nervos cranianos.

1779 - Antonius Scarpa descreve o gânglio de Scarpa do sistema
vestibular.

1782 - Francesco Gennari publica um trabalho sobre “lineola
albidior” (mais tarde conhecida como a faixa de Gennari).

1782 - Francesco Buzzi identifica a fóvea.

1784 - Benjamin Rush escreve que o álcool pode ser uma droga
que vicia.
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Neurociências: evolução e atualidade

1784 - Benjamin Franklin menciona óculos bifocais em uma carta


a George Whatley.

1786 - Felix Vicq d’Azyr descobre o locus coeruleus.

1786 - Samuel Thomas Sommering descreve o quiasma.

1786 - Georg Joseph Beer funda o primeiro hospital de olhos em


Viena.

1791 - Luigi Galvani publica um trabalho sobre estimulação


elétrica de nervos de rã.

1792 - Giovanni Valentino Mattia Fabbroni sugere que a ação do


nervo envolve tanto fatores químicos quanto físicos.

1796 - Johann Christian Reil descreve a insula (ilha de Reil).

1798 - John Dalton, que era daltônico vermelho-verde, fornece


uma descrição científica do daltonismo.

1800 – 1850

1800 - Alessandro Volta inventa a pilha molhada.

1800 - Humphrey Davy sintetiza o óxido nitroso.

1800 - Samuel von Sommering identifica o material preto no


mesencéfalo e o chama de “substantia nigra”.

1801 - Thomas Young descreve o astigmatismo.

1801 - Adam Friedrich Wilhelm Serturner cristaliza ópio e obtém


morfina.

1808 - Franz Joseph Gall publica um trabalho sobre frenologia.

1809 - Johann Christian Reil usa o álcool para endurecer o cérebro.

1809 - Luigi Rolando usa corrente galvânica para estimular o


córtex.
1811 - Jean Julien Legallois descobre o centro respiratório na
medula.

1811 - Charles Bell discute as diferenças funcionais entre raízes


dorsal e ventral da medula espinhal.

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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1820 – O galvanômetro é inventado.

1821 - Charles Bell descreve paralisia facial ipsilateral (paralisia


de Bell).

1821 - François Magendie discute as diferenças funcionais entre


raízes dorsal e ventral da medula espinhal.

1822 - Friedrich Burdach nomeia o giro cingulado e distingue


geniculado lateral e medial.

1823 - Marie-Jean-Pierre Flourens afirma que o cerebelo regula a


atividade motora.

1824 - John C. Caldwell publica Elementos de Frenologia.

1824 - Marie-Jean-Pierre Flourens faz ablação em detalhes para


estudar o comportamento.

1824 - F. Magendie fornece a primeira evidência do papel do


cerebelo no equilíbrio.

1825 - John P. Harrison apresenta o primeiro argumento contra a
frenologia.

1825 - Jean-Baptiste Bouillaud apresenta casos de perda da fala


após lesões frontais.

1825 - Luigi Rolando descreve o sulco que separa os giros pós-
central e pré-central.

1826 - Johannes Müller publica teoria de “energias nervosas


específicas”.

1832 - Justus von Liebig descobre o hidrato de cloral.



1832 - Jean-Pierre Robiquet isola a codeína.

1832 - Sir Charles Wheatstone inventa o estereoscópio.

1833 - Philipp L. Geiger isola a atropina.

1834 - Ernst Heinrich Weber publica a “Lei de Weber”.

1836 - Marc Dax lê jornal sobre os efeitos do hemisfério esquerdo


danos em discurso.

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Neurociências: evolução e atualidade

1836 - Gabriel Gustav Valentin identifica o neurônio núcleo e o


nucléolo.

1836 - Robert Remak descreve axônios mielinizados e não


mielinizados.

1836 - Charles Dickens (o romancista) descreve a apneia


obstrutiva do sono.

1837 - Janeiro Purkyně (Purkinje) descreve as células


cerebelares; identifica o neurônio núcleo e seus processos.

1837 - A American Physiological Society é fundada.

1838 - Robert Remak sugere que fibras nervosas e células


nervosas são unidas.

1838 - Theordor Schwann descreve a célula formadora de mielina


no sistema nervoso periférico (“célula de Schwann”).

1838 - Jean-Etienne Dominique Esquirol publica Mentales Des


Maladies, possivelmente a primeira obra moderna sobre os
transtornos mentais.

1838 – O Código Napoleônico leva à exigência de instalações


para os doentes mentais.

1838 - Eduard Zeis publica um estudo sobre os sonhos em


pessoas que são cegas.

1839 - Theordor Schwann propõe a teoria celular.

1839 - C. Chevalier cunha o termo micrótomo.



1840 - Moritz Heinrich Romberg descreve um teste para
propriocepção consciente (teste de Romberg).

1840 - Adolph Hannover utiliza ácido crômico para endurecer


tecido nervoso.

1840 - Jules Gabriel François Baillarger discute as conexões


entre a substância branca e cinzenta do córtex cerebral.

1840 - Adolphe Hannover descobre as células ganglionares da


retina.

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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1841 - Dorothea Lynde Dix investiga brutalidade dentro de


hospitais para doentes mentais nos Estados Unidos.

1842 - Benedikt Stilling é o primeiro a estudar a medula espinhal


em cortes seriados.

1842 - Crawford W. Long usa éter sobre o homem.



1842 - François Magendie descreve a abertura mediana no teto
do quarto ventrículo (forame de Magendie).

1843 - James Braid cunha o termo “hipnose”.

1844 - Robert Remak fornece a primeira ilustração de 6 camadas do


córtex.

1844 - Horace Wells utiliza óxido nitroso durante uma extração de


dente.

1845 - Ernst Heinrich Weber e Edward Weber descobrem que a


estimulação do nervo vago inibe o coração.

1846 - William Morton demonstra anestesia com éter no


Massachusetts General Hospital.

1847 - A anestesia de clorofórmio é usada por James Young


Simpson.

1847 - A Associação Americana para o Avanço da Ciência é


fundada.

1848 - Phineas Gage tem seu cérebro perfurado por uma barra
de ferro.

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Neurociências: evolução e atualidade

Figura 6 – Cérebro perfurado por uma barra de ferro

Fonte: Disponível em: <www.joeltalks.com>.


Acesso em: 1º dez. 2012.

1848 - Richard Owen cunha a palavra “notocorda”.



1849 - Hermann von Helmholtz mede a velocidade dos impulsos
nervosos em rã.

1850 – 1900

1850 - Augustus Waller descreve a aparência de fibras nervosas


em degeneração.

1851 - Jacob Augusto Lockhart Clarke descreve o núcleo dorsal,


uma área. na zona intermediária da matéria cinzenta da medula
espinhal.

1851 - Heinrich Muller é o primeiro a descrever os pigmentos


coloridos na retina.

1851 - Alfonso Corti Marchese descreve o órgão receptor coclear


no ouvido interno (órgão de Corti).

1851 - Hermann von Helmholtz inventa oftalmoscópio.

1851 - Andrea Verga descreve o vergae cavum.

1852 - George Meissner e Rudolf Wagner descrevem as


terminações nervosas encapsuladas, mais tarde conhecidas
como “corpúsculos de Meissner”.

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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1853 - William Benjamin Carpenter propõe “gânglio sensorial”


(tálamo) como sede da consciência.

1854 - Louis P. Gratiolet descreve circunvoluções do córtex


cerebral.

1855 - Bartolomeo Panizza demonstra que o lobo occipital é
essencial para a visão.

1855 - Richard Heschl descreve os giros transversos no lobo


temporal (giros Heschl).

1859 - Charles Darwin publica A Origem das Espécies.

1859 - Rudolph Virchow cunha o termo neuroglia.

1860 - Albert Niemann purifica cocaína.

1860 - Gustav Theodor Fechner desenvolve a “lei de Fechner”.

1860 - Karl L. Kahlbaum descreve e nomeia “catatonia”.

1861 - Paul Broca discute localização cortical.

Figura 7 – Anatomia cerebral por Paul Broca e Carl Wernicke

Fonte: Disponível em: <wwww.souagora.com.br>. Acesso em: 1º dez. 2012.

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Neurociências: evolução e atualidade

1861 - T.H. Moedas Huxley cunha o termo calcarine sulcus.

1862 - Hermann Snellen inventa cartelas com letras para testar a


visão.

1863 - Ivan Mikhalovich Sechenov publica Reflexos do Cérebro.

1863 - Nikolaus Friedreich descreve uma desordem hereditária e


progressiva degenerativa do SNC (ataxia de Friedreich).

1864 - John Hughlings Jackson escreve sobre a perda da fala


após lesão cerebral.

1865 - Otto Friedrich Karl Deiters diferencia dendritos e axônios e


descreve o núcleo vestibular lateral (núcleo de Deiter).

1866 - Julius Bernstein apresenta a hipótese de que um impulso


nervoso é uma “onda de negatividade”.

1866 - Leopold Agosto Besser cunha o termo “células de Purkinje”.

1867 - Theodore Meynert realiza a análise histológica do córtex


cerebral.

1868 - Julius Bernstein mede a evolução no tempo do potencial


de ação.

1869 - Francis Galton afirma que a inteligência é herdada


(publicação de Hereditary Genius).

1869 - Johann Friedrich Horner descreve doença ocular (pupila


pequena, pálpebra caída), mais tarde a ser chamada de
“síndrome de Horner”.

1870 - Eduard Hitzig e Gustav Fritsch descobrem a área motora


cortical do cão usando estímulo elétrico.

1870 - Ernst von Bergmann escreve o primeiro livro sobre cirurgia


do sistema nervoso.

1871 - Weir Mitchell oferece relato detalhado de síndrome do


membro fantasma.

1872 - Sir William Turner descreve o sulco interparietal.


1872 - Charles Darwin publica A Expressão das Emoções no
Homem e nos Animais.

28
Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1874 - Jean Martin Charcot descreve a esclerose lateral


amiotrófica.

1874 - Vladimir Alekseyevich Betz publica trabalho sobre células


gigantes piramidais.

1874 - Roberts Bartholow estimula eletricamente o tecido cortical


humano.

1875 - Sir David Ferrier descreve diferentes partes do córtex


motor do macaco.

1875 - Richard Caton é o primeiro a registrar a atividade elétrica


do cérebro.

1875 - Heinrich Wilhelm Erb e Carl Friedrich Otto Westphal


descrevem o reflexo patelar.

1876 ​​- David Ferrier publica As Funções do Cérebro.

1876 ​​- Francis Galton usa a “natureza e cultura” para explicar


termo “hereditariedade e ambiente”.

1877 - Jean-Martin Charcot publica Palestras sobre as Doenças


do Sistema Nervoso.

1878 - Paul Broca publica trabalho sobre o “grande lobo límbico”.

1878 - Louis-Antoine Ranvier descreve interrupções regulares na


bainha de mielina (nodos de Ranvier).

1879 - Camillo Golgi descreve o que mais tarde seria conhecido


como “órgãos tendinosos de Golgi”.

1879 - Hermann Munk apresenta a anatomia detalhada do


quiasma.

1879 - William Crookes inventa o tubo de raios catódicos.

1879 - Wilhelm Wundt cria laboratório dedicado a estudar o


comportamento humano.
1880 - Jean Baptiste Edouard Gelineau introduz a palavra
“narcolepsia”.

1880 - Friedrich Sigmund Merkel descreve terminações nervosas


livres as quais seriam mais tarde conhecidas como “corpúsculos
de Merkel”.
29
Neurociências: evolução e atualidade

1881 - Hermann Munk apresenta relatórios sobre anormalidades


visuais após a ablação do lobo occipital em cães.

1883 - Sir Victor Horsley descreve os efeitos da anestesia com


óxido nitroso.

1883 - Emil Kraepelin cunha os termos neuroses e psicoses.

1883 - George John Romanes cunha o termo “psicologia


comparativa”.

1884 - Karl Koller descobre as propriedades anestésicas da


cocaína.

1884 - Georges Gilles de la Tourette descreve vários distúrbios do


movimento.

1885 - Paul Ehrlich observa que a tintura intravenosa não mancha


o tecido cerebral.

1885 - Carl Weigert introduz hematoxilina para corar a mielina.

1885 - Ludwig Edinger descreve o núcleo que será conhecido


como o núcleo Edinger-Westphal.

1886 - V. Marchi publica procedimentos para corar a degeneração


da mielina.

1887 - Sergei Korsakoff descreve os sintomas característicos em


alcoólatras.

1888 - William Gill descreve anorexia nervosa.

1888 - William W. Keen Jr. é o primeiro americano a remover


meningioma intracranial.

1888 - Giovanni Martinotti descreve células corticais mais tarde


conhecidas como “células Martinotti”.

1889 - Santiago Ramón y Cajal argumenta que as células
nervosas são elementos independentes.

1889 - William cunha o termo dendrite.

1889 - Carlo Martinotti descreve o neurônio cortical com axônio


ascendente (este neurônio hoje leva seu nome, célula Martinotti).

30
Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1890 - Wilhelm Ostwald descobre a teoria de membrana de


condução nervosa.

1890 - William James publica Princípios de Psicologia.

1890 - O termo “testes mentais” foi inventado por James Cattell.

1891 - H. Quincke introduz a punção lombar.

1891 - Wilhelm von Waldeyer cunha o termo neurônio .

Figura 8 - Wilhelm von Waldeyer

Fonte: Disponível em: <http://serendip.brynmawr.edu/exchange/


brains/timeline>. Acesso em: 1º dez. 2012.

1891 - Luigi Luciani publica um manuscrito sobre o cerebelo.

1891 - Heinrich Quinke desenvolve a punção lombar (punção


espinhal).

1892 - Arnold Pick é o primeiro a descrever a “doença de Pick”.

1893 - Paul Emil Flechsig descreve a mielinização do cérebro.

1893 - Charles Scott Sherrington cunha o termo proprioceptivo.

1895 - William Seu primeiro usa o termo hipotálamo.

1895 - Wilhelm Konrad Roentgen inventa o Raio-X.

31
Neurociências: evolução e atualidade

1895 - Heinrick Quincke realiza punção lombar para estudar o


líquido cefalorraquidiano.

1896 - Rudolph Albert von Kolliker cunha o termo axônio.

1896 - Camillo Golgi descobre o aparelho de Golgi.

1896 - Emil Kraeplein descreve a demência precoce.

1897 - Ivan Petrovich Pavlov publica trabalho sobre a fisiologia da


digestão.

1897 - Karl Ferdinand Braun inventa o osciloscópio.

1897 - John Jacob Abel isola adrenalina.

1897 - Charles Scott Sherrington cunha o termo sinapse.

1897 - Ferdinand Blum usa formol como fixador do cérebro.

1898 - John Langley Newport cunha o termo sistema nervoso.

1898 - Angelo Ruffini descreve terminações nervosas


encapsuladas, mais tarde conhecidas como corpúsculos de
Ruffini.

1899 - Francis Gotch descreve uma “fase refratária” entre os


impulsos nervosos.

1900 - 1950

1900 - Sigmund Freud publica A Interpretação dos Sonhos.

1900 - Charles Scott Sherrington afirma que o cerebelo é o


gânglio principal do sistema proprioceptivo.

1900 - M. Lewandowsky cunha o termo “barreira cérebro-sangue”.

1902 - Oskar Vogt e Cecile Vogt cunham o termo “neurofisiologia”.

1903 - Ivan Pavlov cria o termo reflexo condicionado.

1905 - Alfred Binet e Theodore Simon apresentam seu primeiro


teste de inteligência.
32
Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1905 - John Langley Newport cria a expressão “sistema nervoso


parassimpático”.

1906 - Alois Alzheimer descreve a degeneração pré-senil.

1906 - Sir Charles Scott Sherrington publica A ação integradora


do sistema nervoso, que descreve a sinapse e o córtex motor.

1907 - Ross Granville Harrison descrevem os métodos de cultura


de tecidos.

1907 - John Langley Newport introduz o conceito de moléculas


receptoras.

1908 - Vladimir Bekhterew descreve o núcleo superior do nervo


vestibular (núcleo do Bekhterew).

1908 - Oberga introduz a punção cisterna, um método para


acessar o líquido cefalorraquidiano através da cisterna magna.

1909 - Harvey Cushing é o primeiro a estimular eletricamente o


córtex sensorial humano.

1909 - Korbinian Brodmann 52 descreve as discretas áreas


corticais.

1909 - Karl Jaspers publica Doença Mental Geral.

1910 - Emil Kraepelin nomeia a doença de Alzheimer.

“O anseio de Kraepelin era o de demonstrar que as doenças


mentais tinham uma base anatômica, mas as alterações cerebrais
estruturais associadas às doenças mentais eram só accessíveis
através de investigação de achados pós-morte e, na época, Kraepelin
possuía colaboradores que se tornaram famosos nesta empreitada:
Alzheimer, Nissl e o casal Vogt (Tsuang et al., 1995).” (ELKIS, 1996).

1911 - Eugen Bleuler cunha o termo esquizofrenia.

1912 - Fórmula original para o quociente de inteligência (QI),


desenvolvida por William Stern.

33
Neurociências: evolução e atualidade

1913 - Edwin Ellen Goldmann encontra a barreira hematoencefálica


impermeável a grandes moléculas.

1913 - Walter Samuel Hunter inventa o teste da resposta retardada.

1915 - J.G. Dusser De Barenne descreve a atividade do cérebro


após a aplicação de estricnina.

1916 - Shinobu Ishihara publica um conjunto de placas para testar


a visão de cores.

1918 - Walter E. Dandy introduz a ventriculografia.

1919 - Cecile Vogt descreve mais de 200 áreas corticais.

1919 - Walter E. Dandy introduz a encefalografia .

1919 - Pio del Rio Hortega divide neuroglia em microglia e


oligodendroglia.

1920 - Henry Head publica Estudos em Neurologia.

1920 - Stephen Walter Ranson demonstra as conexões entre o


hipotálamo e a hipófise.

1920 - John B. Watson e Rosalie Rayner publicam experimentos


sobre o condicionamento clássico de medo (experimentos
pequeno Albert).

1921 - Otto Loewi publica trabalho sobre Vagusstoff.

1924 - Charles Scott Sherrington descobre o reflexo de


estiramento.

1928 - Walter Rudolf Hess relata “respostas afetivas” à


estimulação hipotalâmica.

1928 - John Fulton publica suas observações (feitas em 1926


e 1928) dos sons do sangue que flui ao longo do córtex visual
humano.

1929 - Hans Berger publica suas conclusões sobre o


eletroencefalograma em ser humano.

34
Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

1932 - Max Knoll e Ernst Ruska inventou o microscópio eletrônico.

1932 - Edgar Douglas Adrian e Charles S. Sherrington: Prêmio


Nobel com o trabalho sobre a função dos neurônios.

1936 - Egas Moniz publica trabalhos sobre a lobotomia frontal


humana.

1936 - Walter Freeman executa lobotomia nos Estados Unidos.

1937 - James Papez publica trabalho sobre o circuito límbico.

1936 - Hospital Geral de Massachusetts tem seu primeiro


laboratório EEG.

1938 - Isador Rabi cunha o termo “ressonância magnética”.

1938 - Skinner publica O Comportamento dos Organismos que


descreve o condicionamento operante.

1938 - Ugo Cerletti e Lucino Bini: tratamento de pacientes


humanos com eletrochoque.

1938 - Franz Kallmann publica a genética da esquizofrenia.

1946 - Theodor Rasmussen descreve o feixe olivococlear (pacote


de Rasmussen).

1946 - Presidente Truman assina o Ato Nacional de Saúde Mental.


1948 - A Organização Mundial de Saúde é fundada.

1949 - Horace Winchell Magoun define o sistema ativador reticular.

Fonte: Disponível em: <http://faculty.washington.edu/


chudler/hist.html>. Acesso em: 1º dez. 2012.

Até você pode acompanhar, de forma didática, os acontecimentos marcantes


que irão, durante a leitura do caderno de estudos, auxiliá-lo a compreender de
que formas as descobertas se articulam. Vale esclarecer que cada pesquisador
atuou em momentos distintos e em lugares diferentes, cada um dentro de um

35
Neurociências: evolução e atualidade

contexto de descobertas e tecnologias possíveis para aquele momento. Portanto,


não podemos ler a cronologia de forma linear apenas, é preciso relacionar o
que ocorreu, onde e quando, a fim de perceber que as novas descobertas estão
relacionadas com outras e, assim, alimentam novas investigações e ampliação
dos recursos tecnológicos possíveis para um dos momentos históricos.

Atividade de Estudos:

1) Antes de seguirmos adiante e analisarmos as principais


contribuições na segunda metade do século XX:

a) Faça uma síntese do que você considerou importante durante sua


leitura da cronologia, retomando fatos e pesquisadores, justifique
suas escolhas.

b) A fim de ajudar você a refletir sobre a história das neurociências


quando toda a tecnologia atual ainda não estava disponível para
os estudos desse espaço tão misterioso que é o cérebro, discuta
acerca dessas questões: O que as descobertas significaram
ao longo do tempo? A que se pode atribui os avanços em cada
momento histórico? Quem são essas pessoas e como se deram
essas descobertas? Como seria o nosso século se não tivessem
ocorrido essas descobertas?
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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

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Os Principais Avanços da Neurociência


e suas Contribuições para os Estudos
Atuais
Um dos objetivos desse capítulo é historicizar os estudos da neurociência, a
fim de que se possa reconstruir o processo de descobertas e das aplicações dos
estudos na área. Esperamos que você tenha compreendido que as descobertas
se deram dentro de um momento histórico o qual tinha seus recursos de pesquisa.
Os limites de cada momento auxiliaram nos avanços sobre os quais iremos
estudar nesta seção.

Foram muitos estudos para que cada parte do todo fosse compreendida em
relação às funções de cada órgão e da relação entre eles. Entretanto, apenas
quando os aparelhos para os estudos mais detalhados do cérebro foram se
desenvolvendo é que as descobertas até então realizadas foram confirmadas,
revistas e ampliadas, pois, como você pode refletir em sua atividade anterior, a
ciência parte sempre de conhecimentos já elaborados, os quais são refutados,
reafirmados, alterados ou apenas complementados.

Vamos, então, rever alguns momentos já apresentados na cronologia e


outros novos, pois houve contribuições anteriores que foram fundamentais para
os avanços das neurociências. O que selecionamos para estudo possibilitou aos
cientistas conhecer um pouco mais o funcionamento interno do corpo humano.
Você já sabe que, em 1895, Wilhelm Konrad Roentgen inventou o Raio-X, o que
foi um marco no século XIX, fechando um ciclo e abrindo outro.

37
Neurociências: evolução e atualidade

Figura 9 – Equipamento móvel de radiografia em ambulância

Fonte: Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n20/


history/neuroimage2_p.htm>. Acesso em: 1º dez. 2012.

Em 1912, ocorreu, ainda que de forma incidental, a descoberta da


pneumoencefalografia (visualização radiográfica dos  ventrículos cerebrais  por
injeção de ar ou outro gás). Esta técnica, segundo Elkis (1996), foi usada até o
início dos anos 70, mas apresentava grandes problemas metodológicos para a
psiquiatria.

Na década seguinte (a de vinte), surgiu a angiografia cerebral, graças aos


trabalhos e investigações de Egas Morniz, o que possibilitou o início de estudos
acerca de algumas relações entre estados mórbidos neurológicos e determinadas
alterações do líquor. Essas técnicas foram auxiliando as pesquisas, investigações
in vivo das alterações de estruturas cerebrais.

Angiografia Cerebral: Uma angiografia cerebral é um raio X


que mostra os vasos sanguíneos na cabeça. É usado para verificar
se há a presença de aneurismas, má-formações, coágulos de
sangue, redução ou bloqueio deste ou mudanças devido a um tumor,
a um sangramento interno ou a um inchaço.

Líquor ou líquido cefalorraquidiano, é popularmente conhecido


como “líquido da espinha”. É produzido no cérebro, distribuindo-
se pelo espaço entre a superfície cerebral e o crânio e ao redor da
medula espinal. Seu volume total é renovado três vezes por dia e,
38
Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

depois de circular pelo espaço subaracnóide (entre as meninges), é


absorvido pelo sistema venoso. Sua principal função é a de servir
como um amortecedor entre o cérebro e a caixa óssea craniana, mas
também exerce importante papel como interface entre o cérebro e o
sangue na troca de fluidos e eletrólitos, além de ser um dos fatores
de regulação da pressão intracraniana.

E, em 1940, foi introduzida a imagem por ultrassonografia. O que isso


significa? Que se começava a ter maiores possibilidades investigativas do ser
humano, mas somente com os avanços dos estudos nas áreas das neurociências,
e aqui se incluem emprego de técnicas avançadas de neuroimagem, é que se
começa a compreender mais e melhor muitos fenômenos que até então careciam
de aparatos ampliados para sua investigação. Isso inclui estudos sobre a
ampliação dos conhecimentos acerca dos circuitos cerebrais e das funções que
estão relacionadas à cognição humana, bem como às doenças mentais e outros
problemas que encontramos muitas vezes em nossas famílias, como o mal de
Alzheimer, cuja degeneração pré-senil foi descrita por Alois Alzheimer, com você
já leu anteriormente.

Pré-Senil: Relativo a um estado ou às perturbações que


precedem a velhice. Ex.: catarata pré-senil, psicose pré-senil.

Você poderá ver mais adiante que os avanços da neurociência, Com o uso de
especialmente pelo uso das neuroimagens, trouxeram detalhes sobre técnicas de
as áreas do cérebro que já vinham sendo estudadas no século XIX, neuroimagem
mas que não poderiam ser detalhadas com a especificidade que hoje funcional, ocorreu
ocorre. Uma dessas áreas, por exemplo, é a da leitura e a descoberta a possibilidade
de Dehaene (2012) dos neurônios da leitura. Com o uso de técnicas de comprovação
de neuroimagem funcional, ocorreu a possibilidade de comprovação de hipóteses
de hipóteses já aventadas, refutação de outras e revisão ou ampliação já aventadas,
de descobertas sobre como nosso cérebro funciona e quais as áreas refutação de
responsáveis por cada função (ainda que se deva pensar na intrincada outras e revisão
rede que ali ocorre), que faz de nosso cotidiano um viver simples como ou ampliação
andar, falar, ler. de descobertas
sobre como
nosso cérebro
funciona.

39
Neurociências: evolução e atualidade

Atividade de Estudos:

1) Para saber um pouco mais sobre os usos e até mesmo a invenção


ou surgimento de toda essa tecnologia, sugerimos que pesquise
as seguintes técnicas:

a) Tomografia Computadorizada ou TC Axial (CAT, em inglês): 


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b) Ressonância Magnética  - RM - (MRI, em inglês)


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c) Ressonância Magnética Funcional – RMf (fMRI, em inglês)


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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

d) Tomografia  de Emissão de Pósitrons ou PET-scan  (PET,  em


inglês)
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e) Magnetoencefalografia (MEG)
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Para fechar este capítulo, apresentaremos alguns avanços na área das


neurociências que serão retomadas ao longo do fascículo. Para isso, realizou-
se uma síntese das discussões apresentadas por Dehaene (2012), bem como
trechos de sua obra no que tange aos recursos investigativos. Segundo ele, a
leitura do cérebro, com as técnicas da imagem cerebral funcional, ocorreu há
aproximadamente vinte anos. A observação dos processos, por exemplo, de
leitura, foram não apenas realizados em pessoas doentes como portadores de
alexia ou deslexia, por exemplo, mas também em sadias e pode-se observá-las
em experiência de leitura de palavra. O que isso significou? A visualização da
atividade cerebral no momento em que a pessoa realiza a operação mental, ou
seja, no caso da dislexia, realiza a leitura.

Para completar nossos estudos a respeito, trazemos as descobertas de 1988,


depois ampliadas pelo uso da IRM funcional, o que revela que os avanços são
sempre uma revisita às descobertas já ocorridas. Sobre isso, é importante saber:

41
Neurociências: evolução e atualidade

“Em 1988 aparece o um artigo que inaugurou, de modo


espetacular, a era da imagem cerebral funcional. Steven Petersen e
seus colegas estabelecem um marco ao revelar, pela primeira vez,
a organização funcional das áreas cerebrais da linguagem, com a
ajuda de um novo método: a tomografia por emissão de pósitrons”.
(DEHAENE, 2012, p. 81).

No que tange às Como você já realizou sua pesquisa (na atividade complementar)
áreas destinadas a respeito desse método, já sabe que há uma injeção de uma dose de
à escuta de água radioativa, ainda que fraca, para mapear as regiões de atividade
palavras, leitura cerebral. No que tange às áreas destinadas à escuta de palavras,
de palavras, leitura de palavras, produção de palavras e associação de palavras,
produção de foi em 1988 que estas áreas foram evidenciadas. Você pode ver isso
palavras e melhor na figura que segue:
associação de
palavras, foi em Figura 10 - Áreas do cérebro reveladas pela primeira vez pelo
escaneamento PET (datada por Peterse et al., 1989)
1988 que estas
áreas foram
evidenciadas.

