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Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de


Paracambi do Estado do Rio de Janeiro

Processo nº 0101431-74.2020.8.19.0001

TJRJ PRB VRUNI 202117925403 05/11/21 18:02:37136503 PROGER-VIRTUAL


Fernanda Clemente da Silva Laudiazer, devidamente qualificada nos
autos em referência, vem a Vossa Excelência, por meio de seu advogado,
apresentar suas contrarrazões ao recurso de apelação interposto pelo
Ministério Público.

Rio de Janeiro, 5 de novembro de 2021.

Rafael Campbell Alessandra Barboza


OAB/RJ 177.957 OAB/RJ 220.953-E
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Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

Colenda Câmara,

Excelentíssimos Desembargadores,

I. BREVE RESUMO.

1. Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de


Fernanda Clemente da Silva Laudiazer, pela suposta prática dos crimes de
tráfico de entorpecentes e de associação para o tráfico, nos termos dos artigos
33, caput, e 35, da lei 11.343/06.

2. Segundo a inicial acusatória, “no dia 26 de maio de 2020, por volta das 16h30,
na Rua Cinco, Vila Theodoro, nesta Comarca, os denunciados foram presos em
flagrante quando, consciente e voluntariamente, trazia m consigo para fins de tráfico,
sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 1.576,02g
(mil quinhentos e setenta e seis gramas e dois decigramas) de massa, massa líquida
aferida por amostragem, de pó branco, distribuído por 1.720 (mi l setecentos e vinte)
pequenos sacos plásticos incolores, fechados por meio de dobras de papel, exibindo os
inscritos “TCP Complexo de Lages Mister de R$ 5,00” impressos com tinta preta ,
substância identificada como COCAÍNA, entorpecente capaz de determinar
dependência física ou psíquica, de acordo com o laudo de exame de entorpecente
carreado aos autos”.

3. Assinala, ainda, que “em momento anterior não precisado nos autos, mas
sendo certo que até o dia 26 de maio de 2020, por volta das 16h30, na Rua Cinco, Vila
Theodoro, nesta Comarca, os denunciados foram presos em flagrante quando
consciente e voluntariamente associaram-se entre si e a terceiras pessoas ainda não
identificadas nos autos, sendo certo que todas integrantes da malfadada facção
criminosa autodenominada “Terceiro Comando Puro”, com o fim de praticarem, de forma
reiterada ou não, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes”.

4. O Parquet, numa tentativa equivocada de narrar os fatos, conclui sua


hipótese afirmando que “Considerando as circunstâncias da prisão, a natureza e a
quantidade da substância entorpecente apreendida, a forma de acondicionamento e
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demais elementos constantes dos autos, infere-se que os denunciados traziam a droga
consigo para fins de tráfico”.

5. Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas Bruno


Mattos da Silva (PMERJ), Rian Carlos Silva de Castro (PMERJ), Katiane
Clemente da Silva e Ana Carolina Lourenço Araújo.

6. Em alegações finais o Ministério Público afirma terem restado


comprovados os fatos trazidos na denúncia posto que a materialidade restaria
demonstrada por meio do laudo definitivo de entorpecentes às fls. 304/305 e que
os indícios de autoria se fundamentam através do “informe da P2 informando
que os acusados faziam essa prática de forma rotineira, trazendo a droga do Rio para a
revenda na Favelinha (...)” e “logo depois a P2 entrou em contato com o declarante
informando que estava investigando o acusado há um bom tempo no sentido de tráfico
de drogas(...)”.

7. A defesa, em alegações finais, pugnou a absolvição dos crimes ora


imputados, ou, subsidiariamente, a aplicação do redutor elencado no
parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06.

8. Em sentença, a d. magistrada julgou procedente a pretensão punitiva


estatal somente no que tange ao caput, do artigo 33, tendo, ainda, aplicado a
diminuição de pena prevista em seu §4º, ambos do CP. Por outro lado, quanto
ao crime disposto no artigo 35, do mesmo diploma legal, absolveu a recorrida,
ante a patente MOTIVAÇAO.

