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RAPHAEL MATTOS

ADVOCACIA

EXCELENTÍSSIMO SENHOA DESEMBARGADOR DA 3ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL


DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

DESEMBARGADORA SUIMEI CAVALIERI

Processo nº 0265193-38.2021.8.19.0001

“Assim, não há lastro probatório mínimo indispensável para a


instauração de um processo penal (prova da materialidade e
indícios de autoria) contra o recorrido, sendo o prosseguimento
da ação um uso abusivo do direito de acusar.” Desembargadora
Mônica Tolledo.

CARLOS RENATO MAMEDE NOVAL, devidamente qualificado nos autos em


referência, vem a Vossa Excelência, por meio de seus advogados, opor Embargos
Infringntes contra o acórdão de fls. 6027-6043, com fulcro no artigo 609, Parágrafo
único do Código de Processo Penal, nos seguintes termos.

1. DA TEMPESTIVIDADE.

1. O acórdão embargado, de fls. 6027-6043, foi publicado em 23/07/2022 e , em


28/07/2022, foram opostos embargos de declaração, conforme fls. 6139-6142. Esta c.
Câmara Criminal, através do voto condutor de V. Exa., optou por rejeitar o referido
recurso, nos termos do acórdão de fls. 6153-6160, publicado em 29/08/2022.

2. De acordo com o que regula o artigo 1.026 do Código de Processo Civil, “os
embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a
interposição de recurso”.

3. O Superior Tribunal de Justiça é assente nos sentido de que o prazo para a


interposição de recurso é interrompido ainda que os declaratórios sejam rejeitados
ou não sejam conhecidos, verbis:

“[…] 3. Os embargos de declaração tempestivos, ainda que


rejeitados por terem o propósito de rejulgamento, interrompem o
prazo recursal. 4. O STJ firmou o entendimento de que a ausência de
peças facultativas, ainda que consideradas essenciais à compreensão
da controvérsia e necessárias para instrução do agravo de

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instrumento, não enseja a inadmissão liminar do recurso, devendo


ser dada oportunidade para que a parte agravante complemente o
instrumento com as peças indicadas. […] (AgInt no REsp 1480537/SP,
Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em
03/09/2019, DJe 19/09/2019)

[…] 3. Os Embargos de declaração, com exceção dos intempestivos,


interrompem o prazo para a utilização de outros recursos.
Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos
EDcl no REsp 1.457.036/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL
GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe de
27/03/2019)

[…] 2. A jurisprudência do STJ firmou a orientação de que os Embargos de


Declaração são cabíveis contra quaisquer decisões judiciais, ainda que
interlocutórias, suspendendo o prazo recursal para a interposição de outros
recursos, exceto se aviados intempestivamente. 3. Recurso Especial provido.
(REsp 1.661.931/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin,
DJe de 2.6.2017)”

4. Deste modo, o prazo de 10 dias estabelecido no parágrafo único do artigo


609 do Código de Processo Penal, se iniciou no dia seguinte a data em que foi
pubilicado o acórdão que julgou os referidos declaratórios. Isto é, em 30/08/2022, o
que evidencia a tempestividade dos presentes embargos infringentes.

2. BREVE SÍNTESE DA DEMANDA.

5. O Ministério Público Fluminense ofereceu denúncia em desfavor do


embargante e outras dez pessoas, imputando-lhes o crime descrito no artigo 250, §2º
c/c o artigo 258, todos do Código Penal.

6. Segundo a exordial, “os denunciados, consciente e voluntariamente,praticaram


condutas comissivas e/ou omissivas, isolada e/ou conjuntamente, por imperícia, negligência
e/ou imprudência penalmente relevantes, conforme serádevidamente descrito e imputado a
cada qual adiante, que concorreram eficazmente paraque no dia 8 de fevereiro de 2019, por
volta de 05h00min, no interior do Centro de Treinamento George Helal, do Clube de Regatas
do Flamengo, conhecido como “Ninhodo Urubu”, situado na Estrada dos Bandeirantes, nº
25.997, Vargem Grande, Rio de Janeiro/RJ, nesta Comarca, ocorresse um incêndio de grandes
proporções (de acordo como laudo pericial de local acostado aos autos), que resultou direta e

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consequentemente namorte de dez adolescentes (...), todos atletas da categoria de base do


futebol da referida Agremiação Esportiva, enquanto dormiam no local, em contêiner utilizado
por adaptação como dormitório”.

7. No que tange ao embargante, a peça vestibular assinala que “foi Diretor de


Futebol de Base, de junho de 2010 a março de 2018, quando foi alçado à funçãode
Diretor de Futebol Profissional. Durante sua gestão junto à categoria de base, foi o
responsável por demandar a instalação de novos e maiores alojamentos a fim de atender à
demanda do aumento do futebol de base, permitindo que os atletas passassem a dormirnos
novos alojamentos instalados em módulos habitacionais”. Grifamos, por extrema
necessidade, uma vez que os fatos objeto da denúncia ocorreram em 8 de fevereiro
de 2019.

8. Em seguida, o Parquet, numa tentativa equivocada de narrar


cronologicamente os fatos, expõe que “quando o CT 1 ficou pronto, por volta do final de
2016 e início de 2017, os atletas profissionais foram transferidos dos alojamentospara as novas
instalações. Passou-se a entender que a divisão de base, que ganhara importância maior na
Agremiação nesta época, devido a diversas conquistas, não deveriapermanecer alojada na “casa
antiga” (construção original de alvenaria do CT George Helal”).

9. Assevera ainda a denúncia que o embargante, “então Diretor de Futebol de


Base, solicitou que as instalações antes utilizadas pelos atletas profissionais fossem destinadas
ao futebol de base e isso foi feito. Ocorre que, como previamente sabido pelos
DENUNCIADOS em geral e pelo DENUNCIADO CARLOS RENATO MAMEDE
NOVAL em particular, as referidas estruturas, quando destinadas aos atletas profissionais,
eram utilizadas apenas como aparato de descanso, não tendo finalidade deutilização como
moradia ou dormitório noturno”.

10. Por estas razões, o i. promotor de justiça concluiu que Carlos Noval
“contribuiu para a produção dos resultados ilícitos ao não se certificar sobre a possibilidade
de utilização dos módulos habitacionais – como estruturados – como dormitório para os
adolescentes. Além de não agir com dever jurídico de cuidado, a fim de determinar a adaptação
das instalações para receber os atletas da divisão de base, SIMPLESMENTE DIRIGINDO
SUAS EXIGÊNCIAS E SOLICITAÇÕES DIRETAMENTE AO DIRETOR DE MEIOS
DA ÉPOCA, PAULO ROBERTO DUTRA”. (grifo nosso)

11. Em continuidade, o Ministério Público aduz que “as instalações antes utilizadas

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pelos atletas profissionais ficavam justamente onde se iniciariam as obras do CT 2, por tal
razão, a NHJ precisou não só trocar os módulos, devido ao maior número de atletas, bem como
a destinação, pois seriam moradias, bem como mudá-los de lugar, procedendo à instalação no
lugar onde estavam por ocasião do incêndio, anteriormente utilizado como estacionamento”
e, encerra concluindo, mais uma vez, que o embargante “tinha plena ciência da situação
de total clandestinidade administrativa das estruturas modulares, que nunca contaram, na sua
gestão ou nas demais, com as devidasautorizações e licenças dos órgãos públicos”.

