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Rastreamento em pacientes portadores de doença crônica do

fígado: proposta de rastreamento

D enise C erqueira P aranaguá V ezozzo 1

Segundo a Organização Mundial de Saúde, existem dez decisão demonstrou que a taxa de incidência de 1,5% é
critérios já bem reconhecidos na comunidade científico- suficiente para se iniciar o programa de rastreamento5.
médico para que uma doença seja incluída num programa
de rastreamento, e este, por sua vez, definido pela repetição 2. Existe uma população alvo.
de um teste diagnóstico em paciente de risco. Por exemplo, Já é bem reconhecido que o grande ambiente para o desen-
estes critérios também são aplicados no rastreamento do volvimento do CHC é a cirrose hepática, em que existe a
câncer de mama, de próstrata, cólon e aqui, particularmente, inflamação com todos os seus componentes desencadea-
abordaremos o de fígado. dores, melhores reconhecidos no processo da hepatocar-
cinogênese. Recente guideline publicado por Bruix e Sherman
Como o nosso foco é a doença crônica do fígado e tumor (tabela na pg. 14), recomendou 10 grupos distintos de
hepático de forma preventiva, com a proposta do rastreamento, pacientes para o rastreamento, baseando-se em evidências de
vamos pinçar alguns destes seis requisitos, defendendo a tese incidência de CHC e limite de incidência de CHC por eficácia
da necessidade preemente do programa de rastreamento de rastreamento, considerando o custo efetivo da intervenção
através da ultrassonografia (US) em nossos centros univer- para cada ano adicional de vida ao redor de 50 mil dólares6.
sitários e hospitais com serviço de transplante ou mesmo até 13
centro terciário, mostrando a nossa experiência, com dados 3. O tratamento da doença oculta deve oferecer vantagem
de incidência anual do carcinoma hepatocelular (CHC) em sobre a doença sintomática.
nosso meio. O trabalho de Zhang, BH e cols.7 é o único na literatura
randomizado controlado, que demonstrou uma redução da
Com base na literatura atual demonstraremos a importância mortalidade em 37% no braço do rastreamento bianual.
de cada tópico do rastreamento ou vigilância, pré-requisito Outro importante trabalho de coorte, do grupo de Colombo
de avaliação do hepatopatas, através da monitorização pela e cols.3, demonstrou um aumento da sobrevida dos pacientes
ultrassonografia, em busca da detecção precoce do tumor cirróticos com CHC detectado durante o rastreamento no
hepático, afim de se obter condições de tratamento curativo, terceiro quinquênio. Em ambos estudos, os pacientes puderam
reduzindo significativamente a mortalidade. Dentre estes ser contemplados com um tratamento mais precoce e mais
requisitos destacamos: radical, e melhor sobrevida. No trabalho de revisão de Llovet
e Bruix do Journal Hepatology de 2008 sobre Novos Avanços
1. A doença é um problema de saúde pública. do Manejo do CHC8, eles realçam que “o sucesso do programa
É a 3ª. causa de morte de câncer no mundo, ou responsável de rastreamento e a disponibilidade das terapias efetivas tem
por cerca de 600 mil mortes/ano. No Brasil é 8º causa de modificado o cenário clínico enfrentado pela comunidade
mortalidade de câncer. Atualmente, a incidência no Brasil é científica. Atualmente, o CHC pequeno é diagnosticado em 30
de 10 mil casos/ano e projeta-se para 2030 20 mil casos/ a 40% dos casos em países desenvolvidos que, por sua vez,
ano, segundo dados do Globocan1. No nosso ambulatório adotam tratamento curativo”.
de hepatologia da Disciplina de Gastroenterologia do HC-
FMUSP, num estudo de coorte com 1037 pacientes cirróticos 4. O teste de screening deve justificar seu custo.
ao longo de 10 anos, quase 2/3 por VHC, a incidência anual 5. Possibilidade de reconvocação (recall).
de carcinoma hepatocelular (CHC) foi de 2,86%2, próxima à 6. O teste deve ter boa acuracidade (relacionada a random
italiana, do grupo de Sangiovanni e cols. de 3,4%3, e inferior error ou não diferenciado: habilidade da medida estar correta,
às populações japonesas e chinesas, cujas médias oscilam na média).
em valores de até 10%4. A maioria dos investigadores utiliza
como medida a taxa de incidência ou densidade de incidência, Estes três itens foram agrupados de tal forma em responder
que leva em conta a velocidade com que os eventos novos focando a ultrassonografia, o atual melhor método do ras-
ocorrem no período do estudo. Um modelo de análise de treamento segundo guidelines americano, europeu6 e japonês4.

1. Médica Pesquisadora da Disciplina de Gastroenterologia do Serviço de Gastroenterologia Clínica do HC da FMUSP

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


R astreamento em pacientes portadores de doença crônica do fígado : P roposta de rastreamento .

Tabela A

Groups for whom HCC surveillance in recommended or in whom the risk of HCC is increased, but in whom efficacy of
surveillance has not been demonstrade
Surveillance recommended
Threshold incidence for efficacy of
Population group Incidence of HCC
surveillance (> .25 LYG)(%/year)
Asian male hepatitis B carriers over age 40 0.2 0.4-0.6%/year
Asian female hepatitis B carriers over age 50 0.2 0.3-0.6%/year
Hepatitis B carrier with family history of HCC 0.2 Incidence higher than without family history
African/North American Blacks with hepatitis B 0.2 HCC occurs at a younger age
Cirrhotic hepatitis B carriers 0.2-1.5 3-8%/yr
Hepatitis C cirrhosis 1.5 3-5%/yr
Stage 4 primary biliary cirrhosis 1.5 3-5%/yr
Genetic hemachromatosis and cirrhosis 1.5 Unknown, but probably > 1.5%/year
Alpha 1-antitrypsin deficiency and cirrhosis 1.5 Unknown, but probably > 1.5%/year
Other cirrhosis 1.5 Unknown
Surveillance benefit uncertain
Hepatitis B carriers younger than 40 (males) or 50 (females) 0.2 < 0.2%/yr
Hepatitis C and stage 3 fibrosis 1.5 < 1.5%/yr
Non-cirrhosis NAFLD 1.5 < 1.5%/yr

A ultrassonografia é a ferramenta mais versátil, atual, e com Um recente trabalho de metanálise de Marrero e cols.9
maior sensibilidade para o rastreamento, ainda que levando demonstrou que o pool de sensibilidade do US foi de 94%
em conta a história do diagnóstico do CHC nos últimos 30 para a detecção dos CHC antes de manifestação clínica
14 anos. É um método simples, de fácil acesso, baixo custo, sem destes tumores e de 63% para os tumores precoces no
irradiação, tem boa acurácia e evoluiu em alta tecnologia rastreamento com US. Outra conclusão importante foi um
digital com aparelhos de última geração conhecidos como aumento significativo na detecção precoce destes tumores
high ends que ganharam grandes definições de imagens. Em pequenos ≤ 2 cm, em intervalos menores que 1 ano, e sem
contrapartida, temos que considerar o fato de ser operador ganho adicional com a alfafeto proteína.
dependente, necessitando do conhecimento clínico para se
potencializar os achados sonográficos. Abaixo o algoritmo Com relação a custo, temos na literatura trabalhos com
para rastreamento de CHC em pacientes cirróticos (figura modelos e resultados conflitantes sobre análises de custo
1), a cada seis meses, a partir da ultrassonografia, segundo eficácia, porém, a maioria, mostra que o rastreamento
o guideline 2010. do US é custo efetivo6, diferentemente para Tomografia

HCC
Figura 1 - Algorithm for investigation
of small nodules found on screening
< 1 cm > 1 cm
in patients at risk for HCC (MDCT =
multidetector CT scna)
Repeat US at 3 months 4-phrase MDCT / dynamic
contrast enhanced MRI

Growing/changing Stable
Arterial hypervascularity AND
character
venous or delayed phase
washout

Investigate
Yes Other contrast enhanced No
according to size
study (CT or MRI)

HCC Arterial hypervascularity AND Biopsy


venous or delayed phase
washout

Yes No

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D. C. P. V ezozzo

Computadorizada e Ressonância Nuclear Magnética. Temos 60% como no ocidente, como na Europa6, ou bem superior
também que lembrar que o custo eficácia é dependente que os níveis de 17% de rastreamento regular ou de 33% de
da incidência do CHC cujo cut-off 1,5-2%/ ano, como já rastreamento irregular como mostrou um recente trabalho
mencionamos anteriormente. A eficácia é definida como vida de El-Serag e cols. nos EUA10.
ganha por ano, por exemplo, qualidade ajustada (QUALY).
Vale destacar que o custo eficácia é um instrumento para
acessar o efeito potencial de uma intervenção na evolução Referências
de uma doença. É uma análise do custo efetividade (CEA); é
a forma econômica de análise que compara o custo relativo
1. F erlay J, Shin HR, Bray F, Forman D, Mathers C and Parkin
e o efeito de duas ou mais ações em curso. É distinta da
DM. GLOBOCAN 2008, Cancer Incidence and Mortality
análise custo benefício que designa um valor monetário para Worldwide: IARC CancerBase No.10 [Internet]. Lyon,
medir o efeito. France: International Agency for Research on Cancer, 2010.
Avaible from: http://globocan.iarc.fr.
2. Paranaguá-Vezozzo, DC, Ono-Nita, SK, Dias França, JI,
Kikuchi, LOO, Chagas, AL, Alencar, RSSM, Melo, ES,
Conclusões Cunha-Silva, M, Rocha, LA, Alves, VA, Carrilho, FJ. 10
years Surveillance program for Hepatocellular Carcinoma
in Cirrhotic patients in São Paulo, Brasil. EASL Special
Embora a literatura tenha somente um único trabalho
Conference: Hepatocellular Carcinoma: from Genomics to
controlado randomizado controlado7, grau I de nível de Treatment. Dubrovnik, Croatia. June 25-26, 2010.
evidência, que sustenta a importância para o rastreamento 3. Sangiovanni A, DNinno E, Fasani P, De Fazio C, Rochi
dos pacientes cirróticos para detecção precoce do CHC, G, Romeo R, Morabito A, De Franchis R, Colombo M.
Increased Survival of Cirrhotic Patients With a Hepatocellular
15
existem na literatura excelentes trabalhos de coorte, grau
II-2, citando pelo menos o do grupo de Colombo e cols.3 Carcinoma Detected During Surveillance. Gastroenterology
que prova novamente a necessidade desta prática na rotina 2004; 126:1005-1014.
4. Michitaka K, Nishiguchi S, Aoyagi Y, Hiasa Y, Tukumoto Y,
clínica.
Onji M (The Japan Etiology of Liver Cirrhosis Study Group).
Etiology of liver cirrhosis in Japan: a nationwide survey. J
É necessário o conhecimento dos níveis de incidência anual Gastroenterol 2010; 45:86-94.
de CHC nos nossos centros. É necessário o envolvimento 5. Sarasin FP, Giostra E, Hadengue A. Cost-Effectiveness of
entre as disciplinas envolvendo os hepatologistas, cirurgiões, Screening for Detection of Small Hepatocellular Carcinoma
transplantadores, oncologistas, radiologistas intervencionistas, in Western Patients with Child-Pugh Class A Cirrhosis. The
American Journal of Medicine 1996; 101:422-434.
radiologistas oncologistas, ultrassonografistas.
6. Bruix J & Sherman M. Management of Hepatocellular
Carcinoma: An Update. AASLD Practice Guideline. Hepa-
É preciso esforço de todos para que a aderência ao tology 2010.
rastreamento seja de fato 100%, como no Japão, onde se 7. Zhang BH, Yang BH, Tang ZY. Randomized controlled
tem altas taxas de diagnóstico precoce de CHC8, melhor que trial of screening for HCC. J Cancer Res Clin Oncol 2004;
130(7):417-422.
8. Llovet J, Bruix J. Novel advancements in the management
Table 1. Levels of Evidence According to Study Design of Hepatocellular carcinoma in 2008. J Hepatol 2008; 48
Suppl 1:S20-37.
Grade Definition 9. Singal A, Volk ML, Waljee A, Salgia R, Higgins P, Rogers
I Randomized controlled trials MAM, Marrero JA. Meta-analysis: surveillance with ultra-
sound for early-stage hepatocellular carcinoma in patients
II-1 Controlled trials without randomization
with cirrhosis. Aliment Pharmacol Ther 2009; 30:37-47.
II-2 Cohort or case control analytic studies 10. Davila JA, Morgan RO, Richardson PA, Du XL, McGlynn
II-3 Multiple time series KA, El-Serag HB. Use of Surveillance for Hepatocellular
Carcinoma among patients with Cirrhosis in United States.
Dramatic uncontrolled experiments Hepatology 2010; 52(1):132-141.
III Opinion of respected experts
Descriptive epidemiology

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Discutidor da Evidência Científica detecção por ultrassonografias realizadas semestralmente
em comparação com periodicidade anual.

A revisão de Bruix e Sherman (Hepatology 2010) também


Rastreamento de CHC em recomenda a mesma periodicidade e a utilização do ultras-
portadores de doença crônica do som sem alfa-fetoproteína.
fígado: proposta de rastreamento
Para a estratégia de rastreio com intervalo de screening de
F rancisco S outo 1 seis meses em vez de 12 meses, o nível de evidência é 1A e
o grau de recomendação A.
Foram listadas quatro referências como base para a revisão
Este rastreamento deve ser feito com ultrassom, com grau de
realizada pela Dra. Denise. Essas citações consistiam em uma
recomendação B, baseado em nível de evidência 2A, pois o
metanálise, uma revisão não-sistemática e dois trabalhos
exame tem sensibilidade baixa.
retrospectivos sobre dados secundários. A metanálise de
Singal et al. (Aliment Pharmacol Ther 2009) utilizou as bases
Já a utilização de alfa-fetoproteína não tem sustentação
de dados Medline e Scopus, detectando 192 abstracts
razoável, com nível de evidência 3A (exame de sensibilidade
revistos. Ao final, 13 artigos preenchiam os critérios criados
e especificidade baixas).
pelos autores, possibilitando análise estatística a respeito
de dados de 3.548 pacientes. Conclui-se que o screening
com ultrassonografia cada 6 meses foi superior ao screening
16 anual, mas sensibilidade para detecção de CHC precoce foi Referências
de apenas 63%. A dosagem semestral de alfa-fetoproteína
não acrescentou sensibilidade. 1.  ingal A, Volk ML, Waljee A, Salgia R, Higgins P, Rogers MA,
S
Marrero JA. Meta-analysis: surveillance with ultrasound
O estudo de coorte retrospectivo de Davila et al. (Hepatology for early-stage hepatocellular carcinoma in patients with
cirrhosis. Aliment Pharmacol Ther. 2009;30(1):37-47.
2010) reuniu informação sobre 1873 pacientes com
2. Davila JA, Morgan RO, Richardson PA, Du XL, McGlynn
carcinoma hepatocelular, da base de dados do Medicare KA, El-Serag HB. Use of surveillance for hepatocellular
norte-americano (1994-2002), mas o foco deste trabalho não carcinoma among patients with cirrhosis in the United
foi averiguar a melhor forma e periodicidade de rastreamento States. Hepatology. 2010;52(1):132-41.
do CHC, mas sim, saber quão regularmente os pacientes sob 3. Santi V, Trevisani F, Gramenzi A, Grignaschi A, Mirici-Cappa
risco estavam sendo reavaliados. F, Del Poggio P, Di Nolfo MA, Benvegnù L, Farinati F, Zoli M,
Giannini EG, Borzio F, Caturelli E, Chiaramonte M, Bernardi
M; Italian Liver Cancer (ITA.LI.CA) Group. J Hepatol.
Outro estudo retrospectivo, feito na Itália por Santi et al.
2010;53(2):291-7.
(J Hepatol 2010), utilizou a base de dados ITA.LI.CA centers 4. Bruix J, Sherman M. Management of hepatocellular
e compilou informações de 634 casos de CHC. Houve maior carcinoma: an update. Hepatology 2010.

1. Hepatologista e Professor de Metodologia Científica da Universidade Federal de Mato Grosso

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Tratamento paliativo do CHC - Resultados da
quimioembolização. Proposta de indicação

V aléria C ardoso de S ouza 1

A Incidência do carcinoma hepatocelular (CHC) está aumen- somente em 2002, quando o grupo de Barcelona publicou
tando. Apesar dos programas de vigilância na população de no Lancet estudo randomizado comparativo da abordagem
risco, nem sempre o CHC é diagnosticado na fase inicial, do CHC com tratamento conservador X embolização X
quando o tratamento curativo com ressecção cirúrgica, quimioembolização2, que a quimioembolização demonstrou
ablação ou transplante hepático ainda é factível, restando superioridade com aumento na sobrevida em 1 e 2 anos
como opção terapêutica a quimioembolização. (63% e 27%, 75% e 50%, 82% e 63% respectivamente).

A técnica de quimioembolização foi inicialmente descrita Na última década observamos grande avanço na técnica de
em 1981 por Kato e cols., e consiste na associação da cateterismo e com o desenvolvimento de microcateteres,
infusão de quimioterápico à embolização do leito vascular ficou possível o tratamento seletivo do CHC preservando o
tumoral1. O CHC é particularmente sensível ao tratamento parênquima hepático não acometido pelo tumor.
com quimioembolização devido a sua intensa atividade neo-
angiogênica. A quimioembolização tornou-se mais segura, com menor
incidência de feitos colaterais, podendo ser realizada em
Em sua fase muito inicial, o CHC é pobremente vascularizado pacientes com doença hepática avançada e mesmo na 17
e seu suprimento sanguíneo vem da veia porta, porém à presença de trombose da veia porta, até então considerada
medida que o tumor cresce, o suprimento sanguíneo torna- contraindicação formal ao tratamento. No período de janeiro
se progressivamente arterializado; mesmo tumores bem de 2001 a julho de 2008 tratamos 179 pacientes com CHC
diferenciados são supridos predominantemente pela artéria utilizando a técnica de quimoembolização com cateterismo
hepática, sendo esta a base que justifique a eficácia terapêutica supersseletivo, e apesar da grande diversidade de pacientes,
da quimioembolização. Apesar da grande utilização em todo incluindo tumores avançados e trombose da veia porta, a
o mundo da quimioembolização no CHC irresecável, foi incidência de efeitos colaterais maiores foi mínima (Figura. 1).

Figuras 1: Paciente masculino, 38 anos, sem hepatopatia, apresentando CHC gigante, com anasarca, dor abdominal intensa e mal
estado geral. Tratamento com quimioembolização seriada, havendo importante melhora clínica e sobrevida de 1 ano.

Figura 1a a) MR Pre- Figura 1b b) Angiografia Figura 1c c) Portografia


Tratamento: volumoso hepática arterial com
CHC infiltrativo mostra lesão amputação
acometendo todo o hipervascular do ramo
parênquima hepático, com padrão portal direito
com compressão da infiltrativo e volumosa
veia cava inferior e difuso; hepatomegalia;
trombo tumoral na
veia porta;

Figura 1d d) MR 1 mês após- Figura 1e e) Portografia arterial


quimioembolização: 2 meses após tratamento
redução volumétrica e inicial e pré-terceira
áreas de necrose do quimioembolização: redução
tumor, com liberação significativa do volume
parcial da veia cava hepático com liberação
inferior; e parcial do ramo direito da
veia porta.

1. Radiologista Vascular e Intervencionista - São Paulo – SP

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T ratamento P aliativo do CHC - R esultados da Q uimioembolização. P roposta de indicação

Figuras 2: Paciente masculino, 87 anos, cirrose pelo vírus da hepatite C. CHC diagnosticado em exames de controle.
Tratamento com quimioembolização com esferas carreadoras de quimioterápico apresentando bom resultado, porém
aparecimento de “novo” CHC em 10 meses. CHC controlados somente com quimioembolização.

