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Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias - Português
Ensino Fundamental, 1° Ano
Paráfrase e intertextualidade
PARÁFRASE E INTERTEXTUALIDADE

“Sei que, às vezes, uso


Palavras repetidas,
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?”

(Renato Russo)
• Você já usou algum trecho de música, ou poema para tentar explicar
algo ou expressar seus sentimentos?

• É comum usarmos as falas de um texto que lemos e/ou ouvimos e de


que gostamos para representar nossos pensamentos; pois, muitas
vezes, esse texto parece traduzir melhor nossas ideias e intenções.
Naquele momento, no qual não encontramos palavras para expressar
o que pensamos, surgem aquelas ditas por alguém e que ficaram na
memória.
• Quando você se apropria de um texto já existente e o reproduz, de forma a
relembrar a mensagem original, você está estabelecendo uma relação que liga o
conteúdo do seu texto a outro, esse processo de criação é conhecido como
intertextualidade.
• Dependendo da situação de produção do texto e do contexto em que ela está
inserida, a intertextualidade pode ter funções diferentes. Por isso, existem vários
tipos de intertextualidade, dentre eles, existe a paráfrase.
• Observe a letra de música:

Monte Castelo (Renato Russo)


É um não querer mais que bem querer;
(refrão) É solitário andar por entre a gente;
Ainda que eu falasse É um não contentar-se de contente;
A língua dos homens É cuidar que se ganha em se perder.
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria. É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É só o amor! É só o amor É um ter com quem nos mata a lealdade.
Que conhece o que é verdade. Tão contrário a si é o mesmo amor.
O amor é bom, não quer o mal,
Não sente inveja ou se envaidece. Estou acordado e todos dormem.
Todos dormem. Todos dormem.
O amor é o fogo que arde sem se ver; Agora vejo em parte,
É ferida que dói e não se sente; Mas então veremos face a face.
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer. É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
(refrão) (refrão)
• Observe o texto bíblico: 1 Coríntios 13:1-13
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira
tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.

E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e
não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.

Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;

Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;

Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;

Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;

Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem,
acabei com as coisas de menino.

Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei
como também sou conhecido.

Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.
• Observe o poema de Luiz de Camões, escrito no século XVI

Amor é fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade


É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?

Imagem: Felipe Micaroni Lalli / Domínio Público


• A paráfrase origina-se do grego “para-phrasis” (repetição de uma sentença).
Sendo assim, parafrasear um texto é recriá-lo com outras palavras, porém seu
conteúdo ou sua essência, permanecem do mesmo jeito, inalterados.
• Pudemos perceber a intertextualidade (a relação entre os textos) entre a letra de
música, o texto bíblico e o poema de Camões. Essa relação está no conteúdo
abordado nos textos que é a definição do amor. A letra de música foi escrita com
base no texto bíblico e no poema de Camões.
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade
• Quando Renato Russo lançou a música Monte Castelo em 1985, os outros textos
já existiam, por isso, dizemos que ele construiu o seu texto com base nos outros
dois.
• Perceba que em alguns versos ele repete na íntegra os textos da bíblia e do
poema, sendo assim há apenas citações (reprodução do que foi dito direto da
fonte).
• Já em outros versos ele recria o texto usando as palavras do texto bíblico e do
poema do jeito dele, nesse caso há paráfrases (recriação do que foi escrito,
mantendo a ideia do texto original).
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade
• Outro exemplo de intertextualidade:

Canção do exílio Minha terra tem primores,


Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,
Que tais não encontro eu cá;
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühen? Em cismar — sozinho, à noite —
Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!
Möchtl ich... ziehn. *
Mais prazer encontro eu lá;
(Goethe) Minha terra tem palmeiras,
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Onde canta o Sabiá;
Imagem: Rufous-bellied
As aves, que aqui gorjeiam, Não permita Deus que eu morra, Thrush (Turdus rufiventris) /
Dario Sanches / Creative
Não gorjeiam como lá. Sem que eu volte para lá; Commons Attribution-Share
Alike 2.0 Generic
Sem que desfrute os primores
Nosso céu tem mais estrelas, Que não encontro por cá;
Nossas várzeas têm mais flores, Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Nossos bosques têm mais vida, Onde canta o Sabiá.
Nossa vida mais amores.
* - "Conheces a região onde florescem os
Em cismar, sozinho, à noite, limoeiros?
laranjas de ouro ardem no verde escuro da
Mais prazer encontro eu lá; folhagem;
Imagem: NizzA / Domínio
Minha terra tem palmeiras, conheces bem ? Nesse lugar, Público
eu desejava estar"
Onde canta o Sabiá. (Mignon, de Goethe)
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Esse poema foi escrito por Gonçalves Dias em julho de 1843,


quando ele cursava Direito em Coimbra - Portugal. Na época
em que foi escrito, o Brasil havia deixado de ser colônia de
Portugal e os brasileiros estavam vivendo um momento de
exaltação dos valores nacionais. Isso explica o porquê de
Osório Duque Estrada ter citado um trecho do poema
quando escreveu a letra do Hino Nacional Brasileiro que foi
oficializado em 1922, às vésperas do centenário da
independência.
• Trecho do Hino Nacional Brasileiro:
“Do que a terra mais garrida/ Teus risonhos, lindos campos
têm mais flores;/ "Nossos bosques têm mais vida",/ "Nossa
vida" no teu seio "mais amores".”
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Gonçalves Dias representou na sua poesia esse sentimento nacionalista mais


voltado para a questão da valorização da natureza. Ele sentiu-se inspirado pela
balada Mignon de Wolfgang Goethe usado no poema como epígrafe (título ou
frase curta, que, colocado no início de uma obra, serve como tema ou assunto
para resumir ou introduzir a obra).