12. Por fim, o Parquet buscou sintetizar quais foram as contribuições causais de
cada denunciado para a ocorrência do resultado, destacando em relação ao
embargante:

“i) solicitar o emprego dos contêineres, que eram da categoria profissional e


utilizados como meros aparatos de descanso, fossem revertidos para a
categoria de base, para repouso noturno, mesmosem a estrutura necessária e
segura;

ii) uma vez informado sobre a impossibilidade de reversão, demandar a


instalação de novos e maiores alojamentos a fim de atender à demanda do
aumento do futebol de base, permitindo queos atletas passassem a dormir nos
novos alojamentos instalados em módulos habitacionais;
iii) incrementar o risco da produção doresultado ao não se certificar sobre
a possibilidade de utilização dosmódulos habitacionais – como estruturados
– como dormitório para osadolescentes;
iv) incrementar o risco da produção do resultadoperigoso ao participar
das reuniões com representante da NHJ paraescolha dosnovos contêineres,
não adotando o dever de cuidado comsua necessária adaptação e capacitação
para segurança dosadolescentes;
v) incrementar o risco da produção do resultadoperigoso ao ter ciência da
completa clandestinidade administrativa das estruturasmodulares;”

13. No dia 19/01/2021, às fls. 3858, foi recebida a peça inaugural, tendo o
embargante apresentado sua resposta à acusação às fls. 4776-4799. Após analisar as
peças defensivas, o Juízo da 36ª Vara Criminal, às fls. 4837-4888, rejeitou a denúncia
em relação a Carlos Noval, ao argumento de que:

“(...) caem por terra todas as acusações inerentes à alegada ingerência de


CARLOS na implementação dos módulos habitacionais para as categorias
de base – o risco não adveio propriamente daí, como dito, mas em tese da má
condução e implantação do projeto que, como admitem seus agentes aqui
denunciados quando ouvidos em sede inquisitorial, em princípio era de
responsabilidade da NHJ, não do cliente que não possui expertise a respeito.

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(...)
as provas produzidas ao longo do Inquérito Policial dão conta de maneira
incontroversa que se CARLOS, de fato, ocupou cargo dentro da estrutura
organizacional do Clube diretamente vinculado ao futebol de base e, portanto,
ao CT2, desde março de2018 já não o fazia, portanto onze meses antes
do incêndio nãomais atuava como diretor do futebol de base, pelo que ainda
que pudesse, em algum momento, ter incrementado o risco que veio afinal a
se concretizar (e não parece ser o caso já que, torno a repetir, a mera opção e
implementação dos módulos habitacionaisnão gerou o incremento ilegal do
risco), não só não mais dispunhade meios para impedir o resultado como, em
onze meses, o mesmopoderia e deveria ter sido evitado por pessoas outras que
assumiram o futebol de base lhe sucedendo, estas sim com poderesde mando e
ingerência direta sobre o CT2 não só desde antes comoaté o efetivo momento
do evento letal.”

14. Em razão da decisão acima, o Parquet interpôs, às fls. 4837-4888, recurso em


sentido estrito, tendo o Juízo a quo, às fls. 5571-5575, mantido a decisão impugnada.
Por sua vez esta c. Câmara Criminal, por maioria de votos, deu parcial provimento
ao recurso em sentido estrito, “para cassar a decisão impugnada e determinar o
recebimento da ação penal contra os recorridos, prosseguindo-se o feito”, uma vez que
“mostra-se plausível, em sede de cognissão sumária, a tese acusatória”.

15. Em que pese o voto lavrado pela I. Relatora, a defesa compartilha do


acertado entendimento seguido pela eminente Desembargadora Mônica Tolledo,
que em seu voto vencido foi contundente no sentido de que “não há lastro
probatório mínimo indispensável para a instauração de um processo penal (prova
da materialidade e indícios de autoria) contra o recorrido, sendo o prosseguimento
da ação um uso abusivo do direito de acusar”, razão pela qual se opões os presentes
embargos infringentes.

3. DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

16. Constitui premissa válida na jurisdição criminal a asserção de que a ação


penal implica uma referência a fatos demonstráveis, indicativos da justa causa de
seu exercício.

17. Segundo Luigi Ferrajoli, a acusação “deve ser completa, é dizer, integrada pela
informação de todos os indícios que a justificam, de forma que o imputado tenha a

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possibilidade de refutá-los”1.

18. A douta Ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza de Assis


Moura, em abalizada doutrina, acentua que “o juízo da legitimidade (da acusação) não
pode dar-se apenas sob o aspecto formal da denúncia ou queixa que relatarum fato típico em
tese”, mas “deve ater-se, também, ao exame do conjuntoprobatório”2.

19. Verificando-se o inteiro teor da exordial, percebe-se a ausência dos


elementos essenciais exigidos pelas normas em apreço, caracterizando a denúncia
como inepta a iniciar a ação penal

20. Na hipótese vertente, absolutamente nada se extrai nestes volumosos autos


no que atine ao embargante. Inexiste documentação que autorize inferir, mesmo em
juízo de prelibação, que ele tivesse concorrido para a prática do incêndio culposo
sob análise.

21. No caso, como bem assinalado pela decisão que rejeitou a exordial, não
restou minimamente comprovado que a conduta atribuída ao embargante teria
incrementado o risco para a produção do resultado.

22. Sobre o tema, a e. Relatora asseverou que:

“Por sua vez, quanto a Carlos Noval, não se pode descartar,


também neste momento, a perspectiva de que se omitiu em adotar, à
época em que ainda atuava como responsável pelo centro de
treinamento das categorias de base do futebol, providências para
reparar a instalação elétrica dos módulos destinados aos atletas
adolescentes – mesmo que, conforme aduz sua defesa, não tivesse
poder decisório sobre a escolha e instalação dos contêineres.
Para tal conclusão, ainda que perfuntória, vale especial menção
a e-mail enviado em 12 maio de 2018, somente dois meses após Carlos
Noval deixar o cargo no futebol de base do clube. A correspondência
interna, entre dois dirigentes do clube, Luiz Humberto Costa
Tavares e Marcelo Cláudio Helman, dá conta da precariedade das
instalações elétricas do centro de treinamento dos atletas de base e
indica que o problema já era conhecido da gestão anterior (fls.
4.104/4.117).
Confira-se o teor do e-mail:

1 Luigi Ferrajoli. Derecho y razón. Teoria Del garantismo penal. 5. ed. Madrid: Trotta, 2001, p. 607 – tradução
livre
2 Maria Thereza de Assis Moura. Justa causa para a ação penal. Doutrina e Jurisprudência. SP: RT, 2001, p. 244