Figura 2a Figura 2d

a) RM pré-tratamento: CHC segmento VI;

Figura 2b

d) Tomografia de controle 10 meses após tratamento inicial: novo


CHC no segmento IV-A;

18
Figura 2e

b) Angiografia hepática mostra tumor


hipervascular no segmento VI,
tratamento com quimioembolização
e) Angiografia hepática mostra o tumor hipervascular e cateterismo
supersseletiva (DC Bead 100-300
supersseletivo artéria segmento IV-A pré-quimioembolização (DC
micras + doxorrubicina 50mg);
Bead 100-300 micras + doxorrubicina 50mg);

Figura 2c
Figura 2f

c) R M 30 dias após tratamento:


tumor avascular, indicando não f) Angiotomografia após-tratamento mostrando ausência de
viabilidade tumoral; vascularização em CHC no segmento VI e IV-A.

Mais recentemente, com o desenvolvimento das esferas quimioterápico no interior do tumor e redução da passagem
carreadoras de quimioterápico (DC Bead – Biocompatibles da droga para a circulação sistêmica. A quimioembolização
UK Lda), a técnica de quimoembolização teve importante com esferas carreadoras de quimioterápico, não somente
avanço. As esferas promovem liberação lenta e prolongada apresentou melhor eficácia com aumento da necrose tumoral,
do quimioterápico, com aumento na intensidade e duração da como também mostrou redução significativa na incidência de
isquemia assim como elevação da concentração do agente efeitos adversos da quimioterapia.

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V. C. S ouza

Em 2010 foi publicado o resultado do PRECISION V, estudo Atualmente já se considera que a quimioembolização com
multicêntrico fase II, que compara a segurança e a resposta esferas carreadoras de quimioterápico em “mãos hábeis”
terapêutica da quimioembolização convencional com a da pode ser tratamento curativo no CHC, o que constatamos
quimioembolização com esferas carreadoras de quimiote- na prática. Em tumores menores o maior problema é o
rápico. Este estudo demonstrou redução significativa na aparecimento de um novo tumor e não a recidiva local, tal
toxidade hepática e sistêmica da doxorrubicina apesar da alta como acontece com a ablação (Figura 2).
dose utilizada nos pacientes submetidos à quimioembolização
com esferas carreadoras de quimioterápico. Pacientes de alto
risco, com doença avançada tiveram vantagem significativa Referências
com controle da doença e boa tolerância ao tratamento, grupo
este em que geralmente a indicação da quimioembolização é
1. 
Kato T. Arterial chemoembolization with microencapsu-
questionada3.
lated anticancer drug. An approach to selective cancer
chemotherapy with sustained effects. JAMA 1981; 245:
No período de novembro de 2007 a novembro de 2009, 1123-1127.
realizamos 147 quimioembolizações com esferas carreadoras 2. Llovet JM, et al Barcelona Clinic Liver Cancer Group. Arterial
de quimioterápico em 94 pacientes com CHC. Tal qual Embolization or chemoembolization versus symptomatic
o estudo PRECISION V, observamos melhor tolerância treatment in patients with unresecable HCC: a randomized
controlled trial. Lancet 2002; 359: 1734-39
ao tratamento, especialmente em pacientes com doença
3. Varela M, Real MI, com. Chemoembolization of hepato-
avançada. cellular carcinoma with drug eluting beads: Efficacy and
doxorubicin pharmacokinetivs. Journal of Hepatology 2007;
Porém diferentemente do estudo PRECISION V, priorizamos 46: 474-481. 19
a utilização de esferas de menor diâmetro, sendo nítido o 4. Lammer J, Malagari K, col. Prospective Randomized Study
aumento da necrose tumoral com a utilização de esferas of Doxorubicin-Eluting-Bead Embolization in the Treatment
100-300 micras, funcionando em tumores menores como of HCC: results of the PRECISON V Study. Cadiovasc.
Intervent.Radiol 2010; 33(1):41-52.
“ablação”. Embora ainda seja precoce a nossa análise, parece
5. Kamath PS, Wiesner RH, col. A model to predict survival
haver aumento na sobrevida com consequente aumento na in patients with end-stage liver disease. Hepatology 2001;
incidência de doença metastática, comparativamente ao 33(2):464-70.
grupo de 179 pacientes tratados com quimioembolização 6. Bruix J, Sherman M. Management of Hepatocellular
convencional, achado este compatível com o do grupo de Carcinoma. AASLD Practice Guideline. Hepatology 2005;
Barcelona que constatou sobrevida de 88,9% em 2 anos. 42:1208-1236.

Segundo o algoritmo de Barcelona, a quimioembolização


seria indicada no CHC intermediário4,5, porém na nossa
prática a sua indicação é maior. Sendo amplamente utilizada
em pacientes com CHC em fila de transplante, em tumores
maiores para downstage, no CHC multifocal e também em
tumores avançados6.

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Discutidor da Evidência Científica Análise e comentários dos artigos

Tratamento paliativo chc - Jodi Bruix e Morris Sherman fizeram uma extensa revisão
sobre a literatura deste assunto até 2005. Na ocasião eles
Resultados da quimioembolização. concluem que:
Proposta de indicação
1. TAE e TACE são indicadas para pacientes não cirúrgicos e
G ilmar A morim de S ousa 1 não elegíveis para ablação percutânea.

O tratamento do Carcinoma Hepatocelular está muito bem 2. Os efeitos colaterais são iguais aos da quimioterapia
norteado com a classificação clínica de Barcelona, que sistêmica.
transcrevemos em tabela abaixo:
3. Metanálise cumulativa de todos os ensaios publicados
Estádio BCLC Padrão Referências (bases) indicam que pacientes apresentaram melhora significante.
Precoce (BCLC A) PEI1 Lopez, PM, Aliment
RF2 Pharmacol Ther, 2006 4. Até muito recentemente, o ganho de sobrevida relatado
Bruix, J. Hepatology, não apresentava significância estatística.
41,4, 2005

Intermediário (BCLC B) TACE3 Llovet, JM, Hepatology, 5. Entretanto estudos de Barcelona e Hong Kong demons-
20 37, 2, 2003 traram um impacto significante na sobrevida, modificando
Lo, CM, Hepatology, este conceito negativo.
35,3, 2002
Llovet, JM, Lancet, 359
(9319), 2002 6. É preciso enfatizar que estes ensaios são heterogêneos
em termos de perfis de pacientes, esquemas de tratamento
Avançado (BCLC C) sorafenib Llovet, JM, J Clin Oncol, e agentes usados.
2007

7. A melhora de sobrevida varia de 20% a 60% em 2 anos.


Na tabela acima, vê-se que a TACE está indicada no estádio
intermediário do CHC. Há uma vasta literatura a respeito de 8. Está relacionada amplamente às características de base
TACE no tratamento de pacientes com CHC. dos pacientes e do estágio do tumor, da função hepática e
das condições gerais de saúde.
Submetida a pergunta clínica às bases de pesquisa PUBMED,
EMBASE, COCHRANE e outras, obtivemos um quantitativo Chung-Mau Lo2 e cols. em ensaio clínico controlado e
números de artigos distribuídos conforme tabela abaixo: randomizado de 40 pacientes grupo TACE e 40 pacientes
controle, mostraram que a TACE prolonga a sobrevida de
Tipo de estudo Número grupos selecionados de pacientes asiáticos portadores de
Metanálises 07 CHC irresecáveis.
RCTS 12
Calogero Cammá3 realizou revisão bibliográfica no Medline
Coortes 06 e Cancerilit dos artigos publicados entre 1980 até 2000,
Caso-controle 00 utlizando-se da seguinte estratégia de busca: Hepatocellular
carcinoma, liver cell carcinoma, randomized controlled trial and
Série de casos 02
chemoembolization. Os autores concluem que em pacientes
Relato de casos 00 com CHC irresecáveis a TACE melhora significantemente a
Opinião, Consenso, Guideline 03 sobrevida por 02 anos, comparando com o não tratamento,
porém a magnitude do efeito é pequena. Gerschwind J-F
Revisão não sistemática 01
H e cols.4, em metanálise em 2003, estudaram a sobrevida
Total 31 aos 3 e 6 meses após TACE. Os dados mostraram vantagem

1. Professor do Departamento de Medicina Integrada da UFRN - Membro de Grupo de Medicina Baseada em Evidência da SBH

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


G. A. de S ouza

na sobrevida do grupo tratado com Tace versus cuidados da TACE no pós-operatório de pacientes CHC ressecáveis em
paliativos. Entretanto os autores considerou que o total de 268 estudo randomizado. De julho de 2001 a dezembro de 2003,
pacientes, em quatro ensaios clínicos, não foi suficiente para foram selecionados 108 pacientes, dos quais 52 receberam
demonstrar superioridade na sobrevida no grupo tratado. TACE no pós-operatório. Não se observou diferenças
significativas nos dois grupos quanto à perda sanguínea na
Lovet J e Bruix J5, em metanálise de ensaios clínicos que operação, morbidade cirúrgica, mortalidade hospitalar. Os
foram publicados entre 1978 a maio de 2002, utilizando- autores concluem que TACE pré-operatória não melhora o
se das bases Medline, Cochrane e Cancerilit e tendo com resultado da cirurgia.
endpoint sobrevida, identificaram 61 ensaios clínicos, dos
quais 14 (quatorze) tinham critérios para realizar metanálises. Mabbed, M e cols.¹², em 2009, realizaram ensaio clínico
Dos 14, 07 (sete) ensaios, com 545 pacientes, a intervenção randomizado em 100 pacientes, em dois braços distintos,
foi TACE. Os autores demonstram que TACE melhorou a com TACE ou quimioterapia sistêmica, em grupos de 50
sobrevida de 2 anos comparando com grupo controle. pacientes. Os autores concluíram que a sobrevida geral com
TACE e doxorrubicina sistêmica são similares para pacientes
Ferrari, FS6 em ensaio, clínico randomizado comparando com CHC irresecável.
TACE, PEI, LTA e terapia combinada, obteve 83% de necrose
completa nos pacientes tratados e 83% de sobrevida com Li, M13 e cols. realizaram ensaio randomizado para testar
TACE., 69,6% aos 12 meses, 25,1% aos 36 meses e 9,8% a hipótese de que pacientes com CHC HBV relacionados
aos 60 meses. poderiam se beneficiar com uso de interferon e TACE. Os
autores selecionaram 216 pacientes, randomizados em dois
Nesse estudo, entretanto autor conclui que a LTA (Laser grupos de 108 para TACE ou TACE + interferon. Os autores 21
Térmico Ablação) é mais efetiva para CHC com menos de observaram que a taxa sobrevida no grupo TACE + INF foi
5,0 mm, desde que a completa necrose tenha sido obtida. maior do que no grupo TACE. Concluem afirmando que o
interferon alfa reduz a recorrência e melhora a sobrevida
Huang, JH7 em estudo prospectivo randomizado, realizado de pacientes HBV relacionados após TACE, com aceitável
em 2007, estudou 50 pacientes comparando PSE mais TACE toxicidade.
versus TACE sozinha. Concluiu que a terapia combinada é
mais efetiva. Peng, B-G14 e cols. estudaram o valor da TACE para melhorar
a eficácia da hepatectomia e remoção de trombo da veia
Marelli, L8, em metanálise de 13 ensaios clínicos comparando porta em pacientes com CHC e trombose da veia porta. Dois
TACE e outras terapias, concluiu que nenhum quimioterápico grupos foram comparados. A estimativa de sobrevida foi
é melhor que outro, não há evidência de que o lipiodol é melhor para o grupo TACE e os autores concluem que TACE
melhor; que o gelfoam é o mais usado; que a TAE parece pós-operatória melhora o efeito da ressecção.
ser tão efetiva quanto a TACE e que novas estratégias para
reduzir riscos de complicações são necessárias. Meng, M-B15 e cols. comparam a eficácia e segurança
da tradicional medicina chinesa (TCM) versus TACE, em
Doffoel, M e cols.9, em 2008, coordenaram estudo multi- metanálise de 37 ensaios clínicos, com 2653 pacientes,
cêntrico randomizado na França de 123 pacientes, compa- comparando melhora, sobrevida e qualidade de vida. Os
rando tace + tamoxifen versus tamoxifen. A conclusão dos autores informam que ensaios clínicos foram retirados por
autores é de que o estudo falhou em demonstrar superio- problemas metodológicos e que os dados podem ter viéses
ridade da TACE na população francesa, cujos pacientes importantes e comprometer a magnitude do efeito; desta
apresentam HCC de etiologia alcoólica. forma são necessários mais ensaios clínicos sobre a questão.
Meng, M- B16 apresenta outra metanálise, desta feita para
Nouso, K e cols.10, em estudo prospectivo, com objetivo de avaliar a eficácia e segurança da TACE + Radioterapia em
elucidar fatores prognósticos no tratamento de pacientes pacientes CHC não ressecáveis.
com CHC Child C, avaliaram 157 pacientes através de análise
de regressão de Cox e análise multivarada. Encontraram que Resultados de 17 ensaios em 1476 pacientes
bilirrubina maior que 3, tumores maiores que 3 cm, alfa feto
maior que 400 ng, e trombose da veia porta são fatores • 05 RCTS - grau B
• 12 NRTS - grau C
de pior prognóstico. TACE foi fator de bom prognóstico. A • terapia 1 - TACE + RD
sobrevida dos que realizaram TACE foi superior a dos que não • terapia 2 - TACE
realizaram. Zhou, W-P e cols.11 em 2009 estudaram o efeito

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D iscutidor da E vidência C ientífica - T ratamento paliativo CHC - R esultados da quimioembolização . P roposta de indicação

Os autores concluem que TACE + RD (Terapia 1) é melhor Em metanálise de 10 ensaios clínicos, Wang, W e cols.18
que a 2, entretanto opinam que há necessidade de novos igualmente demonstram que a terapia combinada TACE
ensaios para confirmar a força da evidência. mais radioablação é mais efetiva do que TACE sozinha.

Zhong, C17, de janeiro de 2001 a março de 2004, realizaram Os artigos acima comentados estão classificados quanto
ensaio clínico randomizado de 115 pacientes em estágio III aos seus níveis de evidência e graus de recomendação,
A, para avaliar se a hepatectomia + TACE resulta em melhor em tabelas abaixo, conforme a orientação da III Diretriz de
sobrevida, quando comparada com a TACE sozinha. Os Dislipidemia da Sociedade Brasileira de Cardiologia, que
autores concluem que a intervenção combinada melhora a tem fácil aplicabilidade à prática clínica.
sobrevida e a eficácia.

Tabela resumo 1

Autor / ano Periódico Tipo de estudo NE / GR


Bruix, J, 2005 Hepatology Guideline 7/ B
Bruix, J, 2004 Gastroenterology Revisão 7/ B
Chung Mau Lo, 2002 Hepatology RCT 3/ B
Doffoel, 2008 Eur J Cancer RCT 3/ E
Ferrari, FS 2004 Radiol Med RCT 3/ C
Gerschwind, 2003 Am J Oncol Metanálise 1/ D
Graf, H, 2008 Digestion Coorte prospectiva 4/ C
22 Grosso, 200819 Clinical investigation Radiol Série de casos 6/ C
Kulik, L, 201022 Hepatology Opinião 7/ D
Hoffman, K20 BMC Cancer RCT 3/ B

Tabela resumo 2

Autor / anol periódico Tipo de estudo NE / GR


Huang JH, 2007 World J Gastroenter RCT 3/C
Marelli, L; 2007 Cardiov Int Radiol Metanálise 1/C
Maoqun, Li, 2009 J Gastroenter Hepat RCT 3/C
Q Li, 2006 World J Gastroewnt Coorte 4/B
Llovet, JM, 2003 Hepatology Metanálise 1/A
Llovet, JM, 2008 Journal of Hepatology Revisão NS 7/B
Mabbed, M, 2009 Eur J of Cancer RCT 3/B
Meng, MB, 2009 Radiot and Oncol Metanálise 1/B
Meng, MB, 2008 Journal Altern and Complementary Medicine Metanálise 1/C
Murata, S, 200921 Eur Radiol Interv Coorte 4/B
Cammá, C, 2002 Radiology Metanálise 1/C

Tabela resumo 3

Autor / anol periódico Tipo de estudo NE / GR *


Nouso K, 2008 British J of Cancer Coorte Prospectiva 4/B
Peng BG, 2009 Am J of Surgery RCT 3/B
Tian Gen, 2009 Anti Cancer Drugs Prospectivo 4/C
Zhong C, 2009 J Cancer Res C Oncol RCT 3/C
Zhou PW, 2009 Annals of Surgery RCT 3/E
Gianini EG, 2010 Alimentary Pharm T Retrospectivo 4/B
Wang W, 2010 Liver International Metanálise 1/A
Lamer J, 2010 Cardiovasc Int Rad RCT 3/B
Okusaka T, 2009 Journal of Hepat RCT 3/C
Wang D, 2010 Journal of Magn Res Imaging Série de casos 6/D
Wang Z, 2010 Alimentary Pharm T Opinião 7/D
*nível de evidência / grau de recomendação

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G. A. de S ouza

As 10 perguntas para
6. O resumo baseia-se em uma síntese que satifaz os
avaliar Metanálises critérios de inclusão predefinidos?
7. Qual a magnitude do efeito do tratamento?
1. O problema foi claramente enunciado? 8. O resultado é confiável?
2. O artigo é uma metanálise ou uma revisão sistemática? 9. Qual a semelhança entre os pacientes que serviram de
3. Como foi realizada a busca de artigos? base para a revisão sistemática e o seu paciente?
4. Como foi feita a seleção de artigos? 10. A revisão sistemática considerou todos os aspectos
5. Os estudos incluídos são mutuamente congruentes? clínicos importantes?