Fonte: Disponível em: <http://readinginthebrain.pagesperso-orange.


fr/img/small/Diapositive9.jpg>. Acesso em: 1º dez. 2012.

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Capítulo 1 Neurociência: Histórico e Evolução

Na Figura 10 você encontrou algumas expressões em inglês,


segue a tradução desses termos:

Listing to words = ouvir palavras; Reading words = ler palavras;


Producing = produzir palavras; Associating = associação de palavras.

Mas, como você já deve ter percebido, os avanços vão colocando


de lado algumas formas de investigação das atividades cerebrais
e incluindo outras. O que surge, então, para detalhar ainda mais a
atividade cerebral, levando, por exemplo, à compreensão de como
lemos palavras?

Foi com o advento da imagem funcional por ressonância magnética (IRM


funcional). Qual a vantagem desse uso? Não era mais preciso injetar no sujeito
produtos radioativos, como explica Dehaene (2012, p. 84), pois no IRM funcional
o próprio sangue serve de produto para contraste. Além disso, o acesso a essas
máquinas se encontra em muitos hospitais e apresenta uma grande vantagem
que é “[...] a de fornecer uma série de medidas da atividade cerebral com uma
grande rapidez. No curso de um só exame, podem-se facilmente obter algumas
centenas de imagens do cérebro inteiro, numa escala de alguns milímetros, na
razão de um a cada dois ou três segundos (contra uma imagem a cada 10 ou 15
minutos para a câmera de pósitrons).” (DEHAENE, 2012, p. 84).

Algumas Considerações
Pelo que você viu aqui, foi preciso muito investimento para tornar os métodos
invasivos em outros não agressivos e mais eficientes, avançando, assim, nos
estudos das neurociências. Guarde bem o que estudou até o momento, pois irá
precisar desses conhecimentos para os estudos que seguem. Afinal, descobrir
como lemos, como vemos imagens, como atribuímos significado ao que lemos
acontece em um lugar que só foi descoberto graças a tudo que estudamos até aqui.

43
Neurociências: evolução e atualidade

Referências
D’AQUILI, Eugene G. The biopsychological determinants of culture. An Addison-
Wesley Module in Anthropology. Reading, Mass.: Addison-Wesley,1972.

DEHAENE, Stanislas. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa


capacidade de ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 2012.
ELKIS, Hélio. Neuroimagem em psiquiatria: achados recentes de alterações
estruturais no alcoolismo, esquizofrenia e transtornos do humor. Revista
Psiquiatria clínica, v. 23/24, n. 4/1-3, p. 18-23, 1996.

Marcos das pesquisas em neurociências. Disponível em: <.http://faculty.


washington.edu/chudler/hist.html>. Acesso em: 1º dez. 2012.

SABBATINI, Renato M.E. A História da Neuroimagem. Mente e Cérebro.


Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n20/history/neuroimage2_p.
htm>. Acesso em: 1º dez. 2012.

44
C APÍTULO 2
Neurociência: Estudos Atuais

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Identificar os níveis de análise nos estudos atuais da neurociência.

99 Compreender como as moléculas participam de mecanismos cruciais e agem


em conjunto para proporcionar aos neurônios suas propriedades especiais.

99 Perceber como diferentes sistemas trabalham em conjunto para produzir


comportamentos integrados.

99 Ampliar os conhecimentos sobre leitura e escrita dentro das novas descobertas


das neurociências.
Neurociências: evolução e atualidade

46
Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Contextualização
A palavra “noções” já indica que, neste capítulo, serão apresentados aspectos
introdutórios acerca das neurociências e suas áreas específicas de estudo. O que
se pretende é introduzir os estudos nas subdivisões selecionadas: molecular,
celular, comportamentais e cognitivas. Portanto, se desejar saber um pouco mais
de cada uma dessas subdivisões ou especificamente de uma delas, você poderá
ampliar seus conhecimentos fazendo pesquisas nos materiais indicados nas
referências.

Iremos apresentar pontos específicos de cada subdivisão, seguindo a ordem


que nos propomos e atendendo aos objetivos já apresentados.

Para alcançarmos tais objetivos, organizamos o capítulo em partes, que


se completam, a fim de detalhar mais e ampliar seus conhecimentos sobre a
neurociência molecular; a celular e a dos sistemas comportamentais e cognitivos.

Noções da Neurociência Molecular:


da Neurociência Celular e dos
Sistemas Comportamentais e
Cognitivos
Antes de abrirmos este capítulo, gostaríamos de rever alguns pontos
do capítulo anterior e retornar à cronologia sobre as descobertas acerca dos
neurônios. Não é apenas uma revisão, mas uma ampliação dos conhecimentos
científicos, a fim de perceber que as descobertas, ao longo da história, não se
dão ao acaso e, ainda que sejam reconhecidas pela comunidade científica em
uma data específica, estão relacionadas com o que ocorreu nos anos interiores.
Para ampliar seus conhecimentos, trazemos informações de Sabbatini (2003):


Neurônios e Sinapses: a história de sua descoberta

A descoberta de como o sistema nervoso é organizado e trabalha


em nível celular constitui um dos mais fascinantes e ricos episódios
da história da ciência. Ela começou com um novo e poderoso
conceito, o da bioeletricidade, mas ainda sem o conhecimento de
como ela era gerada, pois devemos nos lembrar de que até 1838 a
47
Neurociências: evolução e atualidade

ciência nem sequer sabia que os organismos vivos eram constituídos


de células e qual era a função dos diferentes processos filamentosos
descobertos em seções histológicas do sistema nervoso, ou que
eles eram de alguma forma relacionados aos “glóbulos” no tecido.
O progresso científico foi bastante lento no princípio, devido aos
obstáculos técnicos. Por exemplo, levou meio século (de 1838
a 1888) para mudar-se a visão de que o sistema nervoso não era
uma gigantesca rede sincicial (a hipótese reticularista) para a ideia
atualmente aceita de que os neurônios são células individuais, como
a maioria dos tecidos achados no organismo (a doutrina neuronal).

Em retrospectiva, os três longos “platôs” de pequeno progresso,


intercalados entre súbitos saltos, foram devidos principalmente a
razões tecnológicas. O primeiro grande passo (a descoberta de
neurônios, dendritos e axônios), foi devido à invenção do microscópio
acromático moderno, em 1824. O segundo grande passo (a
descoberta de que os neurônios não se fundem e que os dendritos
e axônios fazem parte dos neurônios), foi devido à descoberta
do método de coloração de prata, por Golgi e Cajal, em 1887.
O terceiro grande passo foi conseguido apenas com as técnicas
microeletrofisiológicas, equipamentos eletrônicos de amplificação de
alto ganho, etc.), na década dos 40, e com a microscopia eletrônica,
na década dos 50. Com isso, os derradeiros fatos fundamentais
sobre a sinapse foram conquistados!

Fonte: Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n17/


history/neurons5_p.htm>. Acesso em:1º dez. 2012.

Um conselho antes de prosseguir: Caso não lembre aspectos


mencionados no trecho acima, sugerimos que retome suas anotações
do capítulo I e situe as descobertas das neurociências dentro da
cronologia apresentada por Sabbatini. Como você já deve ter
percebido, há uma relação de causa-consequência entre os fatos,
feitos e descobertas nas neurociências, por isso sua leitura deve
ser feita considerando os links entre cada parte deste material.
Quando tiver dúvidas, volte ao que já estudou. Essa é a melhor
maneira de conectar cada capítulo e nele cada seção. Boa leitura!

48
Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Conhecimentos Sobre Neurociência:


Entre Moléculas e Células
Molecular é uma palavra comum, não é mesmo? E celular (que vem de
célula), você sabe definir? Você já deve ter estudado sobre moléculas e células
ao longo de sua vida escolar. Então, antes de seguirmos adiante, convidamos
você a rever seus conhecimentos acerca destes termos. Faça a atividade que
propomos a seguir:

Atividade de Estudos:

1) Dependendo de quanto tempo você deixou o ensino médio,


escolha uma das propostas para realizar:

a) Volte aos seus materiais de estudo e procure localizar


em que disciplinas e momentos de sua vida escolar você
estudou moléculas e células. A seguir, faça um pequeno
texto a respeito de suas retomadas e fortaleça o conceito de
molecular e celular.

b) Se você não tem mais seus materiais ou não estudou esse


tema, faça uma pesquisa para buscar o conceito de moléculas
e células. Para auxiliar sua tarefa, sugerimos o endereço http://
paginas.ucpel.tche.br/~mflessa/bi5.html, mas você pode
escolher outros materiais ou sites.
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Neurociências: evolução e atualidade

Agora que você já se situou em relação às palavras-chave desta subseção,


vamos, então, adentrar no universo das neurociências. Como já anunciado no
início do capítulo, nosso objetivo é compreender como as moléculas participam
de mecanismos cruciais e agem em conjunto para proporcionar aos neurônios
suas propriedades especiais. Aliamos a isso: perceber como diferentes sistemas
trabalham em conjunto para produzir comportamentos integrados.

Para isso, organizamos o material em diferentes partes, mas


O Sistema
gostaríamos de salientar que ainda que se foque separadamente,
Nervoso Central
é importante saber que há relações entre os diferentes aspectos –
produz o nosso
molecular, celular, sistêmico, cognitivo -, pois:
estado consciente
mediante um O Sistema Nervoso Central produz o nosso estado consciente
contínuo fluxo de mediante um contínuo fluxo de informações e armazenamento
informações e de memórias ao longo da vida, a partir de diferentes estímulos
externos. Ao mesmo tempo, controla a concentração dos
armazenamento nossos fluidos internos e o trabalho de músculos e glândulas.
de memórias A transmissão sináptica é o processo básico de toda esta
ao longo da atividade. Bilhões de neurônios se comunicam entre si
vida, a partir via milhares de sinapses, e cada sinapse, por sua vez, é
uma estrutura regulada independentemente. A partir desta
de diferentes complexidade, em lugar de caos, surge uma singular ordem
estímulos na informação processada pelo cérebro. A secreção de
externos. neurotransmissores na zona ativa da sinapse é o evento
primário da comunicação interneuronal. Este processo é
regulado por um tráfego de membranas altamente orquestrado
dentro do terminal pré-sináptico. Os neurotransmissores são
armazenados em vesículas sinápticas. (POLLI LOPES et al.,
1999)

Atividade de Estudos:

1) Para falarmos em comunicação entre os neurônios, faz-se


necessária uma revisão sobre sinapse. O que você lembra ou
sabe a respeito? Faça uma rápida revisão e anote o que sabe.
Para auxiliar sua busca, sugerimos estes sites:

http://www.fisiologia.kit.net/fisio/pa/2.htm

http://www.ced.ufsc.br/men5185/trabalhos/05_eletrofisiologia/
neuronios_sinapses.htm

http://www.cerebronosso.bio.br/sinapses/
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Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

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Para entender bem isso, vamos lembrar o desenho de um neurônio e de


sinapse:

Figura 11 - Estrutura Típica de uma Célula Nervosa

Fonte: Disponível em: <http://www.jornallivre.com.br/129337/


sistema-nervoso.html>. Acesso em: 1º dez. 2012.
51
Neurociências: evolução e atualidade

Nesta ilustração, você pode perceber que, através de suas


Através de suas
terminações, os neurônios entram em contrato e transmitem impulsos
terminações, os
a outros neurônios. Estes locais de contato são denominados,
neurônios entram
respectivamente, sinapses interneuronais.
em contrato
e transmitem
impulsos a outros
neurônios.
Caso você queira ver como o cérebro funciona e entender
como se dá a sinapse, acesse:

http://www.jellinek.nl/brain/index.html.

Aqui você verá em animação os neurotransmissores e a cada


etapa encontrará também uma explicação do que ocorre em cada
etapa do processo.

Para ver o movimento da sinapse, acesse o vídeo (de 1 minuto)


“impulso nervo/sinapse”:

http://www.youtube.com/
watch?v=KdFSdOrBRiM&feature=player_embedded.

Antes de prosseguirmos, achamos conveniente falar sobre os tipos de


neurônios e suas funções.

Atividade de Estudos:

1) Para isso, analise as imagens abaixo e faça uma comparação


comentada entre elas:

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Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Figura 12 - Tipos de neurônios

Fonte: Disponível em: <http://saude.hsw.uol.com.br/


cerebro2.htm>. Acesso em: 1º dez. 2012.
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A fim de fazer uma rápida revisão, apresentamos as funções dos neurônios


conforme seus tipos: a) Os neurônios sensoriais transportam sinais das
extremidades do nosso corpo (periferias) para o sistema nervoso central.
53
Neurociências: evolução e atualidade

Um único neurônio sensorial da ponta do nosso dedo tem um axônio que se


estende por todo o comprimento do nosso braço, ao passo que os neurônios
dentro do cérebro podem se estender por somente alguns poucos milímetros. b)
Os neurônios motores (motoneurônios) transportam sinais do sistema nervoso
central para as extremidades (músculos, pele, glândulas) do nosso corpo. c)
Os  receptores  percebem o ambiente (químicos, luz, som, toque) e codificam
essas informações em mensagens eletroquímicas, que são transmitidas pelos
neurônios sensoriais. d) Os interneurônios conectam vários neurônios dentro do
cérebro e da medula espinhal.

Para saber mais sobre os neurônios e as suas funções, acesse:

http://www.youtube.com/watch?v=M00ml30wEXM

Além disso, pode aproveitar e assistir um desenho animado:

http://www.youtube.com/
watch?v=EYcv6h1pZEY&NR=1&feature=endscreen

Wilhelm, Zhang e Rizzoli (2012) lembram que: “mais de 100


Mais de 100 bilhões de células nervosas se encarregam de nossos pensamentos.
bilhões de células Assim como os empregados de uma empresa, são divididas em áreas
nervosas se de produção e competência: cada neurônio é especializado em um
encarregam âmbito específico da elaboração dos sinais e da coordenação dos
de nossos comportamentos. E, exatamente como numa empresa, o cérebro
pensamentos. funciona somente se aqueles que têm a tarefa de transmitir as
informações se comunicam entre si com eficiência.”

Continuando nossa revisão sobre o tema, lembramos que há sinapses de


dois tipos: elétricas e químicas. As primeiras são exclusivamente interneuronais
e incomuns em vertebrados. A comunicação entre dois neurônios se dá através
de canais iônicos presentes em cada uma das membranas em contato, que
permitem a passagem direta de pequenas moléculas do citoplasma de uma das
células para o da outra. Ao contrário das sinapses químicas, que acontecem na
maioria das sinapses interneuronais e em todas as sinapses neuroefetuadoras, as
elétricas não são polarizadas, ou seja, a comunicação se faz nos dois sentidos.
Nas químicas, que são a base funcional do sistema nervoso, a comunicação
depende da liberação de uma substância química chamada neurotransmissor,
presente no elemento pré-sináptico armazenado em vesículas sinápticas.

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Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Para ampliar seus conhecimentos, sugerimos a leitura do artigo


Canais Iônicos, de Fabrício de Melo Garcia, que pode ser acessado
em: http://www.cienciadasaude.com.br/index.php?option=com_conte
nt&view=article&id=132:canais-ios&catid=65:artigos&Itemid=253

Uma sinapse química interneuronal apresenta sempre um elemento


Uma sinapse
pré-sináptico (que armazena e libera o neurotransmissor), um elemento
química
pós-sináptico (que contém o receptor para o neurotransmissor) e uma
interneuronal
fenda sináptica (que separa as duas membranas).
apresenta sempre
um elemento
Figura 13 – Fenda Sináptica
pré-sináptico, um
elemento pós-
sináptico e uma
fenda sináptica.

Fonte: Disponível em: <http://neurociencia-educacao.pbworks.


com/w/page/9051885/sinapse>. Acesso em: 1º dez. 2012.

Observe na figura 13 que as estruturas estão próximas, mas há


um espaço entre elas, e este espaço é chamado de fenda sináptica.

Na membrana pré-sináptica, estão contidas estruturas proteicas que, em


conjunto, formam a densidade pré-sináptica. Esta se dispõe como uma malha na
qual, de forma organizada, encaixam-se as vesículas sinápticas. O local da fenda

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Neurociências: evolução e atualidade

no qual acontece a liberação do neurotransmissor é denominado de zona ativa.


Assim como na membrana pré-sináptica, na membrana pós-sináptica também há
a densidade pós-sináptica. Nela estão contidos os receptores específicos para os
neurotransmissores. Quando ocorre esta união, tem-se a transmissão sináptica.

Ainda quanto ao aspecto molecular, vale lembrar que os estudos acerca do


crescimento neuronal até agora já têm claro que o cérebro pode continuar a sofrer
mudanças, o que derruba crenças de mais ou menos 10 anos atrás quando se
asseverava que uma vez completado seu desenvolvimento, o cérebro era incapaz
de mudar,  particularmente em relação às células nervosas. Hoje, sabe-se que os
neurônios podem autorreproduzir-se ou sofrer mudanças expressivas quanto às
suas estruturas de conexão com os outros neurônios. Descobertas como essa
animam os cientistas e orientam pessoas comuns como nós em cuidados simples
como os que se fazem necessários na educação da criança, como explicam
Cardoso e Sabbatini (2000):

A educação de crianças em um ambiente sensorialmente


A educação de enriquecedor desde a mais tenra idade pode ter um impacto
crianças em sobre suas capacidades cognitivas e de memória futuras.  A
um ambiente presença de cor, música, sensações (tais com a massagem
do bebê), variedade de interação com colegas e parentes das
sensorialmente
mais variadas idades, exercícios corporais e mentais podem
enriquecedor ser benéficos (desde que não sejam excessivos).   Na verdade,
desde a mais existem muitos estudos mostrando que essa “estimulação
tenra idade pode precoce” é verdadeira. Ainda precisamos provar se isso provoca
um crescimento no cérebro das crianças, como acontece com
ter um impacto os ratos.
sobre suas
capacidades Pessoas que sofreram lesões em partes de seu cérebro, podem
cognitivas e de recuperar parcialmente as funções perdidas, submetendo-se à
memória futuras. estimulação mental intensa e diversificada, de maneira análoga à
fisioterapia para os músculos debilitados.
 
Alimentos ou drogas artificiais que aumentem a ramificação dos dendritos,  o
crescimento dos neurônios e seu aumento de volume podem ajudar na melhora
do desempenho mental e memória nas pessoas normais ou em pacientes com
doenças degenerativas do cérebro, tais como Alzheimer.

A Memória
Falar em Alzheimer nos remete a questões de memória, mas o que, em
termos de neurociências, significa memória? Como ela se forma?

Para iniciar, apresentamos uma imagem para sua análise:

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Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Figura 14 – Hipocampo
Os biólogos
acreditavam há
muito tempo
que esse talento
para o processo
de formação de
novos neurônios
envolvia
apenas mentes
jovens, em
desenvolvimento,
e que novas
células nascem
no cérebro adulto
Fonte: Disponível em: <http://idosos.com.br/estimulado-cerebro-produz-
e-preserva-novas-celulas-nervosas/>. Acesso em: 1º dez. 2012.
– especificamente
em uma região
Na década de 90, os cientistas revolucionaram a neurobiologia
chamada
com a surpreendente notícia de que o cérebro adulto dos mamíferos
hipocampo,
seria capaz de desenvolver novos neurônios. Os biólogos acreditavam
envolvida com
há muito tempo que esse talento para o processo de formação de
aprendizado e
novos neurônios envolvia apenas mentes jovens, em desenvolvimento,
memória.
e que novas células nascem no cérebro adulto – especificamente em
uma região chamada hipocampo,  envolvida com aprendizado e
memória (Figura 14).

O cérebro é a estrutura física, o pouco mais de 1 quilo de tecido


biológico dentro da cabeça. A mente é o resultado do funcionamento
do cérebro: os pensamentos, os sentimentos e as emoções. A mente
pode modelar o cérebro porque os pensamentos e as emoções,
produzidos por ele, são capazes de agir de volta sobre o cérebro e
afetar suas conexões, funções e estrutura.

Para ampliar seu conhecimento, continue lendo a entrevista


“Mude seu cérebro” em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/
Epoca/0,,EDG76504-6014,00-MUDE+SEU+CEREBRO.html

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Neurociências: evolução e atualidade

Relatos semelhantes logo surgiram em outras espécies, como ratos e saguis,


e, em 1998, neurocientistas nos Estados Unidos e na Suécia mostraram que a
neurogênese também ocorre com seres humanos. (SHORS, 2009).

Considerando que a plasticidade sináptica acontece através da


melhora da comunicação entre a sinapse e os neurônios existentes,
a neurogênese se refere ao nascimento e geração de novos
neurônios no cérebro. Durante muito tempo a ideia do nascimento
de neurônios constante no cérebro adulto era considerado quase
uma heresia. Os cientistas acreditavam que os neurônios morriam e
não eram substituídos por outros novos. Desde 1944, mas sobretudo
nos últimos anos, a existência da neurogênese foi comprovada
cientificamente e agora sabemos o que acontece quando as células-
mãe, um tipo especial de célula que se encontra no giro denteado,
no hipocampo e, possivelmente, no córtex pré-frontal, dividem-se em
duas células: uma célula-mãe e uma célula que vai se transformar
em um neurônio completamente equipado, com axônios e dendritos.
Logo, estes novos neurônios migram a diferentes zonas (inclusive
distantes entre si) do cérebro, onde são exigidos, permitindo, assim,
que o cérebro mantenha a sua capacidade neural. Se sabe que
tanto nos animais quanto nos humanos a morte súbita neural (por
exemplo, depois de uma apoplexia) é um potente disparador para a
neurogênese.

Fonte: Disponível em: <http://www.cognifit.com/br/


plasticidade-cerebral/>. Acesso em: 1º dez. 2012.

Então, você já sabe: a) o que é o hipocampo; b) em que área do cérebro ele


se localiza e c) que é importante para a memória e para o aprendizado. Mas falta
saber um pouco mais sobre a memória.

Porém, antes de iniciarmos, que tal pensar em algumas


situações do cotidiano para relacionar com nossa capacidade de
armazenar informações?

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Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Por exemplo, uma pessoa chega perto de você, cumprimenta, você lembra
o rosto, mas não consegue lembrar o nome. O telefone toca e você de imediato
lembra quem está falando, pois reconhece a voz. Está entre amigos e recorta com
detalhes um fato ocorrido. Seu filho lhe pergunta: como você aprendeu a andar de
bicicleta, mas para você, hoje, isso é um movimento natural.

Poderíamos continuar aqui enumerando fatos do cotidiano, mas nosso


objetivo é outro: compreender como a nossa memória opera.

O registo de todas as experiências existentes na consciência, bem como a


qualidade, extensão e precisão dessas lembranças explicam o que é a memória,
cuja definição pode ser assim explicitada: a memória é o meio pelo qual nós
recorremos as nossas experiências passadas, a fim de usar essas informações
no presente. (STERNBERG, 2000).

Anteriormente estudamos as sinapses, mas “Qual é a relação entre a


transmissão sináptica e a formação de memórias?” Para tirar esta dúvida,
apresentamos um excerto do artigo de Ribeiro (2004), o qual foi publicado na
Revista Mente e Cérebro que é um espaço muito importante para a compreensão
dos temas bordados pelas neurociências:

Se você quiser conhecer um pouco mais este autor, sugerimos


acessar o vídeo “Bate-papo com Sidarta Ribeiro”, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=HVLUBRTKSIk

A grande maioria das sinapses apresenta uma separação celular da ordem


de 20 nanômetros. Nestes casos, a transmissão da ativação de uma célula a
outra é unidirecional e baseia-se na difusão de neurotransmissores, moléculas
liberadas por um neurônio pré-sináptico capazes de ativar receptores químicos na
célula pós-sináptica.

Um nanômetro é uma unidade de medida. Exatamente


como polegadas, pés e milhas. Por definição, um nanômetro é um
bilionésimo de um metro. Um metro tem cerca de 39 polegadas de
comprimento. Um bilhão é mil vezes maior que um milhão, como um
número, você escreve por extenso 1.000.000.000. Isso é um número
enorme, e quando se divide um metro em um bilhão de pedaços,

59
Neurociências: evolução e atualidade

bem, isso é um pedaço bem pequeno. Tão pequeno que não se pode
ver alguma coisa do tamanho de um nanômetro a não ser que se
usem microscópios muito poderosos, como os microscópios de força
atômica.

Dependendo dos tipos de neurotransmissores e receptores


envolvidos, tal processo pode determinar tanto a excitação quanto a
Dependendo
inibição das células pós-sinápticas. Quando uma sinapse é estimulada
dos tipos de
com alta frequência, observa-se um aumento subsequente de sua
neurotransmissores
eficácia de transmissão, isto é, a célula pós-sináptica passa a responder
e receptores
de forma aumentada a um estímulo pré-sináptico. Por outro lado, uma
envolvidos, tal
estimulação de baixa frequência resulta na redução prolongada da
processo pode
transmissão sináptica. Tais efeitos, conhecidos respectivamente como
determinar tanto a
potenciação e depressão de longo prazo, conferem às sinapses uma
excitação quanto a
memória fisiológica dos eventos recentes. A potenciação de longo
inibição das células
prazo permite que sinapses muito utilizadas se tornem mais fortes
pós-sinápticas.
ao longo do tempo. Da mesma forma, a depressão de longo prazo
enfraquece sinapses pouco utilizadas.

A memória apresenta duas funções fundamentais:

a) a capacidade de fixar, o que permite o acréscimo de novas


informações; b) a capacidade de reproduzir, através da qual
os conhecimentos são revividos e colocados à disposição da
consciência.

Para que a informação seja retida, há um processo que consiste em três


etapas como se pode observar na imagem que segue:

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Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Figura 15 - Os passos necessários para que um estímulo


ou algo que sentimos transforme-se em memória

O primeiro tipo
de memória
é Memória
sensorial, que
tem origem
nos órgãos dos
sentidos, por isso
Fonte: Disponível em: <http://saude.hsw.uol.com.br/
pode-se falar
amnesia1.htm>. Acesso em: 1º dez. 2012.
em: memória
sensorial auditiva
A primeira operação prepara as informações sensoriais para serem
(ou ecoica), visual
armazenadas no cérebro. Traduz os dados recebidos em códigos
(ou icónica),
visuais, acústicos ou semânticos. Na etapa intermediária, a informação
olfativa... As
deve ser armazenada, o que acontece por um período variável. Cada
informações
elemento de uma memória é guardado em várias áreas cerebrais. O
obtidas pelos
processo de fixação é complexo e a informação que se armazena está
sentidos são
sempre sujeita a modificações, o que implica que, para que ela se
retidas por um
mantenha estável e permanente, seja necessário tempo. Por fim, há
curto espaço de
a recuperação, que é a fase em que se recupera, recorda, reproduz a
tempo (entre 0,2
informação já guardada.
e 2 segundos),
se for processada
Para ampliar a compreensão sobre o processamento da
passa para a
informação, é preciso compreender a função do executivo central no
MCP.
qual está a memória de curto prazo (MCP) e o arquivo no qual está a
memória de longo prazo (MLP).

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Neurociências: evolução e atualidade

O primeiro tipo de memória é Memória sensorial, que tem origem nos órgãos
dos sentidos, por isso pode-se falar em: memória sensorial auditiva (ou ecoica),
visual (ou icónica), olfativa... As informações obtidas pelos sentidos são retidas
por um curto espaço de tempo (entre 0,2 e 2 segundos), se for processada passa
para a MCP.

Esta (também denominada de trabalho, ativa ou operacional) possui duas


importantes características: a) contém um número de elementos presentes a
reter limitado. Um estudo de George Miller (1956) sobre as limitações da MCP
mostra que uma pessoa pode reter em torno de sete itens. Esta capacidade pode
ser aumentada se os itens forem associados em grupos. O tamanho deste item
depende do nível de familiaridade da pessoa com o material informacional. Pode
reter informações durante 15/30 segundos.

A informação pode ser copiada ou pode ser transferida deste depósito para
a MLP antes do término deste período. Depois deste tempo, a informação será
perdida. O conhecimento ou a experiência do tipo de conteúdo favorecem a
passagem da informação da memória de curto prazo até a de longo prazo, isso
favorece a retenção prolongada de informações. A informação que será lembrada
ou será esquecida depende de eventos antes e após. A MCP determina se a
informação é útil para o organismo e deve ser armazenada, se existem outras
informações semelhantes nos arquivos de MLP e, por último, se esta informação
deve ser descartada quando já existe ou não possui utilidade.

A Memória de Longo Prazo tem o processo de formação de arquivo e


consolidação, podendo durar de minutos e horas a meses e décadas. São
exemplos desse tipo de memória as nossas lembranças da infância ou de
conhecimentos que adquirimos na escola. Contém as informações que temos
disponíveis de maneira mais ou menos permanente. Permite a recuperação de
uma informação depois de décadas em que ela armazenada e os limites da sua
capacidade são desconhecidos. O conhecimento armazenado na MLP afeta
nossas percepções do mundo e nos influencia na tomada de decisões.