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“O técnico de segurança do trabalho do CRF, em vistoria


nas instalações elétricas do CT, verificou vários itens fora
da conformidade com as normas de segurança exigidas.
Falamos com o Marcelo Sá, que estava no CT a respeito
dessas instalações (não sabia se foram feitas pelo
patrimônio ou se já vem de longa data, no esquema faça-
de-qualquer-jeito que os antigos administradores
atuavam).
Só achou por bem solicitar que o Adilson (engenheiro
eletricista que fez a instalação elétrica do CT que você
conhece) acompanhasse e para verificar a real situação e
elaborasse, caso seja necessário, um primeiro orçamento
para colocarmos as instalações elétrica em dia. Após o
envio desse primeiro orçamento pediremos outros mais
para compor quadro de concorrência.
Segue abaixo e-mail enviado pelo técnico a respeito do
que encontrou no CT (com fotos).”
A propósito, seguem trechos do relatório mencionado no e-
mail, elaborado por funcionário do clube, que ressalta a “gravidade”
do que denominou “não conformidades” nas instalações elétricas do
alojamento dos atletas da base do futebol:
“Conforme informado, ontem dia 10/05/18, quinta feira foi
realizada a inspeção para atendimento a NR10 e ao
relatório do dia 03/05/18 de algumas instalações elétricas
do CT – Vargem Grande. A avaliação foi realizada na
presença do Sr. Adilson da empresa CBI, este indicado
pelo Sr. Luiz Humberto, sendo comprovado as não
conformidades e suas gravidades.
Conforme a avaliação do Sr. Adilson, e relatório anterior
a situação é de alta relevância e de grande risco, ficando
este de apresentar uma proposta ao Sr. Luiz Humberto
para atendimento emergências de alguns pontos, Quadro
de Elétrico (Poste ao Lado do Refeitório), Disjuntores e
fiação no jardim, Quadro Elétrico atrás do Alojamento da
Base.
(...)
Obs. As irregularidades a baixo não serão tratadas no
momento, pois conforme informação o local será
demolido e substituídos por novas instalações até o final
do ano de 2018, deixando claro que caso haja fiscalização
e autuação o argumento mesmo que evidente não justifica
a irregularidade, ficando a critério do órgão fiscalizador
a penalidade ou intervenção.”
Não se descura o argumento da defesa de Carlos, em sua

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resposta à acusação, que parece sugerir que os módulos onde o


incêndio ocorreu seriam distintos daqueles inicialmente sob sua
responsabilidade – o Conselho Diretor do clube teria deliberado por
mais de uma vez, a transferência dos dormitórios dos atletas da base.
Mas essa é uma questão que não está suficientemente esclarecida e
que não afasta a necessidade de cuidados com as instalações elétricas
dos módulos destinados aos adolescentes.” (sic) (grifo nosso)

23. Por sua vez, a e. Desembargadora Mônica Tolledo, lavradora do voto


vencido, assim se manifestou:
“Isso porque, não há sequer indícios de que a conduta atribuída
ao recorrido teria incrementado o risco para a produção do resultado.
As provas colhidas em sede policial são suficientes para concluir que
“a mera opção e implementação dos módulos habitacionais não
gerou o incremento ilegal do risco”.
Registra-se que o réu sequer foi indiciado pela autoridade
policial, ante a inexistência de elementos, ainda que indiciários,
capazes de demonstrar que a conduta ora atribuída teria
incrementado risco ao resultado.
Logo, não se sustenta a alegação de ingerência de CARLOS
RENATO na implementação dos módulos habitacionais para as
categorias de base, pois o risco não adveio propriamente daí, mas, em
tese, da má condução e implantação do projeto que, em princípio, era
de responsabilidade da empresa de engenharia NHJ.”

24. Ao contrário do que assinalou o acórdão e que não passou despercebido


pela e. Desembargadora Mônica Tolledo, nem pelo Juízo a quo, as provas colhidas
em sede policial são mais do que suficiente para concluir que “a mera opção e
implementação dos módulos habitacionais não gerou o incremento ilegal do risco”. Segundo
a decisão que rejeitou a exordial, que se lastreou nos depoimentos dos demais
denunciados ouvidos em sede inquisitorial, o risco não veio da referida
implementação, mas sim da má condução e implantação do projeto que seria de
responsabilidade da NHJ e não do embargante, uma vez que não possui expertise
sobre a matéria.

25. A simples solicitação de implementação dos aludidos contêineres não


caracteriza um incremento de risco ao resultado, posto que a certificação de eventual
discordância com regras técnicas de engenharia e arquitetura não cabia ao
embargante, que evidentemente não tinha de expertise na matéria, não havendo
que se falar em inobservância de dever objetivo de cuidado.

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26. Note-se que, para sustentar a inobservância de dever de cuidado por parte
de Carlos Noval, o acórdão embargado faz alusão ao e-mail de fls. 4104-4117, onde
dois dirigentes do clube dão “conta da precariedade das instalações elétricas do centro de
treinamento dos atletas de base e indica qie problema já era conhecido da gestão anterior”.

27. Quanto à referida correspondência eletrônica, verifica-se que sequer foi


mencionada pela denúncia, causando espécie a utilização deste elemento como
fundamento para existência de justa causa para o recebimento da inicial quanto ao
embargante, já que o documento em nenhum momento cita o seu nomee, o que
impede qualquer exercício da ampla defesa e do contraditório.

28. Aém disso, tem-se que o remetente e o destinatário do e-mail não fazem
parte da gerência do futebol de base. No caso, a correspondência foi enviada pelo Sr.
Luis Humberto Costa Tavares e recebida pelo Sr. Marcelo Helman, que,
respectivamente, ocupavam os cargos de Gerente Administrativo e Diretor
Administrativo do Centro de Treinamento.

29. Ora, Nobres Desembargadores, o mencionado e-mail, ao invés de servir


como fundamento para o recebimento da denúncia quanto ao embargante, deveria
ser utilizado para manter a sua rejeição. Isto porque, o e-mail configura mais uma
prova de que não cabia a Carlos Noval fiscalizar ou inspecionar a estrutura do
Centro de Treinamento. Veja-se, se existe um diretor administrativo e um gerente
administrativo, por qual motivo caberia ao gerente de FUTEBOL de base realizar
atos de manutenção elétrica. Mais uma vez confunde-se as específicas atividades de
cada cargo.

30. O que o Ministério Público e o entendimento majoritário, sem ser


equivocado, assinalam seria o mesmo do que atribuir ao gerente ou diretor
administrativo a responsabilidade de uma derrota sofrida pelo time de futebol de
base. Nesse caso, sim, caso a derrota tivesse ocorrido à época em que ocupava o cargo
de gerente de FUTEBOL de base, poderia a culpa ser atribuida a Carlos Noval.

31. Vale, ainda, ressaltar que o remetente e o destinatário do aludido e-mail


não se referiam ao embargante ao falar sobre o “esquema faça-de-qualquer-jeito que os
antigos administradores atuavam”. Acredita-se que estariam se referindo ao antigo
Diretor e Gerente Administrativo do Centro de Treinamento, na medida em que
Carlos Noval nunca opinou ou se envolveu sobre fatos atinentes à questões

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administrativas.