9. Irresignado, o Ministério Público apresentou recurso de apelação


requerendo a reforma da sentença, para que a recorrida fosse condenada,
também, à pena do artigo 35, do CP, fundamentando seu pedido, mais uma
vez, em situações circunstanciais e meras suposições, o que será melhor
ilustrado na presente peça.

II. DA NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO À IMPUTAÇÃO DO CRIME DE


ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO DE DROGAS.

10. Segundo o Ilustre Órgão Ministerial, a prática do crime de associação


ao tráfico é inconteste e encontra respaldo probatório nos depoimentos das
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testemunhas de acusação, particularmente nos trechos do Policial Bruno


Mattos da Silva que em audiência, respondendo a indagação da i. promotora
de justiça, alegou:

“Estávamos no PROEIS em Paracambi e durante a tarde nós fomos


abastecer a viatura no posto e após o abastecimento, nós percebemos
que um EcoSport tinha passado por nós com o motorista
aparentemente nervoso, aí eu e meu companheiro fomos atrás do carro,
ligamos a sirene e pedimos para parar, só que em determinado
momento próximo a parte que dá acesso à parte de trás da favelinha,
ele virou o carro e saiu acelerado (...) quem estava conduzindo o
veículo era o acusado, eles seguiram em direção ao centro de
Paracambi, nós usamos os mecanismos de alerta, era entre quatro e
cinco da tarde, mesmo com a sinalização (...), ele empreendeu fuga.
Nós fomos atrás, mas ele conseguiu ganhar distância de nós, aí
próximo ao cruzamento do bairro Guarajuba, não foi possível ver qual
rua ele entrou, escolhemos uma das ruas e fomos atrás, logo na frente
era uma reta, conseguimos ver o EcoSport parando e ela saindo com
uma bolsa entre os braços e com passos rápidos, entrou no portão, nós
aceleramos a viatura e eu desembarquei onde ela entrou no portão e
outro policial foi atrás do carro, isso foi em uma das entradas que dá
acesso ao Guarajuba, antes da BPRV, quando eu cheguei próximo ao
portão, ela estava em pé no portão da casa, aí eu chamei ela e disse que
queria falar com ela e perguntei o que era que estava na bolsa, ele disse
que era roupa do filho dela, aí eu tornei a perguntar e ela disse que eu
sabia o que era, ela disse que era droga aí ela pegou a mochila e me deu
em mãos, aí eu pude constatar no momento que seria material
entorpecente, no caso era cocaína, quando eu indaguei ela falou, depois
de eu ter pedido duas vezes ela entregou voluntariamente (...) meu
colega continuou perseguindo o carro, que parou logo a frente,
fez a revista do veículo e nada de ilícito foi encontrado, aí nós
conduzimos as partes para delegacia, pra mim o acusado não
disse nada, porque quem fez a abordagem dele foi o colega,
posteriormente a P2 do 24ª batalhão ficou ligando pra gente que
eles já faziam isso a muito tempo e que essa droga seria para
favelinha, nós recebemos o informe da P2 do batalhão, que é o
serviço de inteligência (...)” (grifo nosso)
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11. Contudo, após ser questionado pela defesa a respeito da identidade do


suposto policial da inteligência ou P2 responsável pela transmissão da
informação grifada no parágrafo anterior, o Policial Bruno Mattos da Silvafoi
deveras imprecisa ao responder que:

“Eu não sei quem da P2 passou a informação mas o outro colega que
mora aqui na cidade que vai saber passar a informação, o outro policial
que estava comigo.”

12. Logo após, o Policial Rian Carlos Silva de Castro foi ouvido e asseverou
que: “(...) a P2 do 24 entrou em contato comigo e falou que estavam investigando eles
há um bom tempo já, investigando a princípio ELE, investigando no sentindo do
tráfico de drogas mesmo, (...) Ele faria distribuição na favelinha, na vila são José, e lá
na vila tem domínio de tráfico pela facção TCP. Ele não deixou em momento algum eu
pegar o celular dele e nem desbloquear em nenhum momento, não tinha nenhum
indício que ele estaria trabalhando como Uber, na hora falaram que a relação dos acusados
era de marido e mulher, ambos falaram, a acusada só falou que estava na companhia
dele, que ele deu a bolsa pra ela, então ela sabia que estava traficando drogas, não disse
de onde estava vindo as drogas”.