A MLP é constituída por dois subsistemas: 1) a memória não declarativa ou


procedimental; 2) a memória declarativa (dividida em episódica e semântica).

Atividade de Estudos:

1) Antes de prosseguirmos, analise esses fatos e tente relacionar


com os subsistemas, justificando seu ponto de vista:

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Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

a) Você aprendeu a andar de bicicleta e não esqueceu mais:


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b) Você sabe que “A capital do Brasil é Brasília”:


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c) Você lembra com detalhes o filme a que assistiu na semana


passada:
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Agora, leia com atenção as explicações dadas a cada tipo de memória e


depois retome suas respostas. A memória não declarativa/procedimental está
relacionada a capacidades motoras, habilidades, hábitos e respostas simples
(fixadas por condicionamento clássico). Essas aptidões são adquiridas mediante
a prática e incluem atos do cotidiano como escovar os dentes, tomar sopa com
colher, dirigir um automóvel, andar de bicicleta, nadar, tocar um instrumento.
No início da aquisição, cada movimento é pensado, mas uma vez adquiridas as
capacidades, essas se tornam procedimentos, na maioria das vezes, automáticos,
executando-se com pouco esforço consciente e durando, em princípio, toda a vida.

63
Neurociências: evolução e atualidade

Já a memória declarativa (também designada como explícita ou


A memória
com registo) implica consciência do passado, do tempo, de experiências
declarativa
vividas, de acontecimentos e pessoas. Lida com conteúdos que podem
(também
ser transpostos para palavras. Como já vimos, aqui estão alocadas a
designada como
memória episódica e a semântica.
explícita ou com
registo) implica
A memória episódica é constantemente associada à memória
consciência
autobiográfica, exatamente a eventos específicos, temporal e
do passado,
espacialmente localizados. Este sistema, segundo Xavier (1993), contém
do tempo, de
informações sobre o contexto em que um evento ocorreu (TULVING,
experiências
1972; SCHACTER; TULVING, 1982), sendo, portanto, similar à memória
vividas, de
operacional. Todavia, por referir-se à evocação de eventos já ocorridos
acontecimentos e
(ou episódios), difere da memória operacional que se refere a um evento
pessoas.
em curso. (HONIG, 1978). Em pacientes amnésicos, o conhecimento
episódico adquirido no início da vida usualmente está preservado.
(SQUIRE; COHEN, 1984; SQUIRE, 1987).

A memória semântica, conforme explicam Cunha e Soares ([20??]), trabalha


com conceitos, ideias às quais uma pessoa pode associar a várias características
e com as quais ela pode conectar várias outras ideias. Além disso, ela nos
possibilita identificar objetos e conhecer o significado das palavras. Graças a isso,
conseguimos atribuir o significado a uma palavra isolada e também delimitar seu
sentido em um texto. Por exemplo, ao ouvirmos a palavra rede, algumas ideias
nos vem à cabeça: rede de pesca, de internet, de cabelo, de vôlei, para dormir.
Tudo isso depende de nosso conhecimento de mundo e do momento em que
ouvimos a palavra. Entretanto, quando ouvimos ou lemos uma frase como esta
– “A bola bateu na rede e voltou” – qual o sentido que atribuímos? Por que o
fazemos? É que temos armazenados na memória semântica os significados que
relacionamos às palavras armazenadas na memória lexical.

A memória lexical é o local no qual estão armazenadas todas


as estruturas das palavras, suas sílabas, sua morfologia, mas sem
os seus devidos sentidos. Estes estão na memória semântica.

De modo mais amplo, podemos dizer que a memória semântica se refere ao


conhecimento geral sobre o mundo.

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Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Batalha entre neurônios:

Estudo sugere que o cérebro seleciona as células neurais


mais competitivas para aprimorar a memória

Em uma pesquisa
publicada no periódico
Neuron, o neurocientista
Hisashi Umemori,
da Universidade de
Michigan, e seus
colegas, identificaram
um mecanismo cerebral
que regula a memória,
descartando os neurônios
“menos eficientes” para
conservar os “bons”. Os cientistas focaram o estudo na conexão
entre o hipocampo – crucial para a aprendizagem e a memória
– e o córtex cerebral, área chave da percepção e da consciência
e descobriam que o processo de escolha dos melhores neurônios
aperfeiçoa o desenvolvimento cerebral.

À medida que as células nervosas crescem, elas se expandem


para ligar diferentes circuitos neurais. Com o desenvolvimento do
cérebro, essas conexões se tornam mais eficientes. Falhas nesse
processo de refinamento abrem caminhos para o desenvolvimento
de distúrbios neurológicos, como o Alzheimer, o autismo ou a
esquizofrenia. No entanto, para Umemori e sua equipe, a maneira
como os neurônios se desenvolvem não é novidade. Eles estavam
interessados em descobrir as reações do cérebro quando detecta
células neurais menos eficientes.

Os pesquisadores “desligaram” 40 % de determinadas conexões


entre neurônios de camundongos geneticamente modificados e
observaram que o cérebro eliminou as células inativas após alguns
dias, mas poupou as “boas”. Em seguida, Umemori e sua equipe
desativaram todas as células neurais e se surpreenderam com o
resultado: os impulsos elétricos se mantiveram normalmente. Depois,
os pesquisadores analisaram a parte do hipocampo chamada giro
dentado, uma importante área do cérebro responsável pela gênese
neuronal durante toda a vida e encontraram outro tipo de competição:

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Neurociências: evolução e atualidade

a de células “recém-nascidas” com as maduras. Os cientistas


bloquearam a capacidade do giro dentado de criar novos neurônios
e como resultado o cérebro interrompeu a eliminação das células,
mesmo que elas fossem inativas.

O neurocientista acredita que o cérebro tenha um modo eficaz


de escolher o grupo de células do sistema nervoso com as melhores
conexões. Mas, quando estão nessa espécie de competição e o
aparato cerebral identifica todas como inadequadas, não as elimina,
pois, nesse caso, perderia completamente as funções neurais.

“Os resultados sugerem que os processos de aprendizagem


estão relacionados à exclusão de neurônios menos efetivos. Quanto
mais pudermos entender como esses mecanismos funcionam, mais
seremos capazes de compreender o que acontece quando eles não
estão funcionando”, conclui Umemori.

Fonte: Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/


batalha_entre_neuronios.html>. Acesso em: 1º dez. 2012.

Agora que você chegou a este ponto do material, já compreendeu que o


que temos em nossa memória não está lá por acaso. Além disso, as informações
percorrem um caminho, ou seja, realizam um processamento e, dependendo
de sua importância e significado, ficam armazenadas em nosso arquivo. É isso
mesmo: somos como um computador, pois temos um lugar no qual as informações
são armazenadas, a Memória de Longo Prazo. Nela há muitos “compartimentos”
nos quais se armazenam “dados”, como palavras, significados, histórias,
conhecimentos científicos, vozes, rostos. Somos um complexo de informações,
mas elas se relacionam entre si, como veremos na parte que segue.

Sistemas Comportamentais e
Cognitivos: Alguns Conhecimentos
Um dos objetivos que apresentamos no início deste capítulo foi: perceber
como diferentes sistemas trabalham em conjunto para produzir comportamentos
integrados. Vamos, então, conhecer um pouco mais a respeito de como
nosso cérebro opera e quais as consequências sobre o sistema cognitivo e
comportamental quando do uso, por exemplo, de álcool e drogas. Poderíamos
ampliar essa subseção, mas acreditamos que esses dois pontos são suficientes

66
Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

para despertar seu interesse e você poderá, se desejar, pesquisar para sabe mais
sobre esse tema: sistemas comportamentais e cognitivos. Para tal, consulte as
referências que se encontram ao final deste capítulo.

Você pode estar se perguntando: por que estudar este tema? Ele é de
fundamental importância para compreendermos problemas de aprendizagem
que são encontrados nas escolas. No capítulo 4, iremos estudar o diagnóstico de
problemas de aprendizagem de leitura e escrita, para tal, considerar a gestação
de cada aprendiz, suas relações familiares, se se tratar de criança, ou se
considerarmos o consumo de álcool entre os adolescentes, esse estudo irá nos
ajudar a compreender as questões ambientais e cognitivas.

Atividade de Estudos:

1) Para iniciar, apresentamos uma charge. Depois de lê-la apresente


seu ponto de vista sobre o tema deste texto:

Figura 16 – Charge Álcool e memória

Fonte: Disponível em: <www.asaber.com.br>.


Acesso em: 1º dez. 2012.
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Neurociências: evolução e atualidade

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É certo que todos têm um ponto de vista sobre o uso de álcool e drogas,
mas aqui iremos conversar um pouco mais acerca deste assunto e trazer as
contribuições dos estudos das neurociências.

Neste capítulo, já estudamos a memória e é sobre ela que o álcool age.


Segundo Barros Martí (2009, p.654), o álcool “atua no córtex pré-frontal, que está
relacionado ao raciocínio, tomada de decisões; no núcleo accumbens, diretamente
relacionado com o sistema de recompensa, na área segmental ventral (VTA)
que está relacionada com os sentimentos de prazer. Seu uso prolongado pode
causar redução no tamanho do cérebro e alterações nas fibras que transportam
informações (neurônios).”

Atividades de Estudos:

Para complementar esta informação, apresentamos uma notícia


publicada na Folha de São Paulo, em 17 de maio de 2011. Leia esta
notícia com atenção e depois responda às questões propostas.

Consumo excessivo de álcool danifica memória de jovens

Pesquisadores espanhóis descobriram que uma bebedeira pode


destruir a memória de longo prazo de jovens adultos.

68
Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

A informação foi publicada nesta terça-feira (17) no site do jornal


britânico “The Telegraph”.
Eles acreditam que o consumo abusivo de álcool torna mais difícil
a construção de novas memórias, pois o hipocampo --uma área no
centro do cérebro que desempenha papel-chave na aprendizagem e
memória-- é muito suscetível aos seus efeitos tóxicos.

A descoberta é preocupante, pois a embriaguez é um


problema crescente no Reino Unido e em outros países europeus,
particularmente em jovens e universitários.

O estudo com universitários descobriu que o consumo excessivo


de álcool afeta a memória declarativa -- uma forma de memória de
longo prazo. Os estudantes mostraram uma redução na capacidade
de aprender novas informações que lhes são transmitidas
verbalmente.

Em uma escala, eles obtiveram as menores pontuações em dois


testes para saber quanto conhecimento eles retiveram e recolheram.

Segundo a pesquisadora Maria Parada, da Universidade de


Santiago de Compostela, “em países do norte europeu, há uma
forte tradição de consumo esporádico, orientado, de álcool. Em
contraste, os países da costa do Mediterrâneo, como a Espanha, são
tradicionalmente caracterizados por um consumo mais regular de
baixas doses de álcool.”

“É importante examinar os efeitos do álcool no hipocampo,


pois em estudos com animais, especialmente em ratos e macacos,
esta região parece sensível aos efeitos neurotóxicos do álcool, e
ela desempenha um papel fundamental na memória e aprendizado.
Em outras palavras, o consumo excessivo de álcool pode afetar a
memória de jovens adultos, o que pode prejudicar o seu dia a dia.”

O estudo, publicado na revista “Alcoholism: Clinical &


Experimental Research”, analisou 122 estudantes universitários
espanhóis, com idades entre 18 a 20 anos. Eles foram divididos em
dois grupos: os que beberam e os que se abstiveram.

Foram então submetidos a uma avaliação neuropsicológica que


incluiu recordar experiências visuais e verbais.

“Nossa principal descoberta foi uma clara associação entre o

69
Neurociências: evolução e atualidade

consumo excessivo de álcool e a menor capacidade de aprender


novas informações verbais em universitários saudáveis, mesmo
após o controle de outras possíveis variáveis, como nível intelectual,
histórico de distúrbios neurológicos ou psicopatológicos, uso de
outras drogas, ou histórico familiar de alcoolismo”, disse Parada.

Fonte: Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/917006-consumo-


excessivo-de-alcool-danifica-memoria-de-jovens.shtml>. Acesso em: 1º dez. 2012.

1) Releia o segundo e o sexto parágrafos da notícia e relacione o que


você já estudou sobre hipocampo com a notícia aqui apresentada.
Quais outras consequências você pode apresentar, partindo dessas
relações?
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2) A notícia afirma que “O estudo com universitários descobriu que


o consumo excessivo de álcool afeta a memória declarativa”.
Retome o que estudou sobre a memória declarativa, qual o papel
dela? Qual a sua importância para a nossa vida? Apresente,
também, as consequências do álcool sobre ela.
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70
Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Momentos para ampliar seus conhecimentos:

Se desejar saber mais sobre o consumo de álcool entre


adolescente e sobre os efeitos do álcool sobre os bebês, sugerimos
assistir a estes dois vídeos:

http://www.youtube.com/watch?v=N5mEVhR3_ts&feature=related;

http://www.youtube.com/watch?v=vywUOQFo0JI&feature=related

Até aqui apresentamos os efeitos no álcool no cérebro e, por seguinte,


no comportamento de seu usuário. Agora iremos ampliar nosso estudo e
incluir discussões sobre o uso de drogas. Iremos destacar, em cada droga, as
consequências relacionadas ao que ocorre no cérebro.

A primeira droga a ser estudada é a maconha. Para iniciar, convidamos você


a observar mais uma imagem explicativa. Assim, partindo do que você já estudou
sobre o cérebro, analise a imagem abaixo e amplie as informações acerca do que
é contemplado na figura.

Figura 17 – Efeitos da Maconha no Cérebro

Fonte: Disponível em: <medclick.com.br>. Acesso em: 1º dez. 2012.


71
Neurociências: evolução e atualidade

Ao final da imagem, já há informações sobre o THC. Este altera


Em condições
a ação do neurotransmissor anandamida, encontrado em diferentes
normais, o
partes do cérebro. Em condições normais, o neurotransmissor
neurotransmissor
anandamida é armazenado em vesículas na extremidade do axônio.
anandamida é
Quando um sinal elétrico chega a esse local, as vesículas aderem à
armazenado em
parede do neurônio. Isto provoca libertação de anandamida na fenda
vesículas na
sináptica (espaço existente entre os neurônios).
extremidade do
axônio.

Em sânscrito, ananda significa algo como serenidade


ou felicidade suprema. A palavra virou inspiração para que a
comunidade científica batizasse como anandamida uma substância
endógena (produzida pelo organismo; no caso, o cérebro humano),
descoberta em 1992. Ela pode ter efeitos analgésicos, ansiolíticos e
antidepressivos semelhantes aos do THC, componente da espécie
vegetal Cannabis sativa, mais conhecida como maconha.

A anandamida move-se através da fenda sináptica até o neurônio adjacente.


Os dendrites desse neurônio contêm receptores com os quais a anandamida pode
se ligar. Esta ligação permite que a mensagem seja transmita mais além. Uma
vez transmitida a mensagem, a anandamida separa-se do receptor e retorna ao
neurônio original. As proteínas de reabsorção ajudam na entrada. A anandamida
é reciclada para o seu estado original. Feita esta explicação do funcionamento,
passamos agora a explicar o que ocorre sob o efeito da droga.

Nessa situação, o THC comporta-se como a anandamida e imita


Todo esse o neurotransmissor, ligando-se aos receptores que estão designados
processo para a anandamida. Quando o THC se liga ao receptor, uma mensagem
apresenta é transmitida, o THC se liberta dos receptores e é destruído pelo
consequências, organismo. A cannabis aumenta a libertação de dopamina de forma
uma delas ocorre indireta. O THC, por si só, não consegue provocar uma maior libertação
na memória de de dopamina por parte dos neurônios. Uma terceira substância exerce
curto prazo, também um papel nesse processo, o neurotransmissor GABA, que
pois o cérebro impede normalmente uma libertação excessiva de dopamina.
contém ainda
outros receptores Todo esse processo apresenta consequências, uma delas ocorre
aos quais a na memória de curto prazo, pois o cérebro contém ainda outros
anandamida e o receptores aos quais a anandamida e o THC podem se ligar. Estão
THC podem se situados em pontos específicos do cérebro, o que pode explicar alguns
ligar. dos efeitos típicos da cannabis. Muitos desses receptores encontram-

72
Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

se no hipocampo, no hipotálamo, no cerebelo e nos gânglios basais. Como já


estudamos, o hipocampo é vital para a memória de curto prazo. A ligação do THC,
como receptores cannabinoides, interfere com a função da memória. Por isso o
usuário terá mais dificuldade em recordar acontecimentos recentes.

Você sabia que: a) Uma libertação intensa do neurotransmissor


dopamina é a base dos efeitos produzidos pela cocaína? b) A
dopamina ajuda a transmitir informação entre neurônios ou células
nervosas?

A ação da dopamina já foi apresentada na droga anterior, por isso, aqui,


vamos nos limitar a expor as consequências do uso da cocaína. A utilização
continuada de cocaína reduz a sensibilidade do corpo à dopamina, por isso os
seus receptores são gradualmente destruídos, o que leva ao aumento do uso da
droga para se conseguir o efeito anterior ao seu uso. As principais consequências
decorrentes do uso da cocaína são depressão e paranoia. No que diz respeito
à paranoia, esta ocorre pois a dopamina pode também sobrestimular o centro
cerebral do medo.

Este é um mecanismo de sobrevivência que alerta a pessoa do perigo,


por isso a sobrestimulação pode desencadear excessiva ansiedade. Uma
simples sombra ou uma voz mais alta pode ser sentida como uma terrível
ameaça. Relacionando isso ao convívio social, você pode deduzir as situações
comportamentais que derivam do uso de drogas especialmente às que atingem
áreas como a aqui descrita. Para finalizar, apresentamos uma imagem do cérebro
de um usuário:

73
Neurociências: evolução e atualidade

Figura 18 - Corte cerebral post-mortem de um adito em cocaína

Fonte: Disponível em: <http://vidasemdrogas.cla08.net/2009/04/


males-da-cocaina/>. Acesso em: 1º dez. 2012.

Ficou interessado? Sugerimos a leitura de Os efeitos da


cocaína no cérebro, dos autores S.H. Cardoso e R.M.E. Sabbatin,
em Mente e Cérebro.

Algumas Considerações
Neste capítulo você pode aprender um pouco mais sobre neurociências.
Como dissemos no início, foram apenas noções. Quisemos colocar você em
contato com estudos da área da neurociência molecular, da neurociência celular e
dos sistemas comportamentais e cognitivos.

Você pode, ao final, fazer uma síntese dos assuntos que mais lhe
interessaram, a fim de guardar em sua memória de longo prazo as aprendizagens
construídas. Mas como há sempre novidades nesta áreas, aconselhamos que
continue lendo e pesquisando sobre isso e acrescentando novos conhecimentos
a esses aqui apresentados.

74
Capítulo 2 Neurociência: Estudos Atuais

Referências
BARROS MARTÍ, D. Discutindo alguns fatores que interferem no processo
de aprendizado e memória. In: CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE
INVESTIGACIÓN EN LA DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS. 8., 2009, [S.l.]. Anais...
2009. p. 653-6.

CARDOSO, Silvia Helena; SABBATINI, Renato M. E. Aprendizagem e


Mudanças no Cérebro. 2000. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/
n11/mente/eisntein/rats-p.html>. Acesso em: 1º dez. 2012.

_____; ______. Os efeitos da cocaína no cérebro. Mente e Cérebro. Disponível


em: <http://www.cerebromente.org.br/n08/doencas/drugs/anim1.htm>. Acesso
em: 1º dez. 2012.

CUNHA, Simone Miguez; SOARES, Adriana Benevides. Memória: como esta


curiosa função cerebral funciona?. [S.l.]: [s.n.], [20??].

HONIG, WK (1978). Studies of working memory in the pigeon. In: Cognitive


processes in animal behavior (Hulse SH, Fowler HF, Honig WK, eds), pp.211–
248. Hillsdale, NJ: Erlbaum Associates.

RIBEIRO,Sidarta. O mosaico das memórias. Mente e cérebro. ed. 140, set,


2004. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_mosaico_
das_memorias.html>. Acesso em: 1º dez. 2012.

SABBATINI. Renato M. E. Neurônios e sinapses: a história de sua descoberta.


Revista, v. 17, Maio-Ago. 2003.

SCHACTER,D.L.;TULVING, E. Memory, amnesia,and the episodic/semantic


distinction. In: ISAACSON, R.L.; SPEAR, N.E. (ed.). Expression of knowledge.
New York : Plenum, in press.

SHORS, Tracey J. Estimulado, cérebro produz e preserva novas células


nervosas. Revista Scientific American, março, 2009. Disponível em: <http://
idosos.com.br/estimulado-cerebro-produz-e-preserva-novas-celulas-nervosas/>.
Acesso em: 1º dez. 2012.

SQUIRE, L. R. (1987). Memory and brain. New York: Oxford University Press.

SQUIRE, L.R.; COHEN, N.J. Human memory and amnesia. In: LYNCH, G.;
McGAUGH, J.L.; WEINGARTEN, N.M., eds. Neurobiology of learning and
memory. New York, Guilford Press, 1984. p.3-64.
75
Neurociências: evolução e atualidade

STERNBERG, R. J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,


2000.

WILHELM, Benjamin; ZHANG, William; RIZZOLI. Uma viagem pelo cérebro.


Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/a_viagem_pelos_
neuronios.html>. Acesso em: 23 ago. 2012.

XAVIER, Gilberto F. A modularidade da memória e o sistema


nervoso. Psicologia. USP,  São Paulo,  v. 4,  n. 1-2,   1993.   Disponível em:
<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-
51771993000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 22  ago.  2012.

76
C APÍTULO 3
Aplicações dos Estudos da
Neurociência para a Compreensão da
Aprendizagem da Leitura e da Escrita

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Aprimorar os conhecimentos sobre leitura e escrita dentro das novas


descobertas das neurociências.

99 Descrever o processo de leitura com base nos estudos recentes sobre os


neurônios da leitura.

99 Enumerar problemáticas de leitura e escrita reconhecidas pelos recentes


estudos das neurociências.

99 Relacionar as questões de aprendizagem da leitura e da escrita pontuadas


pelos estudos psicolinguísticos com as das neurociências.
Neurociências: evolução e atualidade

78
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

Contextualização
Este capítulo abordará aspectos da leitura e da escrita que só puderam
ser construídos com base em pesquisas na área da psicolinguística e das
neurociências. Você até aqui já leu muito sobre neurociências, mas agora iremos
apresentar as descobertas mais recentes na área da leitura e suas contribuições
para os avanços em outras áreas, entre elas a psicolinguística. A associação
dessas duas ciências tem trazido impactos sobre as questões da aprendizagem
da leitura e da escrita e sobre a aquisição da fala, o que pode contribuir para uma
nova postura pedagógica.

Para que você possa relacionar a ambas e aprimorar o que já construiu


teoricamente até aqui, estruturamos este capítulo em três momentos. O primeiro
faz um link entre os capítulos anteriores e este; o segundo faz discussões teóricas
acerca da leitura e suas relações com os estudos da neurociência; por último, mas
não menos importante, abordar-se-á a aprendizagem da escrita e as contribuições
da psicolinguística.

Alinhavando com os Capítulos


Anteriores
Para ampliar seus conhecimentos sobre a organização cerebral humana,
apresentamos abaixo uma comparação:

Figura 19 – Parte da figura 3.1 de Dehaene

Fonte: Dahaene (2012).

79
Neurociências: evolução e atualidade

Estas imagens auxiliam na compreensão da evolução do cérebro


Desde o
humano, na qual a parte frontal se especializou. Segundo Scliar-
Sahelanthropus
Cabral, com base em Dahaene (2012), desde o Sahelanthropus
eo
e o Australopithecus, o cérebro do Homo Sapiens passou por uma
Australopithecus,
evolução profunda, seja no tamanho, no número de neurônios, seja na
o cérebro do
forma de sua organização. Assiste-se a uma surpreendente expansão
Homo Sapiens
do córtex cerebral, particularmente, do córtex pré-frontal.
passou por
uma evolução
profunda, seja
no tamanho,
Um crânio, dois pedaços de mandíbula e três dentes levados
no número de
a público no mês passado estão colocando os estudiosos de
neurônios, seja
evolução humana em pé de guerra. Segundo os descobridores,
na forma de sua
eles constituem uma nova espécie – Sahelanthropus tchadensis
organização.
–, têm sete milhões de anos e são os restos do mais antigo
ancestral conhecido do homem. Mas é possível que ele não
seja tão velho. O método de datação foi comparar as espécies que
estavam à sua volta com as que existiam em outras regiões da
África, o que não é muito preciso. Além disso, pode ser que ele não
faça parte da nossa família. Acredita-se que a linhagem humana se
separou dos demais primatas entre cinco e seis milhões de anos
atrás e, para alguns cientistas, faz mais sentido que esse fóssil seja
de um gorila. Acho que só poderemos afirmar alguma coisa daqui a
uns dez anos, quando a polêmica diminuir, diz o antropólogo físico
Walter Neves, da Universidade de São Paulo. Estão aparecendo
tantas novas espécies que é difícil hoje traçar uma linhagem.

Australopithecus afarensis Espécie da famosa Lucy, o


esqueleto quase completo de uma fêmea encontrado em 1974.
Achava-se que tinha originado os Homo, mas a descoberta do
Kenyanthropus platyops, outro candidato a nosso tataravô, trouxe
dúvidas.

Mais adiante, estabelecendo já um link com o que discutiremos sobre a


aprendizagem da leitura, podemos, com base em Dehaene (2012), deixar claro
que somos capazes de aprender a ler porque herdamos de nossa evolução
um sistema de reconhecimento dos objetos eficiente que possui plasticidade
suficiente para aprender novas formas e para aprender as conexões relevantes
que ligam as formas às áreas existentes da linguagem verbal.

80
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

Você sabe quando o homem começou a falar? E a escrita,


quando surgiu? Pois se não sabe, esta é uma oportunidade para
compreender qual a relação entre fala e escrita e como/quando cada
uma delas surgiu.

No Homo habilis,
há dois milhões
Precisar a época em que os homens começaram a falar é uma de anos, foram
tarefa difícil e quase impossível. É consenso que há cerca de trinta encontradas
mil anos, aproximadamente, os homens já se comunicavam de forma indicações de
bem próxima a atual e de forma primitiva anteriormente. No Homo desenvolvimento
habilis, há dois milhões de anos, foram encontradas indicações na área
de desenvolvimento na área do cérebro associada à produção da do cérebro
linguagem verbal. associada à
produção da
linguagem verbal.

Tinha-se como certo que o habilis era a transição do


Australopithecus para o Homo. As evidências estavam no cérebro
grande e na capacidade de manipular objetos. É possível, no
entanto, que esteja mais próximo do tronco dos Australopithecus que
do nosso.

A linguagem oral é um meio de sobrevivência da espécie, obedecendo a


um imperativo social e cognitivo (D’AQUILI, 1972) e existe em todas as culturas.
(HEINIG, 2003, p. 36).

Atividade de Estudos:

1) Você já parou para analisar como as sensações, saberes


e acontecimentos em nossa volta são armazenados? Para
compreender um pouco mais isso, vamos fazer um pequeno teste
agora: relate um episódio ou momento em que sentiu “raiva”?
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81
Neurociências: evolução e atualidade

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Os estudos de D’Aquili (1972, tradução nossa) levam à compreensão de


como os conceitos se formam. Vamos inicialmente considerar a experiência de
um sentimento de raiva. Pode ser este relatado por você há pouquinho.

Nesta instância, ao nos remetermos a uma experiência, estamos


Essa imediata
falando de qualidade ou atributos da pessoa num dado momento, ou
experiência
seja, agora é a emoção de uma dada realidade, a qual ocorreu em
subjetiva é
uma determinada situação. Assim, a “Raiva” não tem realidade fora
alimentada
de humanos zangados ou animais zangados. Entretanto, essa imediata
dentro de nossa
experiência subjetiva é alimentada dentro de nossa matriz cognitiva e,
matriz cognitiva
uma vez tendo sido subjetivada para os níveis superiores de integração,
e, uma vez tendo
emerge como uma coisa, “raiva”. Esta coisa (ou conceito) pode,
sido subjetivada
então, ser foco de reflexão a seu respeito, pode ser analisada ou, em
para os níveis
outras palavras, reprocessada através da matriz cognitiva como uma
superiores de
entidade essencial para a qual foi derivada. O processo de reificação
integração,
ou elaboração de conceitos fora das qualidades pode ser aplicado para
emerge como
as qualidades externas dos objetos, bem como para nossos estados
uma coisa,
de sentimentos internos. Portanto, “dificuldade”, por exemplo, é uma
“raiva”.
reificação ou conceitualização da percepção imediata por momentos ou
objetos difíceis.

O conceito de ‘matriz cognitiva’ é uma representação funcional


para todo o circuito cerebral. Em outras palavras, representa alguma
coisa como a estrutura ou um “hardware” do computador. (D’AQUILI
,1972, tradução nossa).