32. Por outro lado, denota-se que o Ministério Público, no intuito de mitigar o
sofrimento e a repercussão social gerada pelo trágico acidente, nitidamente efetuou
uma regressão infinita em busca do que causou o incêndio, vindo forçosamente a
responsabilizar uma série de pessoas por um resultado em que não tiveram
participação penal alguma.

33. O laudo pericial – prova de suma importância em casos como este - de fls.
1015, conclui que “o incêndio atingiuintegralmente o módulo habitacional, utilizado pelos
jogadores da base do Flamengo, gerando uma queima generalizada e carbonização de mobílias,
vestes, artefatos metálicos e elementos da estrutura, tendo sido determinado por um
fenômeno termo-elétrico no interior do aparelho de ar condicionado do quarto 06,
acarretando na morte dos 10 (dez) vítimas, que se encontravam carbonizadas, junto ao piso
dos quartos 02, 03, 05 e hall deentrada”. Partindo deste ponto, percebe-se que a denúncia
determinou como uma das causas do incêndio a “inobservância do dever de manutenção
adequada dasestruturas elétricas que forneciam energia ao aludido contêiner.”

34. Com efeito, não existe previsão no estatuto do Clube de Regatas do


Flamengo atribuindo ao embargante o dever de fiscalizar qualquer estrutura da
entidade. Destaque-se, novamente, que Carlos Noval tinha como atribuição única e
exclusiva gerir o FUTEBOL de base (até março de 2018), sendo a
administração/manutenção competente à Vice-presidência de Patrimônio, que
englobava a Diretoria Administrativa. Logo, pode-se concluir que Carlos Noval não
tinha ingerência alguma namanutenção/instalação de aparelhos de ar condicionados
ou da rede elétrica dolocal incendiado, nem mesmo dos módulos habitacionais.

35. Aqui tem lugar o conhecido princípio da confiança, que sinaliza a


possibilidade de o sujeito confiar naqueles que com ele praticam condutas em tese
arriscadas3, um vez que não estão presentes as exceções de seu reconhecimento,
quais sejam i) a indignidade do confiado; ii) previsibilidade quanto à atuação ilícita
de terceiro; iii) a recorrência do comportamento ilícito do confiado; e iv) presença de
dever específico de vigilância4.

3PACELLI, Eugenio; CALLEGARI, André. Manual de direito penal. 4ª ed. p. 285-288


4GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. APUD PACELLI, Eugenio CALLEGARIA,
André. Manual de direito penal. 4ª ed. p. 288.

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36. Deve-se frisar que Carlos Noval tinha plena possibilidade de confiar nas
atividades desempenhadas por aqueles que integravam os outros departamentos e
pelos demais denunciados que foram contratados, não por ele, para a execução do
serviço, dada a sua experiência, qualificação e capacidade, não sendo possível
atribuir qualquer incremento de risco ao embargante na medida em que a demanda
passou pelo crivo dos referidos engenheiros, que certamente detinham o dever e
expertise de atuar em respeito às normas de engenharia e segurança.

37. Com toda a venia possível, o “erro crasso” apontado pelo Ministério Público
ocorreu no momento em que denunciou o embargante, que sequer foi indiciado
pela autoridade policial, ante a inexistência elementos, ainda que indiciários,
capazes de demonstrar que a conduta ora atribuída teria incrementado risco ao
resultado, conforme bem salientou a e. Desembargadora Mônica tolledo.

38. Somado a isso, o Juízo a quo, com muito brilhantismo, assinalou na decisão
que rejeitou a exordial que o embargante, que deixou o cargo de diretor de futebol
de base 11 meses antes do incêndio sob análise, não detinha meios para impedir o
resultado, que “poderia e deveria ter sido evitado por pessoas outras que assumiram o futebol
de base lhe sucedendo, estas sim com poderes de mando e ingerência direta sobre o CT2 não só
desde antes como até o efetivo momento do evento letal”, não havendo que se falar em
agente garantidor, deixando a ele a sina de ser um eterno responsável pelo time de
base do futebol e , ainda, estendendo-lhe funções e responsabilidades que nunca lhe
foram confiadas.

39. Sobre o tema, asseverou a e. Relatora:

“Registre-se que ainda que outros acusados pudessem ter


interrompido a sucessão de erros subsequentes, caso não houvessem
negligenciado, cada qual, seu dever objetivo de cuidado – desde o
presidente e outros diligentes do clube, que teriam ciência das
diversas irregularidades, até os técnicos das empresas responsáveis
pela elaboração e execução do projeto e manutenção dos aparelhos
de ar-condicionado – a indagação de que, desde seu nascedouro, o
projeto conteria falhas conhecidas – como, v.g, ausência de saídas de
emergência e sistema de exaustão, existência de janelas gradeadas –
passíveis se serem contemporaneamente sanadas, a importância da
conduta dos recorridos ainda permanece.
Assim, o simples decurso de cerca de onze ou doze meses não
caracterizou, no caso concreto, período suficientemente capaz de, ao

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menos no início da ação penal, dissipar a importância da conduta


dos recorridos no fluxo causal.” (grifo nosso)

40. Já a e. Desembargadora Mônica Tolledo assinalou, trazendo um raciocínio


lógico e legal, inclusive respeitando a regra temporal, que afeta o infinito, o seguinte:

“Aliás, cumpre registrar que o recorrido não mais ocupava o


cargo de diretor de futebol de base há pelo menos 11 meses antes do
incêndio.
Ainda que o recorrido possa ter tido ingerência na escolha dos
módulos para o local, tal fato (mera opção e implementação dos
módulos habitacionais) não gerou o incremento do risco, porquanto
ele não mais dispunha de meios para impedir o resultado, já que
afastado da atividade relacionada à categoria de base na data do
evento danoso.” (grifo nosso)

41. Mais uma vez, com muita sapiência se posicionou a e. Desembargadora


vencida. Para se atribuiur qualquer responsabilidade ao embargante, seria
necessário que ele estivesse ainda vinculado no tempo e no espaço de modo a poder
impedir o resultado danoso, porém, não era o caso, porque já não mais ocupava o
cargo de gerente de futebol de base há quase um ano.

42. Ademais, entende-se, data venia, que o decurso de doze meses caracteriza
sim período suficientemente capaz de dissipar qualquer dever ou possibilidade de
agir do embargante, não podendo a denúncia ser recebida ao argumento de que “a
importância da conduta dos recorridos ainda permanece”, posto que, nos crimes culposos
o dever de cuidado se impõe a quem tem o poder de mudar, o que de fato o
embargante nunca possuia, seja pela função que ocupava, seja pela sua substituição
de funcão.

43. Sabe-se que o dever de agir apontado nas alíneas do §2.º do art. 13 do
Código Penal, assume o status de dever específico imposto apenas ao garantidor,
diferentemente daquele outro dever nascido, de forma imediata, da norma
preceptiva, contida na Parte Especial do Código, que obriga a todos a agir,
indistintamente, para evitar ou tentar evitar que o perigo que ronda o bemjurídico
tutelado pela norma efetive-se, transformando-se em dano. Não se enxerga no
referido dispositivo qualquer situação que impõe ao embargante a posição de
garantidor da evitabilidade do resultado trágico em tela.