Metanálises que foram encontradas no tema proposto classificadas conforme nível de


evidência e grau de recomendação:

Autor / ano Nível de evidência Grau de recomendação


Cammá, 2002 1 C
Llovet, 2003 1 A
Gerschwind, 2003 1 D
Marelli, 2007 1 C
Mao Bem Meng, 2008 1 C
Mao Bem Meng, 2009 1 C 23
Wei Wang, 2010 1 A

Avaliando as metanálises conforme escore Cochrane adaptado


Autor/ano Randomização Alocação Cegamento Perdas Final
Cammá, 2002 B A B A B
Llovet, 2003 A A B B B
Gersschwind, 2003 B B B B B
Marelli, 2007 B A B B B
M B Meng, 2008 B B B B B
M B Meng, 2009 B B B B B
Wei Wang, 2010 B B B B B

Avaliação das metanálises conforme as 10 questões – Escore Grade


Pergunta Cammá/2002 Llovet/2003 Gerschind/2003 Marelli/2007 Meng/2008 Meng/2009 Wang/2010
Problema A A A A A A A
É metanálise? A A A A A A A
Busca B B B B A A B
Seleção B B B B A B B
Congruência B B C C B C B
Síntese – Ci A B B C B C B
Efeito B B C B B B B
Semelhança com meu A A B B A B B
paciente
Resultados A B C B B C B
Aspectos clínicos A B B B A B B
Final B B C C B C B

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D iscutidor da E vidência C ientífica - T ratamento paliativo CHC - R esultados da quimioembolização . P roposta de indicação

Conclusões moembolization Improves Survival.” Hepatology 37(2):


429-442.
6. Ferrari FS, S. A., Gambacorta D, Magnolfi F, fantozzi f,
1. TACE – primeira linha de tratamento não curativo para Pasquinucci P, Civelli L, Pieraccini M. (2004). “Treatment
pacientes não cirúrgicos (largo ou multifocal) que não of large hepatocellular carcionma: comparison between
techniques and long results.” Radiol Med 108(4): 356-71.
tenha disseminaçao extra-hepática ou invasão vascular
7. Huang J-H, G. F., GU K-Y, Li Q-W, Lu W-L. (2007).
(evidência 1, recomendação A); “Combined treatment of hepatocellular carcinoma with
partial splenic embolization and transcatheter hepatic
2. Tamoxifen, drogas antiandrogênicas, octreotide, ligação ou arterial chemoembolization.” World JGastroenterol 13(48):
embolização da artéria hepática não são recomendadas 6593-97.
(evidência 1, grau D); 8. Marelli L, S. R., Triantos C, Senzolo M, Cholongitas E, Davies
N, Tibballs J, Meyer T, Patch D-W, Burroughs A K. (2006).
“ Transarterial Therapy for Hepatocellular Carcinoma:
3. O
 utras opções - radio, ytrium, lipiodol, imunoterapia - não Which Techniques Is More Effective? A Systematic Review
devem ser feitas fora de ensaios clínicos; of Cohort and Randomized Studies.” Cardiovasc Intervent
Radiol 30(-): 6-25.
4. Q
 T Sistêmica ou intra-arterial não é recomendada e não 9. Doffoel M, B. N., Blanchi A, F, Bouché O, Vetter D, Abergel A,
deve ser usada como tratamento padrão; Fratte S, Grange JD, Stremsdoerf N, Blanchi A, Bronowicki
JP, Caroli-Bosc FX, Causse X, Masskouri F, Rougier P,
Bedenne L. (2008). “Multicentre randomised phase III trial
5. Estudos mais recentes apontam resultados promissores
comparing Tamoxifen alone or with Transarterial Lipiodol
à indicação de TACE com DC Bead no mesmo perfil de Chemoembolisation for unresectable hepatocellular carci-
paciente (evidência 1, grau A) que a TACE convencional; noma in cirrhotic patients.” European Journal of Cancer
24 Care 44: 528-538.
6. Qualquer das formas de TACE está indicada para indivíduos 10. Nouso K, I. Y., Kuwaki K, Kobayashi Y, Nakamura S, Ohashi
assintomáticos com tumores multinodulares que não têm Y, Yamamoto K. (2008). “Pronognostic factors and treatment
effects for hepatocellular carcinoma in Child C Cirrhosis.”
invasão vascular e não têm disseminação extra-hepática;
British Journal of Cancer 98: 1161-1165.
11. Zhou W-P, E. C., Lai H, Li A-J, Fu Y, Zhou J-P, Pan Z-Y,
7. Este perfil é o melhor candidato, particularmente se estiver Lau W-Y, Wu M-C (2009). “A prospective, randomized,
classificado como Child Pugh A; e controlled trial preoperative transarterial chemoembolization
for resectable large hepatocellular carcinoma.” Annals of
8. Pacientes com tumores avançados, com invasão vascular Surgery 249: 195-202.
e envolvimento extra-hepático não se beneficiam desta 12. Mabbed M, E. M., El-Khodarry T, Awad M, Amer T.
(2009). “A randomized controlled trial of transcatheter
forma de tratamento.
arterial chemoembolization with lipiodol, doxirubicin and
cisplatin versus doxorubicin for patients with unresectable
hepatocellular carcinoma.” European Journal of Cancer
Care 18: 492-499.
Referências 13. Li M, L. C., Cheng J, Zhang J, Cao C, Xu J, Xu J, Pan H,
Zhong B, Tucker S, Wang D, (2009). “Combination therapy
with transarterial chemoembolization and interferon alfa
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B
compared with transarterial chemoembolization alone
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Fan S-T, Womg, J (2002). “Randomized controlled trial of
14. Peng B-G, H. G., Li J-P, Zhou F. (2009). “Adjuvant
transarterial lipiodol chemoembolization for unresectable
transcatheter arterial chemoembolization improves efficacy
hepatocellular carcinoma.” Hepatology 35(5): 1164-71.
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Andreone P, Craxi A, Cottone M. (2002). “Transarterial
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15. Meng M-B, Cui Y-L, Guan Y-S, Ying Z, Zheng M-H, Yuan
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4. Geschwind, J.-F. H., Ramsey DE, Choti AM, Thuluvath PJ,
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Huncharek, MS. (2003). “Chemoembolization of Hepato-
Complementary Medicine 14(8): 1027-42.
cellular Carcinoma - Results of a Metanalysis.” J Clin Oncol
16. Meng M-B, C. Y.-L., Lu Y, She B, Chen Y, Guan Y-S, Ming
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R. (2009). “Transcatheter arterial chemoembolization in
5. Llovet JM, B. J. (2003). “Systematic Review of Randomized
combination with radiotherapy unresctable hepatocellular
Trials for Unresectable Hepatocellular Carcinoma: Che-

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


G. A. de S ouza

carcinoma: a systematic review and meta-analysis.” Radio- 20. Hoffman K, G. H., Radeleff B, Richter G, Heining C, Schenkel
therapy and Oncology 92: 184-194. I, Hingurchler MW, Hinguranage-Zahten A, Schirrmacher P,
17. Zhong C, G. R.-p., Li J-q, Shi M, Wei W, Chen M-s, Zhang Y-q. Schimidt J, Buchler MW, Jaeger D, Kalle C von, Schemmer
(2009). “A randomized controlled trial of hepatectomy with P. “Prospective, Randomizaded, double-mind, phase III,
adjuvant arterial chemoembolization versus hepatectomy Tace combinaded with sorafenib versus tace plus placebo
alone for Stage III A hepatocellular carcinoma.” J Cancer in patientes with CHC before liver transplatation.” BMC
Res Clin Oncol 135: 1437-1445. Cancer 8(349): 1-7.
18. Whang W, Shi Wang W, Shi J, Xie W. Transarterial 21. Murata S, T. H., Nakazawa K, Onozawa S, Kumita S,
chemoembolization in combination with percutaneous Nomura K. (2009). “Initial experience of transcatheter
ablation therapy in unresectable hepatocellular carcinoma: arterial chemoembolization during portal vein occlusion
a meta-analysis. Liver International 2010;741-748. for unresectable hepatocellular carcinoma with marked
19. Grosso M, V. A., Melchiorre F, Gallarato G, Bargellini I, arterioportal shunts.” Eur Radiol 19: 2016-2023.
Petruzzi P, Saluzzo MC, Crespi S, Sarti I. (2008). “Transarterial 22. Kulik, L. “Is Radioembolization Ready for the Barcelona Clinic
Chemoembolization for Hepatocellular Carcinoma with Liver Cancer Staging System ?” Hepatology, 52(5):1528-
Drug-Eluting Microsphere: Preliminary Results from an 1530.
Italian Multicentre Study.” Caardiovasc Intervent Radiol 31:
1141-1149.

25

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Alcoolização percutânea no carcinoma hepatocelular: análise
crítica da literatura e proposta de indicação do método

J orge A. de S egadas S oares 1

O carcinoma hepatocelular (CHC) é o quinto tumor mais Ebara e colaboradores3 avaliaram retrospectivamente a
frequente no mundo e um milhão de novos casos surgem a eficácia terapêutica da APC no tratamento do CHC ≤ 3 cm
cada ano1. Ocorre com mais frequência em cirróticos e em em 270 pacientes tratados entre 1983 e 2002. O diâmetro
pacientes com hepatite B, mesmo sem cirrose. Nas últimas dos nódulos era menor do que 1 cm em 2% dos casos,
décadas, graças a programas de vigilância com ultrassom entre 1 e 2 cm em 57% e entre 2,1 e 3,0 cm em 41%.
semestral em grupos de risco para CHC, o prognóstico desta A maioria (75%) dos pacientes apresentava apenas um
doença melhorou. Os tumores passaram a ser detectados nódulo, 22% com 2 nódulos e 4% com 3 tumores. A APC
na sua fase inicial quando podemos empregar tratamentos provocou necrose tumoral completa, avaliada por TC um
curativos como a ressecção do tumor, ablação do nódulo ou mês após a alcoolização, em todos os pacientes. A taxa de
transplante hepático. Os tratamentos ablativos estão indicados recorrência local foi de 10% em 3 anos de seguimento. A
no estágio precoce do CHC, quando estiver contraindicada sobrevida em 3 anos pós-tratamento foi de 82% e de 60%
a ressecção do tumor ou na impossibilidade de realizar o em 5 anos. As melhores taxas de sobrevida pós alcoolização
transplante. Os métodos de ablação mais utilizados são: foram encontradas nos pacientes Child A com um tumor
26 radiofrequência (ARF) e alcoolização percutânea (APC). único ≤ 2 cm (87% em 3 anos e 78% em 5 anos). Os fatores
que influenciaram a sobrevida foram: função hepática (Child)
Neste artigo apresentamos a análise crítica da literatura sobre e valor da alfa feto proteína (AFP). A recorrência de novas
a alcoolização percutânea no CHC e fazemos uma proposta lesões em áreas distantes do tumor primário alcoolizado foi
de indicação deste método no Brasil. menor nos pacientes com CHC<2 cm e nos pacientes com
nódulo único. Os autores concluem que a APC pode ser
Mazzanti e colaboradores2 avaliaram a eficácia da APC considerado um tratamento confiável em termos de eficácia
em pacientes com CHC. Estudaram a sobrevida e fatores e segurança em tumores pequenos.
de prognóstico em 127 pacientes com um nódulo menor
do que 3 cm ou com 2 nódulos cuja soma dos diâmetros No início dos anos 2000 surge a ablação por radiofrequência
fosse menor do que 5 cm. A necrose tumoral completa pós (ARF) como um novo método terapêutico para o tratamento
a APC, avaliada por TC um mês após o procedimento, foi curativo do CHC em pacientes sem indicação de transplante
obtida em todos os pacientes. Os resultados mostraram uma ou de ressecção. As indicações de tratamento com ARF são
recorrência do CHC em 70% (89/127) dos pacientes, sendo muito semelhantes àquelas com APC e uma série de estudos
que as recorrências mais frequentes foram novas lesões em comparativos entre os dois métodos terapêuticos foram
áreas distantes do tumor primário alcoolizado, que surgiram publicados comparando as duas metodologias.
em 81% (72/89) dos casos. A recidiva local ocorreu em 19%
(17/89) dos casos. A recorrência local foi de apenas 15% nos Lin e colaboradores publicaram em 20044 um estudo, com
tumores menores do que 3 cm, enquanto que foi de 32% nas 157 pacientes, comparando resultados entre ARF, APC e
lesões entre 3 e 5 cm. APC com alta dose álcool em tumores ≤4 cm. A necrose
tumoral completa foi obtida em 88% dos pacientes com APC,
Os fatores prognósticos associados com uma maior sobrevida 92% nos com APC com alta dose de álcool e 96% nos que
foram: diâmetro do CHC menor do que 3 cm (p= 0,048), foram submetidos à ARF. Após 2 anos de seguimento, nos
presença de pseudocápsula na imagem (p=0,0008), valor de pacientes em que foi obtida necrose completa do CHC, a
alfa feto proteína (AFP) menor do que 20 ng/ml (p=0,010), progressão local do tumor foi de 35% na APC, 24% na APC
Child Pugh A (p<0,0001). A sobrevida em pacientes com com alta dose de álcool e de 14% na ARF. A sobrevida em 3
fatores de prognóstico favoráveis foi de 61 meses. O autor anos nos pacientes com CHC entre 1 e 2 cm foi de 78% nos
conclui que a APC é um método seguro, eficaz e barato para tratados com ARF, 70% nos tratados com APC e de 71% no
tratar CHC com menos de 3 cm. grupo APC com alta dose de álcool. No grupo de pacientes

1. Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRJ - Supervisor do Ambulatório de Hepatologia do HUCFF

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


J. A. de S. S oares

com tumores entre 2,1 e 3,0 cm a sobrevida em 3 anos foi No editorial da revista8, Alexandro Forner e Jordi Bruix
de 73% nos tratados com ARF, 62% nos tratados com APC e comentam o artigo e fazem uma excelente análise dos
de 64% no grupo APC com alta dose de álcool. métodos ablativos. Reconhecem que a ARF é o melhor
método, porém não descartam a APC como um tratamento
O aparecimento de novas lesões em áreas distantes do ablativo eficaz em tumores menores do que 2 cm e nos casos
tumor primário foi de 36,5% no grupo tratado com APC, de em que a RFA represente um procedimento arriscado.
32% no grupo tratado com alta dose de álcool e de 30,7%
no grupo da ARF. A análise multivariada mostrou que os Após a revisão da literatura, concluímos que a ablação por
fatores prognósticos foram: o tamanho do tumor, o método radiofrequência (ARF) é superior à alcoolização percutânea
de tratamento (ARF melhor do que APC) e a diferenciação (APC) em relação à sobrevida global, recorrência local do
histológica. Os autores concluem que, em tumores menores tumor tratado e necrose completa do tumor. Em tumores
do que 4 cm, o tratamento com ARF resulta em melhores menores do que 2 cm, os estudos não mostram diferenças
desfechos clínicos do que alcoolização. significativas entre os 2 métodos. O Brasil, país com contrastes
econômicos e tecnológicos acentuados, não dispõe da
Em 2009 foram publicadas duas metanálises comparando ablação por radiofrequência (ARF) na rede de saúde do SUS
ARF e APC5,6 que mostraram uma superioridade da ARF e com frequência este procedimento não está disponível na
sobre a APC em relação à eficácia. rede privada. A ARF é um método caro (acima de R$ 10.000,00
por sessão), necessita de equipamento especial e pessoal
Em 2010, Germani7 e colaboradores publicaram uma meta- treinado, estando disponível apenas em centros avançados
nálise comparando ARF e APC no tratamento do CHC. de hepatologia. A alcoolização percutânea é um método de
Foram incluídos na análise 6 estudos randomizados (3 da tratamento eficaz, barato, com raros efeitos adversos graves e 27
Europa e 3 da Ásia), totalizando 787 pacientes (396 ARF não necessita de equipamentos especiais. Na impossibilidade
e 391 APC). Os autores analisaram sobrevida, recorrência de empregarmos a ablação por radiofrequência, devemos
local do tumor e à distância, necrose completa do tumor e optar pela alcoolização percutânea.
complicações. Os resultados da comparação entre ARF e
APC mostraram:
Referências
a) Maior sobrevida para o grupo submetido à ARF (OR= 0,52
95% IC= 0,35-0,78; p=0,001), assim como maior redução
no risco de morte para o grupo da ARF (hazard ratio= 0,53; 1.  el Pozo, A. C. and P. Lopez (2007). “Management of
D
hepatocellular carcinoma.” Clin Liver Dis 11(2): 305-21.
95% IC= 0,44–0,64; p < 0,00001); 2. Mazzanti, R., U. Arena, et al. (2004). “Survival and prognostic
factors in patients with hepatocellular carcinoma treated by
b) A ARF resultou em necrose completa do nódulo com mais percutaneous ethanol injection: a 10-year experience.” Can J
frequência do que a APC (OR= 0,29; 95% CI= 0,16–0,53; Gastroenterol 18(10): 611-8.
p < 0,0001); 3. Ebara, M., S. Okabe, et al. (2005). “Percutaneous ethanol
injection for small hepatocellular carcinoma: therapeutic efficacy
based on 20-year observation.” J Hepatol 43(3): 458-64.
c) Menor recidiva local do tumor no grupo da ARF (OR=
4. Lin, S. M., C. J. Lin, et al. (2004). “Radiofrequency ablation
0,27; 95% CI 0,16–0,45; p < 0,00001) improves prognosis compared with ethanol injection for
hepatocellular carcinoma < or =4 cm.” Gastroenterology 127(6):
d) Não houve diferença estatisticamente significativa no 1714-23.
aparecimento de novos tumores longe do tumor primário 5. Orlando, A., G. Leandro, et al. (2009). “Radiofrequency thermal
tratado (OR= 0,87; 95% CI= 0,64–1.19; p = 0,38). ablation vs. percutaneous ethanol injection for small hepatocellular
carcinoma in cirrhosis: meta-analysis of randomized controlled
trials.” Am J Gastroenterol 104(2): 514-24.
e) A ARF necessitou de um número menor de sessões para
6. Cho, Y. K., J. K. Kim, et al. (2009). “Systematic review of
conseguir necrose completa do tumor. randomized trials for hepatocellular carcinoma treated with
percutaneous ablation therapies.” Hepatology 49(2): 453-9.
Comparando a eficácia dos dois métodos ablativos no 7. Germani, G., M. Pleguezuelo, et al (2010). “Clinical outcomes
tratamento de tumores menores de 2 cm, os autores não of radiofrequency ablation, percutaneous alcohol and acetic
encontraram diferenças significativas entre a ARF e a APC acid injection for hepatocelullar carcinoma: a meta-analysis.” J
Hepatol 52(3): 380-8.
na taxa de mortalidade e de recorrência local do tumor.
8. Forner, A. and J. Bruix (2010) “Ablation for hepatocellular
Na conclusão do estudo destacam a superioridade da ARF carcinoma: Is there need to have a winning technique?” J
sobre a APC, em especial nos nódulos de CHC acima de 2 cm. Hepatol 52(3): 310-2.

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Discutidor da Evidência Científica Em estudo randomizado com casuística pequena foi realizada
a comparação de PEI (26 casos) com a quimioembolização
seletiva por via arterial, conhecida pela sigla inglês de TACE
(26 casos). A recorrência do tumor em 3 anos foi de 39%
Tratamento Paliativo chc. na PEI e de 19,3% na TACE, com índices semelhantes de
Resultados da alcoolização. sobrevida6. O grau de evidência é 1B.
Proposta de indicação
Em conclusão, a PEI é técnica que oferece facilidade de
E dna S trauss 1 execução, além das vantagens de preço e acesso. No
entanto, os diferentes trabalhos demonstram que sua eficácia
A alcoolização percutânea com etanol, também conhecida está restrita a nódulos únicos com menos de 3 cm.
como PEI, sigla em inglês, começou a ser utilizada para
tratamento de nódulos únicos de hepatocarcinoma em
cirróticos, sem estudos prévios de eficácia. Nas duas últimas Referências
décadas foram publicadas várias séries de casos, mostrando
resultados satisfatórios1-4. O bom senso e a ética não
1.  H, Okada S, Nose H, Okusaka T, Yoshimori M, Takayama
Ishii
permitiram que se fizessem estudos de melhor evidência de T, Kosuge T, et al. Local recurrence of hepatocellular
eficácia terapêutica, nos quais se exige randomização, grupo carcinoma after percutaneous ethanol injection. Cancer
controle sem tratamento ou ainda avaliação duplo-cega, 1996;77:1792-1796.
impossível de ser realizada. 2. Lencioni R, Pinto F, Armillotta N, Bassi AM, Moretti M, Di
Giulio M, Marchi S, et al. Long-term results of percutaneous
28 ethanol injection therapy for hepatocellular carcinoma in
A avaliação de séries retrospectivas, entretanto, foi capaz de
cirrhosis: a European experience. Eur Radiol 1997;7:514-
fornecer alguns ensinamentos. A recorrência do tumor no 519.
mesmo local variou de 6 a 20%, aumentando em proporção 3. Mazzanti R, Arena U, Pantaleo P, Antonuzzo L, Cipriani G,
direta com o tamanho do nódulo tratado2. O surgimento Neri B, Giordano C, et al. Survival and prognostic factors
de novas lesões em outros locais também foi frequente, in patients with hepatocellular carcinoma treated by
atingindo 80%3. Por outro lado, a maior das séries com percutaneous ethanol injection: a 10-year experience. Can
270 pacientes referiu sobrevida de 60% dos pacientes em J Gastroenterol 2004;18:611-618.
4. Ebara M, Okabe S, Kita K, Sugiura N, Fukuda H, Yoshikawa
5 anos4. Infelizmente, o método utilizado pelos autores não
M, Kondo F, et al. Percutaneous ethanol injection for small
fornece grau de evidência ou recomendação fortes, ficando hepatocellular carcinoma: therapeutic efficacy based on
em 4C. 20-year observation. J Hepatol 2005;43:458-464.
5. Gournay J, Tchuenbou J, Richou C, Masliah C, Lerat F,
Utilizando a ferramenta do grupo controle, alguns autores Dupas B, Martin T, et al. Percutaneous ethanol injection
fizeram a comparação retrospectiva de 55 pacientes sub- vs. resection in patients with small single hepatocellular
carcinoma: a retrospective case-control study with cost
metidos à PEI e 50 pacientes submetidos à ressecção
analysis. Aliment Pharmacol Ther 2002;16:1529-1538.
cirúrgica do nódulo tumoral. Embora a sobrevida global do 6. Koda M, Murawaki Y, Mitsuda A, Oyama K, Okamoto K,
conjunto desses pacientes tenha sido semelhante, ela foi Idobe Y, Suou T, et al. Combination therapy with transcatheter
maior nos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico, arterial chemoembolization and percutaneous ethanol
quando o tamanho do tumor foi maior que 3 cm5. Desta injection compared with percutaneous ethanol injection
forma, os autores contraindicam o uso de PEI para tumores alone for patients with small hepatocellular carcinoma: a
> 3 cm e o nível de evidência científica é 3B. randomized control study. Cancer 2001;92:1516-1524.