82
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

Portanto, a formação de conceitos não se dá por acaso, realizamos ações


cognitivas que nos permitem apreender e aprender nas e com as experiências que
realizamos. Uma das ações que nos leva a construir conceitos e reter informações
é a leitura. E é sobre ela que iremos estudar na próxima seção.

Leitura e Relações com os


Estudos da Psicolinguística e das
Neurociências
Antes de discutirmos as descobertas mais recentes das neurociências para
a compreensão de como aprendemos a ler e quais as implicações disso na forma
como as metodologias de alfabetização devem ser conduzidas e organizadas,
iremos conversar um pouco sobre os conceitos de leitura.

Atividade de Estudos:

1) Para iniciar, convidamos você a escrever, junto da imagem, a


primeira palavra que lhe vier à mente.

______________ ____________________ ______________

______________ ____________________ ______________

83
Neurociências: evolução e atualidade

Esta atividade nos leva a compreender a definição geral de leitura, ou seja,


é basicamente um processo de representação; olhar uma coisa e ver outra e se
dá por intermediação: funciona como um espelho. Então, podemos dizer que
ler é igual a reconhecer o mundo através de espelhos, mas, para isso, há uma
condição: conhecimento prévio do mundo, pois os espelhos oferecem imagens
fragmentadas. Assim, o segundo elemento da realidade não está em relação
unívoca com o primeiro, por isso a posição da pessoa interfere na visão dada pelo
espelho. Diante disso, podemos afirmar que sem triangulação (acesso indireto
à realidade) não há leitura. É importante ter consciência de que: se leu, mas
não entendeu, houve tentativa, mas não leitura. Então, em uma acepção mais
geral, podemos dizer que ler é usar segmentos da realidade para chegar a outros
segmentos.(LEFFA,1996).

Há, também, três definições restritas de linguagem que são consideradas


nos estudos sobre leitura, as quais foram sintetizadas a partir de Leffa (1996):

a) Ler é extrair significados: essa leitura extração de significado está associada à


ideia de que o texto tem um significado preciso, exato e completo.

b) Ler é atribuir:

a. O mesmo texto pode provocar em cada leitor e em cada leitura uma visão
diferente da realidade.

b. Experiências prévias são necessárias para preencher lacunas, pois o texto


reflete apenas fragmentos da realidade.

c. O significado não está na mensagem, mas na série de acontecimentos que


o texto desencadeia na mente do leitor.

c) Ler é interagir com o texto:

a. O processo de leitura pode ser comparado a uma reação química para


a qual é preciso somar a necessidade de elementos às condições
necessárias.

b. O leitor precisa ter a intenção (desejo, necessidade) de ler além das


competências fundamentais.

c. Satisfeita a condição básica de intencionalidade, inicia-se o processo


complexo de interação entre leitor e texto.

Agora que você já aprendeu um pouco mais sobre o que significa ler,
podemos aprofundar os conhecimentos científicos. Mas, antes disso, atente a
este desafio (alguns até já devem ter tido acesso nas redes sociais).
84
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

Atividade de Estudos:

1) Observe os textos apresentados na sequência e responda: Por


que conseguimos ler estes dois textos que seguem? Quais as
semelhanças e diferenças entre eles?

De aorcdo com uma peqsiusa de uma


inrvesriddaeignlsea, não ipomtra em qaulodrem as Lteras
de uma plravaaetãso, a únciacsioaiprotmatne é que
a piremria e útmliaLterasetejasm  no lgaurcrteo. O rsetopdoe
ser  uma bçguanattaol, que vcoê anidapdoe lersem
pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaaLteraisladoa,
mas a plravaa cmoo um tdoo.

35T3 P3QU3N0 T3XTO 53RV3 4P3N45 P4R4


M05TR4R COMO NO554 C4B3Ç4 CONS3GU3 F4Z3R
CO1545 1MPR3551ON4ANT35! R3P4R3 N155O! NO
COM3ÇO 35T4V4 M310 COMPL1C4DO, M45 N3ST4
L1NH4 SU4 M3NT3 V41 D3C1FR4NDO O CÓD1GO QU453
4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R P3N54R MU1TO,
C3RTO? POD3 F1C4R B3M ORGULHO5O D155O! SU4
C4P4C1D4D3 M3R3C3! P4R4BÉN5!

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Neurociências: evolução e atualidade

Você já tem alguma hipótese de como isso ocorre, mas é preciso ir além.
Então, entraremos, agora, na compreensão do processamento que ocorre
conosco quando lemos. Todas essas informações foram consultadas na obra “Os
neurônios da leitura”, de Dehaene (2012), a qual recomendamos como leitura
para que você avance em seus estudos.

Para atiçar sua curiosidade, apresentamos uma resenha da


obra para que você possa saber um pouco mais sobre ela.

Os neurônios da leitura: como a ciência explica


a nossa capacidade de ler

Beatriz Vargas Dorneles

STANISLAS DEHAENE

Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa


capacidade de ler. Penso, 2012 • 16x23cm, 372p.

Existem alguns livros que são marcos na história da produção


de conhecimento sobre as aprendizagens. Eles não aparecem
com frequência e, por vezes, nem são devidamente valorizados
quando são publicados. Não é o caso de Os neurônios da leitura, de
Stanislas Dehaene. Ele já aparece como um grande livro na história
da compreensão dos processos cognitivos ligados à leitura, segundo
uma tendência de afirmar a estreita ligação entre o corpo e a mente,
abandonando de vez a visão cartesiana de dissociação entre ambos.

Com efeito, Dehaene vai mostrando, ao longo da obra, como


o cérebro humano modifica-se à medida que adquirimos leitura.
E mais: mostra as evidências de que o cérebro dos não leitores é
diferente do cérebro dos leitores, cujo corpo caloso torna-se mais
espesso na parte posterior, que conecta as regiões parietais dos
dois hemisférios, aumentando a capacidade de memória. Essa é
apenas uma das várias diferenças encontradas. Há um conjunto de
habilidades que os leitores vão adquirindo conforme se tornam mais
hábeis na arte de ler.

O autor é extremamente cuidadoso quando diz que talvez ainda


estejamos longe de uma neurociência prescritiva para a escola,
porém apresenta evidências de que a decodificação fonológica das

86
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

palavras é a etapa-chave da leitura, ou seja, a conversão grafema-


fonema é uma invenção única na história da escrita que transforma
radicalmente o cérebro da criança e que precisa ser ensinada pela
via fonológica. Assim, ele refuta todas as ideias de ensinar a leitura
pelos métodos globais ou ideovisuais e insiste na proposição de
métodos que priorizem a passagem de uma unidade visual a uma
unidade auditiva, que envolva rimas e canções ou que enfatize a
relação fonema-grafema.

Sempre ressaltando a base orgânica da aquisição da leitura,


Dehaene conclui que nosso cérebro seria um especialista em
recombinações neurológicas cada vez mais complexas. Além disso,
discute um conjunto de informações que já se tem a respeito dos
transtornos de leitura, demonstrando que estes podem ter causas
variadas e que precisam de intervenções específicas.

Quais as contribuições essenciais do livro de Dehaene? São


muitas, mas vou resumir as três que considero fundamentais.
Primeiro, destaca o caráter indissociável da relação entre corpo e
mente que as ciências cognitivas têm enfatizado mais recentemente:
o comportamento modifica o cérebro humano e é por ele modificado
de maneira contínua. Segundo, retoma as evidências empíricas
que têm indicado que os métodos fonéticos são os que melhor
podem ensinar a ler e a escrever – essa contribuição é essencial
para os professores, sobretudo os alfabetizadores. Terceiro,
destaca a necessidade de os pesquisadores trabalharem ao lado
dos educadores, não só ouvindo suas inquietações e dúvidas, mas
também buscando soluções interdisciplinares. Não é pouco para um
único livro. É isso que o torna um marco na aprendizagem da leitura.

Beatriz Vargas Dorneles é professora do Programa de Pós-


Graduação em Educação da UFRGS.

Fonte: Disponível em: <http://www.grupoa.com.br/site/revista-patio/


artigo/6473/contato.aspx>. Acesso em: 1º dez. 2012.
A aprendizagem da
leitura transcende
o mero aspecto da
A resenha se refere à leitura, mas o que significa ler? Como descodificação e
realizamos esta tarefa? Como este processo foi compreendido quem aprende a ler
e definido ao longo dos estudos realizados? Para auxiliar a sua o faz para também
compreensão, iremos conversar um pouco mais sobre leitura e suas compreender o que o
realizações. Para isso, consultamos a tese de Heinig (2003). redator quer dizer.

87
Neurociências: evolução e atualidade

A aprendizagem da leitura transcende o mero aspecto da descodificação e


quem aprende a ler o faz para também compreender o que o redator quer dizer.

O termo descodificação é sinônimo de decodificação que se


refere à capacidade de transformar grafemas (letras) em fonemas e
atribuir significados.

Há uma diferença inegável entre a leitura em voz alta e a silenciosa se


observadas do ponto de vista do comportamento manifesto. Mas há que se levar
em consideração que, mentalmente apenas, as atividades de leitura são diversas.
Assim, há quem leia superficialmente para escolher o que será relido mais adiante
e com outra atenção. Há, ainda, quem entre por completo no texto que está lendo
e se deixe envolver pela atmosfera criada pelo autor. Outros leem apenas para
encontrar uma pequena informação como se faz na consulta à lista telefônica. É
possível, também, que alguém leia em voz alta enquanto sua mente viaja ao sabor
de outras ideias. Por trás de todas essas diferentes maneiras de lidar com o texto
impresso, está um conjunto de operações que constituem a leitura propriamente
dita, a qual se refere ao processo de extração da representação gráfica e sua
conversão a fonológica a partir do texto impresso.

Se você quiser saber mais sobre leitura em voz alta ou


silenciosa, sugerimos ler “Diferentes formas de ler”, de Márcia Abreu,
que está disponível em:

http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Marcia/marcia.htm
O modelo de
dupla via, que
pressupõe uma
escrita alfabética, O modelo de dupla via (cuja explicação aparece a seguir,
ajuda a entender inclusive com ilustração) discute grande parte das observações sobre
o processo o funcionamento da leitura em condições normais, que é o caso aqui.
que se deseja O modelo de dupla via, que pressupõe uma escrita alfabética, ajuda
analisar e será a entender o processo que se deseja analisar e será apresentado a
apresentado seguir em uma versão simplificada, proposta por Castro e Gomes
a seguir em (2000, p. 121).
uma versão
simplificada.

88
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

São Luís Castro é Professor Associado com Agregação na


Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação, onde dirige o Laboratório de Fala e o Grupo de
Investigação em Linguagem do Centro de Psicologia. É membro
do Centro de Ciência Cognitiva da Universidade do Porto; recebeu,
com Ana Sucena, o Prémio Cegoc 2006 pelo desenvolvimento
da ALEPE, uma bateria de testes psicológicos para a avaliação
das competências de leitura em português. Primeiro enquanto
estudante das assimetrias entre os dois hemisférios cerebrais,
mais recentemente enquanto investigadora de como fala e música
poderão “nascer da mesma fonte”.

Figura 20 - Uma versão simplificada do Modelo de Dupla Via para a leitura


em voz alta: a via fonológica (em cheio) e a via lexical (a tracejado)

Fonte: Castro e Gomes (2000, p. 121). O ponto de


partida para a
O ponto de partida para a leitura, neste modelo, é o material leitura, neste
impresso. Como se pode observar na figura, há dois caminhos para modelo, é
ler em voz alta: um por via fonológica e outro por via lexical. A primeira o material
se refere à conversão das letras em fonemas, devido ao conhecimento impresso.

89
Neurociências: evolução e atualidade

das regras de descodificação. Este conhecimento constitui um recurso cognitivo,


chamado de sistema CGF, o qual é adquirido através da aprendizagem da leitura,
o que possibilita a leitura de logatomas.

Logatoma: logatoma (pseudopalavra) é uma palavra artificial de


apenas uma ou algumas sílabas que obedece a regras fonotáticas
de uma língua, mas ainda não têm um significado próprio. Exemplos
: pudo, pedum. No capítulo 4, quando falarmos sobre a bateria de
testes, você verá que dois deles se utilizam de logatomas.

Já a leitura de “25km” ou de “WC”, por exemplo, é feita via lexical e se trata do


reconhecimento das formas gráficas representadas no léxico mental. A noção de
léxico mental pode ser desdobrada em léxico fonológico e ortográfico. O primeiro
diz respeito ao conhecimento sobre como soam as palavras e sua constituição
ocorre à medida que é adquirida a língua falada. Já o léxico ortográfico, vai se
constituindo através do contato com as formas escritas da língua. Por exemplo,
em português, distinguimos “concelho” de “conselho”, “conserto” de “concerto”
e tanto outros homófonos não homógrafos porque, embora estas palavras se
pronunciem da mesma maneira, são escritas de maneira diferente e
remetem a significados diferentes.
O léxico
ortográfico começa O léxico ortográfico começa por ser uma espécie de léxico visual
por ser uma onde estão armazenadas formas visuais que a criança relaciona com
espécie de léxico palavras fonológicas e ideias. Depois, quando começa a haver o contato
visual onde estão com a escrita, as representações lexicais passam a ser ortográficas, e
armazenadas não mais puramente visuais, passam, então, a constituir configurações
formas visuais que de letras. Ainda há outro aspecto que precisa ser considerado neste
a criança relaciona modelo, o do significado, pois, além de se saber como se pronuncia
com palavras e escreve uma palavra, é necessário saber o que significa. Mas o
fonológicas e significado transcende a palavra em si, por isso se postula um sistema
ideias. separado para dar conta dele: o sistema semântico. Portanto, há duas
possibilidades de leitura, ou seja, ao se ler km, por exemplo, as duas
letras são reconhecidas como uma forma de palavra escrita o que
permite compreender seu sentido e ler corretamente; mas também é
possível ler pela via lexical sem passar pelo sistema semântico.

Mas o que acontece quando nos deparamos com um texto escrito?

90
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

É sobre isso que iremos nos debruçar agora, valendo-nos do que é


apresentado por Dehaene em sua obra, cuja resenha você teve acesso há pouco.

O matemático e neurólogo Stanislas Dehaene, diretor da


Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Collège de France é uma
das maiores autoridades mundiais no estudo do cérebro.

Usamos a visão para alcançar o texto em nossas escolhas e também


fazemos uso dela para entrar no texto. Ao lermos, o que ocorre com nosso olho?
Quais os constituintes de nosso olho? Vamos, então, primeiro, ver o olho e seus
constituintes para depois compreender como temos acesso às letras:

Figura 21 – O olho e os seus constituintes

Fonte: Disponível em: <http://www.google.com/imgres?hl=pt-BR&sa=X&biw=1366&bih=673


&tbm=isch&prmd=imvns&tbnid=E9k68ZcHMlCNfM:&imgrefurl>. Acesso em: 1º dez. 2012.

Nesta imagem, é importante que você localize: a retina e a


fóvea. Localizou-as? Não sabe a função delas? Que tal pesquisar um
pouquinho a respeito antes de continuar sua leitura?

91
Neurociências: evolução e atualidade

Um Pouco mais de Teoria


A palavra está ali esperando para ler lida. Tudo começa na retina.
“A estreiteza da
Ao entrar nela, a palavra desfaz-se em mil fragmentos: cada porção de
fóvea é a razão
imagem da página é reconhecida por um fotorreceptor distinto. Nossos
principal pela
olhos não abarcam uma linha inteira, em virtude das limitações de a
qual movemos
única parte da retina, realmente útil para a leitura, chamada fóvea, rica
intensamente
em células fotorreceptoras, os cones, ocupar apenas 15º do campo
os olhos no
visual. (DEHAENE, 2012, p. 26). Por isso, nossos olhos correm pela
curso da leitura.”
linha, em movimentos de sacada (quatro ou cinco por segundo), quando
(DEHAENE,
não vemos nada, e param num ponto, a fixação. “A estreiteza da fóvea
2012,
é a razão principal pela qual movemos intensamente os olhos no curso
p. 26).
da leitura.” (DEHAENE, 2012, p. 26).
Observe a imagem que segue e compreenda mais ainda sobre
como enxergamos o texto:

Nos sistemas de escrita (que é o caso do nosso) com direção da esquerda


para a direita, a fóvea consegue abarcar 3 ou 4 letras à esquerda do centro do
olhar, e 7 ou 8 à direita. É o que se chama habitualmente de campo da percepção
visual das letras.

O nosso olho impõe, portanto, à leitura enormes constrangimentos e “esses


limites são inamovíveis. [...] Podemos demonstrar que são as sacadas oculares
que limitam a velocidade de leitura” (DEHAENE, 2012, p. 31). Mas podemos, com
treino, aperfeiçoar nossa capacidade de leitura nos tornando bons leitores os
quais “leem em redor de 400 a 500 palavras por minuto”.

Mas, e depois que a palavra “entra” em nosso olho, o que mais ocorre?
Qual o processo para decodificar? Como as letras são “recebidas” por nosso
cérebro e onde isso ocorre? Segundo Dehaene (2012, p. 82), “[...] a visão de
uma palavra escrita ativa as regiões occipitais bilaterais, que são associadas
às etapas precoces da visão”. Analisando a figura que segue, especialmente a
última imagem, pode-se perceber que, na região visual ventral, há detectores
especializados para objetos, palavras escritas, rostos. Essa ordenação é igual em
todas as pessoas, o que nos permite compreender que independente da língua,

92
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

todos acionam a mesma região para ler. Observe, na imagem, a palavra escrita
se situa no entremeio entre os objetos e os rostos. É importante destacar que
ao lermos uma palavra o hemisfério esquerdo tem papel preponderante e, ao
vermos uma imagem, isso ocorre no hemisfério direito. Observando as imagens
à esquerda da figura, vemos em destaque uma parte de nosso cérebro. É que
há um lugar determinado do cérebro para a leitura: o sistema de reconhecimento
visual das palavras.

Figura 22 - Localização reaplicável da área da forma visual da leitura

Fonte: Slide da palestra Mudanças no cérebro induzidas pela


aprendizagem da leitura proferida na UFSC por Dehaene.

Segundo Scliar-Cabral (2012) (tradutora da obra de Dehaene), somente agora,


através das técnicas de neuroimagem funcional (IRM), de eletroencefalografia
(EEG) e de magneto-encefalografia (MEG), foi possível verificar que há neurônios
especializados na região occípito-temporal-ventral esquerda para reconhecer
os traços invariantes das letras e isso é possível porque uma ou duas letras (os
grafemas) estão associadas a um fonema, ambos com a função de distinguir
significados.

Para entender a parte, vamos antes conhecer o todo. Na figura que segue,
observe os números e acompanhe, assim, o processo que ocorre quando lemos.

93
Neurociências: evolução e atualidade

Dahaene, em sua palestra proferida no Brasil em 2012, alerta


que “Todas essas áreas exibidas no quadro são áreas cerebrais
conhecidas por serem ativadas, fato atestado por todos os diferentes
métodos de imagem. Contudo, no momento, ainda não são
conhecidos completamente todos os caminhos da ativação”.

Figura 23 - Arquitetura cerebral para a leitura

Fonte: Dehaene (2012, p. 78).

O sistema de reconhecimento visual das palavras identifica o


que não varia, apesar das formas muito variantes que podem ter as
Nesse processo, palavras (tamanho tipo de letra, MAIÚSCULAS/minúsculas, negrito ou
aprende-se, não, sublinhadas ou não, itálico). A isso se chama reconhecimento
por um lado, a invariável das palavras.
negligenciar todas
as variações não Se você tiver que ler “casa”, “CASA” OU “cAsA”, não terá nenhuma
pertinentes para dificuldade, não é mesmo? Mas por que isso ocorre? “É porque nosso
a leitura e, por sistema visual não presta nenhuma atenção ao contorno da palavra
nem às letras [...] se interessa [...] pelo reconhecimento da invariância
outro, a identificar
da sequencia das letras.” ((DEHAENE, 2012, p. 35).
e a ampliar
as diferenças
Nesse processo, aprende-se, por um lado, a negligenciar todas
pertinentes,
as variações não pertinentes para a leitura e, por outro, a identificar
mesmo as
e a ampliar as diferenças pertinentes, mesmo as menores. Assim,
menores.
percebemos que “bela” e “bala” tem apenas uma diferença entre elas:

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Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

uma letra alterada na mesma posição, mas também percebemos a alteração entre
a posição ainda que a letra seja a mesma, como ocorre em “alta” e “lata”.

Mas, como o próprio Dehaene (2012, p. 35) questiona: “como nosso sistema
visual resolve o problema do reconhecimento invariante das palavras?” Vamos,
então, a mais essa compreensão.

O nosso sistema visual decompõe automaticamente as


palavras em constituintes elementares. [...] É provável que
níveis multiplos de análise coexistam: a letra no nivel mais
baixo, em seguida, o par de letras ou “dígrafo” [...], depois o
grafema, a silaba, o morfema e enfim a palavra. Sob o ponto
de vista visual, a palavra escrita se parecerá com uma árvore
[...] cujas folhas são as letras e os galhos, pedaços de palavras
de tamanho crescente. (DEHAENE, 2012, p. 38).

Para ilustrar, observe a figura apresentada na sequência e perceba o


caminho: letras à grafemas à sílabas à morfemas à palavra

Figura 24 – Palavra desabotoar

Fonte: A autora.

Mas, e após o reconhecimento visual, qual o processo que segue a leitura?


Como o leitor acessa o sentido e a sonoridade das palavras? Associando essa
parte à figura 23, é importante considerar que depois dessa decomposição
a forma da palavra visual navega para outras áreas que são envolvidas com a
pronúncia e a articulação, bem como com o acesso ao significado das palavras.
Para acompanhar bem esta parte que segue, sugerimos analisar novamente a
figura que descreve a arquitetura cerebral para a leitura, atentando aos números e
as setas e a explicação produzida por Dehaene (2012, p. 79) :

A partir da representação visual da cadeia de letras, múltiplas


informações devem ainda ser encontradas: radicais das
palavras, seus sentidos, sua sonoridade, a forma de articulá-
los... Cada uma dessas operações faz apelo a uma ou várias
áreas corticais distintas. Além disso, as conexões corticais não
se estabelecem sob a forma de cadeias lineares: cada região

95
Neurociências: evolução e atualidade

contata várias outras em paralelo. Todas as conexões são,


A semântica além disso, recíprocas: cada vez que uma região A contata
recorre a uma uma região B, a região B projeta igualmente um retorno em
vasta população direção da região A.
de neurônios
distribuídos em Vamos, então, refinar este processo que envolve a leitura.
todas as regiões Inicialmente, a região occipito-temporal (já explicada anteriormente)
do córtex. distribui a informação a numerosas regiões corticais. Isso ocorre
em dois circuitos principais: um converte-a em sons, o outro lhe
dá sentido. Mas é importante lembrar que estas regiões já não são
Importante
específicas para a leitura. Por sua vez, as duas vias da leitura (que
lembrar que
dão acesso ao sentido e à sonoridade das palavras) ativam áreas
a reciclagem
cerebrais distintas. Vale lembrar que, na via de acesso ao significado,
dos neurônios
várias regiões são ativadas, mas nenhuma é específica para as
é fundamental
palavras escritas. Além disso, a semântica, segundo o mesmo autor,
para que a
recorre a uma vasta população de neurônios distribuídos em todas as
aprendizagem da
regiões do córtex.
leitura ocorra.

Aprender a Ler

O que acontece conosco quando aprendemos a ler? Por quais


etapas passamos?

Retomando a figura 24, todas as áreas ali numeradas podem ser ativadas
pela língua falada e já estão posicionadas na criança antes de aprender a ler.
Podem ser acompanhadas sendo ativadas, em muitos casos, mesmo numa
criança de apenas poucos meses. O que é especializado para a leitura é a área
número 2, como uma interface entre o sistema visual e o sistema existente para
a linguagem verbal. Importante lembrar que a reciclagem dos neurônios é
fundamental para que a aprendizagem da leitura ocorra.

Uma das grandes descobertas das neurociências é a de que


os neurônios que processam as imagens visuais são programados
para simetrizar a informação. No entanto, para o reconhecimento das
letras, isto é, das diferenças que apresentam entre si, é necessário

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Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

reciclar os neurônios para que eles aprendam a distinguir a direção


dos traços das letras. Isso exige um trabalho minucioso e contínuo.
(SCLIAR-CABRAL, 2012).

Aprender a ler consiste, portanto, em criar uma ponte entre a visão


(a representação visual das palavras escritas) e a linguagem verbal (que
correspondente aos sons e ao significado das palavras).

Segundo Uta Frith (apud DEHAENE, 2012), há etapas/estágios da leitura,


conforme pode se observar na próxima figura (25). Vale destacar que aqui se
trata de uma descrição ampla de como isso ocorre, mas que cada caso deve
ser considerado tendo em vista que o aspecto maturacional, como já evidenciado
em outros momentos deste capítulo, é apenas um dos responsáveis pela
aprendizagem da leitura.

Figura 25 - Etapas da leitura (FRITH)

Fonte: Elaborado com base em Frith (1985).

Atividade de Estudos:

1) Antes de falarmos sobre a pictórica, retome as figuras 22 e 23.


Qual o foco delas? Onde se localiza a palavra escrita?
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Neurociências: evolução e atualidade

Pois bem. Nesta fase, também denominada pela autora como


No caso de língua
logográfica, a lógica da escrita ainda não foi compreendida pela
cujo sistema é
criança. O seu sistema visual (explicado a partir da figura 22) reconhece
transparente para
as palavras como o faz com rostos e objetos. Este estágio antecede
a descodificação,
o ensino sistemático da língua escrita. Ela, muitas vezes, reconhece
como o português
marcas publicitárias e diz que as lê, mas apenas reconhece a palavra
e o italiano,
como um todo. O mesmo pode acontecer com a identificação de seu
é possível
nome ou de uma palavra que lhe seja familiar. Há o reconhecimento
que a criança
da palavra, mas não a sua leitura. O que a criança possui é um léxico
passe muito
pictórico o qual não é fixo, pois depende de cada criança e da sua
rapidamente por
língua materna. No caso de língua cujo sistema é transparente para a
esta fase e já vá
descodificação, como o português e o italiano, é possível que a criança
para a seguinte.
passe muito rapidamente por esta fase e já vá para a seguinte.

Ainda quanto à etapa pictórica, pode-se considerá-la uma pseudoleitura,


a qual se aproxima de leitura em forma de adivinhação, o que é comum entre
leitores bem iniciantes. Como podemos demonstrar isso? A criança explora
“alguns índices visuais. Ela se deixa enganar pela semelhança visual das formas
[...] ela não reconhece as palavras apresentadas de forma diferente [...] e não
generaliza para palavras novas”. (DEHAENE, 2012, p. 217).

Assim, se apresentarmos para a criança, por exemplo, e


trocarmos algumas de suas letras, mas mantivermos o mesmo formato, ela fará
a leitura da palavra inteira, pois a reconhece como um todo. Se apresentarmos a
palavra COCA-COLA (maíuscula de imprensa) e a palavra coca-cola (aqui
com outra fonte e tanhanho), ela não irá perceber a diferença entre ambas, pois
ainda não segmenta a palavra em suas partes menores, conforme apresentado
na árvore da palavra “desabotoar”. Também irá perceber as diferenças que já
comentamos, por isso ela não percebe a diferença entre dedo e dado.

Sugestões de Atividade Prática:

1) Separe um grupo de palavras inteiras, algumas de marcas que


a criança conheça, depois, peça-lhe que faça a leitura. Observe
como ela realiza a atividade.

2) Escolha um grupo de palavras escritas em tiras e substitua as


letras delas. Para auxiliar, apresentamos esta sugestão de grupo
de palavras:

98
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

BELA DEDO GATO SAPO


BOLA DADO MATO SACO
BALA CEDO MITO SECO

Se a criança não perceber as diferenças, ainda está na etapa


pictórica, pois compreende cada unidade palavra como um todo, mas
se conseguir perceber as diferenças, está a caminho de compreender
a organização do sistema de escrita e da relação entre grafema e
fonema, está na etapa fonológica.

Fonema: “uma unidade de som caracterizada por um dado


feixe de traços distintivos”. Por exemplo, a palavra [‘kasa] “caça”
diferencia-se de [‘kaza] “casa” pelo uso de uma fricativa alveolar
surda [s] em “caça” e de uma sonora [z] em “casa”.

Grafema: uma ou mais letras para representar um fonema. Por


exemplo, o fonema [s], em “caça” foi representado por “ç”, mas em
“passa” foi representado “ss”. No primeiro caso, temos apenas uma
letra, no segundo duas, caracterizando um grafema.