13. Assim como a primeira testemunha arrolada pela acusação, em


resposta ao questionamento da defesa do acusado David, o Policial Rian
Carlos não soube dizer o nome de quem havia prestado a informação de que já
existiria uma investigação policial em relação a recorrida e seu marido, revelando
apenas que: “quem passou as informações foi o subtenente mas não me recordo
o nome (...)” (g.n.).

14. Logo, deve-se depreender que as alegações trazidas pelo recorrente no


que diz respeito à robustez das provas para a condenação da recorrida pela
prática delitiva de associação ao tráfico de entorpecentes, produzidas através
dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas na denúncia, são
absolutamente inconsistentes, sendo imperiosa a manutenção na
integralidade, da absolvição prolatada em primeira instância, haja vista ter sido
exarado à luz da mais ampla e vasta análise do contexto probatório possível.
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15. Não se mostra possível ou crível que este Órgão Julgador possa
corroborar com as infundadas declarações de ambos policiais que durante a
instrução não conseguiram nomear quem ou qual setor policial os teria
informado de que haveria vínculo ou habitualidade da recorrida em cometer
tal crime, quando em verdade, os depoimentos e provas exaustivamente
apontam para o contrário.

16. As informações apresentadas no recurso interposto pelo Parquet que


buscam alicerçar sua infundada tese de que a recorrente estaria associada à
facção criminosa Terceiro Comando Puro são absolutamente insustentáveis. A
Ilustre Promotoria de Justiça aludiu, ainda, que David, em seu interrogatório,
teria afirmado que com antecedência havia comunicado à recorrente sobre a
entrega das drogas, que Fernanda tinha conhecimento de que o conteúdo da
bolsa se tratava de entorpecentes, bem como, que a pessoa a receber as drogas
iria distribuí-la em outra boca (sic) na cidade e, finalmente, que sabia do
recebimento de R$ 200,00 (duzentos reais) por esse transporte.

17. Sucede que, na verdade, em sede policial, o acusado David Laudiazer,


negou qualquer envolvimento ou conhecimento de sua esposa em relação à
bolsa com drogas que estava em sua posse, destinada a um terceiro que o
aguardaria no local previamente combinado somente entre o acusado e um
traficante da região, o que foi mantido em sede de AIJ
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18. Consoante todo o cotejo fático-probatório do caso, não há outra


conclusão para o presente feito que não a manutenção da sentença que
absolveu a recorrida da imputação prevista no artigo 35 da Lei 11.343/06.

19. Em seu interrogatório, o acusado David Laudiazer assumiu na


totalidade a propriedade do entorpecente apreendido, isentando sua
companheira de qualquer envolvimento na prática do delito. Ressaltou também,
que a recorrente desconhecia totalmente a existência de drogas em sua posse,
como também de qualquer atividade que porventura dedicasse ao exercício do
tráfico:

“São verdadeiras as acusações, eu estava com as drogas, eu não


sabia para o que era, eu iria entregar mas não sei pra quem, eu sei de
quem eu peguei mas pra quem eu iria entregar não, só falou comigo
que estaria no ponto de ônibus me esperando, na altura do posto de
combustível, só me falou que ia ficar um rapaz ali e quando eu descesse
do carro ele iria fazer um sinal pra mim. O carro era meu. A
Fernanda não sabia, somos casados a 16 anos. Eu não fazia isso,
uma pessoa me deu e pediu pra entregar, o cara que vende drogas, nas
casinhas de Lages. Eu moro no Bom Jardim, eu sou usuário de
cocaína, a Fernanda tinha esse conhecimento, quando ela estava
nas folgas dela ela voltava pra casa do Bom Jardim. (...) Eu estava
trazendo as drogas das casinhas, não estava trazendo essas drogas de
fora de Paracambi, peguei nas casinhas, sou usuário e conheço os
traficantes daqui, peguei com o cabeça, ele é o gerente de lá, peguei essa
droga pra entregar no ponto de ônibus, eu aluguei o carro com um
parente meu, meu tio Carlos Max, estava uns 4 meses, eu
trabalhava com carro e nos finais de semana passeava com
minha companheira, tenho registro na Uber, eu estava
trabalhando quando ela me chamou pra comprar remédio dor
foi quando me chamaram. O traficante cabeça me convidou pra
levar as drogas, das casinhas para o ponto de ônibus perto do
Brizolão, em frente ao posto de gasolina. Eu não tinha nenhuma
descrição pra quem eu iria entregar, a bolsa que estava as drogas não
era da minha companheira, a bolsa era do tráfico. Eu parei ali no ponto
e não tinha ninguém no ponto, ainda esperei um pouquinho ainda, foi
quando eu não vi ninguém e retornei, parei no ponto onde era
combinado esperei a rua esvaziar, o policial disse eu fiz cavalinho pau
mas eu não fiz, não tem como fazer cavalinho de pau ali
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porque passa carro constante, eu fiquei esperando o traficante 1