44. Segundo o escólio de Paz Aguado, “nem toda omissão é jurídico- penalmente

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relevante, senão a omissão de uma ação ordenada e em tal sentido esperada pelo ordenamento
jurídico penal. Assim, pois, a essência da omissão não radica na simples inatividade, senão
em um ´não fazer` a ação esperada”5.

45. Há de se averbar, de sobremodo, como consequência do princípio da


responsabilidade penal pessoal, que ninguém pode ser condenado criminalmente
por ato de outrem, senão pelas próprias ações ou omissões lesivas (princípio da
autorresponsabilidade).

46. Segundo a lição de Juarez Tavares, “diz-se, na verdade, que os crimes omissivos
impróprios são crimes de omissão qualificada porque os sujeitos devem possuir uma qualidade
específica, que não é inerente e nem existe nas pessoas em geral. O sujeitodeve ter com a vítima
uma vinculação de tal ordem, para a proteção de seus bens jurídicos, que o situe na qualidade
de garantidor desses bens jurídicos.”6

47. Oportuno lembrar que o Código Penal adotou o critério das fontes formais
do dever de garantidor, deixando de lado a teoria das funções, preconizadas por
Armin Kaufmann, que defendia a tese de que seria o garantidor o agente que tivesse
uma relação estrita com a vítima (leia-se, titular do bem jurídico violado), mesmo que
não existisse qualquer obrigação legal entre eles. Ao que parece, o Parquet se baseou
nesta desarrimada teoria para atribuir ao embargante a qualidade de garantidor.

48. Vale ressaltar que a ocupação do cargo de Diretor de Futebol de Base não
transforma, automaticamente, o embargante em agente garantidor. Sem a existência
de previsão estatutária de que lhe caberia fiscalizar as atividades desempenhadas
pelas outras vice-presidências, bem como as estruturas do centro de treinamento,
não é cabível a presunção de que ele teria o dever de agir, requisito indispensável
para configuração do garantidor.

49. Além disso, é imperioso destacar que, conforme bem observado pelo Juízo
a quo, o embargante foi diretor de futebol de base, de junho de 2010 a março de 2018,
quando foi alçado à função de Diretor de Futebol Profissional, sendo certo que na
data dos fatos, 8 de fevereiro de 2019, já havia se passado cerca de 11 meses desde
que Carlos Noval não ocupava qualquer função relativa ao futebol de base.

5 5 PAZ AGUADO, M. de La Cuesta. Tipicidad y imputación objetiva, p. 211-212.


6 TAVARES, Juarez. As controvérsias em torno dos crimes omissivos, p. 65.

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50. Diante dessa mudança de responsabilidade, não se pode impor ao


embargante um comportamento que não lhe era exigível, posto que suas novas
funções – se assim pode-se chamar uma função que já ocupava há quase u m ano -
não estavam ligadas às atividades dos jogadores do chamado time da base!

51. No caso, as suas antigas responsabilidades profissionais, que em nada


tinham a ver com as acomodações do time da base, estariam, neste novo momento
profissional, ainda mais afastadas de qualquer obrigação legal junto aquele grupo.

52. Desta forma, torna-se ilegal aferir ao embargante qualquer violação ao


dever de cuidado que pudesse gerar o resultado imputado, muito menos exigir, de
quem já estava há tanto tempo afastado das suas antigas funções, a previsibilidade
de qualquer acontecimento, que se possa entender ligado a essa atividade.

53. Diante de tantos elementos que afastam a participação do recorrente na


produção do resultado, percebe-se que o Ministério Público se encontra numa
incessante busca para se apontar todas as causas que contribuíram para o trágico
incidente, se valendo de uma clara regressão infinita, o que não pode ser aceito por
esta c. Câmara.

54. Não há qualquer motivo legal para reforma de decisão do Juízo de piso,
que analisou todo o contexto probatório e a participação individualizada de cada
denunciado, chegando a correta e fundamentada decisão de que não há elementos
mínimos, como qualquer base legal, que autorize a persecução penal do embargante.

55. Por estas razões é que se pode concluir pela inexistência de inobservância
de dever de cuidado por parte do embargante, restando ausente qualquer lastro
probatório acerca do elemento subjetivo do tipo – dolo ou culpa -, não tendo o Juízo a
quo e a e. Desembargadora Mônica Tolledo outra opção senão afirmar que

“Caem por terra todas as acusações “Assim, não há lastro probatório


inerentes à alegada ingerência de mínimo indispensável para a
Carlos na implementação dos módulos instauração de um processo penal
(prova da materialidade e indícios de
habitacionais para as categorias de
autoria) contra o recorrido, sendo o
base.”
prosseguimento da ação um uso
abusivo do direito de acusar.”

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56. Pelo exposto, diante da flagrante ausência de justa causa em relação ao


suposto incremento de risco e a possibilidade/dever de impedir o resultado, bem
como no que tange a possibilidade e dever de agir do embargante, resta clara a
inépcia material da peça inaugural, bem como a ofensa aos princípios constitucionais
da ampla defesa e ao contraditório (art. 5º, LV, CFRB), merecendo ser mantida a decisão
que rejeitou a denúncia.

4. DA INÉPCIA FORMAL DA DENÚNCIA.

57. Em que pese o brilhantismo do Juízo a quo, a exordial também se encontra


inepta formalmente. Como se sabe, uma denúncia deve ser circunstanciada,
articulada, a fim de que, em face de sua clareza, o réu possa exercer eficientemente
sua defesa, sem restrições.

58. Não é por menos que a Constituição da República, ao tratar dos direitose
garantias fundamentais do indivíduo, estabelece em seu art. 5°, LV, que “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

59. O estatuto processual penal, no artigo 41, em respeito aos ditames acima
transcritos, não deixa margem a dúvidas ao impor que o fato criminoso seja exposto
com todas as suas circunstâncias.

60. De igual modo, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pactode


São José da Costa Rica), promulgada no Brasil pelo Decreto-lei 678, de 06.11.1992,
estabelece em seu art. 8,2 que “toda pessoa acusada de delito tem direitoa que se presuma
sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda
pessoa tem direito, em plena igualdade, ás seguintes garantias mínimas: [...] b)
comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada”.

61. No mesmo sentido, assinala o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e


Políticos, promulgado por meio do Decreto-lei 592 de 06.07.1992, ao assinalar em seu
art. 14, 3 que “toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo
menos, as seguintes garantias: [...] a) de ser informado, sem demora, numa língua que

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compreenda e de forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acusação contra ela


formulada”.

62. De tal maneira, resta claro que o ordenamento jurídico busca evitar que
surjam acusações vagas, confusas, imprecisas, em completa dissonância com os
princípios de garantia dirigidos à defesa do indivíduo.