A compreensão da relação grafema e fonema é fundamental para que a


criança ou adulto possa realizar a descodificação. Isso deve ocorrer nos primeiros
meses que o aprendiz ingressa no ensino escolar. É importante destacar
que a criança deve aprender esta relação grafofônica e não o nome das
letras, pois o que usamos para representar sonoramente o grafema
é fonema. Observando o Léo Conceito apresentado anteriormente, O fonema é uma
podemos perceber que distinção de significado é o que caracteriza o unidade abstrata,
fonema. Mas como o fonema é uma unidade abstrata, é preciso que ela é preciso que
desenvolva a consciência fonológica. Esta capacidade é fundamental ela desenvolva
para a aprendizagem da leitura e muitas pesquisas têm comprovado a consciência
a relação direta entre a consciência fonológica e a aprendizagem mais fonológica.
rápida da leitura.
99
Neurociências: evolução e atualidade

Mas o que é a consciência fonológica?

É a capacidade de analisar, de forma consciente, os fonemas que


Ao iniciar o
compõem a palavra. Há níveis de consciência fonológica:consciência
processo de
silábica; consciência intra-silábica e, por último, a consciência fonêmica.
descodificação, a
Esta é a mais refinada e a que a criança alcança por último.
criança percebe
a sílaba como
Ao iniciar o processo de descodificação, a criança percebe a
uma unidade fixa
sílaba como uma unidade fixa e composta por consoante e vogal (CV),
e composta por
somente mais tarde vai perceber que há outras estruturas silábicas
consoante e vogal
como VC, CCV, CVC.
(CV), somente
mais tarde vai A sílaba no português do Brasil é uma unidade constituída
perceber que há obrigatoriamente por uma e apenas uma vogal (o centro
outras estruturas silábico) que pode vir acompanhada em suas margens à
esquerda (o aclive) e à direita (o declive) por uma ou mais
silábicas como
consoantes. O movimento do trato vocal é de um fechamento
VC, CCV, CVC. para uma abertura e da abertura maior para o fechamento.
(SCLIAR-CABRAL, 2009, p. 7).

Observe os exemplos abaixo e veja como as vogais ficam no centro e as


consoantes no aclive (é o caso de B e L de bule e C de arca) ou declive (é o caso
do R de arca).

Enquanto a criança passa pela etapa fonológica e vai compreendendo as


relações entre grafemas e fonemas, ocorre também a reciclagem dos neurônios
como explica Dehaene (2012):

Reciclamos a área visual ventral esquerda e especializamos


parte dela para a aprendizagem da leitura, para a aprendizagem do
reconhecimento das cadeias de letras. Mas, se a história for correta,

100
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

também poderemos perder algumas de nossas capacidades A consciência


que estavam inicialmente presentes nessa área. Uma dessas metalinguística,
capacidades pode ser a de reconhecer imagens em espelho, o reciclados os
que explicaria alguns dos interessantes padrões de mudança neurônios e,
que ocorrem durante o curso da aprendizagem da leitura nas aliado a isso,
crianças. o uso de um
bom método de
alfabetização, a
criança estará
Desenvolvida a consciência metalinguística, reciclados os lendo muito
neurônios e, aliado a isso, o uso de um bom método de alfabetização, rapidamente e
a criança estará lendo muito rapidamente e logo ingressará na última logo ingressará
etapa: a ortográfica. na última etapa: a
ortográfica.

A consciência metalinguística decorre de o ser humano


poder se debruçar sobre um objeto, no caso, a linguagem, de forma
consciente.

Esta se caracteriza “por um paralelismo crescente do reconhecimento


das palavras; o sistema visual fornece um código cada vez mais compacto das
palavras, o qual representa de pronto a configuração do conjunto de suas letras.”
(DEHAENE, 2012, p. 222). A criança passa também a ler mais rapidamente
as palavras frequentes, internaliza as regras de descodificação, memoriza as
palavras invariáveis, não precisa mais ler letra a letra, pois o seu acesso lexical
permite que ela depreenda as pistas dadas pelas letras iniciais, lendo, assim, a
palavra toda. Com tudo isso, passa a ler, compreender e refletir a respeito do
texto a que teve acesso.

É importante lembrar que a maturação cerebral não é um efeito, nem a idade


é uma garantia, pois há outros fatores que concorrem para que o nível de leitura
se altere, é preciso que o aprendiz participe de eventos de letramento.

Atividades de Estudos:

Até aqui você pode conhecer as contribuições das descobertas


das neurociências para a leitura. Para deixar tudo isso bem fixado,
responda a essas questões:

101
Neurociências: evolução e atualidade

1) O que é a reciclagem dos neurônios e qual a sua implicação para


a aprendizagem da leitura?
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2) Quais as fases de aprendizagem da leitura e qual sua relação


com a figura 23?
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3) Retome a figura 25 e explique o processo de leitura da palavra.


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102
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

Aprendizagem da Escrita e as
Contribuições da Psicolinguística

A maior parte do texto apresentado nessa seção faz parte da


tese de doutorado de Heinig (2003). Se você quiser ler o texto na
íntegra:

HEINIG, Otilia L. O. M. “É que a gente não sabe o significado”:


homófonos não homógrafos. 2003. Tese (doutorado) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.

A psicolinguística é a ciência que investiga, entre outros, os processos de


codificação e os de aquisição. Um dos ramos dessa ciência é a psicolinguística
aplicada que

[...] tem por escopo, como o nome indica, aplicar os


achados da pesquisa fundamental em psicolinguística ao
equacionamento de problemas em campos afins, como, por
exemplo: a tradução, os distúrbios de comunicação, o ensino
de primeiras e n língua, o ensino da lecto-escritura e a análise
dos textos literários. (SCLIAR-CABRAL, 1991, p. 151).

Embora a psicolinguística não tenha o poder de resolver os problemas do


analfabetismo, pode contribuir para que o quadro referente ao insucesso escolar
seja minimizado devido aos avanços teóricos dessa ciência e de sua relação com
os estudos das neurociências. Ainda que cada área tenha suas especificidades
investigativas, há uma aproximação grande entre os estudos, as pesquisas e os
próprios pesquisadores de ambas as áreas. Exemplo disso é tradução da obra
de Dehaene, um neurocientista, pela psicolinguista Scliar-Cabral. Ela não apenas
traduziu a obra como também aplicou as descobertas em suas pesquisas.

a) A linguagem oral e a escrita

É possível questionar quando se deu o aparecimento da fala, no entanto, o


mais importante é ter claro que o sistema áudio-vocal não depende de qualquer

103
Neurociências: evolução e atualidade

tempo ou espaço histórico específico, assim como aconteceu com o da escrita.


O homem já nasce biopsicologicamente programado para falar, há algum tipo
de especialização hemisferial que possibilitou o uso da língua verbal oral, ou
seja, o hemisfério esquerdo está programado para se especializar em funções
sequenciais e lógicas: a linguagem já está programada. Veja bem, programada,
mas aliado a isso é preciso que haja a maturação e que o sujeito seja exposto à
linguagem, o que é considerado um fator social.

Antes de prosseguir, volte ao início do capítulo e releia o que foi


apresentado sobre a organização cerebral, sobre a língua falada e
conceitualização.

Agora, podemos aprofundar e estudar também sobre o surgimento da escrita.


Mas quando foi que ela surgiu? Para ilustrar e divertir, analise esta charge:

Figura 26 - Charge da invenção da escrita

A escrita
apareceu muito
recentemente,
este sistema
surgiu há
5.000 anos e
os sistemas
alfabéticos ainda
mais tarde.

Fonte: Disponível em: <vejameurascunho.blogspot.


com>. Acesso em: 1º dez. 2012.

A escrita apareceu muito recentemente, este sistema surgiu há 5.000 anos e


os sistemas alfabéticos ainda mais tarde. Demorou-se a descobrir o princípio de
que as palavras escritas eram constituídas por unidades menores que a sílaba,
responsáveis pelas diferenças de significados e de que estas pequenas unidades
poderiam ser representadas por signos escritos.

Como o uso da modalidade escrita dependia de artefatos e artesões


treinados, conclui-se que a escrita é um artefato. Como você já deve saber, no
104
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

início, o homem procurou registrar suas impressões sobre o mundo, no interior


das cavernas, utilizando para isso pedra, materiais inorgânicos e orgânicos à
base de tintas vegetais e minerais. Mas era preciso descobrir um bom suporte
para a escrita, por isso, na Antiguidade, o homem experimentou outros suportes
encontrados na natureza, como forma de registrar a visualidade ou sua escrita,
como a argila, ossos, conchas, marfim, folhas de palmeiras, bambu, metal,
cascas de árvores, madeira.

Figura 27 – Tabuinha de argila usada pelos sumérios


na Mesopotâmia, há mais de 4 mil anos

Fonte: Disponível em: <http://www.klick.com.br/enciclo/


encicloverb/0,5977,POR-8742,00.html>. Acesso em: 1º dez. 2012.

Os egípcios utilizavam o papiro, uma planta-aquática, cujo talo era cortado


na parte interior onde se encontravam as fibras muito resistentes e flexíveis e
que, unidas em lâminas, serviam de superfície própria para escrever. Essa
planta era encontrada às margens do rio Nilo, no Egito, há mais de 3 séculos
a.C. e representou para os egípcios o suporte da escrita hieroglífica, veículo de
transmissão do conhecimento e da sensibilidade do homem da época.

Figura 28 – Escrita Hieroglífica

Fonte: Foto tirada no Museu Louvre (Paris). 105


Neurociências: evolução e atualidade

Já os etruscos, que viveram no norte da antiga Itália, introduziram o uso do


metal, gravando informações em lâminas de cobre, bronze, latão, chumbo e até
ouro e prata. Diante da escassez e do alto custo do papiro, em Pérgamo, na Ásia
Menor, passaram a substituí-lo pelo velino e pelo pergaminho. Ambos eram peles
de animais (não nascidos, como os fetos, ou os muito jovens) que recebiam um
tratamento específico de raspagem, banhos de soda e secagem em bastidores,
o que lhes conferia propriedade alcalina de boa durabilidade, características para
torná-los flexíveis e apropriados para a escrita.

Figura 29 – Pergaminho

Fonte: Disponível em: <http://www.portosma.com.br/


entrevista/biblia.php>. Acesso em: 1º dez. 2012.

A folha de
A folha de papel surgiu com os chineses: um chinês chamado
papel surgiu com
T´sai Lun, um mandarino do palácio do imperador Ho, em 105 d.C.,
os chineses.
acabou revolucionando o curso da história, inventando um material
fabricado inicialmente de fibras têxteis (seda, rami e cânhamo), que
misturadas à água e cola vegetal, formavam a folha de papel, depois de eliminado
o excesso de água sobre um bastidor de seda e bambu. Usado inicialmente em
cerimônias religiosas devido ao seu valor sagrado, o papel tornou-se, durante
cinco séculos, propriedade exclusiva dos chineses.

Sintetizando-se a história da escrita, pode-se perceber que o homem,


desde a inexistência da escrita, passou por diferentes sistemas. Inicialmente, o
pictográfico, depois o ideográfico, o logográfico, o silábico até chegar ao alfabético.
Este último, descoberto no século X a.C., marcou profundamente a história da
humanidade e até hoje ensinado nas escolas das culturas que o adotam, que têm
seus princípios. Os textos escritos foram usados, inicialmente, como instrumento
de poder (religião) contra uma vasta população de iletrados.
106
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

Para saber mais sobre a história da escrita, sugerimos acessar


os vídeos:

http://www.youtube.com/watch?v=BAzeoLfQerM&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=AVKOCSU8zqI&feature=related
historia da escrita parte 1

http://www.youtube.com/watch?v=GC8ClPNWv3k&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=uF9kNYH1EQg&feature=related

a) Estabelecendo diferenças entre o sistema oral e o escrito

Se por um lado é possível aproximar os dois sistemas, existem aspectos


que os individualizam e estabelecem os limites entre um e outro, que devem ser
levados em consideração especialmente quando se trata do contexto escolar.

Inicialmente, há que se relembrar que a escrita dependeu de artefatos e


artesãos que aprendessem os princípios de codificação e descodificação; já o
sistema oral acompanhou o processo de humanização, ou seja, é condição de
sobrevivência e está vinculado à estrutura e ao funcionamento do sistema nervoso
central.

É preciso ter claro, também, que de um lado está a aquisição da linguagem


oral e de outro a aprendizagem da leitura e escrita. Embora haja ajuda no
desenvolvimento da criança por modelos de andaimes (scaffolds) e instrução
direta, a ausência de assistência consciente não impede a aquisição da linguagem
oral em crianças expostas à interação, ou seja, é um universal em aquisição de
linguagem. A questão crucial é que a aquisição da linguagem oral se dá de forma
espontânea desde que ela esteja em interação com falantes de sua variedade
sociolinguística e não apresente nenhum problema mais sério de saúde.

Quanto à leitura e à escrita, isso não acontece, pois aprender a ler depende
de muitos fatores: condições reais para que as crianças se tornem motivadas;
experiência funcional prévia com material impresso; exposição a contextos
narrativos; contexto de ensino-aprendizagem onde possam construir em conjunto
o letramento. Portanto, é preciso, quando se fala em ensino-aprendizagem do
sistema escrito, ter claro que aprender a ler não é fácil porque falar é fácil. 107
Neurociências: evolução e atualidade

A discreção das
A discreção das unidades gráficas alfabéticas é outro aspecto
unidades gráficas
que merece atenção quando se pensa nos dois sistemas de forma
alfabéticas é
distinta. As pistas acústicas, através das quais os traços fonéticos
outro aspecto que
são percebidos numa dada língua por um ouvinte, constituem um
merece atenção
continuum no qual não existem limites contrastivos entre palavras,
quando se pensa
morfemas, sílabas, fonemas. O mesmo é verdade para o movimento
nos dois sistemas dos articuladores. Entretanto, existem algumas pausas e contornos
de forma distinta. finais que assinalam o término dos enunciados, mas não coincidem com
a distribuição dos pontos e vírgulas. Assim como há muitas pausas e
hesitações que ocorrem no discurso oral para planejamento ou busca de itens
lexicais. Os sistemas alfabéticos modernos apresentam contrastes discretos,
não somente as palavras são separadas por espaço em branco, mas também as
letras contrastam entre si.

As dificuldades do aprendiz consistem em reconstruir a forma de perceber a


cadeia da fala, a fim de segmentar o continuum em palavras, depois em sílabas e nos
fonemas que necessitarão ser relacionados a uma ou mais letras correspondentes.

Outro ponto que deve ser lembrado ao se abordar as descontinuidades entre


os dois sistemas, é que o código escrito se caracteriza por um estado de maior
inércia se comparado com as mudanças diacrônicas mais rápidas que ocorrem
nos sistemas orais. Assim, algumas relações fonêmico-grafêmicas se tornam
cada vez mais opacas com o passar do tempo e somente as regras de derivação
morfológicas se tornam produtivas para algumas famílias de palavras. Nesse
caso, um léxico mental precisa ser fixado na memória, o que torna o sistema
antieconômico.

Finalmente, é preciso considerar também a ruptura espaço-temporal, uma


vez que a cadeia escrita canônica de comunicação ocorre na ausência de um
futuro leitor (enquanto o redator produz sua mensagem). Isso também acontece
no ato da leitura, com a diferença de que no ato de escrita deve precedê-lo.
Essa importante característica da cadeia implica a ruptura espaço-temporal, com
consequências na estruturação do texto.

Portanto, os textos escritos precisam ser autorreferenciados, pois não existe


a possibilidade de informação extra. Os textos mais próximos da referencialidade
são as narrativas, em particular, ficcionais. Os contextos extralinguísticos precisam
ser verbalizados, isto constitui função contextual da linguagem. Uma dificuldade
que se faz sentir no texto escrito é a incapacidade para se representar o ato de
leitura de um futuro leitor ausente no espaço e no tempo.

Outra consequência é o uso completamente diferente dos dêiticos. As


pessoas experimentam grande dificuldade em traduzir os dêiticos da comunicação
oral para a sua contrapartida escrita.
108
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

Atividade de Estudos:

1) Retome as diferenças entre o sistema oral e escrito e faça uma


lista dos principais aspetos apresentados até aqui:
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b) Ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Falar em aprendizagem requer que se faça uma distinção entre ela e


aquisição. Esta acontece de forma espontânea (PELANDRÉ, 2002; SCLIAR-
CABRAL, 2001; 2003a; 2003b), uma vez que o ser humano é biopsicologicamente
programado para operar com signos verbais, especialmente os orais, imperativos
para sua sobrevivência, devido à maneira como o sistema nervoso central está
estruturado e funciona. Mas há ainda os fatores maturacionais e ambientais que
se agregam ao inato, a fim de que haja a aquisição da linguagem. Assim, é preciso
levar em conta também que os circuitos que ligam os diversos centros do sistema
nervoso central não nascem prontos: é necessário que os prolongamentos dos
neurônios passem pelo processo de mielinização para que sejam estabelecidas
as ligações de maneira adequada e no devido tempo. O fator ambiental tem suma
importância, pois “os programas inatos para o desenvolvimento da linguagem
verbal oral e sua maturação precisam ser ativados pela interação verbal.”
(SCLIAR-CABRAL, 2001, p. 5).

Portanto, a aquisição da linguagem ocorre naturalmente, levando-se em


conta os fatores mencionados e, mesmo que não haja uma assistência consciente
no desenvolvimento da linguagem oral, a criança sem problemas de saúde,
exposta à interação, adquire-a.

Entretanto, ler e escrever não ocorrem nessa mesma direção, pois exigem um
109
Neurociências: evolução e atualidade

ensino sistemático. Scliar-Cabral (2003a, p. 41) aponta como fatores


Ler e escrever
para a aprendizagem da leitura e da escrita: “condições reais para que
não ocorrem
as crianças se tornem motivadas, experiência funcional prévia com
nessa mesma
material impresso, exposição a contextos narrativos e um contexto ensino-
direção, pois
aprendizagem inteligente, onde professores e alunos em conjunto possam
exigem um ensino
construir o letramento.”
sistemático.
Outro aspecto imprescindível para que ocorra a aprendizagem
do sistema escrito é a consciência fonológica, a qual já foi introduzida na seção
anterior. Esta diz respeito “[...] à capacidade de discriminar, compreender e
reflectir sobre o facto de as palavras serem constituídas por uma série de sons.”
(PINTO, 1998, p. 43). A autora advoga que o contato da criança desde a pré-
escola com a poesia está associado a um melhor desempenho, posteriormente,
na leitura. Scliar-Cabral (2002, p. 155) afirma que “o exercício da consciência
fonológica pressupõe, no mínimo, processos atencionais, ou, com mais precisão,
a intencionalidade para exercê-la e o domínio de uma linguagem para o recorte
consciente da cadeia da fala. Quanto às unidades que são objetos do recorte,
ele está na dependência direta de como uma dada língua escrita representa
tais unidades.” Esta autora, quanto à relação entre a aquisição da consciência
fonológica e a aprendizagem da leitura, advoga que há uma relação de
reciprocidade entre esses dois aspectos.
No processo de aprendizagem do sistema escrito, ainda devem ser levadas
em conta as consciências sintática e semântica, bem como as convenções
específicas desse sistema. Inicialmente, há que se considerar também a questão
motora. Kato (1995, p. 129) apresenta a seguinte situação: perguntado a uma
criança o que era mais difícil, ler ou escrever, ela responde que escrever, pois
cansa os dedos. A resposta do aprendiz aponta para a sua dificuldade motora
e essa constatação faz emergir um questionamento que nem sempre é feito no
espaço escolar: a ênfase nesta dificuldade não teria como causa o excesso de
exercícios de natureza mecânica na escola?

Outro dado que precisa ser levado em consideração, atualmente,


A leitura deve no ensino da língua portuguesa, é a explosão científica e tecnológica,
ter como objetivo pois teve repercussão sobre o léxico e os universos cognitivos,
a compreensão e promovendo a especialização. Scliar-Cabral (2001) afirma que as
interpretação de consequências pedagógicas dessa explosão são em grande número
textos e a escrita, para o ensino da língua portuguesa, especialmente se for levado em
a produção conta que a função da escola é, sobremaneira, ensinar a ler e escrever.
de textos que
possam ser A leitura deve ter como objetivo a compreensão e interpretação de
compreendidos e textos e a escrita, a produção de textos que possam ser compreendidos
interpretados e interpretados pelo leitor. Entretanto, “a criação de universos do
pelo leitor. discurso especializados, com a respectiva explosão lexical e semântica,
torna impenetráveis os textos exatamente porque o leitor não dispõe

110
Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

dos respectivos esquemas.” (SCLIAR-CABRAL, 2001). Diante da especialização,


urge que as disciplinas sejam pensadas de forma interdisciplinar, a fim de que
haja ampliação e aprofundamento dos esquemas cognitivos, o que favorecerá a
compreensão de textos.

Aprender a ler e escrever, independente do sistema de escrita, implica


uma multiplicidade de aquisições. Quanto à leitura (CASTRO; GOMES, 2000),
para ser um leitor fluente, pelo menos duas aquisições se fazem necessárias: o
reconhecimento dos sinais gráficos e o conhecimento prévio de como os sinais
gráficos se organizam no papel. Já Lemle (2001) apresenta cinco capacidades
necessárias para a alfabetização: a ideia de símbolo; a discriminação das formas;
a discriminação dos sons da fala; consciência da unidade palavra e a organização
da página escrita. Pode-se observar que as ideias das autoras se complementam.

Passa-se, então, à apresentação das concepções da segunda autora, para


quem a ideia de símbolo é complicada. Entretanto, é questionável esta afirmação,
uma vez que a “complicação” não acontece na mesma proporção para todos os
sujeitos em fase inicial de aprendizagem do sistema escrito. A que se pensar,
então, quais os fatores complicadores para o entendimento da relação simbólica.
a) Ainda quanto à primeira capacidade, a autora adverte que a aprendizagem da
leitura só ocorrerá se a criança compreender o que seja uma relação simbólica
entre dois objetos. b) Quanto à discriminação das formas, a autora advoga que
o aprendiz precisa entender que cada letra vale como símbolo de um som da
fala. Nesse aspecto, ela chama a atenção para o fato de que as letras do nosso
alfabeto têm formas bastante semelhantes. Por exemplo, se girarmos para o lado
ou para baixo/cima o b, ele se assemelha com p, q e d. A autora não comenta,
mas se trata aqui do fenômeno da rotação dos traços e, por isso, é importante
que o educador tenha compreensão de que o nosso sistema escrito apresenta
uma economia de traços. c) A terceira capacidade, a discriminação dos sons da
fala, exige que o aprendiz tenha consciência da percepção auditiva. Por exemplo,
o aluno confunde vaca e faca, pois /f/ e /v/ apenas tem distinção por um traço de
sonoridade, ou seja, um é surdo e outro é sonoro.

Lemle (2001), nas duas últimas capacidades, não faz distinção entre
discriminação e percepção, mas é importante fazê-lo. Quanto aos sons, a
criança ao nascer discrimina quaisquer categorias que possam ser discriminadas
em qualquer língua e produz quaisquer sons também, mas isso ainda não é
fonológico, não é percepção, ainda não é linguístico, especificamente falando.
Assim, no caso da alfabetização, o problema não é discriminação, mas percepção.
Ainda, independente das infinitas possibilidades de realização dos traços que
diferenciam as letras, o que interessa é o percepto que distingue uma letra da
outra, e não a discriminação de inúmeras possibilidades de produzir a letra.

Quanto à quarta capacidade, consciência da unidade palavra, a autora

111
Neurociências: evolução e atualidade

destaca que é “o cerne da relação simbólica essencial contida numa mensagem


linguística...”. (LEMLE, 2001, p. 11). Além da palavra, o aprendiz deve também
reconhecer sentenças e, para tal, devem ser ensinadas as suas formas de
representação. A última capacidade, a organização da página escrita, deve ficar
estabelecida desde o início do trabalho de alfabetização, pois o aprendiz deverá
perceber que ler um texto é diferente de olhar uma gravura, e isso é novo para ele.

Quanto às duas aquisições apontadas por Castro e Gomes


Para o domínio (2000), analisaremos apenas a primeira, reconhecimento dos sinais
da linguagem gráficos, uma vez que a respeito do conhecimento prévio de como os
escrita, é sinais gráficos se organizam no papel, há uma harmonia entre estas
imperativo que autoras e as ideias de Lemle (2001). Para o domínio da linguagem
o aluno aprenda escrita, é imperativo que o aluno aprenda a reconhecer os sinais que se
a reconhecer encontram dispostos no texto impresso. No nosso sistema, o alfabético,
os sinais que que será discutido com mais propriedade em outra seção, tem-se uma
se encontram escrita na qual é possível, partindo de um pequeno conjunto de sinais
dispostos no texto gráficos, escrever uma quantidade ilimitada de palavras. Ainda que
impresso. possa haver variação quanto às letras que compõem o alfabeto, é a
escrita alfabética a que permite maior economia de caracteres.

A aprendizagem da leitura transcende o mero aspecto da descodificação e quem


aprende a ler o faz para também compreender o que o redator quer dizer.

Atividade de Estudos:

1) Há diferentes atividades correntes da leitura que podem ser


encontradas em qualquer espaço social, por exemplo, ler uma
receita médica, uma bula, cantar uma música na igreja, ler as
instruções para tirar um documento, que nem sempre se comparam
no escolar. Faça uma lista dos modos e razões para ler na escola,
em casa, no trabalho, na igreja. O que você percebe entre eles no
que diz respeito à aprendizagem da leitura?
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Aplicações dos Estudos da Neurociência
Capítulo 3 para a Compreensão da Aprendizagem
da Leitura e da Escrita

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Algumas Considerações
No início deste capítulo, nos propomos a aprimorar os conhecimentos sobre
leitura e escrita dentro das novas descobertas das neurociências. Você aprendeu
que há uma região especialmente destinada para a leitura de palavra escrita, a
qual foi descrita pelo principal autor consultado para a primeira parte do capítulo,
o neurocientista francês, Dahaene. Também com base em seus estudos, foi
possível descrever o processo de leitura com base nos estudos recentes sobre os
neurônios da leitura.

Por fim, com auxílio dos estudos da psicolinguística, foi possível relacionar
as questões de aprendizagem da leitura e da escrita, fazendo uma ponte com
o que já se havia apresentado na área das neurociências. Isso nos possibilitou
compreender que para ler a criança passa por três etapas, que antes de aprender
a decodificar, faz-se necessária a reciclagem dos neurônios, o desenvolvimento
da consciência metalinguística e a compreensão da organização do sistema de
escrita e sua ortografia, mas isso é assunto para o próximo capítulo.

Referências
CASTRO, São Luís; GOMES, Inês. Dificuldades de aprendizagem da língua
materna. Lisboa: Universidade Aberta, 2000.

D’AQUILI, Eugene G. The biopsychological determinants of culture. An


Addison-Wesley Module in Anthropology. Reading, Mass: Addison-Wesley, 1972. 113
Neurociências: evolução e atualidade

DEHAENE, Stanislas. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa


capacidade de ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 2012.

Frith, U. (1985). Beneath the surface of developmental dyslexia.


In K. Patterson, J. Marshall, & M. Coltheart (Eds.), Surface Dyslexia,
Neuropsychological and Cognitive Studies of Phonological Reading. (pp 301-
330). London: Erlbaum.

HEINIG, Otilia L. O. M. “É que a gente não sabe o significado”: homófonos


não homógrafos. 2003. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa
Catarina, UFSC, Florianópolis, 2003.

KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 5. ed.


São Paulo: Ática, 1995.
LEFFA, Vilson. O conceito de leitura. In: _____. Aspectos da Leitura. Porto
Alegre: Sagra, 1996. p. 9-24.

LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. 15. ed. São Paulo: Ática, 2001.

PELANDRÉ, Nilcéa Lemos. Ensinar e aprender com Paulo Freire : 40 horas


40 anos depois. São Paulo: Cortez, 2002.

PINTO, Maria da Graça. A ortografia e a escrita em crianças portuguesas nos


primeiros anos de escolaridade. In: _____. Saber viver a linguagem: um
desafio aos problemas de literacia. Porto: Porto Editora,1998.

SCLIAR-CABRAL, Leonor. Aprendizagem neuronal na alfabetização para as


práticas sociais da leitura e escrita. Revista Intercâmbio, São Paulo, v. XX, p.
113-124, 2009.

_____. Avanço das neurociências para o ensino da leitura. Revista de cultura.


Fortaleza, São Paulo, n.67, jan/fev. 2009.

_____. Método Scliar de alfabetização: guia para o professor. Projeto Ler &
Ser: Combatendo o Analfabetismo Funcional, 2012. (NO PRELO)

_____. Introdução à psicolinguística. São Paulo: Ática, 1991.

_____ . O ensino da Língua Portuguesa hoje: desafios e dilemas. Confluência,


Rio de Janeiro, n. 21, p. 25-33, jan./jun. 2001.

_____. Princípios do sistema alfabético do português do Brasil. São Paulo:


Contexto,2003a.