minuto no máximo, ai ninguém falou comigo eu manobrei o carro e ia
voltar pra entregar. Eu iria entregar nas casinhas, não segui no
Guarajuba, (...) não falei pra ela que era cocaína, na verdade ela
desconfiava, ela sabia que era droga mas eu não falei que era cocaína,
eu levei a bolsa, estava no banco de trás, quando ela avistou a viatura
pra tentar me livrar pegou a bolsa que estava no carro, eu recebi
200,00 reais pra fazer. São dois pontos de drogas, um lugar faz e
coloca pro outro lugar vender, essa pessoa que iria receber iria
distribuir em outro local, no caso eu nem recebi, na hora da entrega
que iriam me pagar, não falei sobre isso com a Fernanda, ela
estava nervosa dentro do carro, ai na hora eu não falei. (...) Não
cheguei a comprar os remédios em nenhum momento. (...) Eu escolhi o
local para a Fernanda descer do carro porque a minha irmã que mora
ali, porque ela iria ficar ali pra eu poder devolver a droga, ela
desembarcou com a droga porque ela viu a polícia vim, ela não queria
fugir, ela queria me ajudar, ela decidiu descer com a droga do carro pra
me ajudar. Não tinha nenhum tipo de controle, se eu mexesse na droga
eu poderia morrer. (g.n.)

20. Em resposta a esta defesa, David narrou que: “Ela imaginou que tinha
droga, perguntou o que eu estaria levando na bolsa, começou a me indagar, ai
eu falei que tinha droga, antes ela não sabia, quando eu voltei do carro foi o
momento que ela começou a me indagar, ficou nervosa por causa da droga no
carro, ficando falando que não era pra eu fazer isso, que era coisa errada, disse
que ela era contra o tráfico de drogas, eu pedi pra ela sair do carro, e nesse
momento ela estava nervosa.” (g.n.)

21. Deste modo, não restam dúvidas a respeito de que o vínculo entre o
acusado e a recorrente era meramente afetivo e não associativo para fins
delituosos, de modo que a conclusão ministerial pela prática do crime de
associação ao tráfico de drogas decorreu exclusivamente da circunstância de
Fernanda estar em companhia do marido rumo à farmácia.

22. Ademais, conforme asseverou a Segunda Turma da Suprema Corte,


“...não pode ser tomada como suspeita uma mulher apenas por estar acompanhada de
seu marido. O Direito, ainda, não impõe à mulher o dever de evitar a companhia de seu
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esposo, se, porventura, dedicado a atividades criminosas.” (AgRg na Rcl 32.521,


Segunda Turma, DJe 22.2.2019)

23. Esclarece ainda melhor a patroa da recorrida, Sra. Ana Carolina


Lourenço acerca de suas favoráveis condições pessoais: “a Fernanda trabalha pra
mim desde dezembro de 2016, ela trabalhava até a data da prisão, trabalhava de
segunda à sexta dormindo no trabalho direto, eu chego em casa sexta-feira, e com a
pandemia eu não tinha como ficar indo e voltando ai ela começou a ficar 15 dias
seguidos e ia pra casa e ficava uns 4 dias e voltava.”