63. Além disso, importante salientar que a doutrina7 afirma que o réu se
defende dos fatos narrados na exordial acusatória e não da capitulação jurídica
empregada. Esta consagrada posição, que no processo penal já pode ser considerada
como um dogma, traduz a predileção do Direito brasileiro pelos fatos, pela busca da
verdade, não tendo muita importância, ao menos no primeiro momento, a forma
jurídica reconhecida momentaneamente.

64. Por outro lado, não pode o réu, diante da complexidade e todos os ônus
sociais e emocionais que permeiam o processo penal, ficar refém de uma acusação
absolutamente lacônica, da qual não possa efetivamente se defender.

65. A imputação dos fatos, portanto, deve ser cristalina e objetiva, a ponto de a
defesa poder, fática e juridicamente, oferecer uma resistência àquela pretensão
acusatória.

66. Sendo assim, a denúncia que dificulte a compreensão defensiva e se afaste


das linhas preconizadas no artigo 41 do CPP não pode ser recebida, sob pena de
submeter o réu à situação de indefesa.

67. Segundo a Excelentíssima Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a


denúncia adequada «deve traduzir os sete elementos do injusto, indispensáveis à adequação
de qualquer fato criminoso», quais sejam: “a) Quem praticou o delito (quis)?; b) Que meios
ou instrumentos empregou? (quibusauxiliis)?; c) Que malefício, ou perigo de dano, produziu
o injusto (quid)? d) Que motivos o determinaram à prática(cur)? e) Por que maneira praticou
o injusto (quomodo)? f) Em que lugar o praticou (ubi)? g) Em que tempo, ou instante, deu-

7 Sobre o tema, na seara do direito processual penal militar, temos Enio Luiz Rossetto: do processo e do
julgamento na justiça militar em primeiro grau: uma abordagem crítica. In: Direito Penal Militar e
Processual Penal Militar. São Paulo, 2004. Disponível em
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Escola_Superior/Biblioteca/Cadernos_Tematicos/direito
_penal_militar_e_processual_militar_penal.pdf. Acessado em 14 de setembro de 2019.

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se a prática do injusto (quando)?”8

68. Deste modo, quando a descrição do fato for perfunctória, isto é, sem a
devida profundidade – como no presente caso – à defesa carecerá possibilidadede
rebatê-lo, restando prejudicada desde o início

69. Sobre o tema, ensina Guilherme Nucci que, “embora a peça acusatória deva ser
concisa, todos os fatos devem ser bem descritos, em detalhes, sob pena de cerceamento de
defesa”9.

70. Com a devida venia, a denúncia, além de ser contraditória, não expõe em
quais elementos se baseou para imputar ao embargante a posição de garantidor e
ainda lhe atribuir uma inobservância de dever de cuidado. Ao que parece a acusação
se valeu de denúncia alternativa para atribuir a prática do crime de incêndio culposo
a uma pluralidade de réus, sem, contudo, pormenorizar de forma coerente a conduta
de cada um.

71. Não há uma linha sequer na inicial acusatória destinada a demonstrar essa
alegação. Simplesmente presume-se que Carlos Noval seria responsável pelo delito
supostamente praticado e de natureza culposa, em razão de ocupar, até março de
2018, o cargo de Diretor de Futebol de Base, sendo que no dia do fatojá não ocupava
mais essa função há cerca de um ano.

72. Conforme as “contribuições causais” expostas às fls. 57 pelo Parquet, a


participação do embargante gira em torno da solicitação do uso de contêineres –
utilizados pelo futebol profissional – para o repouso noturno dos atletas da base - e na
incrementação do risco na produção do resultado ao não se certificar sobrea utilização
dos referidos módulos habitacionais, não adotando o dever de cuidado com sua
necessária adaptação e capacitação para segurança dos adolescentes.

73. Porém, a narrativa dos fatos não se coaduna com os depoimentos prestados
em sede policial, sendo certo que o autor da contraditória denúncia não se atentou –
ou não deu importância – à ordem cronológica referente às mudanças de local onde
as vítimas ficavam hospedadas.

8 [STJ. 6ª T. Min. Rel. Maria Thereza de Assis Moura. HC 76.098/MG. j. 06.04.2010]


9 NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado.15ª ed.

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74. Neste ponto, é imperioso destacar que nem mesmo a e. Desembargadora


Suimei Cavalieri entendeu a narrativa ministerial, tendo demonstrado em seu voto
incerteza sobre o fato imputado ao embargante, in verbis:

“Não se descura o argumento da defesa de Carlos, em sua


resposta à acusação, que parece sugerir que os módulos onde o
incêncio ocorreu seriam distintos daqueles inicialmente sob sua
responsabilidade – o Conselho Diretor do clube teria deliberado
por mais de uma vez, a transferência dos dormitórios dos atletas
da base. Mas essa é uma questão que não está suficientemente
esclarecida e que não afasta a necessidade de cuidados com as
instalações elétricas dos módulos destinados aos adolescentes.”

75. Com efeito, cabe ao órgão acusatório narrar devidamente os fatos, sob pena
da denúncia restar manifestamente inepta, como no caso, onde descumprimento do
artigo 41 do Código de Processo Penal é patente, a ponto da e. Relatora assinalar que
a questão não está suficientemente esclarecida.

76. Consideranto o mencionado trecho, foram opostos embargos de declaração


contra o acórdão ora debruçado, tendo esta c. Câmara rejeitado-o, ao argumento de
que de que na fase de recebimento da denúncia vigora o princípio in dubio pro
societate, sendo inviável tolher do Ministério Público o ônus de demonstrar a tese
acusatória no curso da ação penal.

77. Em que pese o voto lavrado pela e. Relatora, o fato narrado na denúncia
não se coaduna com a verdade e, muito menos, com os depoimentos prestados em
sede policial, cabendo, mais uma vez, à defesa corrigir a confusa ordem de tempo e
lugar trazida na peça inicial - embora fosse de inteira responsabilidade da acusação
descrever de forma clara os fatos e sua responsabilização.

78. No caso, os atletas da base, antes de serem acomodados nos módulos


incendiados, passaram por outros dois alojamentos distintos daquele (Casa Antiga
e módulo utilizado pelos atletas profissionais).

79. De fato, até o ano de 2016, época em que o CT 1 estava sendo construído,os
referidos atletas ficavam hospedados na aludida “casa antiga”, enquanto os
profissionais utilizavam módulos, produzidos pela empresa NOVOHORIZONTE
JACAREPAGUÁ IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA - NHJ, como aparato de

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descanso.

80. Neste ponto, é importante frisar que o termo “módulo utilizado como
aparato de descanso” nos remete a uma estrutura simples, utilizada unicamentepara
o descanso dos profissionais, o que não é verdade. Estes módulos eram compostos
por uma estrutura de primeira linha e eram o local onde sesituavam os setores de
imprensa, administrativo, cozinha, academia, dentre outros. Ou seja, não se tratava
de um local destinado apenas ao descanso dos profissionais
(https://www.youtube.com/watch?v=JQF3eM46R6s ).

