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Amador Versus Profissional 1

por Maya Deren

O maior obstáculo para os cineastas amadores é sua própria noção de infe-


rioridade em relação às produções profissionais. O próprio termo “amador” tem
um tom apologético. Mas essa mesma palavra, “amador” – do latim “amator” –,
significa alguém que faz algo por amor pela coisa em vez de por motivações fi-
nanceiras ou por necessidade. E é esse o significado do qual o cineasta amador
deve tirar sua inspiração. Em vez de invejar o roteirista, o dialoguista, os atores
treinados, os sets, as equipes melhores equipadas e o enorme orçamento de um
filme profissional, o amador deve fazer uso da grande vantagem que todos os pro-
fissionais invejam, nomeadamente, a liberdade – tanto artística quanto física.
Liberdade artística quer dizer que o cineasta amador jamais é forçado a sa-
crificar a beleza e o drama visual em nome de um fluxo de palavras, palavras,
palavras, e palavras; em nome da inexorável progressão e explicação de uma
trama, ou do tempo de tela de uma estrela ou de um produto patrocinado. Também
não se espera de uma produção amadora o retorno de um grande investimento, ao
ter conseguido manter a atenção do grande público por 90 minutos.
Assim como o fotógrafo amador, o cineasta amador pode se dedicar a cap-
turar a poesia e a beleza dos lugares e dos acontecimentos, e, desde que esteja
usando uma câmera de cinema, pode explorar o vasto mundo da beleza dos movi-
mentos. (Um dos filmes que ganharam menção honrosa no Creative Film Awards
de 1958 foi ROUND AND SQUARE, um tratamento rítmico e poético dos dan-
çantes faróis dos carros conforme passavam pela estrada, sob as pontes, etc.) Em
vez de tentar criar uma trama que se mova, use o movimento, ou o vento, ou a
água, as crianças, as pessoas, os elevadores, os bailes, etc. da forma como um po-
ema deve celebrá-los. E use sua liberdade para experimentar ideias visuais; os seus
erros não te farão ser demitido.
Liberdade física inclui liberdade temporal – liberdade dos prazos impostos
pelo orçamento. Mas, acima de tudo, o cineasta amador, com o seu pequeno e leve
equipamento, é dotado de imperceptibilidade (as filmagens espontâneas2) e de uma
mobilidade física que é justamente o que muitos profissionais invejam, sobrecar-
regados por seus monstros de várias toneladas, cabos e sua equipe. Não se esqueça
que ainda não foi construído um tripé tão miraculosamente versátil no movimento
como o complexo sistema de ossos, juntas, músculos e nervos que é o corpo hu-
mano, que, com um pouco de prática, torna possível a grande variedade de ângulos

1
Film Culture N°39 (1965), pp. 45-46.
2
“Candid shooting”, “fotografia cândida”. [N. do T.]
de câmera e de ação visual. Você tem tudo isso, e também um cérebro, num único
pacote, organizado, compacto, e móvel. Câmeras não fazem filmes; cineastas fa-
zem filmes.
Aprimore os seus filmes não adicionando equipamentos ou uma equipe
maior, mas usando o que você tem em sua capacidade máxima. A parte mais im-
portante do seu equipamento é você mesmo: o seu corpo móvel, a sua mente ima-
ginativa, e a sua liberdade em usar ambos. Certifique-se de usá-los.

(Tradução: Miguel Fernandes)

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