1. Hepatologista do INCOR e orientadora de Pós-graduação na Faculdade de Medicina da USP

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Biópsia para diagnóstico do carcinoma hepatocelular (CHC)
Algoritmo da SBH

R ita de C ássia M artins A lves da S ilva 1

Introdução
Inicialmente foi validada a utilização de dois métodos de
imagem coincidentes, mostrando realce arterial do nódulo
para confirmar CHC entre 1 e 2 cm de diâmetro3, e atualmente
A biópsia para diagnosticar o CHC está inserida no contexto
há evidências de que apenas um método de imagem pode
do manejo clínico de nódulos hepáticos, que compreende
fazer o diagnóstico de CHC pequeno a partir de 1 cm de
um período de rastreamento para identificação de nódulos
diâmetro, desde que demonstre imagem típica com realce
precoces e a utilização de exames radiológicos contrastados
do nódulo na fase arterial seguido de wash-out na fase
e dinâmicos para investigar hipervascularização arterial
venosa4,11.
destes nódulos. A proposta de algoritmo para utilização da
biópsia no diagnóstico do CHC em pacientes cirróticos, aqui
A sensibilidade e especificidade dos métodos de imagem
apresentada, foi aprovada em fórum de discussão da SBH.
para diagnóstico CHC são relatadas em diferentes estudos
respectivamente: 70 a 81% e 82 a 95% para RM e 50 a 68%
Foram analisados os seguintes tópicos:
e 66 a 95% para TC2,12,13,14. Portanto, na grande maioria dos
29
pacientes cirróticos, o diagnóstico do CHC pode ser feito por
1. Quando indicar a biópsia para diagnosticar o CHC em
métodos não-invasivos. Porém quando as imagens típicas
pacientes cirróticos;
não são demonstradas, biópsia dirigida deve ser indicada
2. Risco-benefício e limitações da biópsia; e
para definição da natureza do nódulo.
3. Aspectos sobre o exame histopatológico do fragmento.
Recomendação
1 - Quando indicar biópsia para investigar nódulo hepático A biópsia deve ser indicada para nódulos hepáticos de
em pacientes cirróticos diâmetro ≥ 1 cm, quando o diagnóstico com imagens dinâ-
micas for inconclusivo.
Os exames radiológicos contrastados dinâmicos como res-
sonância magnética (RM) e tomografia computadorizada 2 – Risco-benefício e limitações da biópsia
(TC) são os métodos de escolha para confirmar o diagnóstico
de carcinoma hepatocelular em pacientes cirróticos que A biópsia de nódulos hepáticos deve ser guiada por um
apresentam imagem nodular no rastreamento de rotina1-4. método de imagem como ultrassonografia ou tomografia,
Este diagnóstico é feito por imagens dinâmicas de múl- na dependência dos recursos locais. Treinamento da equi-
tiplas fases, tendo como base os conhecimentos sobre a pe também é um fator importante especialmente em se
carcinogênese do CHC que se torna hipervascular à custa de tratando de nódulos pequenos e de localização difícil,
neovascularização arterial contrastando como o parênquima podendo ser consideradas, excepcionalmente, laparoscopia
hepático, que tem vascularização predominantemente venosa ou laparotomia visando minimizar o erro amostral, que é uma
portal5,6,7,8. A imagem típica que confirma o diagnóstico de das limitações do método.
CHC é representada por realce do nódulo por captação do
contraste na fase arterial seguido de lavagem (wash-out) ou Os cuidados relacionados a distúrbios de coagulação,
esvaziamento rápido do contraste na fase venosa1,2,3,4. Visando plaquetopenia, presença de dilatação de vias biliares, ascite
a aquisição de imagens fidedignas pelos métodos RM e TC, e obtenção de consentimento informado não devem diferir
há recomendações para que sejam realizadas em centros daqueles já preconizados15. Cuidado adicional sobre o risco
de referência pela necessidade de especificações mínimas de sangramento é justificado pelos relatos de hemorragia
dos equipamentos, protocolos padronizados e expertise do mais frequente após biópsia de nódulos malignos em relação
examinador9,10. ao tecido não tumoral16,17.

1. Professora da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP – SP / Hepatologista da Unidade de Transplante de Fígado do Hospital
de Base – FAMERP/FUNFARME-SP

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


B iópsia para diagnóstico do C arcinoma H epatocelular (CHC) A lgoritmo da SBH

Implante da neoplasia no trajeto da agulha de biópsia incide marcadores teciduais específicos, em geral disponíveis apenas
em 2,7% dos pacientes ou ocorre na taxa de 0,9% por ano, em centros de referência.
conforme resultado de revisão sistemática e metanálise de oito
estudos incluindo um total de 1.340 pacientes biopsiados18. Quando a biópsia mostra resultado negativo para CHC,
especialmente se for identificado nódulo pré-maligno, não
Outra revisão, incluindo 41 estudos e 9.783 pacientes há dados que definam qual a melhor conduta diagnóstica a
submetidos à biópsia e/ou a tratamentos por via percutânea, ser seguida. Entretanto, um estudo prospectivo de coorte
mostrou risco global de implante semelhante, atingindo com 154 pacientes cirróticos portadores de nódulos, mostrou
2,29% (0 a11%)19. índice anual de surgimento de CHC de 10% para nódulos
displásicos de baixo grau e de 20% para os nódulos de
Adicionalmente este estudo descreve taxas de implante após alto grau. Além disso, o estudo demonstrou que os índices
tratamentos de ablação dos nódulos combinados ou não com cumulativos de desenvolvimento do CHC em um, três e cinco
biópsia: 1,4% (1,15 a 1,85%) para injeção percutânea de anos foram respectivamente, para nódulos de regeneração
etanol e biópsia; 0,61% (0 a 5,56%) para radiofrequência sem 3,3%; 9,7% e 12,4%, para nódulos de baixo grau 2,6%, 30,2%
biópsia; 0,95% (0 a 12,5%) para radiofrequência com biópsia e 36,6% e para nódulos displásicos de alto grau foram 46,2%,
e 0,72% (0 a 10%) após biópsia e ablação19. Estes dados 61,5% e 80,8%. Os fatores identificados como preditores do
indicam risco baixo, porém não desprezível, de implante no surgimento de CHC foram o aumento do diâmetro dos nódulos
trajeto da agulha, podendo-se considerar não realizar biópsia e/ou modificação na imagem compatível com redução do
quando houver a possibilidade de tratamento curativo. fluxo porta detectado por tomografia computadorizada com
portografia arterial27. Estes dados sugerem que mudanças
Recomendação de características das imagens de nódulos displásicos ou de
30
Quando houver indicação de tratamento curativo para nódulo regeneração poderão ter o seu papel no acompanhamento
hepático, deve-se considerar o risco de implante da neoplasia desses nódulos. Porém, devem ser levadas em consideração
no trajeto da agulha, podendo a biópsia ser um procedimento as limitações do método e a necessidade de mais estudos para
opcional. confirmação desses dados.

3 - Aspectos sobre o exame histopatológico de nódulos Recomendação


pequenos Após biópsia negativa para CHC, a próxima avaliação do
nódulo pode ser feita por nova imagem dinâmica ou nova
A biópsia dos nódulos pequenos com imagens inconclusivas biópsia.
mostra CHC pequeno na proporção de 33 a 67%, nódulos
displásicos entre 12 e 27% e tumores benignos em 6 a 25%,
conforme evidenciado em estudos realizados para validação de
critérios diagnósticos do CHC3,4. A proporção de biópsia não-
Referências
tumoral ocorreu em até 25% dos casos, em um dos estudos,
indicando o erro amostral. A análise histopatológica destas 1.  JS, Kim WK, Kim EK, Lee TJ, You SH. Contrast
Yu
biópsias pode apresentar grandes dificuldades especialmente Enhancedment of Small Hepatocellular Carcinoma:
Usefulness of Three Successive Early Image Acquisitions
quando se trata da distinção entre nódulos displásicos de alto
During Multiphase Dynamic MR Imaging. AJR
grau de natureza pré-maligna, do CHC precoce. É descrito 1999;173:597.
o desafio para o patologista em reconhecer a presença ou 2. Burrel M, Llovet JM Iyuso C, Iglesias C, Sala M Miquel R et
ausência de invasão celular estromal nos tratos portais em a.l MRI Angiography Is Superior to Helical CT for Detection
biópsias de nódulos, sendo este o critério histológico de of HCC Prior to liver Transplantation: An Explant Correlation
fundamental importância para definir a natureza maligna do Hepatology 2003;38:1034-1042.
3. Forner A, Vilana R, Ayuso C, Bianchi L, Sol M e, 3 Ayuso
tumor de acordo com os critérios padronizados pelo Grupo
JR, et al., Diagnosis of Hepatic Nodules 20 mm or Smaller
do Consenso Internacional de Neoplasia Hepatocelular20. in Cirrhosis: Prospective Validation of the Noninvasive
Diagnostic Criteria for Hepatocellular Carcinoma H
Por outro lado, conforme demonstrado em diferentes estudos, epatology2008;47:97-104.
marcadores tumorais podem trazer grande contribuição para o 4. Sangiovanni A, Manini MA, Lavarone M, Romeo R, Forzenigo
diagnóstico histológico do CHC pequeno como: glypican 3,21,22,24 LV, Fraquelli M et al., The Diagnostic and economic impacto
heat shock proteina (HSP) e glutamina sintetase24;citoqueratina f contrast imaging technics in the diagnosis of small
hapatocellular carcinoma in cirrhosis. GUT 2010;59:638-644.
CK725; CD3426. Portanto, para o diagnóstico histológico do
5. Choi BI, Takayasu K, Han MC, Small Hepatocellular
CHC, além de patologistas especializados, são necessários Carcinomas and associated nodular lesions of the liver:

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


R. C. M. A. S ilva

pathology, pathogenesis and imaging findings. AJR 17.  est J & Card TR Reduced Mortality Rates Following
W
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GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Tratamento do HCC - Resultados da ablação por
radiofrequência - Proposta de indicação

G uilherme F elga , M arcelo B runo de R ezende, B en -H ur F erraz N eto 1

Abstract como aqueles subcapsulares, aqueles próximos à vesícula ou


via biliar principal e aos grandes vasos hepáticos1.

Assim sendo, uma vez indicado um método localmente


Among the potentially curative therapeutic modalities for
ablativo, a RFA apresenta resultados superiores à PEI na
hepatocellular carcinoma (HCC), radiofrequency ablation
maioria das situações, exceto nos nódulos inferiores a 2 cm,
is an interesting option for patients with early disease. The
nos quais equivalem-se em termos de resposta oncológica.
current study reviews its indications, limitations and suggests
who are the best candidates for this treatment. Como o diâmetro da ablação conseguido com a RFA é em
torno de 3 cm, os nódulos acima deste tamanho podem ter
necrose incompleta se tratados com este método. Idealmente,
Resumo nódulos acima deste último tamanho não devem ser tratados
com métodos localmente ablativos, pois é difícil que se
consiga o tratamento uniforme da lesão, resultando em áreas
Entre as modalidades terapêuticas potencialmente curativas de viabilidade tumoral.
32
para o carcinoma hepatocelular, a ablação por radiofrequência
é uma opção interessante para indivíduos com doença inicial. Graças à escassez de ensaios clínicos com delineamento
O presente estudo revê suas indicações, limitações e sugere apropriado, a qualidade da evidência científica comparando
quais os melhores candidatos a este tratamento. RFA e resseção cirúrgica é inferior àquela comparando os
métodos localmente ablativos. Um único ensaio randomizado
A ablação por radiofrequência (RFA) é considerada, segundo controlado e outros 9 ensaios não-randomizados efetuam a
a AASLD e EASL, uma modalidade de tratamento poten- comparação entre os métodos7-16.
cialmente curativa para o tratamento do carcinoma hepa-
tocelular (CHC). Entre os métodos ablativos, sobretudo em A análise combinada dos dados de tais estudos permite
comparação com a alcoolização percutânea e a ressecção concluir que a superioridade da resseção em relação
cirúrgica, apresenta vantagens em termos de previsibilidade à sobrevida em 3 anos e as taxas de recorência local.
de seu efeito local e morbimortalidade1. A sobrevida livre de doença em 1, 3 e 5 anos são melhores
com a ressecção, enquanto a morbidade pós-operatória é
Quando comparada diretamente com a injeção percutânea menor com a RFA17. Esta diferença em termos de sobrevida
de etanol (PEI), a RFA apresenta como vantagens um efeito possivelmente se deve à taxa mais elevada de recidiva local
antitumoral mais previsível1. Tal superioridade resulta em da doença uma vez que as taxas de recidiva à distância são
maior tempo livre de doença e maior sobrevida global2,3. semelhantes.

A taxa de recidiva tumoral nos nódulos tratados é superior na Não houve diferença significativa entre RFA e ressecção
PEI em relação à RFA, particularmente em nódulos acima de cirúrgica para nódulos < 3 cm nos ensaios não-controlados17.
2 cm4. Em nódulos de até 2 cm, os métodos se equivalem5, Considerando-se que o efeito necrótico do probe de RFA
porém a RFA necessita um menor número de sessões para a é previsível dentro de uma área com até 3 cm de diâmetro,
obtenção de necrose completa1. a ressecção parece ser inquestionavelmente superior em
nódulos acima desta medida. Embora isto seja relativamente
A RFA possui custo significativamente mais elevado que a lógico, não há evidências sólidas que corroborem esta
PEI6, porém não há dados conclusivos a cerca de sua informação até o presente momento. Um ponto crucial no
morbidade, risco de disseminação tumoral no trajeto da agu- que tange à indicação da RFA é a seleção do paciente.
lha e sua eficiência em nódulos de localização desfavorável, Segundo Bruix et al.1, os pacientes que se beneficiam mais

1. Programa Integrado de Transplantes Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


G. F elga , M. B. R ezende, B. F. N eto

do tratamento com RFA são aqueles com bom performance deve ser a opção primordial em indivíduos com o diagnóstico
status, tumores únicos ou múltiplos (até 3 nódulos de 3 cm), do hepatocarcinoma dentro do critério de Milão19 que
com a hipertensão portal e as comorbidades clinicamente possuam qualquer um dos critérios listados, ou quando
significativas. houver hipertensão portal severa ou inviabilidade técnica
para a RFA, sobretudo pela localização do nódulo.
Tal seleção de pacientes sugere que os candidatos ideais
ao procedimento são indivíduos com contraindicações à
realização de transplante ou procedimentos de ressecção
por comorbidades relevantes ou, entre os cirróticos, aqueles Referências
que não possuem indicação de transplante por ausência
de insuficiência hepática e aqueles que possuem alguma 1. 
Bruix J, Sherman M. Management of hepatocellular carci-
contraindicação para a ressecção. noma. Hepatology 2005;42:1208-1236.
2. Lencioni R, Allgaier HP, Cioni D, Olschewski M, Deibert P,
A localização dos nódulos hepáticos também pode limitar CrocettiL, et al. Small hepatocellular carcinoma in cirrhosis:
randomized comparison of radiofrequency thermal abla-
a RFA, uma vez que não podem situar-se em posição
tion versus percutaneous ethanol injection. Radiology
subcapsular, próximos à vesícula biliar ou à via biliar principal 2003;228:235-240.
e grandes vasos. 3. Shiina S, Teratani T, Obi S, Sato S, Tateishi R, Fujishima T, et
al. A randomized controlled trial of radiofrequency ablation
Diante do exposto, a RFA deve ser considerada o método versus ethanol injection for small hepatocellular carcinoma.
localmente ablativo de escolha. A cuidadosa seleção de Gastroenterology 2005;129:122-130.
4. Lin SM, Lin CJ, Lin CC, Hsu CW, Chen YC. Radiofrequency
candidatos é primordial. O candidato ideal para a RFA é 33
ablation improves prognosis compared with ethanol injection
aquele paciente que apresenta contraindicação à ressecção for hepatocellular carcinoma < or = 4 cm. Gastroenterology
ou ao transplante, quer seja por apresentar doença hepática 2004;127:1714-1723.
branda, quer seja por apresentar comorbidades clinicamente 5. Lin SM, Lin CJ, Lin CC, Hsu CW, Chen YC. Randomized
relevantes ou contraindicações técnicas que inviabilizem o controlled trial comparing percutaneous radiofrequency
transplante hepático convencional ou a ressecção. thermal ablation, percutaneous ethanol injection, and
percutaneous acetic acid injection to treat hepatocellular
carcinoma of 3 cm or less. Gut 2005;54:1151-1156.
As lesões selecionadas devem ter tamanho inferior a 3 cm e 6. Livraghi T, Goldberg SN, Lazzaroni S, Meloni F, Solbiati L,
localização favorável, isto é, não serem subcapsulares, não Gazelle GS. Small hepatocellular carcinoma: treatment with
serem próximas à vesícula biliar ou à via biliar principal e radio-frequency ablation versus ethanol injection. Radiology
distante de grandes vasos. 1999;210:655-661.
7. Chen MS, Li JQ, Zheng Y, Guo RP, Liang HH, Zhang YQ,
A Resolução SS-151 da Secretaria Estadual de Saúde de Lin XJ, Lau WY. Aprospective randomized trial comparing
percutaneous local ablative therapy and partial hepatectomy
São Paulo, datada de 13 de agosto de 2010, propõe critérios
for small hepatocellular carcinoma. Ann Surg 2006;243:321-
de irressecabilidade para o paciente com CHC, e somente 328.
os indivíduos que apresentarem um destes critérios serão 8. Vivarelli M, Guglielmi A, Ruzzenente A, Cucchetti A,
candidatos ao transplante de fígado (Tabela 1)18. Bellusci R, Cordiano C,Cavallari A. Surgical resection versus
percutaneous radiofrequency ablation in the treatment
Analogamente, tais critérios também podem ser utilizados of hepatocellular carcinoma on cirrhotic liver. Ann Surg
para determinar quais indivíduos não devem ser submetidos 2004;240:102-107.
9. Hong SN, Lee SY, Choi MS, Lee JH, Koh KC, Paik SW, Yoo
à ressecção, restando como opções o tratamento localmente BC, Rhee JC, Choi D, Lim HK, Lee KW, Joh JW. Comparing
ablativo ou o transplante hepático. O transplante hepático the outcomes of radiofrequency ablation and surgery
in patients with a single small hepatocellular carcinoma
Tabela 1 – Critérios de irressecabilidade para o carcinoma and well-preserved hepatic function. J Clin Gastroenterol
hepatocelular 2005;39:247-252.
10. Cho CM, Tak WY, Kweon YO, Kim SK, Choi YH, Hwang YJ,
MELD > 10
Kim YI. The comparative results of radiofrequency ablation
Classificação de Child-Pugh B-C versus surgical resection for the treatment of hepatocellular
Sódio sérico < 130 mEq/litro carcinoma. Korean J Hepatol 2005;11:59-71.
11. Abu-Hilal M, Primrose JN, Casaril A, McPhail MJ, Pearce
Necessidade de ressecção de mais de dois segmentos hepáticos
NW, Nicoli N. Surgical resection versus radiofrequency
Tumores múltiplos (múltiplos - mais de 1 nódulo em segmentos ablation in the treatment of small unifocal hepatocellular
distintos) carcinoma. J Gastrointest Surg 2008;12:1521-1526.