_____. Guia prático de alfabetização, baseado em princípios do sistema


alfabético do português do Brasil. São Paulo : Contexto, 2003b.
114
C APÍTULO 4
As Contribuições Teóricas das
Neurociências e da Psicolinguística
para a Compreensão do Processo de
Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

99 Descrever o processamento da língua falada e escrita.

99 Compreender as bases linguísticas e psicolinguísticas da organização do


sistema alfabético do português do Brasil.

99 Conhecer as contribuições dos estudos psicolinguísticos para detectar


problemas de processamento.

99 Aplicar os conhecimentos adquiridos para a compreensão de um caso de


dificuldade de aprendizagem leitura e/ou escrita.
Neurociências: evolução e atualidade

116
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Contextualização
No capítulo anterior, você estudou muito sobre leitura, inclusive seus
conceitos. Compreendeu como se dá a aprendizagem da leitura, quais as
implicações maturacionais, entre elas, a reciclagem dos neurônios. Aprendeu,
também, sobre a escrita, conheceu parcialmente a sua história relacionada aos
suportes e sistema que surgiram. Entre eles está o nosso: o alfabético.

Entretanto, é preciso ir adiante. Por isso, neste capítulo, iremos estudar


a leitura e a escrita sob a ótica da psicolinguística, a qual vem contando, nos
últimos anos, com os recursos das neurociências, os quais foram apresentados
no capítulo 1.

Como você pode perceber, a leitura compreensiva deste capítulo depende


das informações alocadas nos capítulos anteriores e que devem ter sido
compreendidas por você. Então, para finalizar e arrematar com o que foi
produzido até aqui, organizamos este capítulo em três seções que dialogam entre
si: o processamento da leitura e da escrita; as bases do sistema alfabético do
português do Brasil para a descodificação e codificação; as contribuições dos
estudos psicolinguísticos para detectar problemas de processamento.

O Processamento da Leitura e da
Escrita
Antes de iniciarmos o estudo sobre este tema, gostaríamos de fazer uma
breve revisão de aspectos teóricos que estão nos outros capítulos. Para isso,
convidamos você a retomar o texto todo e construir um glossário dos termos que
irá necessitar para a leitura desta unidade.

Atividade de Estudos:

1) Construindo um glossário

Memória:_____________________________________________
_____________________________________________________

Memória de trabalho: ___________________________________


_____________________________________________________

117
Neurociências: evolução e atualidade

Memória de longo prazo: ________________________________


_____________________________________________________

Memória episódica: ____________________________________


_____________________________________________________

Memória semântica: ____________________________________


_____________________________________________________

Leitura: ______________________________________________
_____________________________________________________

Descodificação:________________________________________
_____________________________________________________

Escrita: ______________________________________________
_____________________________________________________

Lobos cerebrais: _______________________________________


_____________________________________________________

Via fonológica: ________________________________________


_____________________________________________________

Via semântica:_________________________________________
_____________________________________________________

No caso dos estudos das neurociências e da psicolinguística, é importante


que o leitor tenha claro todos os termos, a fim de compreender o texto com
mais facilidade. Além disso, vai ampliando seu léxico científico e passa a usar a
metalinguagem para se referir aos temas tratados.

Como você já sabe, a psicolinguística é uma área multidisciplinar


e, por isso, pode estudar mais e melhor as questões de aquisição da
língua falada e da aprendizagem da língua escrita. Um dos primeiros
A psicolinguística passos para esta compreensão é a descrição de como se dá o
é uma área processamento humano da linguagem. Vamos, então, estudar cada
multidisciplinar. um dos processamentos, sempre partindo de uma perspectiva teórica,
a qual, com novos estudos, vai sofrendo acréscimos, mudanças,
desconfirmações e confirmações de hipóteses.

118
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

A Leitura: Conceitos, Modelos,


Mudanças e Processamento

O texto que segue é parte integrante da tese: HEINIG, Otilia


Lizete de O. M.. “É que a gente não sabe o significado”: homófonos
não homógrafos. Pós-graduação em linguística, UFSC, 2003.

A definição de leitura, adotada por diferentes linhas, está conectada com um


modelo de processamento de leitura. Assim, a leitura pode ser entendida como a
extração do significado; atribuição do significado ou como a interação com o texto.

Caso tenha alguma dúvida, retorne ao capítulo 3 e releia a


explicação dada para cada definição de leitura.

Ao se postular que ler é extrair o significado, entende-se “significado


A definição de
como aquele segmento da realidade a que se chega através de um
leitura, adotada
outro segmento” (LEFFA, 1996, p. 12), podendo, então, ser encontrado
por diferentes
em vários lugares. No caso do texto impresso, é dele que o leitor extrai
linhas, está
o significado, pois esse é o lugar em que ele se encontra preciso, exato
conectada com
e completo. Assim, tudo que está posto no texto deve ser analisado,
um modelo de
a fim de que se possa extrair o verdadeiro significado. Tem-se,
processamento
portanto, uma leitura linear, na qual o papel do leitor é comandado pela
de leitura.
informação que entra pelos olhos. Nesse caso, a compreensão resulta
de um processo ascendente.

O modelo de extração, desenvolvido por Gough (1994), preocupa-se com o


processamento letra por letra, palavra por palavra, ficando restrito à caracterização
dos estágios iniciais da leitura.

O processo, organizado em cinco etapas, pode ser assim descrito:


inicialmente, o estímulo percebido é transformado em uma imagem visual. A
seguir, há a identificação letra por letra, da esquerda para a direita, e a
colocação dos tipos dentro do registro de caracteres. O processo continua com
a interpretação das letras em fonemas. Para o autor, essa interpretação atinge

119
Neurociências: evolução e atualidade

o nível mais abstrato do fonema; a representação fonêmica, gravada


O modelo
em uma fita, fica à espera de que a bibliotecária faça a busca lexical.
de extração,
Depois, ocorre o depósito dos itens lexicais, na memória operacional,
desenvolvido por
que passam pelo Merlim (operador sintático-semântico), a fim de que
Gough (1994),
se dê a compreensão no nível sentencial. Enfim, passa pelo editor para
preocupa-se com
que as regras fonológicas sejam aplicadas à sentença interpretada,
o processamento
resultando, então, em um enunciado fonético.
letra por letra,
palavra por Ainda quanto ao modelo de Gough (1994), vale ressaltar que se
palavra, ficando restringe ao processamento inferior, ao nível da letra, da palavra, não
restrito à demonstrando abertura para o processamento superior, além de só
caracterização contemplar os sistemas alfabéticos ocidentais.
dos estágios
iniciais da leitura. Por outro lado, a leitura pode ser concebida como atribuição do
sentido e este passa, então, a ter origem no leitor. Assim, o mesmo texto
pode provocar leituras diferentes, uma vez que não contém uma realidade, mas
reflete segmentos dela, apresentando também lacunas que serão preenchidas
pelo leitor a partir de seu conhecimento prévio. Portanto, a leitura não é mais
vista como um procedimento linear, mas como de levantamento de hipóteses.
Desse modo, a compreensão é um processo que vai se desenvolvendo durante a
realização da leitura. Tem-se, então, um processo descendente.

Os modelos descendentes, surgidos na década de 70, período em que se


fez um questionamento intenso sobre o processo de leitura, têm como um dos
principais autores Goodman. O processamento da leitura é apresentado sob
um novo enfoque teórico, no qual o sentido é dado ao texto posteriormente, pois
o leitor o atribui a partir de sua experiência prévia e seus objetivos. Os estudos
desenvolvidos neste período deram origem ao modelo psicolinguístico de leitura.

Goodman (1971) acredita que a leitura seria “[...] um jogo psicolinguístico de


adivinhação”. O autor desenvolveu seu modelo de leitura partindo do pressuposto
de que, no processo de leitura, contínuas interações entre pensamento e
linguagem estão sendo envolvidas e o leitor busca obter o sentido partindo do
texto impresso através desse tipo de interação. Para o autor, a leitura é um
processo cíclico, que inicia com o ciclo ótico; depois vem o perceptual; a seguir, o
gramatical e, enfim, o do significado.

Além disso, nesse modelo, o leitor utiliza três fontes de informação: grafo-
fonêmica, sintática e semântica. O modelo deste autor tem início no momento em
que o leitor passa os olhos pelo papel, linha por linha, da esquerda para direita.
Os olhos do leitor se fixam no estímulo grafêmico, permitindo a focalização. A
partir daí, inicia-se o processo de seleção dos indícios textuais. Aqui, a imagem
perpectual começa a se formar, sendo usados os indícios selecionados e os
antecipados. Tem início, então, o processo de antecipação ou “adivinhação”.

120
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

A seguir, começa o processo de relacionamento dos estímulos percebidos


com suas formas sintáticas, fonológicas e semânticas através de um mapeamento
da memória. Enfim, caso não haja falhas nesse relacionamento, a descodificação
é extendida, o significado é assimilado com as expectativas prévias e os
significados prévios, então, sendo criadas outras expectativas sobre o texto,
dando continuidade ao ciclo de leitura. As memórias de curto e longo prazo são
usadas constantemente durante todo esse processo.

Nesse modelo, os processos mentais de ordem superior são privilegiados na


leitura e esta é entendida como um processo dinâmico na inter-relação de vários
componentes utilizados para o acesso ao sentido.

É justamente pela subordinação ao processamento superior, embora a


necessidade dos estímulos gráficos não seja descartada, que os modelos
descendentes são criticados.

As pesquisas realizadas nas décadas de 70 e 80 procuraram mostrar que,


no que diz respeito à leitura, as etapas do processo representadas nos modelos
ascendentes e descendentes são complementares. É essa complementaridade
que fica evidenciada nos modelos interativos de leitura. Dentre os modelos
interativos estão os de Rumelhart (1984), Stanovich (1981; 1982) e Scliar-Cabral
(1991). Aqui iremos aprofundar o último.

Atividade de Estudos:

1) Preencha o esquema que segue com as informações apresentadas


na parte referente aos conceitos e modelos de leitura.

121
Neurociências: evolução e atualidade

O Modelo Integrado, Contextual,


Interativo, Dinâmico e Criativo de
Recepção e Produção
Scliar-Cabral (1991, p. 121-141) apresenta um modelo integrado,
O processamento
contextual, interativo, dinâmico e criativo de recepção e produção que,
de leitura é
embora se detenha no processamento da cadeia da fala, pode ser
assim explicado:
extrapolado para o processamento da leitura. O processamento de
o leitor coloca
leitura é assim explicado: o leitor coloca na memória operacional a fatia
na memória
extraída da folha impressa; a seguir, faz a segmentação provisória e o
operacional a
emparelhamento do item lexical com aquele que foi buscado na memória
fatia extraída da
lexical e na semântica. Em textos posteriores, a autora enfatiza que
folha impressa;
uma das diferenças essenciais é a separação das palavras em espaços
a seguir, faz a
em branco e o contraste entre as letras. Se houver compatibilidade, o
segmentação
processo continua e o subitem seguinte é buscado. Nesse processo, o
provisória e o
leitor se vale tanto do que provém do texto impresso e foi descodificado
emparelhamento
quanto da informação contextual e do conhecimento prévio. A autora
do item lexical
justifica a abertura de um espaço para o sistema lecto-escrito em seu
com aquele que
modelo afirmando que (SCLIAR-CABRAL, 1991, p. 140):
foi buscado na
memória lexical e
[...] existe um arquivo específico para o sistema grafêmico
na semântica. e para o léxico (significante ortográfico). Quanto aos
componentes textual, sintático e os morfemas puramente
gramaticais, a diferença dos sistemas decorre de a
comunicação no sistema lecto-escrito ocorrer com a ruptura
espaço-temporal entre emissor (quem escreve) e o receptor (o
leitor), com toda uma gama de repercussões na forma como
se dá a enunciação, os anafóricos, enfim, os elementos de
coerência e coesão e respectivos marcadores gráficos que
devem estar arrolados nos paradigmas.

O modelo de Scliar-Cabral se fundamenta nos seguintes princípios: integração


e contextualidade; interação; dinamismo; gradiente dos processos automáticos
aos criativos e sistemas de linguagem. O referido modelo é organizado em três
sistemas: sistema periférico, executivo central e arquivo. Fora, agindo de forma a
influenciar todos eles, encontra-se a afetividade. Passa-se, então, à apresentação
do modelo com destaque aos aspectos voltados ao sistema lecto-escrito.

Nesse modelo, é dada ênfase às conexões que se estabelecem entre as várias


áreas no sistema nervoso central e para a intermodalidade. Isso explica tanto “[...]
a possibilidade de canais de entrada distintos estarem associados a áreas motoras
diferentes (sistema audiovocal, lecto-escrito, visogestual)” (SCLIAR-CABRAL, 1991,
p. 133) como a possibilidade de haver intercomunicação entre sistemas linguísticos
distintos como do audiovocal para o lecto-escrito e também o contrário.
122
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

O fato de a memória semântica ser comum para todas as linguagens verbais


é que explica a intercomunicação. Dessa forma, os significantes diferentes, por
serem gerados por distintos canais sensoriomotores, apontam para os significados
que estão estruturados na memória semântica, a qual é comum a todos.

O sistema central se encontra no centro do modelo e é responsável por


alocar a atenção, delimitar o problema que deve ser resolvido, especificar quais
os procedimentos para a resolução do problema, selecionando-os, comandar
os fatiamentos, realizar os cálculos temporais, integrar as consecutivas saídas
e coordenar a ordem na qual deve ocorrer a realização dos processos. Um dos
componentes desse sistema é o metaconhecimento linguístico, que exerce duas
funções: rejeitar uma língua desconhecida e identificar variedades linguísticas.
Quanto a esta última, vale ressaltar que aí se encontra uma diferença significativa
entre os processos de recepção e produção, pois o homem é capaz de reconhecer
diferentes variedades linguísticas, mas dificilmente será capaz de produzi-las.

O arquivo, que se localiza na parte superior do modelo, é composto pelo


componente cognitivo e pelos sistemas de linguagem. O primeiro é composto,
basicamente, por esquemas que se reestruturam constantemente devido às
informações que provêm das novas experiências. Fazem parte desse
componente o conhecimento de mundo e o enciclopédico, bem como
o pragmático, o compartilhado, a memória episódica e as memórias O arquivo, que
icônica e ecoica, estando todos ligados por linha pontilhada, o que se localiza na
aponta para um número aberto e ilimitado. Já os sistemas de linguagem parte superior
se dividem em verbal, musical, matemático, semafórico e outros. O do modelo, é
sistema verbal, por sua vez, subdivide-se em lecto-escrito e audiovocal. composto pelo
No sistema lecto-escrito, encontram-se os seguintes elementos: grafêmico, componente
sintático, textual, morfológico, gramatical e lexical ortográfico. Como já foi cognitivo e pelos
mencionado, a memória semântica, localizada no sistema audiovocal, é sistemas de
comum aos dois sistemas. linguagem.

No que se refere a como a memória semântica está estruturada (SCLIAR-


CABRAL, 1999; 2002a; 2002b), desde os experimentos de Lúria, na década de
30, tem-se a oposição entre a estratégia taxionômica e a funcional, mas sofreu
várias implementações. Com desenvolvimento da Psicolinguística, no que se
refere aos estudos sobre a memória, foram propostas diversas explicações não
só quanto aos tipos de memória, de curto prazo, de trabalho e permanente; no
caso da memória permanente se propuseram vários tipos (não vamos entrar
na questão da representação, se existe representação ou não) como caso
da memória taxionômica, do estudo dos ordenados, superordenados, dos
infraordenadores, como a memória semântica estaria organizada até a proposta
de se ter um protótipo em torno do qual se dá uma configuração semântica, isso de
um lado. Do outro, na memória cognitiva, há vários tipos de memórias: episódica,
esquemas, mais recentemente o que se denominou a memória de eventos.
123
Neurociências: evolução e atualidade

Quanto à última, debate-se muito o efeito da educação sistemática sofre as


estratégias preferenciais dos indivíduos quando evocam os significados, ou seja,
quanto mais letrado, mais escolarizado, mais ele usa uma estratégia taxionômica
que se baseia numa reclassificação a partir dos traços semânticos dos itens em
termos de coordenação ou subordinação, enquanto os menos letrados ou que
têm um letramento menos desenvolvido fazem uma associação com a memória
cognitiva, particularmente com o evento, com o contexto de uso daquele item,
associado a uma imagem mais icônica, e não ao conceito mais abstrato.

Scliar-Cabral (1997, p. 5-6) explica que a proposta da divisão entre um


léxico mental, que arquiva os significantes de forma estruturada, e uma memória
semântica, que organiza os significados básicos e virtuais em campos semânticos
entrecruzados e vinculados ao conhecimento, “se torna necessária para elucidar
questões como a sinonímia (inclusive a parafrástica), a homonímia e a polissemia”.

Em indivíduos letrados há, ainda, um léxico mental ortográfico. Entretanto,


a autora esclarece que, por defender um modelo integrado e contextual de
processamento, “a atribuição da correspondência grafêmico-fonológica adequada
não se deve apenas à existência do léxico mental ortográfico, mas também à
informação morfossintática e semântica advinda do próprio texto. Além disto, esta
informação é absolutamente necessária para desmanchar possíveis ambiguidades
no caso dos homônimos”.

Ainda que a leitura e a escritura tenham em comum os mesmos


Ler é um
sistemas linguísticos, apresentam diferenças significativas no que se
processo
refere ao processamento. Ler é um processo receptivo, uma vez que
receptivo, uma
o indivíduo recebe o texto produzido, cabendo a ele a descodificação,
vez que o
compreensão, interpretação e retenção da informação. Vários
indivíduo recebe
conhecimentos são necessários para que ocorra a aprendizagem da
o texto produzido,
leitura e também da escritura. A relação entre esses dois processos é
cabendo a ele a
fundamental, pois a escrita se apoia na leitura, entretanto, por ser um
descodificação,
processo produtivo, escrever é mais complexo do que ler.
compreensão,
interpretação Assim como o processamento da leitura, o da escritura pode ser
e retenção da dividido em etapas. Inicialmente, será apresentada a perspectiva
informação. teórica adotada por Scliar-Cabral (2001; 2003). Para a autora, o que
acontece inicialmente é a motivação, que leva o redator, por intenções
pragmáticas, a escrever o texto. Depois, ocorre a seleção dos esquemas mentais,
bem como a dos registros linguísticos que devem ser adequados ao gênero
textual, ao receptor e objetivos, a fim de que o texto alcance seus propósitos.

Feito isso, vem a fase de planejamento; depois acontece a linearização


linguística. Interessa, aqui, especialmente, a escolha dos grafemas depois de
selecionada a inserção do item lexical na frase. Nesse momento, o redator deverá

124
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

selecionar que grafemas codificam a realização de determinados fonemas; no


caso dos homófonos não homógrafos, urge observar o contexto, uma vez que
este é competitivo e sua escolha depende do significado atribuído ao item lexical.

Além disso, há outro fator que interfere na escolha: a variação sociolinguística,


uma vez que o aprendiz, durante a aquisição de sua língua, esteve exposto a uma
variedade que foi internalizada. Outro elemento que faz parte desse modelo é a
monitoria, considerada um “processo metacognitivo que consiste em acompanhar
de uma forma reflexiva a produção escrita” (Scliar-Cabral). A monitoria pode
ocorrer em duas etapas: pari passu ou a posteriori. A primeira acompanha todas
as etapas da produção escrita e acontece tanto durante a fase de planejamento
quanto na de execução; a outra é feita ao final da produção do texto.

As reflexões apresentadas nesta seção com base em Scliar-


Cabral pertencem as notas das aulas da disciplina Seminários de
Psicolinguística, ministrada no I semestre de 2001, no curso de Pós-
graduação em Linguística da UFSC, pela Dr.ª Leonor Scliar-Cabral.

Atividade de Estudos:

1) Ao longo do texto, você deve ter encontrado palavras que, ao


serem processadas, não tiveram acesso à memória semântica.
Isso significa que se faz necessário ampliar a memória
enciclopédica e também a rede de significados em sua memória de
longo prazo. Por isso, retome o texto, destaque (pinte, sublinhe...)
as palavras cujos significados não sejam dominados por você e
faça uma definição para cada uma dessas palavras. Feito isso,
retome o texto e analise como se dá seu processamento agora
que ampliou seu léxico.
___________________________________________________
___________________________________________________
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125
Neurociências: evolução e atualidade

Outras Contribuições Acerca do


Processamento
Também Poersch (1986, p. 29-30) advoga que o processo de escritura
pode ser analisado em etapas, sendo algumas, às vezes, simultâneas. O autor
apresenta cinco etapas: estímulo externo ou interno; intenção de comunicar;
codificação da mensagem; recodificação da mensagem e emissão gráfica da
mensagem. A primeira está relacionada ao que quem escreve quer dizer, ou
seja, à substância de conteúdo do processo comunicativo. Na outra etapa,
ocorre o momento de definição da intenção da comunicação e a partir daí será
elaborada, mentalmente, a princípio, a substância de conteúdo que ganhará
forma e organização. A terceira etapa se refere à codificação na qual o produtor
recorre a um sistema linguístico específico e, então, são selecionados os signos
linguísticos adequados que serão produzidos de acordo com as regras específicas
e apresentados linearmente. A recodificação da mensagem é a próxima etapa,
que consiste na transformação dos signos orais em signos gráficos. Por fim, a
mensagem é gravada em um suporte e fica aguardando um possível leitor.

Assim, pode-se perceber que os modelos atuais de escritura, embora


apresentem as etapas discretizadas, admitem certa recursividade, como se pode
perceber também no modelo de Flower e Hayes (1981). Os autores ampararam sua
teoria na análise de protocolos verbais de redatores proficientes. Nesse modelo, os
processos não acontecem de forma linear: é o autor do texto quem estabelece o
caminho da construção. O modelo inclui três unidades: a situação comunicativa –
os elementos externos ao escritor (o tema, a audiência, o canal...); a
memória de longo prazo – armazena os conhecimentos que o autor usa
A memória de
durante o processo de comunicação sobre o tema, a audiência ou os
longo prazo e
diferentes tipos de texto; os processos de escritura: planejamento
os processos
subdividido em geração, organização e estabelecimento de meta;
de escritura,
tradução e revisão, que é composto por leitura e editoração; existe
acontecem
também, neste módulo, o monitor, que controla esses três subprocessos.
no cérebro
do escritor,
Enquanto os dois últimos, a memória de longo prazo e os
a situação
processos de escritura, acontecem no cérebro do escritor, a situação
comunicativa
comunicativa contém elementos externos ao escritor, em especial, o
contém
problema retórico e o texto escrito. Finalmente, vale ressaltar que, para
elementos
que o processo de composição aconteça, é necessário que todos os
externos ao
processos e subprocessos sucedam com normalidade. Este modelo
escritor, em
está relacionado com outros, em especial com o de Flower, que parte
especial, o
da análise direta de textos de escritores para identificar dois tipos de
problema retórico
prosa - a de escritor e a de leitor – que são caracterizados segundo
e o texto escrito.
função, estrutura e estilo.

126
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Kato (1995, p. 89-92) faz uma crítica ao modelo anterior e, a partir da


reformulação dele, apresenta outro no qual o processamento é mais interativo
e recursivo. As principais alterações acontecem nos processos de escritura.
A geração deixa de estar ligada diretamente às instruções e a ligação passa
a ser entre o contexto da tarefa e os processos de escritura. O subprocesso
planejamento também sofre alterações, passando a ser denominado como
processamento de ideias, já o termo planejamento passa a fazer parte do monitor,
bem como o estabelecimento da meta e a editoração, a qual, para a autora, ocorre
ao final de cada processo ou operação. Enfim, no subprocesso de revisão, no
lugar da editoração fica a correção.

Por último, será apresentado o modelo de Meurer (1997, p. 14-28), que leva
em consideração tanto os aspectos linguísticos como os sociocognitivos do ato
de escrever. Este modelo está organizado em módulos interligados dos quais
fazem parte: fatos/realidade; história discursiva individual, discursos institucionais
e práticas sociais; parâmetros de textualização; representação mental de fatos/
realidade por parte do escritor; monitor.

Como no modelo de Scliar-Cabral (1991), a motivação é o primeiro


passo; a partir dela, o escritor inicia o percurso de produção textual, formando
uma representação mental, imagem ou representação dos fatos formados
anteriormente na mente do escritor. Esta representação é controlada pelo monitor
e seu funcionamento depende de: fatos/realidade; história discursiva individual,
discursos institucionais e práticas sociais e dos parâmetros de textualização que
são apresentados em número de sete. Os parâmetros são monitorados pelo
escritor durante o processo de composição do texto.

Comparado com o modelo de Flower e Hayes (1981), aqui também o monitor


se mantém ativo em todo o processo de produção e é responsável tanto pela
geração de ideias, como pelo planejamento, organização, execução e editoração
das diversas partes do texto. Na rota inicial de produção de textos escritos de
Meurer (1997), há ainda dois módulos que são denominados de estágio A e B.
O estágio A é representado por duas subpartes: representação mental dos fatos/
realidade por parte do escritor e focos de atenção. É neste estágio que o escritor
seleciona um enfoque, partindo da representação mental de certa realidade e
passa, então, ao estágio B, no qual, através de representações linguísticas, tenta
concretizar o que foi mentalizado. É aí que começa a surgir o texto escrito em sua
primeira versão.

O autor adverte que, em situações escolares, o texto em geral termina por


aqui, mas para grande parte dos escritores este é apenas o começo, por isso, a
necessidade de operações para a recomposição e polimento do texto, que são
também discutidas pelo autor, mas que não serão enfocadas aqui.

127
Neurociências: evolução e atualidade

As Bases do Sistema Alfabético


do Português do Brasil para a
Descodificação e Codificação

a) Um pouco mais de história: o contexto de surgimento do sistema de


escrita alfabética

Você já sabe, mas não custa relembrar: A escrita propriamente dita surgiu no
Oriente Médio e na China há cerca de 6.000 anos. Destes dois focos principais, a
escrita se irradiou para diversas outras partes da Eurásia. Vários povos investiram
tempo e pesquisa (a seu modo) para a elaboração de um sistema de escrita.

Interessa-nos, especialmente, o desenvolvimento do sistema alfabético.


Antes de falarmos sobre ele, iremos recuperar um pouco da sua história,
estabelecendo, assim, um link com o capítulo anterior.

Há muita história antes, mas escolhemos como ponto de partida a civilização


fenícia. Por volta de 1.200 a.C., os fenícios – que se apossaram da complicada
escrita lexical-silábica dos egípcios - desenvolveram uma escrita mais simples, a
partir das escritas logossilábicas, devido à necessidade de uma forma prática de
escrita para que seu império comercial de então pudesse funcionar melhor. Nesse
sistema, cada símbolo representava uma consoante. As vogais tinham que ser
reconstituídas pelo leitor. Para cada consoante, foi escolhido um símbolo que
previamente era um logograma, representando uma palavra de uso comum, e
foi-lhe dado um valor puramente fonético, de acordo com seu som inicial. Com os
gregos surgiu o alfabeto denominado de “alfabeto vocálico-consonantal”.
Os árabes e
os hebreus Os árabes e os hebreus nunca sentiram a necessidade de marcar
nunca sentiram as vogais devido à peculiar estrutura morfológica de suas línguas, que
a necessidade são do grupo semítico, assim como os antigos fenício e aramaico.
de marcar as Nas línguas desse grupo, as conjugações se dão através do correto
vogais devido à preenchimento de um esqueleto de três consoantes por certo grupo
peculiar estrutura de vogais, portanto, pelo contexto pode-se deduzi-las claramente. Já o
morfológica de grego, uma língua indo-europeia como o português, não tem paradigmas
suas línguas, vocálicos tão fixos como o das línguas semíticas, o que levou à criação
que são do das letras para as vogais, adaptadas a partir de consoantes fenícias
grupo semítico, que não tinham utilidade para o grego. Além disso, outra mudança
assim como os do grego foi a de escrever da esquerda para a direita, pois o fenício,
antigos fenício e assim como o árabe e o hebraico moderno, era escrito da direita para
aramaico. a esquerda. Inicialmente, contudo, os gregos se utilizavam do sistema

128
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

denominado “boustrophédon” (arado), em que uma linha ia da esquerda para a


direita e a seguinte da direita para a esquerda e assim por diante.
Os etruscos foram os antecessores dos romanos no domínio da península
itálica. Mesmo Roma lhes foi subalterna. Dos gregos, os etruscos tomaram muitas
coisas, entre elas o alfabeto vocálico-consonantal, inventado pelos gregos, que
era de fácil adaptação a qualquer língua. A Etrúria se extinguiu, Roma se ergueu,
mantendo, ligeiramente modificado, o seu alfabeto.

Enfim, a descoberta de que cada símbolo representa um som mostra que o


homem consegue trabalhar de forma consciente com a organização fonológica
da língua. Igualmente as crianças precisam fazer esta “descoberta” para poder
aprender a ler e escrever no sistema alfabético.