24. Após ser indagada pela defesa, a referida testemunha narrou que:

“(...) A Fernanda trabalhava com a casa toda, cozinhava, ajudava com


meu filho também, sempre me ajudava levando meu filho comigo até a
escola, em alguns dias ela buscava meu filho sozinha de uber tamanha
confiança eu tinha nela, então é uma pessoa que eu confio demais,
era meu braço direito e esquerdo. Meu filho tem 5 anos e todos os
dias ele pergunta por ela, ela trabalhava com a gente desde quando ele
tinha 1 ano e meio mais ou menos, quando saíamos ela ficava com meu
filho e era de total confiança. A renda dela era de 1 salário mínimo e
meio mais ou menos e com as horas extras que meu marido tem tudo
documentado, ficava em uns 2/3 mil reais. Ela tinha carteira assinada,
pagávamos tudo certinho desde o início temos os livros pra comprovar.
(...) Desde o começo da pandemia pra evitar a aglomeração ela ficava os
15 dias direto e ficava uns 3 ou 4 dias direto e voltava. No dia do
fato, 26 de maio de 2020 tivemos contato pelo WhatsApp,
Fernanda nunca faltou o trabalho, conto nos dedos os dias que
ela precisou faltar, ela me mandou um WhatsApp dizendo que
estava com muita dor na região da cesárea, e eu perguntei qual era o
tipo de dor, era um tipo de dor que tinha a característica de uma
infecção urinária baixa que a gente trata com antibiótico e atualmente
o CRM permite que façamos uma receita digital, ela estava com muita
dor e foi pra farmácia com a receita que eu dei, tenho tudo aqui pra
comprovar. (...) Ela é uma pessoa maravilhosa, não tem ninguém
que conheça a Fernanda e não me diga que queria uma funcionária
igual a minha, meu filho pergunta dela todo dia. Eu pretendo manter
a Fernanda na minha casa com certeza, eu preciso da Fernanda,
ela é uma pessoa maravilhosa.” (g.n.)
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25. O marido da Sra. Ana Carolina, o Sr. Rafael Gorestein, também


corrobora com o depoimento oferecido por sua esposa na instrução, em
declaração às fls. 227, assinalando que: “Em seu favor tenho declarar que se
trata de uma trabalhadora dedicada e que em quase 4 anos de convívio, não
temos registro de qualquer evento que macule a sua conduta.” (g.n.)

26. Dito isso, como amplamente demonstrado nas linhas acima, não restou
comprovada uma associação para traficar, que somente se caracterizaria pela
estabilidade e permanência, elementos imprescindíveis para a adequação do
fato ao tipo penal do artigo 35 da lei federal n. 11.343/2006, segundo
precedentes do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE


ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.
CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO.
IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL.
IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA.
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AUSÊNCIA DE
ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. NÃO
CARACTERIZAÇÃO DO DELITO. (...). WRIT NÃO
CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
(...).
2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que,
para "a caracterização do crime de associação para o tráfico, é
imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e
permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais
pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei n.º
11.343/2006" (HC 166.979/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, DJe 15/08/2012). Precedentes.
(...).
8. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de
restabelecer a sentença de primeiro grau, especificamente no
ponto referente à absolvição quanto ao delito de associação
para o tráfico, e para que, afastada a obrigatoriedade do regime
inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas, o Juízo
das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a
possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento
de pena.» (grifamos) (STJ. 6. T. Rel. Min. Maria Thereza de
Assis Moura, HC 248.090, j. 13.5.2014, DJe 21.5.2014).
“HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE
ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.
TESE DE
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ATIPICIDADE DA CONDUTA, NO TOCANTE AO