81. Finda a construção do CT 1, ao contrário do que diz a denúncia, o


denunciado não solicitou a mudança da hospedagem dos atletas para os referidos
módulos. Em verdade, houve uma deliberação feita pelo conselho diretor do clube
para que essa transferência ocorresse.10

82. Para que se possa afirmar que o embargante solicitou ou demandou a


transferência das acomodações das vítimas, deve-se observar quais eram as
atribuições inerentes ao cargo de diretor de futebol de base (cargo que já não ocupava
há cerca de um ano dos fatos) e até onde vai o seu poder decisório.

83. Conforme fls. 1.373 e 3.137, o Clube de Regatas do Flamengo apresenta uma
estrutura organizacional avançada, passível de ser comparada à de grandes
empresas. Pode-se constatar que a instituição é completamente ramificada, sendo
evidente as delegações de funções dentro de cada “pasta”, onde cada uma é
composta por seu vice-presidente, diretor adjunto, gerente, etc.

84. Desse modo, para que fosse tomada qualquer decisão dentro do clube, o
assunto deveria ser submetido ao Conselho Diretor, que era composto pelo
presidente e os vice-presidentes, os quais possuíam poder estatutário para definir o
rumo a ser tomado (fls. 4430).

85. Diante de inequívoca atribuição do Conselho Diretor, causa espécie a


denúncia aduzir que foi o embargante quem demandou ou solicitou a instalação de

10O Clube de Regatas do Flamengo possui uma estrutura de gestão completamente ramificada, composta
pelo presidente, CEO, vice presidentes, diretores, gerentes e funcionários, conforme reza o estatuto da
entidade, sendo que cada vice presidente – e sua pasta- tinha a sua atribuição específica, como futebol,
marketing, finança, etc.

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contêineres ou a mudança do local onde as vítimas seriam alojadas, na medida em


que ele não detinha poder de decisão para que pudesse, por si só, determinar até
mesmo que uma cadeira fosse mudada de lugar.

86. Continuando, evidencia-se nesta primeira mudança mais uma grande


falha na narrativa ministerial, ao aduzir que “O DENUNCIADO contribuiu para a
produção dos resultados ilícitos ao não se certificar sobre a possibilidade de utilização dos
módulos habitacionais – como estruturados – como dormitório para os adolescentes. Além de
não agir com dever jurídico de cuidado, a fim de determinar a adaptação das instalações para
receber os atletas da divisão de base, simplesmente dirigindo suas exigências e solicitações
diretamente ao Diretor de Meios da época, Paulo Roberto Dutra”, uma vez que NÃO
FORAM ESTES CONTEINERES QUE FORAM INCENDIADOS!

87. No caso, em 2017 houve uma segunda mudança de local onde os atletasda
base ficariam hospedados, desta vez para o local onde infelizmente houve oincêndio.
De acordo com a própria denúncia, “as instalações antes utilizadas pelos atletas
profissionais ficavam JUSTAMENTE ONDE SE INICIARIAM AS OBRAS DO CT 2,
POR TAL RAZÃO, a NHJ precisou não só trocar os módulos, devido ao maior número de
atletas, bem como a destinação, pois seriam moradias, bem como mudá-los de lugar, procedendo
à instalação no lugar onde estavam por ocasião do incêndio, anteriormente utilizado como
estacionamento”.

88. Nesse sentido, conclui-se que essa segunda mudança foi realizada em
decorrência das obras que se iniciavam para criação do CT 2(conforme narra a
própria denúncia), ou seja, não foi solicitada, sugerida ou recomendada pelo
embargante, mas sim, como sempre foi, pelo setor ao qual era responsável a
organização/administração/obras do centro de treinamento. Ressalte-se que o
Carlos Noval atuava única e exclusivamente com o FUTEBOL de base.

89. Em verdade, o embargante detinha atribuições muito restritas e todas elas


inerentes ao FUTEBOL de base e não às suas questões administrativas, senão
vejamos.

90. De acordo com o mesmo estatuto de fls. 4430, as atribuições da vice-


presidência da qual o embargante era diretor se resumem estritamente ao FUTEBOL,
excluindo-se a parte administrativa.

91. O estatuto é muito claro. Com a existência das vice-presidências de

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administração, patrimônio e planejamento, que tinham como responsabilidade a


realização de obras, organização e manutenção estrutural, não é plausível, ainda que
no campo da ilação, afirmar que a diretoria do futebol de base teria demandado ou
solicitado a transferência das acomodações das vítimas. No caso, é muito mais
sensato – e verdadeiro – afirmar que essa decisão foianalisada e deliberada pelo
Conselho Diretor.

92. Ademais, saliente-se que a segunda mudança foi avaliada pela NHJ, que
informou que não seria cabível uma mera transformação ou adaptação dos
“contêineres utilizados como aparato de descanso”, “sendo necessária a troca dos
contêineres, o que foi realizado, tendo a sociedade empresária retirado 46 (quarenta e seis)
módulos e reinstalado novos 24 (vinte e quatro) módulos habitacionais, destinados a
alojamento dos atletas da divisão de base”11.

93. Deste modo, não fica difícil perceber uma clara confusão cronológica, que
compromete a imputação da suposta autoria dos fatos em análise, especialmente em
relação ao embargante, que em nada contribuiu ou participou com a segunda
mudança do alojamento da equipe de base.

94. Mas não é só.

95. As contradições e ilações expostas na exordial são tamanhas que foi


imputada a Carlos Noval a conduta de não ter se certificado sobre a possibilidadede
utilização dos referidos “módulos utilizados como aparato de descanso” como
dormitório para os adolescentes, não adotando o dever de cuidado em relação a sua
adaptação e capacitação para segurança dos atletas. Contudo, a própria peça
acusatória assinala que o Carlos Noval dirigia suas exigências e solicitações
diretamente ao Diretor de Meios, Sr. Paulo Roberto Dutra12 e submetia a análise
de viabilidade aos engenheiros do clube13.

96. Ou seja, a própria denúncia aduz em um momento que o embargante


“contribuiu para a produção dos resultados ilícitos ao não se certificar sobre a
possibilidade de utilização dos módulos habitacionais” (fls. 30), já em seguida,
afirma que “as demandas de acomodação dos atletas foram apresentadas pelo então Diretor

11 Fls. 32
12 Fls. 30
13 Fls. 34

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de Futebol de Base, o denunciado Carlos Renato Mamede Noval, aos engenheiros da


Agremiação para análise de viabilidade” (fls. 34), concluindo anarrativa de que “no
caso do módulo habitacional incendiado, o denunciado Carlos Renato Mamede Noval
apresentou a demanda ao denunciado Luiz Felipe Almeida Pondé, que , em conjunto com os
denunciados Marcelo Maia de Sá, Diretor Adjunto de Patrimônio, e Weslley Gimenes,
engenheiro estrutural da NHJ, elaborou o croqui da estrutura, tendo os denunciados Danilo
da Silva Duarte, Wesley Gimenes e Fabio Hilario da Silva, todos da NHJ, promovido a
fabricação, a montagem e a instalação do contêiner no local preparado pelo engenheiros do
Clube de Regatas do Flamengo, que eram responsáveis pela execução e/ou supervisão da
construção do conjunto de sapatas consolidadas sobre o solo e das redes elétrica, água e
esgoto” (fls. 34). Ora, é evidente a contradição. Se foram feitas exigências e
submissões aos profissionais responsáveis, que detinham expertise, é
incompatível e contraditória a afirmação de que o embargante não se certificou ou
que inobservou algum dever de cuidado!