Sintetizando-se a história da escrita, pode-se perceber que o homem,


desde a inexistência da escrita, passou por diferentes sistemas. Inicialmente, o
pictográfico, depois o ideográfico, o logográfico, o silábico até chegar ao alfabético.
Este último, descoberto no século X a.C., marcou profundamente a história da
humanidade e até hoje é ensinado nas escolas das culturas que o adotam.

b) Os princípios do sistema alfabético para o português do Brasil

Neste material será dado enfoque ao sistema alfabético do português do


Brasil cujas regras de descodificação e codificação foram formalizadas por Scliar-
Cabral (2003). O seu conhecimento é capital para que o processo de ensino e
aprendizagem da leitura e da escrita, na escola, aconteçam de forma reflexiva. A
autora explica algumas descobertas importantes que o estudo dos
referidos princípios proporcionaram (SCLIAR-CABRAL, 2003, p. 20-21):
Os princípios do
A formalização dos princípios do sistema alfabético sistema alfabético
do português do Brasil, que me consumiu anos do português
de reflexão, permitiu-me a descoberta e/ou
confirmação de teorias linguísticas tais como a do Brasil estão
quase total transparência para a descodificação organizados em
(exceção feita, basicamente, para os grafemas dois grandes
“e” e “o” e três valores do grafema “x”); as
intuições fonológicas dos codificadores, neste
grupos: as regras
caso, começando pelo português de Portugal, de descodificação
com Gonçalves Viana, como, por exemplo, a (que dizem
representação ortográfica dos arquifonemas |R| e respeito à leitura) e
|S|, o efeito da oposição entre vogais posteriores
e não posteriores e parcimônia para contemplar as de codificação
o acento gráfico, reconhecendo a forma não (relacionadas
marcada do vocábulo canônico em português, à forma como
[...]; ratifica a proposta se Mattoso Câmara Jr. de
rever processos de derivação, como possíveis
grafamos as
composições, como é exemplo o comportamento palavras).
do prefixo “trans-”.

129
Neurociências: evolução e atualidade

Os princípios do sistema alfabético do português do Brasil estão organizados em


dois grandes grupos: as regras de descodificação (que dizem respeito à leitura) e as
de codificação (relacionadas à forma como grafamos as palavras).
Antes de apresentarmos as regras, é necessário fazer um breve estudo
sobre as consoantes e vogais do nosso sistema e seus valores representados por
fonemas, no caso da descodificação, e por grafemas quando há necessidade de
grafar as palavras, fazendo a representação do fonema.

Se você não lembra mais que é fonema e grafema, retorne ao


capítulo 3 e confira lá a explicação.

Para a compreensão das relações entre fonemas e grafemas, é preciso,


primeiro, uma revisão de como os fonemas estão organizados e classificados
no Português do Brasil. Para tal, apresentamos, a seguir, dois quadros: um
relacionado ao sistema vocálico e outro referente ao quadro fonêmico das
consoantes. É importante lembrar que esta é uma forma de “representar” os
fonemas de nossa língua, entretanto, nossos alunos chegam às escolas cada um
falando de acordo com sua variante sociolinguística, o que justifica a compreensão
entre o sistema oral e escrito. Esta compreensão permite, por exemplo, ao
professor, construir hipóteses para a codificação, levando o aprendiz a perceber
que existe uma única língua escrita; entretanto, ao ler, o fará de acordo com sua
variante sociolinguista, assim que tiver domínio do código. Além disso, permitirá,
no caso do espaço escolar, que o professor compreenda por que os alunos em
fase inicial de alfabetização escrevem como falam, em um continuum, ou seja,
não há ainda a percepção dos espaços em branco.

Caro pós-graduando, o quadro 1 representa todas as vogais


existentes no português do Brasil, observe que apesar de possuir
cinco grafemas para representar as vogais, há 12 valores sonoros
para esses grafemas, dentre estes, 7 são orais e 5 nasais.

130
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Quadro 1 - Sistema Vocálico do PB

- posterior +posterior +posterior


+ Orais
-arredondado (anteriores) - arredondado + arredondado
+alta i u
-alta
e o
-baixa
+baixa ε (pé) a ‫( כ‬pó)
-orais (nasalizadas)
+alta ĩ ũ
-alta ẽ õ
+baixa ã

Fonte: Sistema vocálico do PB, conforme modelo de Quicoli (1990), com


acréscimo das vogais nasalizadas. (SCLIAR-CABRAL, 2003).

Neste quadro, fique atento à classificação das vogais em [+


anteriores] e [- anteriores] porque este fator é determinante para
muitas das regras para lermos e escrevermos palavras.

Para compreender a classificação das consoantes, é importante


Para
saber como está organizado o nosso aparelho fonador, pois é dele que
compreender
partem os termos que são usados para a denominação de cada um dos
a classificação
fonemas.
das consoantes,
é importante
Observe o aparelho fonador abaixo e depois tente colocar nele o
saber como está
quadro das consoantes. Irá perceber, por exemplo, que [p] e o [b] são
organizado o
produzidos tocando lábio no lábio, por isso, são chamados de bilabiais,
nosso aparelho
ou seja, esse é o seu ponto de articulação.
fonador, pois é
dele que partem
os termos que
são usados para
a denominação
de cada um dos
fonemas.

131
Neurociências: evolução e atualidade

Figura 30 - O aparelho fonador

Fonte: Disponível em: <http://astropt.org/blog/2010/11/29/prahlad-jani-o-homem-


que-nao-come-nem-bebe-ha-70-anos/>. Acesso em: 12 dez. 2012.

Quadro 2 - Sistema Fonêmico das Consoantes

+ant +ant -ant -ant -ant


-cor +cor +cor -cor -cor
(labiais) (anteriores) (posteriores) -post -post
(posteriores) (posteriores)

+obstruinte -son
p t k
-cont (surdas)
b d g (galo)
(oclusivas) +son

+cont -son f s ∫(chá)


R (rosa)
(fricativas) +son v z ʒ (já)

-Obstruinte
m n ր(vinho)
+nasal

(+vocálico) ʎ (velha)
+lateral
l
-lateral
r(caro)
-cons
(semivogais) j (pai) w (teu)

Fonte: Scliar-Cabral (2003), conforme modelo de Lopez (1979), com


acréscimo das semivogais, exemplos e termos comparativos (entre
parênteses) à nomenclatura de Mattoso Câmara Jr. (1975).
132
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Para auxiliar na leitura e compreensão do quadro, apresentamos, abaixo,


uma lista com os termos e sua respectiva explicação:

Modos de articulação:

• Oclusivos: “sons produzidos com um bloqueio completo à corrente de ar em


algum ponto do aparelho fonador...” (CAGLIARI, 2001, p. 122) [p,b,t,d,k,g].

• Nasais: “sons produzidos com um bloqueio à corrente de ar na cavidade oral,


com concomitante abaixamento do véu palatino, o que permite a saída do ar
pelas narinas” (CAGLIARI, 2001, p. 122) [m, n, ր].

• Fricativos: “sons produzidos com um estreitamento em qualquer parte do


aparelho fonador (da glote até os lábios), de tal modo que o ar fonatório, passando
por essa parte, produza fricção” (CAGLIARI, 2001, p. 122) [f,v,s,z, ∫,ʒ, R].

• Laterais: “são os sons que bloqueiam a passagem central da corrente de


ar na parte anterior da cavidade oral, permitindo um escape lateral. [...] No
caso da lateral palatal, a corrente de ar passa por trás dos últimos molares,
saindo por entre a parte externa dos dentes e a bochecha” (CAGLIARI,
2001, p. 123) [l, r].

• Vibrantes: “[...] entendem-se os sons produzidos por batidas rápidas da ponta


da língua ou do véu palatino, em geral, 3 ou 4. Esse tipo de consoante também
é chamada de vibrante múltipla [...]. Quando ocorre apenas uma batida
rápida da ponta da língua contra os dentes ou alvéolos dos dentes incisivos
superiores, o som tem o nome de tepe (ou vibrante simples...)” (CAGLIARI,
2001, p. 123) [R, r].

Lugares de articulação:

• Labial: “é o som produzido com um estreitamento ou fechamento produzido


pela aproximação dos lábios...” (CAGLIARI, 2001, p. 124) Bilabiais: [p,b,m],
Labiodentais [f,v].

• Coronal: “os sons coronais são produzidos com o ápice ou a lâmina da


língua elevada acima de sua posição neutra. Considera-se posição neutra o
lugar onde se articula a vogal [ε], como em “café”. [...] na produção de sons
coronais o ápice ou a lâmina da língua se eleva em direção à parte posterior
dos incisivos posteriores entre a região da arcada alveolar e o palato duro [...].
Consoantes dentais, alveolares, alvéolo-palatais, retroflexas e palatais são
[+cor]. Todas as outras consoantes são [-cor]” (MORI, 2001, p. 164) [+cor]:
[t,d,s,z,n,l, ∫, ʒ].

133
Neurociências: evolução e atualidade

• Anterior: “os sons anteriores são produzidos com uma obstrução na parte
anterior do trato vocal, numa região situada entre os lábios e a arcada
alveolar.” (MORI, 2001, p. 164) [+ant]: [p,b,f,v,m, t,d,s,z,n,l, r].

Vozeamento:

Classificam-se os sons com base na oposição surdo/sonoro. Os sons


produzidos com vibrações das cordas vocais são chamados de sonoros (+son).
Já os surdos são aqueles produzidos sem vibração das cordas vocais (-son).
As vogais são sons sonoros, mas consoantes podem ser surdas ou sonoras.
Observe esses pares mínimos: pato, bato; faca, vaca; chá, já; cato, gato. Agora
que você já conhece os fonemas e sua respectiva classificação, fica mais fácil ler
e compreender as regras que serão apresentadas a seguir.

Como Lemos as Palavras da


Mesma Maneira: as Regras de
Descodificação
As regras de descodificação dizem respeito ao processamento da
As regras de
leitura, discutido anteriormente. Interessa, aqui, a primeira fase, na qual
descodificação
o leitor reconhece e identifica as letras que representam os grafemas e
dizem respeito ao
seus valores; a partir daí, dá-se a busca das palavras e seu acesso.
processamento
A conversão dos grafemas em fonemas é feita pelo leitor levando
da leitura.
em conta sua variedade sociolinguística e este aspecto não pode ser
desconsiderado por quem está envolvido no processo de ensinar a ler.

A conversão
A autora desdobra as regras de descodificação em quatro
dos grafemas
subgrupos: as regras de correspondência grafo-fonêmica independentes
em fonemas é
do contexto; as regras de correspondência grafo-fonêmica dependentes
feita pelo leitor
do contexto grafêmico; as regras dependentes da metalinguagem e/ou
levando em conta
do contexto textual morfossintático e semântico; valores imprevisíveis
sua variedade
para o grafema “x” e a leitura de “muito”.
sociolinguística
e este aspecto
O primeiro subgrupo é constituído de grafemas que correspondem,
não pode ser
independente da posição em que ocorrem na palavra, ao mesmo
desconsiderado
fonema. Na tabela abaixo (SCLIAR-CABRAL, 2003b, p. 44), são
por quem está
apresentados quais os valores dos grafemas que se incluem neste
envolvido no
subgrupo.
processo de
ensinar a ler.

134
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Tabela 1 – Valores dos grafemas, independentes do contexto

Grafema Valor Exemplos Grafema Valor Exemplos


p /p/ pato B /b/ bola
t /t/ tatu D /d/ dado
f /f/ café V /v/ uva
ss /s/ massa Ç /s/ moça
sc /s/ desço Ch /∫/ chave
j /ʒ/ janela Nh / ր/ linha
rr /R/ carro ü /w/ sagüi
ó / ‫כ‬/ óculos Õ /õ/ põe
á /a/ água À /a/ à
â /ã/ lâmpada à /ã/ rã

Fonte: Scliar-Cabral (2003, p.44).

O trema ainda se mantém a leitura deste grafema, pois está


em muitos materiais que ainda não tiveram a revisão dentro do novo
sistema ortográfico.

O segundo subgrupo sofre influência do contexto grafêmico. Para atribuir


Assim, para atribuir valor ao grafema, é necessário observar as letras valor ao grafema,
que o precedem ou seguem e/ou a sua posição no vocábulo. A autora é necessário
reuniu as várias situações em vinte e três regras. Como exemplo, será observar as letras
apresentada a regra D2.1 (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 83), a qual que o precedem
sistematiza, entre outros aspectos, a leitura da letra “s” em contexto ou seguem e/ou
intervocálico, dificuldade comum entre os aprendizes do nosso sistema a sua posição no
escrito: “o grafema ‘s’ se lê como a transposição à realização do fonema vocábulo.
/s/, quando estiver em início do vocábulo [...] ou quando, em início de
sílaba, estiver depois das letras “n”, “l” ou “r” [...]; o grafema “s” se lê
como a transposição à realização do fonema /z/ quando estiver entre as
letras que representam as vogais ou semivogais [...]”.

Há, também, um conjunto de regras dependentes da metalinguagem e/ou


do contexto textual morfossintático e semântico que regulam a leitura: da sílaba

135
Neurociências: evolução e atualidade

mais intensa; dos ditongos decrescentes seguidos ou não de s; dos ditongos


orais fechados, por oposição aos abertos. O ponto-chave, neste subgrupo,
é a descodificação das letras “e” e “o” na metafonia verbal, cujas regras foram
internalizadas desde cedo pela criança em seu processo de aquisição da
linguagem. Para sua utilização, basta apenas a aplicação de conhecimentos
morfossintáticos. Dessa forma, se o vocábulo “gosto” for indicado como verbo
(não como substantivo) em um contexto como: “Eu gosto de maçã!”, o “o” será
lido com o valor de / ‫כ‬/. Isso acontece “em virtude da harmonia vocálica entre
o radical /o/, com a vogal temática subjacente da 1ª conjugação /a/.” (SCLIAR-
CABRAL, 2003 a, p. 115).

Por fim, são apresentados os valores dependentes exclusivamente do


léxico mental ortográfico: 1) Os três valores atribuídos à letra “x”: /∫/, /s/ e /k(i)s/
em contextos entre letras que representam vogais, com exceção da letra “e”, como
em “abacaxi”, “máximo” e “fixo”, e entre ditongo /aw/ e vogal como em “auxílio”. 2)
O vocábulo “muito” que é marcado para ser pronunciado como ditongo nasalizado.

Diante de um sistema transparente para a leitura, como é o nosso, é


importante a compreensão das regras de descodificação para simplificar o ensino
de língua materna.

Atividade de Estudos:

1) A fim de verificar se você compreendeu mesmo a organização


dos princípios do sistema alfabético para a descodificação, realize
o exercício que segue:

Abaixo você encontrará várias palavras. Leia-as


com atenção, observando o grafema sublinhado. Depois,
agrupe-as conforme os valores e suas relações: a)
independentes do contexto; b) dependentes do contexto
escrito (regras) e c) imprevisíveis (memorizadas).

TENHO, DEUSA, AUXILIADORA, CRUCIFIXO,


CALMA, CASCA, CÓLICA, GANSO, PANELA, CAFÉ,
BARRO, EXCEÇÃO, FAZER, TÓRAX, XÍCARA, CHAVE,
ALMOÇO, CINEMA, CINCO, CURSO, JATO, TETO,
SAPATO, ZEBRA, SALA, RESPEITO, DESCE, EXISTE,
FROUXA, NORMA, SINO, MATA, SEDEX, EXAUSTO,
AZARES, CINTO, NASCI, ABACAXI, GOSTO (verbo),
DOÍDO, ESTÁ, HÉLICE.

136
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

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A Escrita das Palavras: a Conversão


de Fonemas em Grafemas
Considerando Contextos e O processo
de codificação
Necessidade de Memorização é inverso ao
apresentado
O processo de codificação é inverso ao apresentado anteriormente, anteriormente,
pois nele acontece a conversão da realização dos fonemas em pois nele
grafemas a partir da variedade sociolinguística praticada pelo falante. acontece a
conversão da
Para converter fonemas em grafemas, o redator poderá ou não levar realização dos
em conta o contexto, o que explica a existência destes cinco subgrupos: fonemas em
regras independentes do contexto; regras dependentes da posição e do grafemas a partir
contexto fonético; as alternativas competitivas; as regras dependentes da da variedade
morfossintaxe e do contexto fonético e a derivação morfológica. sociolinguística
praticada pelo
No primeiro subgrupo se incluem as variantes alofônicas falante.
determinadas pelo contexto fonético, não percebidas pelo redator de
137
Neurociências: evolução e atualidade

forma consciente e os ditongos abertos /εj/ e / ‫כ‬j/. Analisando a tabela a seguir


(SCLIAR-CABRAL, 2003b, p. 78), é possível notar que, na codificação, há menos
possibilidades de atribuir um valor do que na descodificação. Portanto, já se pode
ir percebendo que escrever é mais complexo que ler.

Tabela 2 – Conversão dos fonemas aos grafemas, independente do contexto

Fonema Grafema Exemplos Fonema Grafema Exemplos


/p/ p pato /b/ b bola
/t/ t tatu /d/ d dado
/f/ f faca /v/ v uva
/m/ m mato /n/ n nata
/ր/ nh linha /l/ lh bolha
/ εj / éi anéis / ‫כ‬j / ói dói

O segundo subgrupo é formado por dezesseis regras dependentes só do


contexto fonético.

Um grupo delas é organizado levando-se em consideração que o fato de


as vogais e semivogais serem posteriores ou não posteriores influi na grafia das
consoantes. A regras C2.1 explica que a realização da consoante /k/ se transcreve
com “c” antes de vogal posterior, oral ou nasalizada e com “qu” antes de vogal não
posterior, oral ou nasalizada como em “cola” e “quinto”. A regra C2.2, parecida
com a anterior, formaliza a grafia do fonema /g/ que antes de vogal posterior, oral
ou nasalizada se transcreve com “g” e diante de não posterior, oral ou nasalizada,
com “gu”, como em “sagu” e “guerra”. Já a regra C2.4 explica a conversão do
fonema /s/ em início de vocábulo e entre a semivogal /j/ e as vogais [-post] e
[+post] como em “foice” e “feição”; a regra C2.8 elucida a conversão do fonema
/ʒ/, ou seja, antes de [+post] grafa-se com “j” e, antes de [-post], grafa-se com “j”
ou “g” e a explicação é completada pela regra C3.7.

As regras, que versam sobre a conversão do fonema /R/ no grafema “rr”;


do flape alveolar /r/ na letra “r” e do arquifonema |R| na letra “r”, auxiliam para
explicar estas grafias que constituem uma dificuldade para o aprendiz, sobretudo,
a codificação do encontro consonantal com flape /r/. A última regra apresenta uma
forma prática de aplicação, ou seja, salvo no contexto entre vogais, o fonema /R/
sempre se escreve com um “r”.

As regras C2.13 e C2.14 explicam como as semivogais /j/ e /w/,


respectivamente, devem ser grafadas. Scliar-Cabral (2003a, p. 139) alerta quanto
à primeira regra que se “[...] trata de uma das codificações mais complexas e

138
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

opacas do português, uma vez que o ditongo nasalizado fica obscurecido na


escrita, já que as letras “m” e “n”, quando em final de vocábulo, representam
simultaneamente a nasalidade e a semivogal /j/”. Para grafar a semivogal /w/,
o princípio da distribuição das vogais também deve ser levado em consideração.
Outro ponto que aparece entre as dificuldades de grafia de alunos de vários
níveis de ensino é o ditongo nasalizado /ãw/. O primeiro aspecto que deve ser
observado é a tonicidade, que pode ser completado pela morfossintaxe, ou seja, a
que classe gramatical, verbo ou nome, a palavra pertence.

A regra C2.15, subdividida em outras seis, regula que acento de intensidade


poderá ser grafado nas vogais e em que condições.

A última regra desse subgrupo aborda a grafia das vogais nasalizadas sob
três aspectos: o uso do til em “ã” e “õ”; a nasalização da vogal, em final de sílaba
não final de vocábulo, na qual se explica a grafia de “m” diante das consoantes [+
ant, -cor] como em “tempo”; a nasalização das vogais em final de vocábulo, por
exemplo, “ruim”, “batons”.

Atividades de Estudos:

1) Leia com atenção o texto que segue e depois realize as tarefas


solicitadas:

EMERGÊNCIA

É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já


entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta
do avião, já é um desafio para a sua compreensão.

- Bom dia...

- Como assim?

Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da


porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado.
Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo.
Confidencia para o passageiro ao seu lado:

- Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?

Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta,

139
Neurociências: evolução e atualidade

com um falso riso descontraído: “Até aqui, tudo bem”. O passageiro


ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A
aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.

- Obrigado. Não bebo.


Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar
voo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa
Mãe do Céu! No rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela
janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela.

Mas o pior está por vir. De repente ele ouve uma misteriosa voz
descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a
voz.

“Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso


pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de
segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos
dois lados e atrás”.

- Emergência? Que emergência. Quando eu comprei a


passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem
emergência.

Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.

- Isto é apenas rotina, cavalheiro.

- Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai meu
santo.

“No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio


cairão automaticamente de seus compartimentos”.

- Que história é essa. Que despressurização? Que cabina?

“Puxe a máscara em sua direção. Isso acionará o suprimento de


oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente”.

- Respirar normalmente?! A cabina despressurizada, máscaras


de oxigênio caindo sobre nossas cabeças – e ele quer que a gente
respire normalmente?!

“Em caso de pouso forçado na água...”

140
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

- O quê?!

“... os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser


levados para fora do aparelho e...”

- Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos


flutuantes!

- Calma, cavalheiro.

- Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a


cordinha? Parem!

- Cavalheiro, por favor. Fique calmo.

- Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não


sei por quê, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste
cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e
levemente azul.

- Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada.

- Só não quero mais ouvir falar de banco flutuante.

- Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.

Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta


desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas.
Perdeu a cabeça.

- É que banco flutuante foi demais. Imagine só. Todo mundo


flutuando sentado. Fazendo sala no meio do Oceano Atlântico!

A aeromoça diz que lhe vai trazer um calmante e aí mesmo é


que ele dá um pulo:

- Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês


estão me escondendo alguma coisa!

Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido


na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço.
Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a
cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião,

141
Neurociências: evolução e atualidade

abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua


cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de
oxigênio e matá-lo do coração.

De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante.

- Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste


momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de...

Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:

- Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!

Fonte:VERISSIMO, Luis Fernando. Emergência. Para


gostar de ler. São Paulo: Ática, 1981.

a) Localize, no texto, 10 palavras em que estejam presentes


codificação independente do contexto. Destaque nelas os
grafemas que são exemplos desta situação.

b) No texto, você irá encontrar situações em que a grafia é dependente


do contexto grafêmico ou da posição do grafema. Sua tarefa é
localizar exemplos referentes aos fonemas ou casos enumerados e,
partindo, deles, explicar a regra de codificação:

a) /k/ __________________________________________________

b) /g/ __________________________________________________

c) / ʒ /__________________________________________________

d) /l/___________________________________________________

e) /s/___________________________________________________

f) /∫/___________________________________________________

g) /r/___________________________________________________

h) /R/__________________________________________________

i) Grafia das vogais nasalizadas


___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________

142
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________

Até aqui você aprendeu que há situações como em “pata” que não temos
problemas algum para escolher que grafemas irá representar qual fonema, pois
para representar o fonema /p/ existe apenas o grafema “p”. Depois, você estudou
que há situações em que não é necessário decorar a grafia das palavras, pois
há uma regra que pode generalizar a situação. Um exemplo disso é a grafia de
deixa com “x” e não “ch” para representar o fonema /∫/. Agora, iremos entrar na
parte mais complexa da grafia: os contextos competitivos, ou seja, situações
em que um mesmo fonema pode ser representado por dois ou mais grafemas, o
que acarreta a dúvida na grafia.

As alternativas competitivas constituem a maior dificuldade ortográfica na


aprendizagem do sistema escrito. Em casos como o do fonema /s/, que apresenta
o maior número de possibilidades de conversão, “[...] é necessário selecionar no
léxico mental ortográfico o item que emparelhe semântica e morfossintaticamente
com a forma fonológica” (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 151). Situações dessa
natureza podem ser resolvidas e compreendidas se houver um ensino inteligente
da gramática que considere: 1) O papel do significado quando os dois itens forem
da mesma classe gramatical. Assim, a grafia de “paço” ou “passo”, “sessão”
ou “seção” só pode ser resolvida em um contexto no qual o sentido possa ser
atribuído pelo redator, uma vez que as duas situações se apresentam diante de
vogal [+post]. 2) A morfologia, especialmente, a derivação. Já a codificação do
fonema /ʒ/ em “viagem” e “viajem” se dá de forma diferente, pois, no primeiro caso,
tem-se um substantivo derivado do radical “via-“ acrescido do sufixo “-agem”; em
“viajem” (terceira pessoa do plural do presente do subjuntivo do verbo viajar), tem-
se uma derivação da primeira pessoa do singular do presente do indicativo.

Outra dificuldade encontrada na aprendizagem dos contextos competitivos


é a realização do fonema /z/ entre vogal oral ou semivogal e vogal oral ou
nasalizada, pois é possível grafar tanto com “s” quanto com “z”. Em situações
como a grafia de “quiser”, “fizer”, “inglesa”, “beleza” e “lapiseira”, novamente o
ensino da morfologia auxiliará na resolução da dúvida levando-se em conta: a
forma primitiva do perfeito; os femininos pátrios; os substantivos abstratos
femininos que usam o sufixo “-eza” e os derivados de radicais atemáticos
terminados em “s” como “lápis”.

143
Neurociências: evolução e atualidade

A conversão do arquifonema |W| pode ocorrer em quatro diferentes situações


nas quais se escreve competitivamente: 1) “o” ou “u” nos ditongos crescentes orais;
2) “u” ou “l” em ditongo decrescente em sílaba interna como em “calda” e “cauda”;
3) “o”, “u” ou “l” em final de vocábulo nos ditongos decrescentes como em “mau”
e “mal”; 4) “o” ou “u” no ditongo seguido do arquifonema |S| como em “ateus”.
Destes casos, o mais complexo é o terceiro, visto que “[...] é particularmente
difícil decidir quando escrever ‘mal’ ou ‘mau’, pois, dada a semelhança semântica,
somente os conhecimentos de morfologia e de sintaxe podem resolver.” (SCLIAR-
CABRAL, 2003b, p. 95). No exemplo dado na situação 2, novamente a atribuição
do sentido irá auxiliar na escolha de que letra usar na conversão do arquifonema
em questão.

Outro contexto competitivo é o das vogais orais [+alt] postônicas seguidas ou


não do arquifonema |S| que podem ser grafadas com “e”/”i” ou “o”/”u”. Em uma
situação como em “descrição” e “discrição”, a realização das vogais pretônicas
orais [+alt] é livre, podendo ser pronunciada tanto com [e] como com [i].

Casos assim são comuns entre os homônimos não homógrafos (vocábulos


com a mesma pronúncia, mas grafia distinta), daí a necessidade de um ensino
que, além do significado dos radicais, também contemple a significação de alguns
prefixos que constituem pares mínimos na escrita como é o caso de: “dis-”/”des-”,
“e-”/ “i-”, “anti-”/ “ante-”, “en(m)-”/ “in(m)-”. Por exemplo, é fácil distinguir descrição
e discrição, anti-horário e antebraço, emigrar e imigrar apenas considerado seu
prefixo e o significado que ele imputa à palavra.

Este subconjunto de regras sinaliza que o ensino dos contextos


Nos contextos
competitivos requer um profissional que trabalhe os conhecimentos
competitivos
gramaticais e o significado de forma a auxiliar o aprendiz a resolver
é que não há
suas dúvidas, compreendendo que conhecimentos são necessários
necessidade
para tomar a decisão certa em cada situação.
de memorizar
todos os
O que se percebe nos contextos competitivos é que não há
vocábulos, a fim
necessidade de memorizar todos os vocábulos, a fim de armazená-
de armazená-los
los no léxico mental ortográfico, pois há muitas dúvidas que podem
no léxico mental
ser resolvidas com o auxílio da informação semântica, da informação
ortográfico.
morfológica ou do radical, no caso dos termos cognatos.

Atividade de Estudos:

1) Uma das maiores dificuldades para a codificação se deve às


alternativas competitivas. Sua tarefa é localizar em materiais

144
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

utilizados por você palavras que ilustrem as três situações


distintas e discutir cada uma delas:

a) Explicadas pela informação semântica:


_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

b) Explicadas pela diferença morfológica:


_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

c) Dependentes do léxico mental ortográfico:


_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

As Contribuições dos Estudos


Psicolinguísticos para Detectar
Problemas de Processamento
Até aqui você pode compreender que a aprendizagem da leitura e da escrita
depende de uma série de fatores, entre eles, o processamento e a compreensão de
como o sistema alfabético do português do Brasil está organizado.