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


T ratamento do HCC - R esultados da ablação por radiofrequência - P roposta de indicação

12.  ontorsi M, Santambrogio R, Bianchi P, Donadon M,


M with single hepatocellular carcinoma smaller than 3 cm,
Moroni E, Spinelli A, Costa M. Survival and recurrences along with report of complications. Hepatogastroenterology
after hepatic resection or radiofrequency for hepatocellular 2008;55:2171-2174.
carcinoma in cirrhotic patients: a multivariate analysis. J 16. Santambrogio R, Opocher E, Zuin M, Selmi C, Bertolini E,
Gastrointest Surg 2005;9:62-67. Costa M, Conti M, Montorsi M. Surgical resection versus
13. Lupo L, Panzera P, Giannelli G, Memeo M, Gentile A, laparoscopic radiofrequency ablation in patients with hepa-
Memeo V. Single hepatocellular carcinoma ranging from 3 tocellular carcinoma and Child-Pughclass A liver cirrhosis.
to 5 cm: radiofrequency ablation or resection? HPB (Oxford) Ann Surg Oncol 2009;16:3289-3298.
2007;9:429-434. 17. Zhou Y, Zhao Y, Li B, Xu D, Yin Z, Xie F, Yang J. Meta-
14. Guglielmi A, Ruzzenente A, Valdegamberi A, Pachera S, analysis of radiofrequency ablation versus hepatic resection
Campagnaro T,D’Onofrio M, Martone E, Nicoli P, Iacono for small hepatocellular carcinoma. BMC Gastroenterology
C. Radiofrequency ablation versus surgical resection for 2010;10:78.
the treatment of hepatocellular carcinoma in cirrhosis. J 18. Resolução SS-151 da Secretaria Estadual de Saúde de São
Gastrointest Surg 2008;12:192-8. Paulo. Diário Oficial do Estado de São Paulo, 13 de agosto
15. Hiraoka A, Horiike N, Yamashita Y, Koizumi Y, Doi K, de 2010.
Yamamoto Y, HasebeA, Ichikawa S, Yano M, Miyamoto Y, 19. Mazzaferro V, Regalia E, Doci R, Andreola S, Pulvirenti A,
Ninomiya T, Otomi Y, Kokame M, Iwamura T, Ishimaru Y, Bozzetti F, et al. Liver transplantation for the treatment of
Sogabe I, Kashihara K, Nishiura S, Ootani H, Takamura K, small hepatocellular carcinomas in patients with cirrhosis. N
Kawasaki H. Efficacy of radiofrequency ablation therapy Engl J Med 1996;334:693-699.
compared to surgical resection in 164 patients in Japan

34

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Discutidor da Evidência Científica Embora a recomendação seja A, com nível de evidência
1 A, quando comparado com o processo de alcoolização, a
radiofrequência é método de alto custo e portanto de mais
difícil acesso. Além disso, sofre as mesmas restrições da
Tratamento paliativo chc - PEI em termos do tamanho do tumor.
Resultados da radiofrequência -
Proposta de indicação

Referências
E dna S trauss 1

Nas últimas décadas, o tratamento de tumores únicos do 1. L in SM, Lin CJ, Lin CC, Hsu CW, Chen YC. Radiofrequency
carcinoma hepatocelular com radiofrequência foi alvo de ablation improves prognosis compared with ethanol injection
for hepatocellular carcinoma < or =4 cm. Gastroenterology
importantes avaliações de eficácia. Usando a PEI como
2004;127:1714-1723.
grupo comparativo foram feitos estudos randomizados de 2. Shiina S, Teratani T, Obi S, Sato S, Tateishi R, Fujishima
bom padrão metodológico, em diferentes centros de vários T, Ishikawa T, et al. A randomized controlled trial of
países, com casuísticas robustas, incluindo mais de 50 a 100 radiofrequency ablation with ethanol injection for small
pacientes em cada grupo1-3. Recentemente, em 2009, uma hepatocellular carcinoma. Gastroenterology 2005;129:122-
revisão sistemática pode ser realizada com cinco ensaios 130.
terapêuticos, incluindo 701 pacientes, sendo possível uma 3. Brunello F, Veltri A, Carucci P, Pagano E, Ciccone G, Moretto
metanálise4. P, Sacchetto P, et al. Radiofrequency ablation versus ethanol
injection for early hepatocellular carcinoma: A randomized
controlled trial. Scand J Gastroenterol 2008;43:727-735. 35
Em todos os estudos comparativos randomizados, a eficácia 4. Orlando A, Leandro G, Olivo M, Andriulli A, Cottone M.
da radiofrequência foi superior àquela da PEI, nas mesmas Radiofrequency thermal ablation vs. percutaneous ethanol
indicações desta, ou seja, nódulos únicos com tamanho até injection for small hepatocellular carcinoma in cirrhosis:
3 cm. A revisão sistemática confirmou que os índices de meta-analysis of randomized controlled trials. Am J
recaída local foram menores com a radiofrequência, assim Gastroenterol 2009;104:514-524.
como os índices de sobrevida em três anos.

1. Hepatologista do INCOR e orientadora de Pós-graduação na Faculdade de Medicina da USP

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Discutidor da Evidência Científica inclusão e exclusão, objetivos primários e secundários dos
trabalhos analisados e no tratamento, por exemplo: uma única
sessão de PEI e diferenças no volume injetado de etanol. Em
03 ECR não há o número de pacientes rastreados. Em 03
Radiofrequência Térmica versus ECR não há o número de pacientes perdidos. 20% e 30% dos
Injeção Percutânea de Etanol no pacientes, 2 ECR respectivamente, tinham etiologia não viral.
tratamento do CHC Albumina sérica, plaquetas, alfa feto proteína, variavelmente
sem dados. Dois estudos com tamanho tumoral:>3 - <4
A rgemiro D’O liveira J r . 1 cm. O trabalho de Brunello F, o único que apresenta os
quatro critérios de qualidade metodológica entre os cinco
Metodologia: A seleção dos artigos avaliados pelo relator da analisados, mostra uma mortalidade semelhante entre os
evidência científica foi realizada pelo especialista que apre- dois tratamentos: HR=0,82, IC 95%: 0,48-1,41; P=0,476, com
senta o tema. A evidência foi classificada segundo “Evidência acompanhamento de 26,5 meses. O método de Klein é uma
Científica por Tipo de Estudo do Oxford Center for Evidence- adaptação de R. Rosenthal (1979)4, não há informação sobre
based Medicine” que tem 04 Graus de Recomendação. A, validação. O número de participantes da RS-M é satisfatório
B, C, e D. O Grau de Recomendação A tem os Níveis de para se tirar conclusões? Brok J, 20083 fez a análise de 79
Evidência (NE): 1A, 1B, 1C. O Grau de Recomendação B: 2A, RS-MT do Neonatal Group Review (The Cochrane Library)
2B, 2C, 3A e 3B, o Grau de Recomendação C: tem apenas todas estatisticamente significantes valor P< 0,05, através do
um nível, 4 e o D igualmente um nível: 5. A melhor evidência Trial Sequencial Analysis, 39 a 67% dessas MT significantes
é classificada como 1A. tinham Information Size (IS), número de participantes,
insuficiente, requerendo de 1500 a 3000 pacientes adicionais
36
Análise da Evidência: Comentários resumidos da evidência em média para obter-se uma evidência forte.
dos trabalhos apresentados.
Bouza C, 2009, Espanha; RS-M; GR: A, NE: 1A
Orlando A, 2009, Itália;1 RS-M; NE: 1. Objetivos: Comparar a eficácia e a segurança da Radio-
Objetivo: Comparar a eficácia e a segurança da Radio- frequência Térmica (RF) com a Injeção Percutânea de Etanol
frequência Térmica (RF) com a Injeção Percutânea de (PEI) no tratamento do CHC. Metodologia: Eventos primários:
Etanol (PEI) no tratamento do CHC. Metodologia: Pacientes sobrevida geral; taxa de recorrência local; efeitos adversos.
cirróticos independentemente da causa. Utilizados os critérios Eventos secundários: sobrevida livre da doença; resposta
de Milão. Foram analisados apenas ECR. Adotados para a tumoral completa; uso de recursos de saúde. O autor usa a
análise da qualidade metodológica dos artigos analisados estatística I² para analisar Inconsistência. Utiliza o National
os seguintes critérios: randomização, sigilo na alocação, Cancer Institut Classification of Evidence. Não avalia viés de
avaliação cega, intenção de tratamento. Viés de Publicação publicação. Os dados de Lencioni R 2003 estão somados aos
analisado segundo Klein S. foi utilizado a estatística Q de de Olschewski M 2001, publicados como resumo. Resultados:
Cochrane para a análise de Heterogeneidade. Eventos 241 referências, utilizadas 6 publicações; RF (396 pacientes),
primários: sobrevida geral; sobrevida em 1, 2 e 3 anos; PEI (391pacientes); média de seguimento: 25±11 meses;
recorrência local. Eventos secundários: sobrevida sem TT (tamanho do tumor), RF (2,62), PEI (2,47) (P=0,03);
câncer em 1, 2, 3 anos e resposta tumoral. Resultados: sobrevida geral e em 1,2,3 e 4 anos favorável a RF [ por
Analisados cinco ECR; período avaliado: 1999/junho 2008. exemplo: RR: 1,28 (IC 95%: 1,22-1,45) e RR: 1,24 (IC95%:
701 pacientes; Intenção de Tratar: 01 estudo (Brunello 1,05-1,48) respectivamente para sobrevida de 3 e 4 anos;
F(2008). Diferença de Risco (DR) pró RF na sobrevida geral recorrência local, sobrevida livre da doença (1,2 e 3 anos)
(DR 0,116; IC 95%: 0,173/0,060). DR pró RF em menor e resposta tumoral completa: favorável à RF; complicações
risco de recorrência local (DR -129; IC 95%:-0,079/-0,179) gerais: favorável PEI (10,5% vs 19,2%), RR: 2,55 (IC95%:
analisados em 4 ECR. DR pró RF na sobrevivência sem câncer 1,8-3,35; P<0,001); tendência de complicações maiores mais
(DR: 0,098;0,187;0,21) analisados 02 ECR com dados de 3 fequentes na RF: PEI: 2,7%; RF:4,1%; P= 0,22. Comentários:
anos em 228 pacientes. DR pró RF na análise de necrose IC amplos, indicando resultados não muito precisos; número
tumoral (DR: 0,091; IC95%: 0,143/0,038). Ocorrência de de estudos variável para análise: somente 2 estudos foram
novas lesões: sem diferença entre RF e PEI. Comentários: utilizados para a análise de sobrevida em 4 anos; uso de quasi-
Diferenças nas características metodológicas, critérios de RCT (Livraghi T, 1999); não há dados de acompanhamento

1. Professor Associado da Faculdade de Medicina da Bahia - Universidade Federal da Bahia

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


A. D`O liveira J r .

a longo prazo; não há informação adequada nos respectivos Referências


estudos sobre o tamanho tumoral; Brunello F (2008), único
trabalho que analisa custo-efetividade, mostra que o custo
1. 
Orlando A, Leandro G, et al. Radiofrequency thermal ablation
médico direto por paciente foi 4.047,00 euros para o grupo
vs percutaneous ethanol injection for small hepatocellular
de pacientes que usou PEI e 6.540,00 euros por paciente carcinoma in cirrhosis: meta-analyses of randomized con-
no grupo RF (P=<0,0001); custo extra por cada paciente trolled trials. AM J Gastroenteerol 2009, 104:514-24.
para se conseguir resposta completa usando RF ao invés de 2. Bouza C, López-Cuadrado T, et al. Meta-analyses of percu-
PEI: 8.286,00 euros; TC não exequível para avaliação pós- taneous radiofrequency ablation versus ethanol injection
tratamento segundo o grupo de Brunello. Para a análise da in hepatocellular carcinoma. BMC Gastroenterology 2009,
9:31-39.
questão acima proposta, avaliamos duas RS-M, ambas com
3. Brok J, Thorlund K, et al. Trial sequencial analysis reveals
GR: A e NE: 1A. insufficient information size and potencially false positive
results in many meta-analyses. J Clinical Epidemiology
GR: Grau de Recomendação por tipo de estudo (Oxford 2008, 61: 763-69.
Center for Evidence-based Medicine) 4. R, Rosenthal. The File Drawer Problem and The Tolerance
NE: Nível de Evidência por tipo de estudo (Oxford Center for for Null Results. Psychological Bulletin, Vol. 86(3), may 1979,
Evidence-based Medicine) 638-641.
RS: Revisão Sistemática
RS-MT: Revisão Sistemática com Metanálise
ECR: Ensaio Clínico Randomizado
RR: Risco Relativo
TC: Tomografia Computadorizada 37
HR: Hazard Ratio

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Discutidor da Evidência Científica O nível de evidência para este tema é 2B, pois os estudos são
basicamente coortes históricos. O grau de recomendação é
B, pois não estão bem definidas quais características podem
beneficiar pacientes, estendendo os critérios de inclusão em
Critérios de Milão para indicação lista além dos de Milão.
de transplante satisfazem a prática
clínica?
Referências
F rancisco S outo 1
1. 
Mazzaferro V, Llovet JM, Miceli R, Bhoori S, Schiavo M,
Foram listadas 11 citações, incluindo quatro revisões não- Mariani L, Camerini T, Roayaie S, Schwartz ME, Grazi GL,
sistemáticas, quatro estudos de coorte com bom tamanho Adam R, Neuhaus P, Salizzoni M, Bruix J, Forner A, De
amostral, e três estudos de coorte com N pequeno. Carlis L, Cillo U, Burroughs AK, Troisi R, Rossi M, Gerunda
GE, Lerut J, Belghiti J, Boin I, Gugenheim J, Rochling F,
O estudo de coorte conduzido por Mazzaferro et al.1 (Lancet Van Hoek B, Majno P; Metroticket Investigator Study
Oncology 2009), com boa amostra, indica que os pacientes Group. Predicting survival after liver transplantation in
patients with hepatocellular carcinoma beyond the Milan
que excediam os critérios de Milão tiveram mortalidade de criteria: a retrospective, exploratory analysis. Lancet Oncol
53% contra 73% daqueles que atendiam os critérios. Já o 2009;10(1):35-43.
estudo de coorte com N pequeno de Dudek et al.2 (Transpl 2. Dudek K, Kornasiewicz O, Remiszewski P, Kobry K,
Proc 2009) não confirma que os pacientes com critério de Ziarkiewicz-Wróblewska B, Górnicka B, Zieniewicz K,
Milão tiveram melhor sobrevida. No entanto, não se pode Krawczyk M. Impact of tumor characteristic on the outcome
38
descartar a ocorrência de erro beta, pelo N pequeno. of liver transplantation in patients with hepatocellular
carcinoma. Transplant Proc. 2009;41(8):3135-7.
3. Santoyo J, Sanchez B, de la Mata M, Fernández-Aguilar
No estudo de coorte com N pequeno de Santoyo et al.3 JL, Lopez-Ciller P, Pascasio JM, Suarez MA, Gomez MA,
(Transpl Proc 2009) foi demonstrada grande superioridade Nogueras F, Muffak K, Cuende N, Alonso M. Liver
da sobrevida naqueles com critério de Milão. Há também transplantation for hepatocellular carcinoma: results of
uma revisão cuidadosa por Silva & Wigg4. (J Gastroenterol a multicenter study with common priorization criteria.
Hepatol 2010) que mostra que os trabalhos disponíveis são Transplant Proc. 2009;41(3):1009-11.
4. Silva MF, Wigg AJ. Current controversies surrounding liver
heterogêneos e observacionais, impedindo a realização de
transplantation for hepatocellular carcinoma. J Gastroenterol
metanálises. Hepatol 2010;25:1217-26.

1. Hepatologista e Professor de Metodologia Científica da Universidade Federal de Mato Grosso

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Há indicação para critérios expandidos?

M auricio F ernando de A lmeida B arros 1

Este texto tem a intenção de reproduzir fielmente, não de Critérios, mais liberais, têm sido empregados por diversos
forma literal as palavras mas de forma consistente as ideias, grupos ou serviços ao redor do mundo, tais como os
emanadas na apresentação feita na Reunião de 27/11/2010, Critérios da Universidade de São Francisco2, os Critérios de
com o título em epígrafe. Dessa forma, incluiremos algumas Barcelona3 e, mais recentemente, o chamado Critério até 74,
imagens a título de ilustração. protagonizado pelo mesmo autor dos famosos Critérios de
Milão. E os resultados apresentados não são, de forma geral,
Quando se fala em transplante no carcinoma hepatocelular, inferiores.
toda a experiência mais recente com análise de resultados
tem por base os Critérios de Milão1. Apenas para relembrar,
Transplante - Critérios
tais critérios foram publicados há 15 anos, eram basicamente
radiológicos e utilizavam uma tecnologia (dos exames de Milão (1996)
Mazzaferro V, Regalia E, Doci R, Andreola S, • 1 nódulo ≤ 5 cm
imagem) inferior àquela hoje disponível. Pulvirenti A, Bozzeti F, et al. Liver transplantation • ≤ 3 nódulos, cada ≤
for the treatment of small hepatocellular
3 cm
carcinomas in patients with cirrhosis. N Engl J Med
A pergunta, objeto desta apresentação, se impõe: há lugar 1996;334(11):693-9.
para expansão dos critérios?
UCSF (2001) 39
Numa resposta rápida, “sim”, pelo simples fato de que, Yao FY, Ferrel L, Bass NM, Watson JJ, Bacchetti • 1 nódulo ≤ 6,5 cm
sabidamente, nosso “não” estaria condenando à morte P, Venook A, et al. Liver transplantation for • ≤ 3 nódulos, cada ≤
hepatocellular carcinoma: expansion of the tumor 4,5 cm
inúmeros pacientes com reais chances de cura e sobrevida size limits does not adversely impact survival.
Total ≤ 8 cm
Hepatology
em longo prazo. 2001;33(6):1394-403.

Numa resposta lenta ou “mais bem pensada”, o correto seria • 1 nódulo ≤ 7 cm, sem
dizer “depende”. Barcelona (2004) satélites
Llovet JM, Fuster J, Bruix J. The Barcelona • < 3 nódulos ≤ 5 cm
approach: diagnosis, staging, and treatment of ou < 5 nódulos ≤ 3
hepatocellular carcinoma. Liver Transpl 2004;10(2
E depende de várias circunstâncias, que vem se alterando Suppl 1):S115-20
cm Downstaging =
com o desenvolvimento da própria medicina, do transplante, OK, ≥ 6 meses
enfim, do conhecimento.
Até 7 (2007) • 1 nódulo ≤ 7 cm
Mazzaferro V, Schiavo M. Outcome of liver • 2 nódulos ≤ 5 cm
transplantation for HCC beyond conventional ou 3 nódulos ≤ 4 cm
criteria: preliminary report on the “Metroticket ou 4 nódulos ≤ 3 cm
survey”. Liver Transpl 2007;13(6):Abst 195 ou 5 nódulos ≤ 2 cm

Na realidade, Mazzaferro já havia questionado em 20075


os próprios critérios à luz dos dados por ele obtidos numa
abordagem bastante inteligente que se iniciou em 2005.