97. Existem dois pontos que merecem destaque em relação a essa contradição.
Primeiramente, deve-se frisar, novamente, a impossibilidade de adequação de
Carlos Noval como agente garantidor, não havendo que se falar queele poderia ou
deveria se certificar sobre matéria da qual não detinha capacidade técnica, até
porque há 11 meses já não ocupava o cargo relativo aosatletas de base.

98. Repise-se: o embargante de maneira alguma poderia opinar – como não


opinou - acerca de matéria de engenharia, uma vez que ele não possui conhecimento
técnico para deliberar ou exigir sobre o assunto. Neste ponto, o Parquet, mais uma
vez se contradizendo, optou por ignorar a divisão de departamentos e as delegações
de funções existentes na organização funcional do clube. Não pode o Ministério
Público exigir que uma pessoa sem formação profissional e carente de conhecimento
técnico perceba eventual falha estruturalou descumprimento de norma que regule a
engenharia sobre fatos que não sãorelativos à sua função.

99. Por este motivo é que o clube possui diversos departamentos, cada um
composto por profissionais formados e capacitados para o desempenho de uma
função específica, e, ainda, quando necessário contratou empresas ou pessoas com
conhecimento técnico e legal necessários para suas demandas.

100. Como a própria denúncia narra, às fls. 33, dessa vez com acerto, “o
fluxograma das instalações seguiam a seguinte dinâmica: o futebol demandava a necessidade,

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por exemplo, de mais quartos, mais alojamentos, essa demanda era direcionada à Diretoria
de Administração e esta passava para Paulo Dutra, na Diretoriade Meios, que repassava a
necessidade para a Diretoria de Patrimônio, que viabilizava junto à NHJ as instalações
solicitadas pelo DENUNCIADO MARCELO MAIA DE SÁ ou Paulo Dutra. O Diretor de
Meios era Paulo Dutra, que ficou até o ano de 2017, sendo substituído p elo DENUNCIADO
MARCIO GAROTTI.”

101. Sendo assim, a denúncia não expõe se o embargante se certificou ou não


acerca da primeira mudança e, ainda que não tivesse se certificado, não assinala os
motivos pelos quais ele deveria assim fazer, já que existiam outros departamentos
com conhecimento técnico e responsáveis por tal fiscalização. Frise-se que os fatos
em questão ocorreram no espaço ocupado (contêineres) após a segunda mudança e
não da primeira, quando se alega queteria sido uma solicitação de Carlos Noval.

102. Via de consequência à má formulação da denúncia, a acusação acabou por


não externar a presença do imprescindível elemento subjetivo (culpa), limitando-se
a apontar que seria ele o responsável pelo delito ora imputado apenas por ocupar
certo cargo, circunstância que obstaculiza, à inteireza, o exercício de sua defesa em
juízo.

103. Assim, e na linha do que foi acima esquadrinhado, o quadro presente é


inequivocamente revelador da tentativa de atribuição da responsabilidade
objetiva na seara penal.

104. De acordo com BETTIOL, “a responsabilidade penal é apenasresponsabilidade


pela ação, pelo fato próprio, nunca pelo fato alheio”14.

105. Ambas as Turmas especializadas em matéria criminal do Superior Tribunal


de Justiça já decidiram que a simples condição de diretor ou sócio
gerente/administrador em determinada empresa não autoriza a imputação de
crimes cometidos em seu âmbito, como exemplo os RHC’s 19728/PR15 e 35687/SP16.

14 Direito Penal,v. 1, p. 278, 1966.

15 2. O simples fato de o réu figurar como um dos diretores de uma pessoa jurídica que, na condição de
participante de processo licitatório, teria, em tese, fraudado a licitação, não autoriza a instauração de
processo criminal, se não restar comprovado o vínculo entre a conduta e o agente, sob pena de se
reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva.
16 Este Corte Superior tem reiteradamente decidido ser inepta a denúncia que, mesmo em crimes societários

e de autoria coletiva ,atribui responsabilidade penal à pessoa física, levando em consideração apenas a

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106. Por fim, saliente-se que a própria denúncia, com a sua correta
contextualização fática, narra que:

- A acomodação dos atletas do time da base em alojamentos de


contêineres se deu em dois momentos, por motivos diferentes e em
estruturas físicas distintas;
- Carlos Noval teria sugerido, no primeiro momento, aos
Departamentos competentes a transferência do alojamento do time
da base para o local onde ficavam os jogadores profissionais, pois os
mesmos estavam sendo acomodados no CT1, que havia sido
inaugurado;
- Essa transferência ocorreu por decisão do Departamento
competente, que incluía engenheiros e demais profissionais;
- A transferência do time da base para os novos contêineres (localdo
acidente) se deu por decisão da administração do Clube de Regatas
do Flamengo, em razão do início das obras do CT2 (Centro de
treinamento 2);
- Carlos Noval deixou de ter qualquer ligação ou
responsabilidade gerencial de futebol da equipe do time da baseem
março de 2018, ou seja, 11 meses antes dos fatos (fevereiro de2019),
quando foi transferido para assumir a Diretoria do Futebol
Profissional.

107. Diante de tamanha incongruência na narrativa ministerial, simplesmente


não é possível à defesa apresentar qualquer contra argumentação, pois sequer
entende-se a imputação, restando clara a inépcia formal da peça inaugural, bem
como a ofensa aos princípios constitucionais daampla defesa e ao contraditório (art.
5º, LV, CFRB), impondo-se a manutenção da decisão que rejeitou a denúncia, com
lastro não só no inciso III, como também no inciso I do artigo 395, do CPP.

5. DO PEDIDO.

39. Pelo exposto, pede-se o conhecimento e o provimento deste Embargos

qualidade dela dentro da empresa, deixando de demonstrar o vínculo desta com a conduta delituosa, por
configurar, além de ofensa à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, responsabilidade
penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio.5. No caso dos autos, observa-se que não se
demonstrou de que forma os recorrentes concorreram para o fato delituoso imputado a eles na acusação,
tendo sido atribuída a conduta criminosa exclusivamente pelo fato de eles serem sócios-gerentes da
empresa.

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infringentes, a fim de que prevaleça o voto lavrado pela Eminente Desembargadora


Mônica Tolledo, mantendo-se, desta forma, a decisão que rejeitou a denúncia em
relação ao embargante, nos termos do do artigo 395, inciso I ou III, do CPP; ou a
sua absolvição sumária, com base no artigo 397, III, do CPP.

Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2021.

Raphael Mattos Rafael Campbell


OAB/RJ 91.172 OAB/RJ 177.957

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