SEGUNDO DELITO, POR INEXISTÊNCIA DE ÂNIMO
ASSOCIATIVO ENTRE OS RÉUS. AUSÊNCIA DE
VERIFICAÇÃO, NAS DECISÕES IMPUGNADAS, DA
EXISTÊNCIA DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA NA
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ANULAÇÃO DA
CONDENAÇÃO REFERENTE AO CRIME DE
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. (...). HABEAS CORPUS
PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO,
CONCEDIDO PARCIALMENTE, COM EFEITOS
EXTENSIVOS AO CORRÉU.
1. Os julgadores, nas instâncias ordinárias, concluíram pela
condenação da Paciente pelo delito de associação para o
tráfico de drogas, sem examinar, contudo, se havia
estabilidade e permanência na associação criminosa, pois
esses elementos foram considerados desnecessários para a
configuração do crime em apreciação.
2. Porém, o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é
no sentido de que, para "a caracterização do crime de
associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se
associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião
ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do
artigo 35 da Lei n.º 11.343/2006" (HC 166.979/SP, Quinta
Turma, Rel. Ministro JORGE MUSSI, DJe 15/08/2012).
(...).
8. Ordem de habeas corpus parcialmente conhecida e, nessa
extensão, parcialmente concedida, para cassar a sentença
condenatória e o acórdão impugnado, apenas na parte referente
à condenação da Paciente pelo crime de associação para o
tráfico, com efeitos extensivos ao corréu Marcos Adriano da
Silva.» (grifamos) (STJ. 5. T. Rel. Min. Laurita Vaz. HC 212.000,
j. 5.11.2013, DJe 19.11.2013).”

27. Comprova-se, portanto, que o Parquet não conseguiu provar que a


alegada associação estaria caracterizada pela estabilidade e permanência,
elementos imprescindíveis para a adequação do fato ao tipo penal, do artigo
35 da lei federal nº 11.343/2006, segundo precedentes do S UPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA, sua verdadeira fonte de subsistência não possui nenhuma fonte
ilícita ou reprovável.
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III. DA DOSIMETRIA
28. A excelentíssima magistrada entendeu pela fixação da pena base da
recorrida no mínimo legal, aplicando a minorante prevista no parágrafo 4º do
artigo 33 da Lei 11.343/06, sob o fundamento de que: “A ré é primária e de bons
antecedentes, inexistindo qualquer indício de que pertença à organização
criminosa, nem tampouco que se dedique à prática de crimes ou que faça do
crime seu meio de vida.”

29. Alegou, em derradeira fala, o ilustríssimo parquet que “a natureza e a


quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do
CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, para impedir a
aplicação da minorante quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de
entorpecentes (AgRg no AREsp 628.686⁄MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 2⁄3⁄2015). É o caso dos autos.”

30. Contudo, ao contrário do que o Ministério Público assinala, o presente


caso não se assemelha ao julgado acima transcrito. Em adução genérica o
apelante atribuiu à Fernanda circunstâncias que justificariam o afastamento do
benefício preconizado no artigo 33, §4º da Lei de Drogas.

31. No caso, impende sobrelevar que após exaustiva demonstração das


provas orais colhidas em sede judicial, restou comprovada a fonte lícita de
renda da apelada, impossibilitando, a imputação das referidas elementares.

32. Como já colacionado, o acusado David Laudiazer tanto em sede policial


quanto em audiência confessou ser o único proprietário do conteúdo ilícito
armazenado na bolsa apreendida, bem como eximiu a ora recorrida de ter
ciência e participação do combinado de entrega das drogas.

33. Ademais, restou comprovado durante a instrução, a partir do


depoimento prestado pela Sra. Ana Carolina Lourenço Araújo, que além de
não integrar organização criminosa e possuir bons antecedentes, a recorrida
possui ocupação lícita, uma vez que trabalha como empregada doméstica.

34. Em consonância com o entendimento pacificado nas instâncias superiores


já demonstrado acima, a previsão da redução de pena contida na referida
minorante tem como fundamento distinguir a figura do traficante contumaz e
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profissional com a situação aqui demonstrada, que preenche exatamente os


requisitos descritos no §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06, razão pela qual a
pena final estipulado pelo Juízo a quo merece ser mantida no mínimo legal.

IV. DO PEDIDO
35. Ante todo o exposto, requer a manutenção da sentença absolutória, ante
a ausência de provas em relação a autoria da recorrida dos delitos descritos
nos artigos 33 e 35 da lei federal n. 11.343/06 com fundamento no artigo 386,
inciso VII do Código de Processo Penal.

Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 05 de novembro de 2021.

Rafael Campbell Alessandra Barboza


OAB/RJ 177.957 OAB/RJ 220.953-E

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