A idéia foi investigar prospectivamente a evolução a longo prazo


dos pacientes transplantados por carcinoma hepatocelular
que ultrapassavam os Critérios de Milão. Foi, então, em 2005,
aberto um site na Internet, em que “todos os transplantadores”
estavam livres para inserir seus próprios resultados. Surgiu a
ideia conhecida como “Paradigma do Metroticket”. Como um
bilhete de metrô, conceituou-se um pagamento que é tão mais
caro quanto mais se anda na estrada.

1. Médico do Serviço de Transplante e Cirurgia do Fígado do Hospital das Clínicas da FMUSP

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Há indicação para critérios expandidos ?

O preço, neste caso, é uma maior incidência de recidiva da Francisco, por exemplo, pacientes inicialmente “fora de
doença quanto mais se ultrapassa os Critérios de Milão. E os critério” podem ser aceitos após redução tumoral (down-
resultados por ele encontrados? stage). Mas essa aceitação não pode ser imediata, já que
é exigido um tempo mínimo de seguimento para, somente
Infelizmente, a enorme maioria dos dados inseridos ao redor então, ser o mesmo incluído em lista. Esse tempo permite
do mundo refere-se a pacientes que se incluíam dentro separar pacientes de diferentes prognósticos, oferecendo o
dos Critérios de Milão, de tal forma que uma análise clara transplante somente àqueles que se mantenham dentro dos
de critérios expandidos ficou de certa forma “deficiente em critérios por apresentar uma “biologia tumoral mais favorável”.
dados”.

40

O que se questiona, então, neste momento? É a possibilidade É possível (provável?) que o futuro não muito distante nos
de expansão dos Critérios de Milão respeitando-se os reserve alguma avaliação mais precisa dessa biologia, nos
resultados ditos “aceitáveis” em termos de sobrevida e índice permitindo então uma maior precisão nesse tipo de decisão.
de recidiva? Se a resposta for sim, então se observe, por Cabe, ainda, uma análise crítica final sobre as possíveis
instantes, a próxima figura, onde os resultados obtidos pelo decisões sobre o tema:
“Critério até 7” são semelhantes aos obtidos por aqueles que
respeitaram os Critérios de Milão. • Será que estamos analisando adequadamente os dados
obtidos com os diferentes métodos de downstaging bem
O que se coloca, enfim, não é tão simples e direto, mas como os diversos critérios expandidos?
envolvem mais dados e informações. Envolve o conhecimento, • Qual seria o percentual “aceitável” de sobrevida? (70% ou
por exemplo, da biologia do tumor. Na Universidade de São 60% ou 50% em 5 anos?)

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


M. F. A. B arros

Transplante de fígado praticamente não permite a realização Referências


de estudos prospectivos e randomizados. Não permite a
constituição de grupos-controle por motivos óbvios. Assim,
1.  azzaferro V, Regalia E, Doci R, Andreola S, Pulvirenti A,
M
as diretrizes (ou guidelines) atualmente utilizadas raramente
Bozzetti F, Montalto F, Ammatuna M, Morabito A, Gennari L.
apresentam elevados graus de evidência. Liver transplantation for the treatment of small hepatocellular
carcinomas in patients with cirrhosis. N Engl J Med
Carcinoma Hepatocelular que Ultrapassa os 1996;334:693-9.
Critérios de Milão 2. Yao FY, Ferrell L, Bass NM, Watson JJ, Bacchetti P,
Venook A, Ascher NL, Roberts JP. Liver transplantation
Níveis de Evidência nos Algoritmos eGuidelines Atuais for hepatocellular carcinoma: expansion of the tumor size
limits does not adversely impact survival. Hepatology
AASLD Guidelines (American Association for the Study of Liver Diseases) 2001;33:1394-403.
Nível A: 23% 3. Llovet JM, Fuster J, Bruix J. The Barcelona approach:
Nível B: 50%
diagnosis, staging, and treatment of hepatocellular carci-
Nível C: 27%
noma. Liver Transpl 2004;10:S115-20.
Guidelines NCCN (National Comprehensive Cancer Network) 4. Mazzaferro V, Llovet JM, Miceli R, Bhoori S, Schiavo M,
Nível A: 0% Mariani L, Camerini T, Roayaie S, Schwartz ME, Grazi GL,
Nível B: 78% Adam R, Neuhaus P, Salizzoni M, Bruix J, Forner A, De Carlis
Nível C: 22% L, Cillo U, Burroughs AK, Troisi R, Rossi M, Gerunda GE,
Lerut J, Belghiti J, Boin I, Gugenheim J, Rochling F, Van Hoek
Metroticket e BCLC são, primariamente, baseados no nível B de evidência
B, Majno P. Predicting survival after liver transplantation in
patients with hepatocellular carcinoma beyond the Milan
criteria: a retrospective, exploratory analysis. Lancet Oncol
41
Então, pode-se concluir a “resposta lenta (bem pensada)”da 2009;10:35-43.
5. Mazzaferro V. Results of liver transplantation: with or without
pergunta original (título da apresentação) afirmando que
Milan criteria? Liver Transpl 2007;13:S44-7.
“são necessários modelos de decisão”, que levem em conta 6. Merion RM. When is a patient too well and when is a patient
não somente a possibilidade de tratamento e perspectiva too sick for a liver transplant? Liver Transpl 2004;10:S69-73.
de sucesso, mas o contexto em que esse tratamento está
inserido, tais como a mortalidade em lista e a sobrevida dos
transplantados, enfim, dados que permitam “comparar” esses
pacientes conforme o “benefício de sobrevida6”.

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Discutidor da Evidência Científica A estratégia de busca identificou 19 artigos relacionados ao
tema, com a seguinte distribuição:

Há indicações para critérios Comentários objetivos sobre os


expandidos? estudos

G ilmar A morim de S ousa 1

Esta importante questão enfrentada por todos os especialistas Canter RJ, e cols,(2010)1 realizaram um estudo retrospectivo
que lidam com os pacientes portadores de Carcinoma dos dados dos pacientes comparando pacientes tratados
Hepatocelular foi submetida à avaliação da Evidência Cien- com TXH (transplante hepático) versus PHX (hepatectomia
tífica pela Sociedade Brasileira de Hepatologia, em 27 de parcial). Os autores identificaram 92 pacientes entre 2002 e
novembro de 2010, com vistas a se construir um norteamento 2005. Durante o mesmo período 94 pacientes com tumores
ancorado nas publicações mais atuais. de igual tamanho foram alocados para PHX. Os dados foram
analisados usando testes paramétricos e não paramétricos
A pergunta foi submetida ao PUBMED. Os artigos encontrados e Kaplan Méier. Os autores mostraram taxas de sobrevida
foram classificados utilizando-se as recomendações da III similar entre os dois grupos: TXP – 66,6%, PHX – 66,%,
Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Diretriz de Prevenção P = 0,97.
da Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia,
2001, as quais são retratadas nas tabelas abaixo: De forma muito interessante, os autores concluem: entre os
42 pacientes em que se estendem os critérios de Milão, TXP e
Níveis de Evidência HPX apresentam sobrevida similar.
Nível Evidência
Outro estudo interessante, foi produzido por Barakat, O e
1 Múltiplos estudos randomizados cols., (2010)2. Os autores selecionaram 32 pacientes em
2 Poucos estudos randomizados, controlados (pequenos) coorte retrospectiva com o objetivo de identificar prováveis
3 1 estudo randomizado de ótima qualidade fatores que apontassem sucesso na terapia para donwstage.
4 1 estudo coorte
5 1 estudo caso controle O sucesso do downstage foi obtido em 14 pacientes. Os
pacientes que não responderam tinham média de alfa feto
6 1 estudo série de casos
significativamente mais alta e tumores infiltrativos. Os tumores
7 Extrapolação não infiltrativos foi o que melhor respondeu à terapia.
Graus de Recomendação
Os autores sugerem que características morfológicas do
Grau Recomendação
tumor podem predizer a uma boa resposta para o downstage
A Sempre usar e melhoria das consequências após o transplante de fígado.
B Geralmente indicar
C Usar ou não Koschny, R3 e cols., em 2009, em estudo de revisão discutem
D Fraca. Não indicar vantagens e desvantagens em estender critérios de inclusão
E Conclusiva. Não indicar para transplante ortotópico de fígado (TOF) e sinalizam para
um modelo alternativo de predição e métodos de ponte para
Tipo de estudo Número encontrado estes pacientes com CHC.
Retrospectivos 09
Piardi, T, 20074 e cols., relatam o caso de um paciente de 47
Revisões 04
anos, que, após 8 anos de sobrevida de TXH, desenvolveu
Relato de casos 02 metástase cervical, que foi tratada por cirurgia. Em abril de
Série de casos 01 2008, o HCC disseminou para linfonodos do pedículo hepático
Opinião de especialista 03 e uma extensa linfadenectomia foi realizada. O paciente
Total 19 apresentou boa evolução e sem recorrência. NN KK, LO, CM,

1. Professor do Departamento de Medicina Integrada da UFRN - Membro de Grupo de Medicina Baseada em Evidência da SBH

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


G. A. de S ousa

20095 comenta sobre técnicas cirúrgicas que se desenvolvem Em 73% destes pacientes se beneficiaram com tratamento
na Ásia. Taketomi, A e cols.,6 2009, estudaram o impacto mais efetivo, contra 57% daqueles que não estavam em
da Desgamma-Carboxy Prothrobin (DCP) e o tamanho do programa de vigilância.
tumor na recorrência do CHC após o transplante de fígado.
Em estudo retrospectivo analisaram 90 pacientes adultos, Soejima, Y e cols.11, 2007, relatam a experiência do serviço
entre 1996 e 2007. Quarenta deles apresentaram recorrência. em pacientes que excederam os critérios de Milão. Foram
Dentre os fatores estudados, os autores encontraram que selecionados 40 (quarenta) pacientes, sem manifestação
tumor menor que 5 cm e DCP menor que 300 foi de utilidade extra-hepática e sem invasão vascular. Apresentaram média
para selecionar pacientes para transplante. de follow up de 437 dias, sobrevida de 1 e 3 anos de 88,4
e 68,6%, respectivamente; e taxa de recorrência de 14,8%.
Toso, C e cols.,7, 2009, em estudo retrospectivo de banco A taca de DCP maior que 300Mau/Ml e tamanho do tumor
de dados de 6478 pacientes, procuram demonstrar que os maior que 5 cm estavam associados com maior recorrência.
critérios de Milão podem ser expandidos. Mostram que TTV Os autores também apontam que a vigilância melhora a
e alfa feto proteína poderiam ser utilizados como critérios sobrevida de pacientes idosos com cirrose e expande o
para seleção dos pacientes por terem se demonstrado os percentual de tratamentos efetivos.
mais efetivos preditores. Sauer, P8, 2005, em editorial, relata
a experiência do serviço que coordena e opina a favor da Os critérios para transplante hepático poderiam ser expan-
expansão dos critérios, porém ressalta de que haverá maior didos é o título da experiência relatada pelos que fazem o
taxa de recorrência. No período de 1987 a 2004, em 110 Serviço da UCLA, assentada em observações de 22 anos
pacientes, a recorrência aconteceu em 28. Schwartz, M9, de funcionalidade e com um número de 467 pacientes
2005, opina que com o uso dos critérios atuais e a informação transplantados12. Sauer, P13 demonstra a experiência do 43
de características biológicas dos tumores, a sobrevida tem Hospital Universitário de Heidelberg em 110 pacientes trans-
melhorado. plantados no período de 1987 a 2004.

Trevisa N10, 2004, em estudo retrospectivo de 1277 pacientes A taxa de recorrência foi menor nos pacientes que foram
cirróticos, idosos, italianos, verificou o benefício da vigilância selecionados seguindo os critérios de Milão. Na tabela abaixo
com USG e alfa feto proteína, quando comparados com apresentamos diversos trabalhos com as suas classificações
pacientes cujos tumores foram descobertos incidentalmente. dos níveis de evidência e graus de recomendação:

Autor / Ano Tipo de estudo Nível de Evidência / Grau de Recomendação


Canter, RJ,2010 Retrospectivo 4, D
Barakat, O,2010 Retrospectivo 4, D
Koschov, R, 2004 Revisão 4, D
Piarti, T, 2007 Relato de caso 7, E
Ng kk Lo, 2009 Opinião de especialista 7, E
Skagen, C, 2009 Revisão 7, D
Taketomi, A, 2009 Retrospectivo 4, C
Toso, C, 2009 Retrospectivo 4, C
Heimback, JK, 2008 Revisão 7, D
Aukwen, 2007 Retrospectivo 4, C
Lee, HS, 2007 Opinião de especialista 7, D
Duffy, JP, 2007 Série de casos 6, D
Suh KS, 2006 Opinião de especialista 7, D
Llovet, JM, Opinião de especialista 7, D
Sutcliffe, R, 2006 14
Revisão 7, D
Sauer, P, 2005 Retrospectivo 4, D
Trevisan, F, 2004 Retrospectivo 4, C
Shwartz, M, 2005 Retrospectivo 4. D
Soejima, 2007 Retrospectivo 4, D

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D iscutidor da E vidência C ientífica - H á indicações para critérios expandidos ?

Conclusão Ikegami T, Harada N, Yamashita Y, Sugimachi K, Kayashima


H, Iguchi T, Maehara Y. (2009). “Impact of des-gamma-
carboxy prothrobin and tumor size on the recurrence of
hepatocellular carcinoma after living donor transplatation.”
No que se refere aos critérios expandidos no CHC, os
Transplatation 87(4): 531-7.
estudos selecionados, a evidência e a recomendação, o 6. Toso, C. (2009). “Reassessing selection criteria prior to
parecer da reunião de experts da SBH em 27 de novembro liver transplatation for hepatocellular carcinoma utilizing
de 2010 foi: the Scientific Registry of Transplant Recipients database.”
Hepatology 49(3): 832-8.
1. A literatura atual revela uma tendência prointervenção; 7. Sauer P, K. T., Schemmer P, Mehrabi A, Stremmel W,
2. Os estudos atuais não permitem concluir no sentido da Buechler MW, Encke J. (2005). “Liver Transplatation for
hepatocellular carcinoma: is there evidence for expanding
sua implementação como norma geral na rotina médica the selection criteria?” Transplatation 27(80 (Suppl1)): S
diária; e 105-8.
3. Os casos devem ser avaliados segundo a experiência 8. M, S. (2004). “Liver Transplatation for hepatocellular
acumulada dos serviços e seus profissionais. carcinoma.” Gastroenterology 127(5 (Suppl 1)): S 268-76.
9. Trevisani F, C. M., Labate AM, De Notaris S, Rapaccini G,
Farinati F, Del Poggio P, Di Nolfo MA, Benvegnú L, Zoli M,
Referências Borzio F, Bernardi M, Italian Liver Cancer (ITALICA) group.
(2004). “Surveillance for hepatocellular carcinoma in elderly
Italian patients with cirrhosis: effects on cancer staging and
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PL. (2010). “Comparative analysis of outcome in patients T, Shimada M, Machara Y. (2007). “Extended indication for
44 with hepatocellular carcinoma exceeding the Milan criteria living donor liver transplatation in patients with hepatocellular
treated with liver transplatation versus parcial hepatectomy.” carcinoma.” Transplatation 83(7): 893-9.
Am J Clin Oncol. 11. Duffy, J., Vardanian A, Benjamin E, Watson M, Farmer DG,
2. Barakat O, W. R., Ozaki CF, Ankoma-Sey V, Galati J, Skolkin Ghobrial RM, Lipshutz G, Yersiz H, Lu DS, Lassman C, Tong
M, Toombs B, Round M, Moore W, Mieles L. (2010). MJ, Hiatt JR, Busuttil RW. (2007). “Liver Transplatation
“Morphological features of advanced hepatocellular carcinoma criteria for hepatocellular carcinoma should be expanded:
as a predictor of downstaging and liver transplatation: an a 22 year experience with 467 patients at UCLA.” Ann Surg
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chances and risks expanding transplatation criteria for HCC Buechler MW, Encke J. (2005). “Liver Transplatation for
patients with liver cirrhosis.” Clin Transplant 21(suppl): 49-60. hepatocellular carcinoma: is there evidence for expanding
3. Piardi T, A. M., Odeh M, Panaro F, Cag M, El-ahmar J, the selection criteria?” Transplatation 27(80 (Suppl1)): S
Baiocchi GL, Schneider A, Wolf P. (2010). “Transplantation 105-8.
exceeding UCSF criteria: case report of a late recurrence 13. CH, A. K. (2007). “HCC in living donor liver transplatation:
treated by surgery and review of the literature.” Eur Surg Can we expand the Milan criteria?” Revista Dig Dis 25(4):
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4. NG KK, L. C. (2009). “Liver Transplatation in Asia: past, present 14. Sutcliffe R, M. D., Portmann B, Rela M, Heaton N (2006).
and future.” Ann Acad Med Singapore 38(4): 322-10. “Selection of patients with hepatocellular carcinoma for liver
5. Taketomi A, S. K., Soejima Y, Yoshizumi T, Uhciyama H, transplatation.” Br J Surg 93(1): 11-8.

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Há indicações de downstaging para listar os pacientes?