Brazilian Government / Domínio


Imagem: Bandeira do Brasil /

Público
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Observe que o processo de intertextualidade, no texto lido, já começou com a


epígrafe no início do poema.
• Inspirado pelo poema de Gonçalves Dias, outro poeta que viveu na mesma
época, Casimiro de Abreu, também escreveu, em 1859, um poema seguindo a
mesma temática, acrescentando apenas referências a sua infância e à figura
materna. Tente identificar a paráfrase feita por esse poeta no poema homônimo
(de mesmo nome) Canção do exílio.
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade
Canção do exílio (Casimiro de Abreu)

Quero dormir à sombra dos coqueiros, Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Se eu tenho de morrer na flor dos anos
As folhas por dossel; Meu Deus! não seja já;
Meu Deus! não seja já;
E ver se apanho a borboleta branca, Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Que voa no vergel! Cantar o sabiá!
Cantar o sabiá!
Quero sentar-me à beira do riacho
Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Das tardes ao cair,
Respirando este ar;
E sozinho cismando no crepúsculo
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os sonhos do porvir!
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas Se eu tenho de morrer na flor dos anos,


Do que a pátria não tem; Meu Deus! não seja já;
E este mundo não vale um só dos beijos Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Tão doces duma mãe! A voz do sabiá!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava Quero morrer cercado dos perfumes
Lá na quadra infantil; Dum clima tropical, Imagem: Anual / GNU Free
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria, E sentir, expirando, as harmonias Documentation License
O céu do meu Brasil! Do meu berço natal!

Commons Attribution-Share
Se eu tenho de morrer na flor dos anos Minha campa será entre as mangueiras,
Meu Deus! não seja já!

Imagem: Flávio Cruvinel


Banhada do luar,
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, E eu contente dormirei tranquilo

Brandão / Creative
Cantar o sabiá! À sombra do meu lar!

Alike 2.0 Brazil


Quero ver esse céu da minha terra As cachoeiras chorarão sentidas
Tão lindo e tão azul! Porque cedo morri,
E a nuvem cor-de-rosa que passava E eu sonho no sepulcro os meus amores
Correndo lá do sul! Na terra onde nasci!
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Agora leia este outro poema:

Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Minha boca procura a “Canção do Exílio”.
Como era mesmo a “Canção do Exílio”?
Eu tão esquecido de minha terra…
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!

Imagem: MissPiggy / Domínio Público

(Carlos Drummond de Andrade, Europa, França e Bahia, Alguma poesia, 1930)


LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Perceba que Drummond se referiu ao poema de Gonçalves Dias e expressou o


mesmo tema, mas com outra linguagem, tendo em vista que ele é poeta
modernista. Ele escreve com outro estilo diferente do romantismo, no entanto,
há uma referência aos valores nacionais também.

Imagem: Map of Brasil with flag inside it /


Pumbaa80, Kelson, OAlexander, Marcos Elias
de Oliveira Júnior and Giro720 / Creative
Commons Attribution-Share Alike 2.5 Generic
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade
• Observe mais um poema de Carlos Drummond de Andrade:

Nova Canção do Exílio

Um sabiá Onde é tudo belo


na palmeira, longe. e fantástico,
só, na noite,
Estas aves cantam seria feliz.
um outro canto. (Um sabiá,
na palmeira, longe.)
O céu cintila
sobre flores úmidas. Ainda um grito de vida e Imagem: DarkEvil / Domínio Público

Vozes na mata, voltar


e o maior amor. para onde é tudo belo
e fantástico:
Só, na noite, a palmeira, o sabiá,
seria feliz: o longe.
um sabiá,
na palmeira, longe. (A Rosa do Povo, 1945)
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Nesse outro poema de Drummond, há uma releitura do poema de Gonçalves


Dias, evidente já no título, no entanto, apesar de o vocabulário apresentar
palavras como “sabiá” e “palmeira”, a imagem que temos é subjetiva, presente
na imaginação do leitor, diferente do poema original. O lugar idealizado pelo
poeta é indeterminado. A paráfrase nesse poema é criada para abordar os
lugares míticos presentes na nossa imaginação, associados à terra natal.
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Como você pôde observar, a paráfrase é muito usada nos textos poéticos, mas
podemos também parafrasear esses textos, de forma a retirar deles a linguagem
conotativa (sentido figurado, aquele que só existe em situações não usuais), e
escrevermos usando uma linguagem denotativa (sentido literal, quando as
palavras são usadas no seu sentido usual).
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Observe este poema de Mário Quintana:


Minha Canção
Minha terra não tem palmeiras …
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.
Minha terra tem refúgios,
Cada qual com a sua hora
Nos mais diversos instantes …
Mas onde o instante de agora?
Mas a palavra “onde”?
Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus de minha terra
Eu canto a Canção do Exílio.
Imagem: Childzy / Creative Commons Attribution 3.0 Unported
(Poesias, 1962)
LÍNGUA PORTUGUESA, 9º ano
Paráfrase e Intertextualidade

• Percebeu a intertextualidade?
• Apesar de Mário Quintana citar no seu poema a Canção do Exílio de Gonçalves
Dias, ele aborda outra temática, de forma a contrariar a ideia do texto original,
negando a existência do “sabiá”, da “palmeira”, das “aves”, etc. Ele inclusive
questiona a ideia do texto original dando outro significado à “Canção do exílio”.
Por ser uma intertextualidade que, em vez de endossar, perverte o texto original
e é marcada pelo aspecto crítico, chamamos esse tipo de paródia.

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