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RANGEL DE ALMEIDA MATOS JÚNIOR

A “NARRAÇÃO” NO PRIMEIRO CINEMA

Ensaio apresentado
como avaliação parcial na disciplina de
História e Estética do Cinema I

Professor: Christian Hugo Pelegrini

Juiz de Fora

2023
DESENVOLVIMENTO

Muito se fala que o início da história do cinema se deu a partir da


invenção de máquinas capazes de sintetizar o movimento. E sim, sem o
desenvolvimento destas, provavelmente ele não seria o poderoso
fenômeno cultural que é. Não obstante, quando o assunto trata sobre
artifícios que possibilitaram esta arte atingir seu atual patamar, a criação
dos chamados cinematógrafos ocupam um papel muito mais de “recurso
para maior imersão do espectador” do que propriamente de um
equipamento que permitiu a verdadeira essência do cinema ser aflorada.
Na verdade o cinema se permitiu ser o que é porque muito antes da
criação das câmeras, a principal característica presente no modelo que se
estabeleceu como dominante já vinha sendo desenvolvida há tempos.
Estou falando das narrativas, que desde o século XVII já eram “treinadas”
a percorrerem o caminho da escrita/fala em direção a imagens em
movimento, com os espetáculos de lanterna mágica. Esta cultura
desenvolveu público e instituições, e estes sim eram os reais entusiastas
da máquina de sintetizar movimentos como meio para contar histórias, e
não quem realmente a criou.
No final do século XIX e início do XX o cinema se preocupou mais
em se acostumar com a novidade daquele dispositivo técnico que era o
cinematógrafo do que propriamente com a narrativa. O fato dele ter
iniciado como só mais uma atração entre tantas outras presentes nos
vaudevilles (casas de espetáculo de variedades freqüentado pelas
camadas proletárias) prova que ainda não se tinha grande empenho dos
mais politizados para que a arte fosse plenamente desenvolvida para um
caminho de maior duração e envolvimento do espectador com a obra.
Foi só a partir do incômodo dos investidores cinematográficos com o
cinismo e perversão dos números apresentados nos vaudevilles que as
produções começaram a caminhar para uma maior complexidade de seus
filmes, com a intenção agora de atrair também a classe média e a
burguesia. Não foi algo tão simples. O cinema ainda estava muito atrelado
àqueles mais humildes, e portanto, o preconceito para freqüentar os
lugares de exibição era intenso.
Aliado ao desejo dos produtores de lapidar melhor o conteúdo pró-
fílmico, a onda de moralidade que o governo dos Estados Unidos impôs
aos nickelodeons bem ou não ditou o rumo ao qual o cinema estava
destinado: “(...) era preciso dar legitimidade ao cinema, superar a reação e
os preconceitos das classes mais ilustradas, aplacar a ira dos
conservadores e moralistas e sobretudo inscrever o cinema no universo
das belas-artes.” (ARLINDO MACHADO, 1997, p. 87).
Então pouco a pouco o cinema abandona os modelos fantasiosos
dos primeiros filmes e começa a acreditar no naturalismo para contar suas
histórias. Neste ponto eram as chamadas atualidades reconstituídas que
entravam em cena. Com isso as películas começam a se identificar e a
ensinar o espectador.
No começo deste atual ensaio eu disse que a principal característica
do cinema que conhecemos, a narrativa, vem sendo desenvolvida muito
antes da criação dos aparelhos fílmicos. Entretanto, não dispenso que
muita coisa teve de ser aprendida com o surgimento dos cinematógrafos.
A narratividade jamais atingiria seu estado mais otimizado caso a câmera
se mantivesse nos mesmos padrões dos primeiros filmes, aquele
convencionado no teatro: plano geral e estática. Mas antes de descobrir
que com seus próprios meios o cinema poderia ir em direção a contar
histórias, foi-se convencionado por alguns anos a existência de um
conferencista a fim de explicar o conteúdo das exibições.
Vista a necessidade dos produtores de construir narrativas a partir
de atualidades reconstituídas e o desgaste com a inconveniência do
suporte verbal prestado pelo conferencista, começam a serem pensadas
formas do cinema por si só conseguir prender o público. Era necessário
ensinar àqueles acostumados com toda uma estrutura teatral o poder de
um corte e de um plano na narração de uma história.
Primeiramente os homens de cinema precisaram entender que a
insistência num plano geral para todo caso acarretará em perdas de
informações importantes e absorvimento de informações irrelevantes, e
então para superar tal problemática é lançado mão da utilização dos
diferentes planos em uma mesma cena, a fim de dirigir o olhar do
espectador ao que realmente interessa. Inicia-se aí o processo de
linearização da história e o cinema consegue começar a narrar utilizando-
se dos seus próprios artifícios.
Foi um processo difícil tanto para os diretores quanto para o público
se acostumarem com este recurso, que por muitas vezes em suas
primeiras aparições foi aplicado equivocadamente, como no filme “Life of
na american fireman” de Edwin S. Porter. O uso do paralelismo para exibir
uma mesma cena (o salvamento da mulher e da criança) de perspectivas
diferentes, hoje em dia entendemos como desnecessário, mas na época
não se tinha a noção que diferentes cenas e planos poderiam ser
intercaladas que ainda assim não abandonariam sua linearidade, muito
pelo contrário, traria mais dinamismo para a história. Também é possível
observar que na cena em que os bombeiros descem pelo tubo metálico,
há uma repetição de ações quando se corta para o plano seguinte, a qual
se faz inapropriada nos moldes do cinema atual. A não ser que, como bem
observado pelo professor Christian, os bombeiros estivessem no mais alto
andar de um prédio enorme.
Neste ponto em que o cinema havia descoberto um de seus maiores
trunfos, o surgimento de David W. Griffith com seus roteiros moralizantes e
seus estudos que buscavam aperfeiçoar cada vez mais as técnicas de
narratividade foi essencial para que em 1915 o sistema que deu a tônica
do cinema hollywoodiano estivesse consolidado. Ele é responsável por
inserir o plano americano no cinema, que permitiria captar mais
expressões dos personagens ao se aproximar deles. O tal dinamismo que
Porter deveria ter aplicado na obra que citei a pouco também é muito
desenvolvido por Griffith em seus filmes. Os dois utilizam-se de ações
paralelas, mas o segundo ao contrário do primeiro explora potenciais
emotivos em todas as cenas em prol de aplicar um juízo de valor ao
espectador no final da história. O paralelismo de Griffith foi tão bem
desenvolvido que em certo momento culminou em um modo ainda mais
dinâmico, o qual consistia na simultaneidade das cenas no pró-fílmico,
estamos falando do campo/ contracampo.
“(...) a contribuição maior de Griffith foi conseguir orquestrar os
fragmentos chamado planos com uma tal habilidade, que eles resultam
coerentes para a perspectiva do espectador. (...) O narrador seria, portanto
aquela entidade invisível que organiza a matéria fílmica e lhe dá uma
forma de apresentação ao espectador. Por meio da hábil seleção das
durações , dos campos e dos ângulos de visão, o narrador torna possível
ao espectador, num certo sentido, “entrar” no universo diegético e circular
dentro dele como um observador privilegiado, que vê sem ser visto.”
(ARLINDO MACHADO, 1997, p. 152)

REFERÊNCIAS
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós cinemas. Papirus Editora, 1997.

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