Com os conhecimentos produzidos pela psicolinguística, aliados às


contribuições das neurociências, é possível realizar diagnósticos que permitam
aos educadores traçar um perfil dos alunos que recebem no que tange às
dificuldades de aprendizagem e uma reflexão sobre as metodologias e materiais
usados para o ensino da leitura e da escrita. Vale ressaltar que aqui não se faz
referência apenas aos anos iniciais, pois há alunos que chegam aos anos finais
sem domínio pleno da leitura e da escrita. Diagnosticar é o primeiro passo para o
desenvolvimento de ações que sejam eficazes.

145
Neurociências: evolução e atualidade

a) Instrumentos de diagnóstico

Uma das primeiras ações é conhecer mais sobre a infância do aluno analisado
e suas relações familiares, especialmente no que tange ao contato com material
escrito, tarefas escolares, desempenho em anos anteriores, momento em que
entrou na escola, situação na educação infantil. Para isso, pode-se elaborar um
questionário que pode ser aplicado em uma visita domiciliar, a fim de conversar
com a família.

Aliado a isso, sugerimos duas ações: a) aplicação da bateria de testes de


recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral; b) análise de textos
escritos.

A bateria de testes tem, como objetivo, segundo Scliar-Cabral (2003b, p.119):

[...] detectar sintomas mais evidentes sobre desvios na


recepção oral e escrita e respectiva produção, a fim de que
o professor possa encaminhar o aluno para exames mais
acurados pelo especialista. Assim, se o aluno apresentar
dificuldades no teste de recepção oral, deve ser encaminhado
para exame audiométrico pelo fonoaudiólogo e/ou otorrino;
se não apresentar dificuldades no teste de recepção oral,
porém articular mal os gestos fonoarticulatórios, deverá ser
encaminhado a um fonoaudiólogo. Se não apresentar nenhum
problema no teste de recepção e produção oral, mas se sair
mal nos testes de descodificação dos grafemas ou codificação
dos fonemas, poderá ter problemas específicos de leitura e
escrita, quer congênitos, quer de aprendizagem, que deverão
ser examinados pelo especialista. Se o aluno se sair bem nos
testes de descodificação e codificação, mas apresentar baixos
escores nos testes de compreensão, seu problema não está
no reconhecimento ou produção da palavra escrita, mas sim
em aspectos semânticos e/ou cognitivos mais gerais.

Aqui se fará uma breve descrição dos testes que compõem a referida bateria,
mas aconselhamos que você consulte a obra referendada, a fim de ter acesso a
todo o matéria: cartelas de aplicação, detalhamento das condições de aplicação,
fichas de anotação e orientação de análise de resultados. Vamos, então, a um
panorama: ao todo são nove testes a serem aplicados os quais são apresentados
nesta ordem:

• Testes de recepção oral, subdivididos em recepção auditiva dos traços


fonéticos do português do Brasil e em compreensão de frases, cuja
complexidade e extensão são crescentes. O primeiro visa a detectar se
o indivíduo percebe os traços fonéticos que diferenciam os vocábulos no
português do Brasil e o segundo verifica se o indivíduo apresenta problemas
de processamento em sua memória imediata e operacional.

146
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

• Testes de produção oral também subdivididos em produção oral de itens e


de frases. Estes testes objetivam detectar se o indivíduo comanda os gestos
fonoarticulatórios da sua variedade sociolinguística.

• O objetivo do teste Invenção a partir de uma sequência é examinar se os


esquemas narrativos estão bem desenvolvidos.

• O teste Reconto da história “O galo vaidoso” verifica tanto se os esquemas


narrativos estão bem desenvolvidos (habilidades cognitivas de ordenação)
como avalia as capacidades da memória imediata e operacional.

• Emparelhamento de palavras e frases escritas com gravuras visa a avaliar


a habilidade de o indivíduo perceber a oposição entre grafemas em pares
mínimos. Este teste é subdividido em emparelhamento de itens e de frases
escritas.

• Produção a partir de gravuras é o teste que tem como finalidade averiguar se


o indivíduo transpõe para a escrita suas representações fonológicas. Este
também é subdividido em produção escrita de itens e frases.
Este conjunto de
• Teste de correspondência fonológico-grafêmica testa se as regras testes irá permitir
de codificação dos fonemas em grafemas foram internalizadas de ao educador
uma forma controlada, uma vez que se trata de pseudopalavras. ou profissional
O teste está organizado a fim de detectar quatro dificuldades: de da área de
percepção da distinção do traço fonético em um par mínimo e sua problemas de
codificação fonêmica; de percepção dos traços gráficos; adivinhação aprendizagem
ou alfabetização pelos nomes das letras; falta de domínio das regras traçar um perfil
de codificação dependentes do contexto fonético. do sujeito, tanto
quanto às suas
• O teste de correspondência grafêmico-fonológica foi elaborado a fim dificuldades
de detectar cinco dificuldades: de articular o traço que diferencia os
para aprender
pares mínimos; de perceber as distinções ocasionadas pelo traço
a ler e escrever,
de rotação ou combinatória de outros traços; adivinhação ou nome
como também
da letra; falta de domínio da regra de correspondência grafêmico-
possibilitará o
fonológica; problemas fonoarticulatórios.
levantamento de
conhecimentos
• Teste de leitura em voz alta e de compreensão de palavras. O
já construídos
de leitura em voz alta visa a confirmar o desempenho nos testes
pelo aluno e que,
anteriores quanto à descodificação e o de compreensão , como o
muitas vezes, são
próprio nome indica, verifica se o indivíduo compreendeu o que leu.
desconsiderados
ou esquecidos
Este conjunto de testes irá permitir ao educador ou profissional
em seu processo
da área de problemas de aprendizagem traçar um perfil do sujeito,
escolar.
tanto quanto às suas dificuldades para aprender a ler e escrever, como

147
Neurociências: evolução e atualidade

também possibilitará o levantamento de conhecimentos já construídos pelo aluno e


que, muitas vezes, são desconsiderados ou esquecidos em seu processo escolar.

Outro aspecto importante, na aplicação da bateria, é a quebra de rótulos


indevidos atribuídos ao aluno. Muitas vezes, o aluno é considerado disléxico, mas
a aplicação revela que o que ele apresenta não é esse problema, mas outro que
está relacionado às questões de aprendizagem do sistema escrito. Diante disso,
é importante, antes de afirmar que o aluno tem um outro problema, que seja feito
um diagnóstico sério.

A bateria é um bom instrumento, mas não consegue abarcar todos os


problemas de escrita, por isso, sugerimos que sejam coletados textos do aluno
tanto em situação normal de aprendizagem (os cadernos são um bom material
para análise) e em situação em que ele seja solicitado a produzir, por exemplo,
uma narrativa com base nos quadros de sequência do teste 3 da bateria. Mas pode
ser outra sugestão de produção a ser negociada com o sujeito a ser investigado.

Um dos primeiros aspectos a serem considerados nos textos do aluno é se


as necessidades básicas para alfabetização foram alcançadas. Para que você
tenha ciência disso, apresentamos uma síntese comentada do que Lemle (1998)
apresenta em sua obra.

A ideia de símbolo: “a ideia de símbolo é complicada. Uma coisa é símbolo


de outra sem que nenhuma característica sua seja semelhante a qualquer coisa
simbolizada”. (LEMLE, 1998, p.7) Dá exemplo de símbolos: sinais, placas, dedos,
bandeira, etc. “Uma criança que ainda não consiga compreender o que seja uma
relação simbólica entre dois objetos não conseguirá aprender a ler”.(LEMLE,
1998, p. 8).

A discriminação das formas: “As letras, para quem ainda não se alfabetizou,
são risquinhos pretos na página branca. O aprendiz precisa ser capaz de entender
que cada um daqueles risquinhos vale como símbolo de um som da fala. Assim
sendo, o aprendiz deve poder discriminar as formas das letras. As letras do nosso
alfabeto têm formas bastante semelhantes e, por isso, a capacidade de distingui-
las exige refinamento de percepção”. (LEMLE, 1998, p. 8). A autora dá exemplo
das letras: p/b; b/d; n/m; l/a/o. Aqui podem ser recuperados os estudos sobre
fenômeno da rotação discutidos na área de psicolinguística e neurociências.
“[...] Só será capaz de escrever aquele que tiver a capacidade de perceber as
unidades sucessivas de sons da fala utilizadas para enunciar as palavras e de
distingui-las conscientemente uma das outras. [...] a análise [...] é bem sutil: ela
deve ter consciência dos pedacinhos que compõem a corrente da fala e perceber
as diferenças de som pertinentes à diferença de letras”. (LEMLE, 1998, p. 9). Na
bateria de testes, os testes 7 e 8 são contemplados com palavras que permitem

148
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

identificar problemas com a rotação de traços. Por exemplo, na cartela 1 (abaixo),


o “q’ de “qudo” apresenta rotação de traço em relação ao “p” e ao “b”. Podendo,
assim, ajudar a identificar esse tipo de problema.

pudo Budo qudo lopa pude

A discriminação dos sons da fala: o aprendiz precisa ter consciência da


percepção auditiva. É preciso saber ouvir diferenças: pé/fé (consoante inicial com
modo de articulação distinto); toca/doca (surdo e sonoro); vim/vi (nasalidade/
oralidade). A cartela 1, apresentada anteriormente, mostra esta oposição entre o
fonema /p/ de “pudo” e o fonema /b/ de “budo”. Além desses testes, também os
testes 1,2, 5 e 6, cujas cartelas são organizadas com pares mínimos, permitem
identificar problemas dessa natureza. Entre os pares mínimos selecionados para
o diagnóstico, estão, por exemplo, faca/vaca, queijo/queixo, bote/pote, concha/
coxa, três/trens.

“Essas três capacidades [...] São as partes componentes da


capacidade de fazer uma ligação simbólica entre sons da fala e letras
do alfabeto. A 1ª é a capacidade de compreender a ligação simbólica
entre letras e sons da fala. A 2ª é a capacidade de enxergar as
distinções entre letras. A 3ª é capacidade de ouvir e ter consciência
dos sons da fala, com suas distinções relevantes na língua.” (LEMLE,
1998, p. 9).

Consciência da unidade palavra: “[...] o importante, na ideia da unidade


palavra, é que ela é o cerne da relação simbólica essencial contida numa
mensagem linguística: a relação entre conceitos e sequências de sons da fala.
Temos, portanto, na escrita, duas camadas sobrepostas de relação simbólica:
uma relação entre a forma da unidade palavra e seu sentido e a sequência de
letras que transcrevem a palavra.” (LEMLE, 1998, p. 11). Esta relação, na prática
escolar da alfabetização, torna-se uma questão polêmica: “[...] alguns acham
essencial que todas as palavras utilizadas nas primeiras etapas da alfabetização
sejam conhecidas pelo alfabetizando. [...]. Outros acham que pode ser bom
aprender palavras novas e brincar com sons desprovidos de sentido, pois isso
ajuda o aprendiz a compreender a ideia de que as letras representam os sons da
fala, e não diretamente o sentido.” (LEMLE, 1998,, p. 12). “O tipo de dificuldade
na depreensão de unidades vocabulares que se observa muitas vezes [...] são
umavez, nonavio, minhavó, ou seja, falta de separação onde existe uma fronteira
vocabular.” (LEMLE, 1998,, p.10). Quanto a esse aspecto, Scliar-Cabral (2003

149
Neurociências: evolução e atualidade

b) chama atenção para o fenômeno sândi que pode ser externo ou interno o
qual pode ser observado no teste de leitura em voz alta. “A alocação errada
de fronteiras vocabulares onde não existe acontece, por exemplo, com palavras
femininas que começam com [a] – minha miga, em vez de minha amiga – ou com
palavras masculinas que começam com [u] – o niverso, em vez de o universo.”
(SCLIAR-CABRAL, 2003b, p.10-11). o alfabetizando também deve reconhecer
sentenças que são representadas por letra maiúscula para indicar o início e
o ponto, o término. Mas isso não precisa acontecer logo no início, “[...] pois o
aprendiz pode aprender a tomar consciência dessa unidade no decorrer de suas
primeiras leituras.”(SCLIAR-CABRAL, 2003b, p. 2).
A organização da página escrita: desde o início do trabalho de
alfabetização, deve ficar estabelecida a compreensão da organização espacial da
página: “[...] a ideia de que a ordem significativa das letras é da esquerda para
a direita na linha, e que a ordem significativa das linhas é de cima para baixo
na página.”(SCLIAR-CABRAL, 2003b, p. 12). Isso é primordial, “[...] pois dessa
compreensão decorre uma maneira muito particular de efetuar os movimentos
dos olhos na leitura”. Ler um texto é diferente de olhar uma gravura, e isso é novo
para o alfabetizando.

Vale reafirmar que o incremento das capacidades permite os saberes básicos


para a alfabetização. Se uma dessas capacidades ainda não foi alcançada pelo
aprendiz, é importante, primeiro, investir no desenvolvimento dela.

Além desses problemas iniciais, podem ser detectados outros sobre os


quais iremos apresentar uma revisão de problemas de escrita tanto relacionados
ao momento inicial de aprendizagem como os que se seguem no curso da
compreensão de como o sistema está organizado. A discussão sobre os erros está
organizada por categorias e estas, algumas vezes, aparecem subcategorizadas.

• Transcrição fonética: pode ser também descrita como aluno escreve como
fala, o que revela que este se encontra no processo inicial de alfabetização.
Dentro dessa categoria, podem ser encontrados problemas como:

–– O aluno escreve i em vez de e, porque fala [i] e não [e]; por exemplo:
dipois, eli, di. Vale destacar que a tonicidade explica este fenômeno,
uma vez que a troca ocorre geralmente em final de palavra cuja sílaba
é átona. A mesma explicação pode ser atribuída em casos em que
o aprendiz escreve u em vez do o, pois fala [u] e não [o], por exemplo,
abraçu, bisnetus, titiu, brincando.

–– O aluno escreve duas vogais em vez de uma, por usar na sua pronún­
cia um ditongo; por exemplo: rapais (rapaz) feis (fez). Neste último
exemplo, além do problema de ditongação, pode-se observar o uso do “S”
em contexto competitivo.
150
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

–– Escreve uma vogal em vez de duas, porque usa na sua pronúncia um


monotongo; por exemplo, caxa (caixa). Entretanto, em casos como
mato (por matou) ou pergunto (por perguntou) a questão vai além da
monotongação, é um caso em que há uma redução da desinência verbal e
também pode ser incluída nos estudos de morfologia verbal.

–– Não escreve o r por não haver som correspondente na sua fala; por
exemplo: mulhe (mulher) lava (lavar). Aqui também é preciso ficar
atento e verificar se não se trata de um caso de morfologia verbal ou é
uma variedade sociolinguística. O mesmo raciocínio pode ser aplicado em
casos nos quais o aluno não escreve s, por exemplo: vamu (vamos).

–– Não escreve o r, pois pronuncia a vogal que o antece­de de forma mais


longa, englobando o som do r; por exemplo: poque (porque).

–– Escreve r em vez de l, pois faz essa troca quando fala; por exemplo:
praneta (planeta). Casos com este podem ser explicados consultando a
tabela das consoantes. Entretanto, antes de decidir que tipo de problema
existe neste caso, vale a pena considerar outras duas hipóteses: par
mínimo ou variedade sociolinguística.

–– Escreve u em lugar de l; por exemplo, sou (sol) sauva (salvar). Além


disso, aqui pode se tratar de contexto competitivo nesta posição, por isso, é
importante não isolar o erro, mas relacionar as ocorrências dentro do texto.

–– Escreve li ao invés de lh, por dizer [li] e não [l]; por exemplo: almadilia
(armadilha) ou coelio (coelho). Observando a tabela de consoantes já
estudada, é importante considerar que esse tipo de erro não é gratuito,
há uma relação com a seu modo e/ou ponto de articulação, pois /l/; /r/; //;
/j/;/w/ são (+vocálico), + lateral, -lateral, -cons.

–– Usa somente a vogal para indicar o som nasalizado, suprimindo a consoante


m e n, que não pronuncia; por exemplo: ode (onde); curraiva (com raiva).
No primeiro caso, além de não pronunciar, pode ser o caso em que o aluno
pronuncia, mas não sabe ao certo, como marcar a nasal, uma vez que em
português isso pode ser feito com “m”, “n” ou til. Já no caso do segundo
exemplo, é preciso considerar também a hipótese de segmentação. Pela
razão anterior, não usa o til; por exemplo, em eitau (então), nesse caso,
revela o ditongo, pois pronuncia “u” o que revela que escreve como fala.
Já no caso de vocao (vulcão), ocorre a supressão de letra, acoplada à
hipercorreção e a não indicação de nasal, neste caso, não se sabe se é falta
de percepção ou esquecimento. Daí a necessidade de um exame detalhado
de vários textos produzidos pelo mesmo sujeito investigado.

151
Neurociências: evolução e atualidade

• Hipercorreção: A hipercorreção é muito comum quando o aluno já conhece


a forma ortográfica de determinadas palavras e sabe que a pronúncia destas
é diferente. Passa a genera­lizar essa forma de escrever; por exemplo, como
muitas palavras que terminam em e são pronunciadas com i, es­creve todas
as palavras com o som de i no final com a le­tra e. Outra generalização é
referente à letra u, que aparece ora escrita com o ora com l, neste caso, por
exemplo, a criança grafa “Blumenal”. Observando os textos de alunos, Cagliari
(1999) apresenta como exemplos: dece (disse); jogol (jogou); conseguio
(conseguiu); sootou (soltou).

• Modificação da estrutura segmental das palavras: Alguns erros


ortográficos não refletem uma transcri­ção fonética, nem de fato se relacionam
diretamente com a fala. São erros de troca, supressão, acréscimo e in­versão
de letras. Nesse caso, mais uma vez, aconselhamos consultar a tabela com
a classificação das consoantes, pois isso ajuda a compreender a lógica dos
problemas há pouco comentados. Embora tenham aproximação dentro da
categoria, vale agrupá-los de acordo com uma explicação específica:

–– troca de letras: voi (foi) à verificar o traço [± son]



save (sabe)ou bida (vida) à analisar /v/ e /b/ quanto ao modo de articulação.

anigo (amigo) à pode ser rotação de traço: aqui é importante verificar se


essa capacidade já foi desenvolvida.

Nesses casos, há que se levar em conta se as trocas se dão entre pares


mínimos ou, se é o caso de rotação de traços, é preciso considerar que o sistema
alfabético é econômico antes de rotular como um caso de dislexia.

–– supressão e acréscimo de letras: macao (macaco); sosato (susto).

• Juntura intervocabular e segmentação: Quando a criança começa a


escrever textos espontâneos, ­verifica-se que costuma juntar todas as palavras.
É o que já apresentamos na quarta capacidade de alfabetização. Isso ocorre
porque a criança percebe a fala como um contínuo e o transfere para a
escrita. Entretanto, ao escrever, é preciso atentar para o espaço em branco
entre as palavras. Quando está em processo inicial de aprendizagem, é
comum encontrar frases escritas assim: ‘‘eucazeicoéla” (“eu casei com ela’’);
“jalicotei” (‘‘já lhe contei’’) ou a escrita de expressões como: “mimatou”
(“me matou”). Nesse caso, também comum em adultos, como na escrita de
“derepente” (de repente); “agente” (a gente), é preciso considerar a distinção
entre a palavra lexical e a palavra gramatical (esta, por ser, muitas vezes, átonas
e pequena, não é considerada uma palavra, sendo acoplada à palavra lexical).

152
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Ainda no que diz respeito à compreensão do que é uma palavra, muitas vezes,
a criança transcreve sua pronúncia da juntura intervocabular; por exemplo:
vaibora (vai embora); aínsima (ai em cima). Para complementar casos dessa
natureza, vale considerar que os grupos tonais do falante, ou conjuntos de
sons di­tos em determinadas alturas, é um dos critérios que a criança utiliza
para dividir a sua escrita. Por fim, devido à acentuação tônica das palavras,
po­de ocorrer uma segmentação indevida, ou seja, uma separação na escrita
que ortograficamente está incorreta; por exemplo: A gora (agora); A fundou
(afundou). Independente de se tratar de juntura ou segmentação, o trabalho do
educador é levar a criança a compreender que: não se escreve como se fala; a
palavra é uma unidade independente de seu tamanho.

• Forma estranha de traçar as letras: A escrita cursiva apresenta grandes


dificuldades, não só para quem escreve como para quem lê. Em estudos de
caso realizados com alunos de séries finais do ensino fundamental, temos
encontrados muitas formas estranhas de grafar letras cursivas como o s
(minúsculo) que se confunde como o r (minúsculo). A grafia do n também
pode levar a confusão com m ou mesmo sugerir um problema de rotação de
traço. O que se detectou também é que o aluno não conhece todas as letras
e, muitas vezes, desconhece os dígrafos. Nesse caso, tem dificuldade em
escrever “nh” ou “lh” e chega a confundir o h com n.

• Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas: Aprendendo que devem


escrever os nomes próprios com letras maiúsculas, alguns alunos passam a
escrever os pronomes pessoais também com letras maiúsculas; por exemplo,
Eu. Por outro lado, em textos de alunos de séries finais, tem-se detectado
o desconhecimento das regras de uso das letras maiúsculas. Um caso
comum é o de nomes próprios, os quais aparecem, muitas vezes, escritos
com minúscula, como esses exemplos ilustram: jacinto, cristiana. aliada a
isso está a compreensão de que as sentenças se iniciam com letra maiúscula
depois de ponto.

• Acentos gráficos: Aqui há três problemas a serem considerados: a omissão


de sinais quando as regras da língua assim o indicam, por exemplo: biblia,
fisica, e (é), constituidos, simbolos, maquina; a presença de sinais de
acentuação em sílabas átonas, o que sugere desconhecimento dos princípios
que orientam a acentuação gráfica; a presença de sinais de acentuação em
sílabas tônicas que não levam acento, o que sugere desconhecimento das regras
de acentuação gráfica.

• Sinais de pontuação: Estes sinais também não são ensinados logo no início
e raramente ocorrem nos textos espontâneos. Às vezes, alguns alunos usam
sinais como ponto ou travessão para isolar palavras: “Era. uma. Vez.” ou “Era-

153
Neurociências: evolução e atualidade

uma-vez”, fruto de ensinamentos obtidos em outras atividades, que o aluno


estende para os textos. Aqui, ao tentar ensinar o que é a unidade palavra,
o professor acabou por utilizar um recurso que não integra as formas de
grafar palavras, além de não explicitar as funções dos sinais de pontuação.
Em textos de alunos de séries finais, podem-se identificar problemas dessa
natureza, como releva este trecho de um dos relatórios produzidos:

Em seguida, temos a categoria dos sinais de pontuação.


Os maiores desvios cometidos pelo sujeito foram no uso da
vírgula, dos dois pontos e na supressão do ponto final, como
nos exemplos a seguir: “[...] encontramos nos Vedas: orações,
hinos dirigidos aos deuses, instruções de como usar os hinos
[...] que fundamentam os ritos e as cerimônias.”; “[...] Outra
descoberta importante foi feita em 1729 pelo inglês Stephen
Gray (1666-1736) Ele percebeu que as cargas elétricas [...]”
; “[...] As religioes que não tem são orientadas e alimentadas
espiritualmente, pela tradicao oral que passa de pai para
filho.”.

Entendemos que o uso inadequado dos sinais de pontuação


pode gerar falta de compreensão do texto por parte do leitor.

• Problemas sintáticos: Alguns erros de escrita que aparecem nos textos


revelam problemas de natureza sintática, isto é, de concor­ dância, de
regência, mas que, na verdade, denotam mo­dos de falar diferentes do dialeto
privilegiado pela orto­grafia. Aparecem construções estranhas que refletem es­
tilos que só ocorrem no uso oral da linguagem: ‘‘eles viu oram urubu’(‘‘eles
viram outro urubu’’); dois coelio (dois coelhos).

• Acertos: é importante que os acertos sejam considerados, pois eles revelam


o conhecimento científico construído pelo sujeito, o que é fundamental para
avançar em sua aprendizagem. Além disso, é importante comparar se a
mesma palavra aparece escrita de diferentes formas. Por exemplo, em um
mesmo texto, pode aparecer a grafia “em cima”, “emcima”, “encima”. O que
isso sugere? Que trabalho pode ser feito pelo professor em termos reflexivos
sobre a organização do sistema de escrita. Nos estudos que realizamos com
alunos desde 2004, temos percebido que o número de erros fica, no máximo,
entre 25% do total de palavras produzidas pelo sujeito. Isso nos leva a
perceber que o aluno mais acerta do que erra. Por que, então, a escola ainda
dá tanta ênfase ao erro?

Por fim, vale resgatar o que foi apresentado sobre codificação, a fim de
verificar que problemas de escrita ou erros são decorrentes da não internalização
das regras dependentes do contexto grafêmico. São exemplos disso: camdiã,
tamto; limgua, tenpo; segidore, queigo, consege; arenpendida; deicha.

154
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Já no que tange às alternativas competitivas, as quais sabemos que são


de difícil aprendizagem, é importante verificar se estão presentes nos textos, entre
elas podem estar grafias como: serto; relójio; bebesinho; faser. Esses problemas
podem ser solucionados pela informação semântica ou pela morfológica e, por
fim, é preciso identificar que palavras precisam ser armazenadas no léxico mental
ortográfico.

Atividade de Estudos:

1) A fim de verificar a sua compreensão acerca dos problemas de


escrita, apresentamos 3 textos produzidos por alunos dos anos
finais do ensino fundamental. Leia-os com muita atenção.

Texto 1: Era um lindo dia de sol, eu queria fazer algo para a


natureza; então eu pencei em plantar uma árvore. Pegei duas mudas
e plantei, regei, coidei bem delas...

Pasouce um dias, meses, e finalmente minhas árvores cresceu.


Então coloquei minha rede entre elas e descansei.

cuide bem da natureza, pois é dela que precisamos! (D. F. – 14


anos Sexo: F)

Texto 2: Num belo dia goao plantou uma arvore e depois plantou
mas uma.

Cuidava das arvores todo dia regava e adubava.

Algums dias depos as 2 arvors estavam grandes e bonitas. Ele


amarou 2 cordas e Pendurou sua rede ali Para descansar. (L. F. D. –
14 anos Sexo: M)

Texto 3: [...] nino como era experto pensou em plantar 2 arvores,


Seus amigos não entendião porque ele ia todo dia no bosque, um
dia seus amigos Maria e Juca o ceguiram e viram ele regando as
arvores, com o tempo as arvores creceram, Nino colocou uma rede
para descansar. Quando se centia cansado ia la para olhar para o
céu. (L. F. V. M. - 15 anos Sexo: M)

Agora, faça estas atividades:

155
Neurociências: evolução e atualidade

a) Um levantamento dos acertos de cada texto e depois construa


uma relação de conhecimentos já construídos sobre a organização
do sistema de escrita do português.
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b) Destaque os problemas de codificação, faça um diagnóstico e


agrupe os problemas por categoria.
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c) Faça um balanço entre acertos e erros. Depois, produza um texto


para entregar a esses alunos com orientações sobre as questões
de codificação.
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156
As Contribuições Teóricas das Neurociências e da
Capítulo 4 Psicolinguística para a Compreensão do Processo
de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Algumas Considerações
Se você retomar aos objetivos apresentados no início deste capítulo,
irá perceber que conseguimos alcançá-los, pois realizamos a descrição do
processamento da língua falada e escrita. Isso permitiu compreender como as
palavras faladas e escritas são processadas e que elas se aproximam quanto ao
processo de recepção (ouvir e ler) e ao de produção (falar e escrever). Também
estudamos as bases linguísticas e psicolinguísticas da organização do sistema
alfabético do português do Brasil, o qual está organizado de forma distinta para
a leitura (sendo esta mais transparente) e para a escrita. Nesse caso, é preciso
ter claro em que situações a aprendizagem sistemática deve ocorrer, a fim de
que as regras da língua escrita sejam depreendidas. Outro tópico apresentado
foi o das contribuições dos estudos psicolinguísticos para detectar problemas
de processamento, para tal, apresentamos instrumentos de coleta de dados
e categorias de análise. Assim, os erros não serão colocados todos dentro de
um mesmo balaio, mas organizados conforme sua especificidade. Isso facilita o
desenvolvimento de atividades para solucionar problemas de codificação. Por fim,
você foi convidado a aplicar os conhecimentos adquiridos para a compreensão de
um caso de dificuldade de aprendizagem de escrita.

Temos consciência da quantidade de informações apresentadas, mas o


desafio é esse mesmo: conhecer a teoria para compreender o que ocorre na
prática. Agora, é com você!

Referências
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FLOWER, Linda; HAYES, John R. A cognitive process. Theory of writing,


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KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 5. ed.


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157
Neurociências: evolução e atualidade

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LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. 13. ed. São Paulo: Ática, 1998.
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textualização. Santa Maria : UFSM, 1997. p. 14-28.

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linguística? In: TASCA, Maria; POERSCH, José Marcelino. (Org.). Suportes
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