R enato F erreira da S ilva 1

O transplante de fígado sempre foi uma esperança da cura do não impõe limite de número ou tamanho do tumor para a
carcinoma hepatocelular (CHC), mas quando foi comparado realização do DS5-10. A segunda questão que é tão importante
a sobrevida nas primeiras séries de pacientes transplantados quanto a primeira é qual o critério de análise de boa resposta.
por CHC em relação ao transplante por doenças benignas, Existem grupos que só realizam o transplante quando os
os resultado foram desanimadores. tumores têm resposta que os colocam dentro dos CM10-11
e outros que avaliam a resposta pelo RECIST (Critério de
Piclmayer et al.1 demonstraram que a sobrevida em seis anos avaliação de resposta em tumores sólidos)4,10-11.
para o CHC foi de 49% comparado com a doença benigna que
era de 88%. Outros autores também demonstraram resultados O primeiro trabalho na literatura de uso da quimioembo-
semelhantes. Como resultado, houve um desestímulo em alguns lização transarterial (TACE) com o objetivo de DS para
países, incluindo a proibição para a realização do transplante fazer ressecção hepática ou transplante foi realizado por
para o CHC nos EUA por alguns anos. Majno et al.,7 trabalho retrospectivo em que analisou 111
pacientes, dos quais 54 transplantados foram usados na
Alguns autores, no entanto, observavam que pacientes TACE, doxorubicina 50 mg ou Cisplatina de 50 a 70mg, e no
transplantados por cirrose, mas que na análise histológica pós-operatório foi realizado quimioterapia sistêmica. Foram
após o transplante observava-se a presença de CHC de incluídos os pacientes que tiveram dois tumores, sendo que 45
determinado diâmetro, tinham sobrevida comparáveis às pelo menos um deles com diâmetro maior que 3cm. Foi usado
doenças benignas. Em 1996, Mazzaferro e colaboradores2 o RECIST como parâmetro de resposta e a redução de 50%
publicaram artigo seminal que demonstram que quando aceito com DS. Os autores observaram que a sobrevida nos
os pacientes eram transplantados, tendo tumor único com grupos de pacientes transplantados com e sem TACE foram
diâmetro ≤ 5cm ou dois ou três tumores com diâmetro ≤ de 57% e 59% respectivamente.
3 cm, sem doença extra-hepática ou invasão celular, tinham
sobrevida de 70% em cinco anos, com aproximadamente Observação importante foi apontada neste trabalho quando
10% de recorrência. os autores analisaram a sobrevida dos pacientes em três
níveis, os que tiveram resposta completa, incompleta e
Estes critérios passaram então a ser chamados de critérios o grupo que não foi submetido à TACE, a sobrevida em 5
de Milão e foi validado por vários grupos nos EUA e na anos foi de 71%, 29% e 49% respectivamente. Estes dados
Europa e atualmente é aceito como gold standard 3. sinalizaram que a sobrevida dos pacientes que tiveram
resposta incompleta foi desfavorável em relação ao grupo
Há uma discussão na literatura se o paciente com diagnóstico que não foram submetidos à TACE.
de CHC fora dos critérios de Milão pode ser transplantado
após obter redução do tumor por tratamento loco regional Roayaie, et al.,8 em estudo prospectivo, analisaram a terapia
com quimioembolização, radiofrequência ou alcoolização multimodal antes do transplante para pacientes com tumores
(downstage). maiores que 5 cm de diâmetro. Os fatores de exclusão deste
trabalho foram: tumores maiores que 75% do parênquima
O conceito de DS foi recolocado em 2010 em conferência hepático, infiltrativos, difuso e a doença bilobar, mas incluiu
nos EUA como sendo a aplicação de qualquer técnica pacientes com tumores que tinham invasão do ramo portal e
ablativa, incluindo a quimioembolização para reduzir o tumor multicêntrico em um mesmo lobo.
tornando-o “viável” para transplante. Neste conceito a hepa-
tectomia foi excluída deste critério. Na TACE uso a associação de doxorubicina, mitomicina C e
cisplatina, no intra-operatório, imediatamente a reperfusão,
Os resultados com esta prática tem sido conflitantes na foi infundido no paciente doxorubicina na dose de 10mg\
literatura4-10. Neste processo existem duas questões básicas m2 e na primeira semana pós-transplante foi continuada na
a serem analisadas. A primeira delas é que muitos trabalhos dose de 50 mg\m2 por seis ciclos. Estes autores definem

1. Livre Docente em Moléstias do Aparelho Digestivo, Doutor e Mestre em Cirurgia, Professor e Orientador da Pós-graduação da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)-SP, unidade de Transplante de Fígado HB - Funfarme/Famerp.

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H á I ndicações de downstaging para listar os pacientes ?

como resposta à TACE a redução de 50% do nível de alfa 12,1% e 26,7% respectivamente, e a sobrevida grupo de
feto proteína ao contrário de Majno et al.7 que observam a DS em 1, 2 e 5 anos foi de 80-66,7 e 25% respectivamente.
redução do tumor. Dos 80 pacientes analisados, 37 tiveram Concluem os autores que o grupo DS teve pior evolução.
progressão do tumor e foram excluídos da lista de espera e
43 foram transplantados; a sobrevida do grupo transplantado Chapman et al.10 analisaram 17 pacientes transplantados
foi de 44% em cinco anos, mas quando estratificado pelo com tumores bastantes avançados inclusive quatro deles
diâmetro do tumor, observou-se que os de diâmetro entre 5 com invasão vascular e sem limite de diâmetro; foram
e 7 cm tiveram 55% em cinco anos contra 34% nos pacientes transplantados os pacientes que após a TACE estivessem
que tiveram diâmetro maior que 7 cm. dentro dos CM, excluindo apenas pacientes com doença
extra-hepática e obtiveram sobrevida igual ao pacientes
Graziadei et al.,12 em trabalho prospectivo, analisaram o originalmente dentro dos CM. Cillo et al.,13 em trabalho
resultado de TACE em tumores fora dos CM, 63 pacientes, prospectivo observacional, analisaram os resultados de 60
sendo 48 dentro dos CM e 15 com tumor avançado; os pacientes transplantados dentro dos CM e 40 que excediam
tumores avançados foram elegíveis para o transplante quando estes critérios. Foram excluídos os pacientes que tiveram:
houve regressão de pelo menos 50% do tumor inicial. invasão vascular, doença metastática e os que à biopsia eram
indiferenciados, a realização da biopsia foi a regra, o diâmetro
Quando foram analisar os resultados observando-se a do tumor não foi fator de exclusão. Usaram agressiva terapia
intenção de tratamento, vê-se que os pacientes dentro dos multimodal com alcoolização, radiofrequência e TACE.
CM tiveram sobrevida em 1, 2 e 5 anos de 97,8%, 97,8% e
94%, enquanto que o grupo do DS teve 93%, 78% e 31% Quando analisado a intenção de tratamento em um e três
com recorrência de 30%, enquanto os do CM tiveram 2,4%. anos, observou-se que os pacientes dentro dos CM e
46
Os autores concluem que, embora haja redução da massa de São Francisco tiveram sobrevida de 84% e 69%, 95%
tumoral, ela não se traduz em benefício para o paciente. e 85% respectivamente. Eles concluíram que tratamento
agressivo deve ser feito em tumores fora dos critérios de
Yao et al.9 realizam o primeiro estudo prospectivo para analisar Milão. Heckman et al.14 observaram bons resultados em 12
o uso de terapias loco regional com a intenção de DS para pacientes com tumor avançado que foram submetidos à DS
pacientes que estão fora dos CM. Este trabalho tem protocolo com o uso de TACE e radiofrequência. Recentemente em
rígido inclusão de paciente e impõe limite de diâmetro, não revisão sistemática, o uso do Yttrrium-90 foi indicado para o
podendo a soma dos diâmetros de todos os tumores terem DS, com sobrevida relatada em 1 e 3 anos de 82% - 82% e
mais de 8 cm, e também é exigido um tempo mínimo de espera 80% - 80%, respectivamente em grupos de pacientes sem e
fora da lista entre o DS e a realização do transplante para que com DS.15 Ravaioli et al.,16 em trabalho prospectivo analisando
se observe o comportamento biológico dos tumores. Trinta a intenção de tratamento em 88 pacientes dentro dos CM
pacientes foram analisados neste estudo e o DS foi alcançado e 32 com tumor avançado com média de segmento de 2,5
em 70%, e destes, 53% foram transplantados. anos, observaram sobrevida 62,8% no grupo dentro dos CM
e 56,3% no grupo do DS, sem significância estatística.
A sobrevida pela intenção de tratamento em 1 e 2 foi de
89,3 e 81,8% respectivamente . Embora este trabalho tenha De Luna et al.17, analisando os seus resultados com dois
protocolo claro, não se pode tirar conclusões mais fidedignas, grupos de pacientes, um com os pacientes dentro dos CM
pois faltou randomização e grupo controle, e também para a (n = 83) e o grupo de DS (n = 17), observaram mesma
realização do DS foram usadas vários métodos (alcoolização, sobrevida em 50 meses, concluindo que DS foi efetivo na
radiofrequência e TACE) isolados ou em combinação, além metade dos seus pacientes.
do curto tempo de segmento.
Revisão da literatura baseada em evidências concluiu que não
Mas recentemente o mesmo grupo demonstrou resultados existem dados suficientes para indicar o DS como indicação
com um número maior de pacientes (61) e sobrevida em de transplantes em tumores avançados18. Na mesma linha,
quatro anos analisadas pela intenção de tratamento de Llovet et al.3, analisando também as publicações existentes,
69,3%4. concluíram que o DS ainda não pode ser aplicado a prática
clínica. Ao mesmo tempo Yao19 defende o uso do DS com a
Millonig et al.5, analisando resposta à TACE em pacientes intenção de dar oportunidade de transplante aos pacientes.
dentro dos critérios de Milão, São Francisco e além dos Analisando o estudo de Cillo et al.13 pode-se observar que
critérios de São Francisco (DS), observaram que os índices os trabalhos publicados são incomparáveis, visto que os
dos pacientes que saíram da lista em cada grupo foi de 2,9%, critérios de inclusão e exclusão, tipo de tratamento, números

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R. F. S ilva

e diâmetro dos tumores, são desiguais entre os artigos Portanto, baseado nas evidências disponíveis, não encon-
analisados. Volk et al.20, usando o modelo de Markov, tramos dados que justifiquem o uso do DS para viabilizar
demonstram que quando se opera um paciente com CHC o transplante de fígado em pacientes que estão fora dos
com critérios expandidos, possivelmente se está criando critérios de Milão pois, nos últimos 10 anos, várias opões
a possibilidade de morte do próximo paciente em fila com de tratamento do CHC se firmaram como, por exemplo, a
DHC sem CHC em 44%, principalmente se este paciente alcoolização, radiofrequência, TACE e, finalmente, existem
tiver MELD acima de 20. Neuberger21, analisando o assunto, dados demonstrando que existem mais pacientes com
relembra que nos últimos anos várias opções de tratamento CHC que doadores de órgãos23, ou seja, os pacientes com
do CHC surgiram e comenta que o fígado doado é recurso doença hepática crônica estariam condenados à morte e
da sociedade e, portanto, deve ser distribuído igualmente não se beneficiariam do grande avanço da medicina que
para todos. Nos EUA, em 2010, no relatório da conferência é o transplante de fígado, pois os órgãos doados seriam
para alocação de fígados para o CHC ficou decidido que: reservados aos privilegiados pacientes com câncer.

a - Que não deverá haver mudança nos critérios de alocação


para o CHC, inclusive nos critérios de exceção; Referências
b - Deve-se criar registro de recorrência tumoral; e
c - Deve-se estimular acordos regionais visando ampliar os
1. 
Pichlmayr R, Weimann A, Ringe B. Indications for liver
CM.
transplantation in hepatobiliary malignancy. Hepatology
1994;20:33S-40S.
Ficou decidido também que não se deveria estabelecer o DS 2. Mazzaferro V, Regalia E, Doci R, Andreola S, Pulvirenti A,
como política nacional, mas ficou liberado para que a região Bozzetti F, et al. Liver transplantation for the treatment of 47
possa discutir e implementar um programa de DS, porém small hepatocellular carcinomas in patients with cirrhosis.
este programa deverá fazer obedecendo rígido protocolo, o N Engl J Med. 1996;334:693-699.
3. Llovet JM, Schwartz M, Fuster J, Bruix J. Expanded criteria
qual transcrevemos abaixo:
for hepatocellular carcinoma through down-staging prior
to liver transplantation: Not yet there. Semin Liver Dis.
A - Critérios de inclusão para DS 2006;26:248-253.
1. Tumor único > 5 cm, e com o maior diâmetro ≤ 8cm; 4. Yao FY, Kerlan RK Jr, Hirose R, Davern TJ III, Bass NM,
2. Dois a três tumores, sendo que cada um só pode ter no Feng S, et al. Excellent outcome following down-staging of
máximo o diâmetro ≤ 5 cm e ainda que a soma total de hepatocellular carcinoma prior to liver transplantation: an
todos os tumores deve ter o diâmetro ≤ 8 cm; e intention-to-treat analysis. Hepatology 2008;48:819-827.
5. Millonig G, Graziadei IW, Freund MC, Jaschke W,
3. Sem evidência de invasão vascular comprovado por
Stadlmann S, Ladurner R, et al. Response to preoperative
tomografia de múltiplas cortes ou por ressonância chemoembolization correlates with outcome after liver
magnética. transplantation in patients with hepatocellular carcinoma.
Liver Transpl. 2007;13:272-279.
B – Critérios que indicam sucesso de DS 6. Otto G, Herber S, Heise M, Lohse AW, Mönch C, Bittinger
1. Os tumores residuais devem estar dentro dos critérios de F, et al. Response to transarterial chemoembolization as
a biological selection criterion for liver transplantation in
Milão, demonstrado por tomografia ou ressonância; e
hepatocellular carcinoma. Liver Transpl. 2006;12:1260-
2. Em pacientes com alfa feto > 1.000ng\ml, para o 1267.
sucesso do DS deve-se descer para < 500ng\ml e deve 7. Majno PE, Adam R, Bismuth H, Castaing D, Ariche A,
ser mantido assim até o transplante. Krissat J, et al. Influence of preoperative transarterial lipiodol
chemoembolization on resection and transplantation for
C – Critérios para priorizar em lista após o sucesso DS hepatocellular carcinoma in patients with cirrhosis. Ann
1. Os pacientes que alcançarem os CM, antes de serem Surg. 1997;226:688-701.
8. Roayale S, Frischer JS, Emre SH, Fishbein TM, Sheiner PA,
listados, devem ser observados fora de lista pelo período Sung M, et al. Long-term results with multimodal adjuvant
mínimo de três meses; therapy and liver transplantation for the treatment of
2. No final dos três meses de observação fora da fila, hepatocellular carcinomas larger than 5 centimeters. Ann
o paciente deve fazer cintilografia óssea, provando não Surg. 2002;235:533-539.
haver meta; e 9. Yao FY, Hirose R, LaBerge JM, Davern TJ III, Bass NM,
3. Para manter a prioridade, deve o paciente em lista Kerlan RK Jr, et al. A prospective study on downstaging of
hepatocellular carcinoma prior to liver transplantation. Liver
fazer tomografia ou ressonância a cada três meses, e
Transpl. 2005;11:1505-1514.
as imagens devem permanecer iguais as que incluíram 10. Chapman WC, Majella Doyle MB, Stuart JE, Vachharajani
os pacientes em lista. Deve-se fazer a cada três meses N, Crippin JS, Anderson CD, et al. Outcomes of neo-
também tomografia de tórax22. adjuvant transarterial chemoembolization to downstage

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Há indicações de downstaging para listar os pacientes ?

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Ercolani G, et al. Liver transplantation for hepatocellular

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Discutidor da Evidência Científica Fica evidente que faltam estudos prospectivos controlados
randomizados bem desenhados. O nível de evidência é 2C,
pois os estudos são apenas observações de resultados
terapêuticos de séries de serviços. Sem controle ou siste-
Há indicações de downstaging matização, o Grau de Recomendação é B, pois aparen-
para listar pacientes? temente há melhora de sobrevida em determinados casos,
necessitando melhor informação sobre em que situações
F rancisco S outo 1 estariam indicadas o downstaging.

Foram listadas 20 publicações consultadas: um estudo pros-


pectivo controlado (com N muito pequeno), um estudo
retrospectivo controlado (com N grande), um estudo retros- Referências
pectivo não-randomizado (com N razoável), dois estudos não-
controlados (com N pequeno), um estudo não-controlado de 1.  ajno PE, Adam R, Bismuth H, Castaing D, Ariche A, Krissat
M
seguimento, quatro revisões não-sistemáticas, um relato de J, Perrin H, Azoulay D. Influence of preoperative transarterial
caso e nove estudos focando outros aspectos. lipiodol chemoembolization on resection and transplantation
for hepatocellular carcinoma in patients with cirrhosis. Ann
O estudo retrospectivo, controlado, não-randomizado con- Surg. 1997;226(6):688-701.
2. Graziadei IW, Sandmueller H, Waldenberger P, Koenigsrainer
duzido por Majno et al. (Ann Surg 1997)1, com 187 pacientes
A, Nachbaur K, Jaschke W, Margreiter R, Vogel W.
incluídos, mostrou que downstaging antes do transplante ou Chemoembolization followed by liver transplantation for
de ressecção melhorou sobrevida. Outro estudo retrospectivo hepatocellular carcinoma impedes tumor progression while
(Graziadei et al. Liver transpl 2003)2 indica que downstaging on the waiting list and leads to excellent outcome. Liver 49
proporcionou ótima sobrevida de cinco anos, mas seu N foi Transpl. 2003;9(6):557-63.
pequeno (63). Yao et al.3 (Am J Transpl 2005), em um estudo 3. Yao FY, Kinkhabwala M, LaBerge JM, Bass NM, Brown
retrospectivo, não-randomizado, com 168 participantes, R, Jr., Kerlan R, Venook A, Ascher NL, Emond JC, Roberts
mostraram melhor sobrevida proporcionada por downstaging JP. The Impact of Pre-Operative Loco-Regional Therapy
on Outcome After Liver Transplantation for Hepatocellular
em pacientes preenchendo os critérios de Milão ou mesmo
Carcinoma. Am J Transpl 2005;5:795-804.
extrapolando esses critérios.

1. Hepatologista e Professor de Metodologia Científica da Universidade Federal de Mato Grosso

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Há evidências para associar quimioembolização
à radiofrequência ou alcoolização?

L uciana K ikuchi1

O uso combinado das terapias locorregionais no tratamento Os dados também são muito heterogêneos em relação ao
do carcinoma hepatocelular (CHC) é realizado em diversos braço controle e ao tamanho do tumor. E apesar da maioria
centros, com objetivo de promover uma área de necrose dos trabalhos não apresentar diferença estatisticamente
maior do tumor. A combinação de quimioembolização (TACE) significante em termos de sobrevida, há 2 trabalhos com
seguida por radiofrequência (RF) visa diminuir a perda de resultados muito favoráveis em relação ao tratamento com-
calor e aumentar o efeito terapêutico da RF1. binado, que pode ter influenciado na conclusão desta
metanálise.
Por outro lado, o uso da TACE após a RF é utilizada para
aumentar a necrose tumoral principalmente nas áreas
periféricas do tumor, onde a temperatura alcançada pela RF
Conclusões
é menor2.
O tratamento combinado do CHC através da associação
Infelizmente, apesar de diversos estudos mostrarem resul- quimioembolização e terapias ablativas percutâneas (radio-
50 tados promissores, nenhum apresenta prova definitiva frequência ou alcoolização) não é recomendado. Estudos
de eficácia clínica. Nenhum grande estudo randomizado randomizados controlados devem ser conduzidos para avaliar
controlado que compare a eficácia do tratamento combinado a eficácia desta abordagem.
(transarterial + ablativo) versus cada tratamento isoladamente
foi realizado. Referências
Um estudo com número significativo de pacientes que
comparou a combinação TACE e RF sugeria que o trata- 1.  ossi S, Garbagnati F, Lencioni R, Allgaier HP, Marchiano
R
A, Fornari F, et al. Percutaneous radio-frequency thermal
mento combinado oferecia uma melhor sobrevida quando
ablation of nonresectable hepatocellular carcinoma after
comparado à TACE ou RF sozinhos. Entretanto, houve uma occlusion of tumor blood supply. Radiology 2000;217:119-
retratação por parte da revista que o publicou por falhas em 126.
aspectos éticos3. 2. Lencioni R, Crocetti L, Petruzzi P, Vignali C, Bozzi E, Della Pina
C, et al. Doxorubicin-eluting bead-enhanced radiofrequency
Recentemente, uma metanálise4 sobre o tratamento com- ablation of hepatocellular carcinoma: a pilot clinical study. J
Hepatol 2008;49: 217-222.
binado de TACE e terapias ablativas percutâneas em
3. DeAngelis CD, Fontanarosa PB. Retraction: Cheng B-Q, et al.
pacientes com CHC irressecável foi publicado. Este artigo Chemoembolization combined with radiofrequency ablation
analisou 10 estudos randomizados controlados publicados for patients with hepatocellular carcinoma larger than 3 cm:
tanto na forma de artigos completos como na forma de a randomized controlled trial. JAMA. 2008;299(14):1669-
resumo. Apesar da conclusão desta metanálise ser favorável 1677. JAMA. 2009 May 13;301(18):1931.
ao tratamento combinado, a análise deste estudo mostra 4. Wang W, Shi J, Xie WF. Transarterial chemoembolization
que a maioria dos trabalhos incluídos apresenta um número in combination with percutaneous ablation therapy in
unresextable hepatocellular carcinoma: a meta-analysis.
pequeno de pacientes em cada braço. Liver International 2010;741-7.

1. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Discutidor da Evidência Científica O relato de casos de Veltri et al.5 (Eur Radiol 2006) reúne 46
casos tratados com terapia combinada. Há bons resultados
em dois terços dos mesmos, mas não há grupo controle.
Considerações sobre a literatura consultada: uma metanálise
Há evidências para associar com ensaios de qualidade questionável; um ensaio com
quimioembolização à N pequeno que não mostrou diferença; um ensaio com
radiofrequência ou alcoolização? problemas éticos; um estudo não-comparativo.

F rancisco S outo 1 A valoração de evidências e grau de recomendação para
esta questão precisa ser concentrada sobre a metanálise por
ser o único trabalho com maior impacto a ser considerado.
Foram oito as citações apresentadas pela revisora, tratando- E isto geraria nível de evidência 1A e grau de recomendação
se de uma metanálise, dois ensaios clínicos (e um comentário A. No entanto, como os trabalhos que ela incluiu são muito
a respeito de um deles), uma série de 46 casos, três revisões heterogêneos, é difícil valorizar seus resultados sem mais
ou opiniões de especialistas. estudos como base. A análise da literatura sobre este tema
recomenda muita cautela na análise dos resultados até então
A metanálise conduzida por Wang et al.1 (Liver Int 2010) obtidos, e a necessidade de realização de melhores estudos
encontrou 106 ensaios, sendo dez selecionados por preen- não controlados.
cherem critérios estabelecidos pelos autores. Apenas dois
desses ensaios apresentavam classificação de Jadad acima
de 2, caracterizando os oito restantes como ensaios de
qualidade inferior. Foram aglutinados dados de 595 pacientes.
Referências 51
A análise estatística apontou superioridade de sobrevida
de 1, 2 e 3 anos para a combinação de quimioembolização 1.  ang W, Shi J, Xie WF. Transarterial chemoembolization
W
ao tratamento ablativo sobre as abordagens isoladas. Esta in combination with percutaneous ablation therapy in
unresectable hepatocellular carcinoma: a meta-analysis.
metanálise usou como fontes o Medline, a base Cochrane, o
Liver Int. 2010;30(5):741-9.
Embase e o Web of Science. 2. Cheng BQ, Jia CQ, Liu CT, Fan W, Wang QL, Zhang ZL,
Yi CH. Chemoembolization combined with radiofrequency
O ensaio clínico randomizado de Cheng et al.2 (JAMA 2008) ablation for patients with hepatocellular carcinoma larger
comparou as abordagens isoladas com a associação de than 3 cm: a randomized controlled trial. JAMA. 2008 Apr
quimioembolização e radiofrequência. Incluiu 291 pacientes 9;299(14):1669-77.
com CHC maior que 3 cm. O resultado da combinação foi 3. DeAngelis CD, Fontanarosa PB. Retraction: Cheng B-Q, et al.
Chemoembolization combined with radiofrequency ablation
superior. for patients with hepatocellular carcinoma larger than 3 cm:
a randomized controlled trial. JAMA. 2008;299(14):1669-
No entanto, denúncias de irregularidades éticas e falta de 1677. JAMA. 2009;301(18):1931.
veracidade dos dados chegaram aos editores da revista 4. Shibata T, Isoda H, Hirokawa Y, Arizono S, Shimada K, Togashi
(DeAngelis e Fontanarosa JAMA 2009)3 e foram confirmadas K. Small hepatocellular carcinoma: is radiofrequency ablation
pelos dirigentes do instituto de pesquisa ao qual o pesqui- combined with transcatheter arterial chemoembolization
more effective than radiofrequency ablation alone for
sador principal era ligado de modo que os resultados desse
treatment? Radilogy 2009;252(3):905-13.
estudo foram completamente desconsiderados. 5. Veltri A, Moretto P, Doriguzzi A, Pagano E, Carrara G, Gandini
G. Radiofrequency thermal ablation (RFA) after transarterial
O ensaio clínico controlado de Shibata et al.4(Radiology 2009) chemoembolization (TACE) as a combined therapy for
incluiu 46 casos tratados com terapia combinada vs. 43 com unresectable non-early hepatocellular carcinoma (HCC).
radiofrequência isolada. A sobrevida foi igual nos anos1-4. Eur Radiol (2006) 16: 661–669.

1. Hepatologista e Professor de Metodologia Científica da Universidade Federal de Mato Grosso

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Há indicação para o sorafenib?

F abio M arinho do R ego B arros 1

O tratamento do carcinoma hepatocelular (CHC) foi siste- população específica, onde a maior parte dos casos de CHC
matizado após o ano de 2003 com a publicação do algoritmo são relacionados à infecção crônica pelo vírus da hepatite
do Barcelona Clinic Liver Cancer (BCLC)1. Nele, pela primeira B. Daí surgiu o estudo Ásia-Pacífico5, cujos resultados foram
vez, havia a proposta de tratamento do CHC de acordo com favoráveis ao uso do sorafenib quando comparados ao placebo.
o estágio em que o mesmo era encontrado associado ao Neste desenho foi feita randomização 2:1, com pacientes
status clínico do paciente. Havia, porém, duas lacunas a serem cirróticos Child A. Neste estudo os pacientes eram mais
preenchidas: o tratamento do estágio avançado (BCLC C) e graves quando comparados aos pacientes do estudo SHARP,
do estágio final (BCLC D). A partir do conhecimento de que porquanto apresentavam mais invasão macrovascular e nível
os tumores, e em particular o CHC, apresentavam vias de e alfafetoproteína mais elevado. Houve aumento da sobrevida
sinalização que seriam responsáveis por várias características geral no braço que utilizou o sorafenib quando comparado ao
tumorais, como a sobrevida, a proliferação e a capacidade placebo (6,5 versus 4,2 meses e p = 0,014). Neste estudo,
de desenvolvimento de metástases, percebeu-se que o de forma semelhante ao estudo SHARP, houve favorecimento
bloqueio destas vias poderia ter fundamento terapêutico2. do braço do sorafenib em todos os quesitos analisados de
estratificação de pacientes.
O sorafenib é uma molécula que foi capaz de bloquear várias
vias de sinalização no CHC em estudos clínicos de fase 1 e Na pirâmide utilizada para análise dos estudos clínicos no
23, quer na célula tumoral per se como na célula endotelial, topo surgem as revisões sistemáticas com ou sem metanálise.
52
bloqueando também a neoangiogênese observada no CHC. Em 2010 foi publicada a primeira metanálise6 evidenciando
A principal via de sinalização bloqueada pelo sorafenib é a das que o sorafenib melhora a sobrevida de paciente com CHC
serinas-treoninas RAS-RAF-MEK-ERK, seguida pelo bloqueio avançado, apesar de terem sido analisados dados de apenas
do receptor da VEGFR-2. três estudos. Isto eleva o nível de evidência para esta utilização
para 1A. Nos próximos meses serão publicados dados do
A maior evidência da utilização do sorafenib no tratamento estudo que associam o sorafenib com a quimioembolização e
do CHC avançado vem da publicação do estudo SHARP poderemos saber se há melhora na sobrevida dos pacientes
(sorafenib HCC Assessment Randomized Protocol), publicado quando se utiliza os dois recursos terapêuticos em pacientes
em 20084, um estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego, com CHC intermediário quando comparados ao uso da
placebo-controlado com 600 pacientes divididos em dois quimioembolização isolada, como preconizado atualmente.
grupos: um grupo que recebeu sorafenib e outro com placebo. Outro estudo a ser publicado é o que utiliza o sorafenib na
Um fato importante deste estudo é que todos os pacientes adjuvância, após tratamentos considerados curativos como
eram cirróticos Child A. Este fato visava a evitar bias causado a ressecção. Atualmente não foi evidenciado que qualquer
por mortalidade causada pela cirrose e não relacionada ao intervenção nestes pacientes possa reduzir risco de recidiva
tumor. Os endpoints primários foram sobrevida geral e tempo tumoral.
de progressão sintomática.
Em conclusão: no estágio atual do conhecimento, há evidên-
A sobrevida geral foi maior nos pacientes com sorafenib cias robustas para a recomendação do uso do sorafenib em
quando comparados com o placebo (10,7 versus 7,9 meses pacientes com CHC avançado.
e p< 0,001). Quanto ao tempo de progressão sintomática
não houve diferença estatisticamente significativa (4,9 versus
4,1 meses e p = 0,77), mas ocorreu diferença significativa Referências
no tempo de progressão radiológica (5,5 versus 2,8 meses e
p< 0,001). Numa avaliação geral, o sorafenib demonstrou-se
1. 
Llovet JM et al. Lancet 2003;362:1907-1917.
melhor que o placebo, independentemente da estratificação
2. Whittaker S et al. Oncogene. 2010;29:4989-500.
do paciente, quer com invasão macrovascular, quer com pior 3. Avila MA et al. Oncogene 2006;25:3866-3884.
performance status. Os órgãos regulatórios da região da Ásia- 4. Llovet JM et al. N Eng J Med 2008;359:378-390.
Pacífico pediram que fosse então realizado um estudo naquela 5. Chen AL et al. Lancet Oncol 2009;10:25-34.
região para avaliação de resposta ao sorafenib naquela 6. Zhang T et al. Anticancer Drugs. 2010 Mar;21:326-32.

1. Hepatologista. Hospital Português de Beneficência em Pernambuco e Hospital das Clínicas – UFPE. Recife, PE - Brasil

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Discutidor da Evidência Científica Nesta linha de buscar outras indicações para o sorafenib,
tanto em casos mais avançados como sua eventual utilidade
em casos menos avançados, encontramos registrado um
interessante protocolo de estudo (Hoffmann K et al. (BMC
Há indicação para o sorafenib? center, 2008). Planejando avaliar 208 pacientes com nódulo
único < 8 cm ou até 3 nódulos ≤ 3 cm far-se-á a randomização
E dna S trauss 1
em 2 grupos para TACE + sorafenib X TACE + placebo em
avaliação duplo-cega.
Em casos de CHC mais avançados, no estadio C da classifi-
cação BCLC, aprovada e usada em nível internacional1, são
Enquanto não tivermos resultados dos estudos em anda-
propostos novos agentes terapêuticos, sendo o sorafenib o
mento ou novas evidências comprovatórias, o uso do
pioneiro dentre outros que virão.
sorafenib deve restringir-se a cirróticos compensados, Child
A, sem indicação de transplante hepático.
Existem dois estudos de lançamento da droga feitos no
ocidente e no oriente. Em estudo multicêntrico randomizado
duplo-cego com 602 pacientes procedentes dos Estados
Unidos e Europa, sendo que 299 usaram sorafenib, foi Referências
demonstrada melhoria significativa da sobrevida dos pacien-
tes com droga ativa, com menor progressão radiológica do
1. L lovet JM, Burroughs A, Bruix J. Hepatocellular carcinoma.
tumor2. No segundo estudo com 226 pacientes procedentes Lancet 2003;362:1907-1917.
da região pacífico-asiática, sendo que 150 usaram sorafenib, 2. Llovet JM, Ricci S, Mazzaferro V, Hilgard P, Gane E, Blanc JF,
foram encontrados resultados semelhantes em termos de de Oliveira AC, et al. sorafenib in advanced hepatocellular 53
eficácia da droga3. Para os dois estudos, o grau de evidência carcinoma. N Engl J Med 2008;359:378-390.
é 1B e a droga está indicada, obedecidos os critérios de 3. Cheng AL, Kang YK, Chen Z, Tsao CJ, Qin S, Kim JS, Luo R,
inclusão nos estudos iniciais, ou seja, apenas em cirróticos et al. Efficacy and safety of sorafenib in patients in the Asia-
Pacific region with advanced hepatocellular carcinoma: a
compensados na classe A de Child.
phase III randomised, double-blind, placebo-controlled
trial. Lancet Oncol 2009;10:25-34.
Avaliação retrospectiva de 59 cirróticos que usaram sorafenib, 4. Pinter M, Sieghart W, Graziadei I, Vogel W, Maieron A,
estando alocados nas classes de A a C de Child, sugere Konigsberg R, Weissmann A, et al. sorafenib in unresectable
que a eficácia é ausente no Child C, sendo questionável no hepatocellular carcinoma from mild to advanced stage liver
Child B4. Outro estudo avalia por dados probabilísticos o cirrhosis. Oncologist 2009;14:70-76.
5. Vitale A, Volk ML, Pastorelli D, Lonardi S, Farinati F,
uso do sorafenib como ponte para o transplante hepático.
Burra P, Angeli P, et al. Use of sorafenib in patients with
A probabilidade de transplante aumentaria em 5%, desde hepatocellular carcinoma before liver transplantation: a
que realizado dentro de 6 meses5. Nesses dois estudos, cost-benefit analysis while awaiting data on sorafenib
o grau de evidência é 4C. safety. Hepatology;51:165-173.

1. Hepatologista do INCOR e orientadora de Pós-graduação na Faculdade de Medicina da USP

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Há indicação de combinar quimioembolização e sorafenib?

A gnaldo S oares L ima 1

O carcinoma hepatocelular (CHC) é tumor agressivo, de As indicações, taxas de sucesso, complicações e limitações
incidência relativamente frequente. CHC é a sexta neoplasia da ablação percutânea do CHC por radiofrequência ou
mais comum no momento e a quinta entre homens. A letali- por injeção percutânea de álcool foram abundantemente
dade associada ao CHC é elevada, constituindo a terceira apresentadas na literatura. A ablação por radiofrequência
causa de morte por câncer, após o câncer de pulmão e gástrico. mostrou superioridade à injeção de álcool, mas a um custo
Há nítida associação de seu aparecimento com o substrato mais elevado, sem acesso universal de todos os pacientes a
de hepatopatias crônicas, o que constitui parte da explicação esta modalidade terapêutica no nosso meio.
para o limitado sucesso alcançado em seu tratamento. Seu
crescimento insidioso provoca, na maioria das vezes, um A quimioembolização arterial, o tratamento medicamentoso
diagnóstico em estágio já avançado, especialmente naqueles com sorafenib e a associação de ambos, motivo principal
cirróticos que não são acompanhados adequadamente por deste trabalho, serão tratados separadamente.
meio de métodos de imagem e marcadores tumorais1.

Atualmente, estima-se que apenas cerca de 15% dos pacien-


tes portadores de CHC alcancem condições para tratamento Quimioembolização arterial
54 cirúrgico de ressecção, que ainda é a forma de tratamento
mais frequentemente associada à cura. Alguns pacientes
Quimioembolização arterial consiste na infusão de quimiote-
com tumores de pequeno tamanho não são operáveis,
rápico por ramo da artéria hepática nutridora do tumor,
devido ao grau de acometimento do parênquima hepático
seguido da obstrução da artéria por material embolizante.
pela cirrose, mas podem ser tratados, com finalidade curativa,
A quimioembolização arterial é recomendada para pacien-
pelo transplante de fígado.
tes com tumores grandes ou tumores multifocais, sem
invasão vascular ou disseminação extra-hepática2. Com o
O transplante, no entanto, alcança seus melhores resultados
tratamento por quimioembolização arterial, embora controles
em tumores até o estágio T2, no qual há consenso em sua
tomográficos possam atestar inatividade vascular do tumor,
indicação. Outros limites para indicação do transplante
a recidiva local ocorre em taxas não desprezíveis.
para tratamento do CHC são discutidos atualmente, mas tal
discussão não pertence ao escopo deste artigo.
Desta forma, o tratamento “não-curativo” tem sido indicado
para redução tumoral (downstaging), como ponte para o
Aos pacientes sem condições para ressecção cirúrgica e sem
transplante hepático ou para a ressecção, ou como simples
indicação para o transplante hepático, restam tratamentos
controle da progressão tumoral. Também há emprego do
diretamente aplicados no tumor ou o tratamento medica-
método em pacientes com grandes tumores, sem indicação
mento sistêmico para combater a neoplasia. Os principais
clínica ao transplante e sem possibilidade de ressecção
tipos de modalidade terapêutica disponíveis para aplicação
cirúrgica.
diretamente no nódulo são a ablação por radiofrequência
ou por injeção percutânea de álcool e a quimioembolização
arterial. Quimioembolização arterial demonstrou aumentar a sobre-
vida, em 1 e 2 anos, quando comparada a tratamentos sinto-
A finalidade destas modalidades terapêuticas pode variar máticos. A sobrevida em 1 e 2 anos foi de 82% e 63% e
da intenção curativa, usualmente em nódulos de pequeno de 63% e 27%, respectivamente, para pacientes submetidos
tamanho (em torno de 3 cm ou menor), à intenção de reduzir à quimioembolização arterial e tratamento sintomático
o tamanho do tumor, viabilizando a ressecção ou trazendo (p=0.009).
de volta, para o estágio T2, um paciente previamente fora
da indicação do transplante (downstaging). Em casos mais Além disso, pacientes tratados por quimioembolização apre-
avançados, o tratamento pode, tão somente, almejar uma sentaram menor taxa de invasão de veia porta que pacientes
interrupção na progressão da doença. do grupo de tratamento conservador3,4.

1. Grupo de Transplante, Instituto Alfa de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


A. S. L ima

Sorafenib Associação quimioembolização


arterial e sorafenib
Sorafenib, uma droga inibidora de várias quinases, tornou-se
o primeiro agente a aumentar a sobrevida global de pacientes Ressaltados os efeitos benéficos individuais de quimioem-
com CHC avançado. O CHC demonstra três características bolização arterial e sorafenib, resta discutir o valor da
marcantes: angiogênese sustentada, autosuficiência em sina- associação de ambos no tratamento do CHC.
lização para crescimento e estresse mitótico.
A avaliação histológica da periferia de carcinomas hepato-
A angiogênese é orquestrada por múltiplos fatores; além celulares, tratados por quimioembolização arterial, revelou maior
do sistema VEGF/VEGFR, vários outros e seus receptores tendência à persistência do tumor do que na região central da
foram relacionados como alvos terapêuticos para o tratamento lesão. Na periferia, a presença de células viáveis, submetidas
do CHC. Sorafenib é único em sua ação em diversos alvos, à hipóxia, induziria à produção de fatores angiogênicos
inibindo receptor de tirosina-quinases (RTK) do VEGFR2, (VEGF), com consequente estímulo ao crescimento tumoral
VEGFR3, PDGFR-beta, c-kit, e Flt-35-8. e progressão da doença10. Tal achado constitui a justificativa
racional para a associação de quimioembolização arterial e
A comprovação do efeito favorável do sorafenib sobre o CHC medicação anti-angiogênica. Sob tal premissa, foram realizados
ocorreu em estudo randomizado, duplo-cego, controlado estudos não-controlados.
com placebo, denominado estudo SHARP (sorafenib He-
patocellular Carcinoma Assessment Randomized Protocol). Sinakos e colaboradores adicionaram sorafenib ao trata-
Pacientes portadores de CHC avançado (n=299), com mento de 14 pacientes com CHC avançado, tratados por 55
cirrose hepática Child A, foram tratados com sorafenib 400 quimioembolização arterial11. A droga foi iniciada, em média,
mg BID ou placebo (n=303). 4,5 meses após a quimioembolização (variação 0 a 20 meses),
por um período médio de duração de 12,5 ± 5,8 meses. Este
Os objetivos primários do estudo eram comparar a sobrevida estudo grego incorporou pacientes classificados como B e
e o tempo até a progressão de sintomas. A mediana de C pela BCLC (Barcelona Clinic Liver Cancer). A mediana de
sobrevida foi mais longa nos pacientes do grupo tratado sobrevida foi superior à relatada como monoterapia, tanto
com sorafenib (10,7 meses vs. 7,9 meses, p<0,001). Também com sorafenib quanto com quimioembolização, sugerindo
a sobrevida em um ano foi significativamente mais longa efeito sinérgico. A associação dos métodos foi demonstrada
nos pacientes que usaram o medicamento (44% vs 33%) como segura neste estudo.
quando comparado ao grupo placebo. A mediana do tempo
até progressão da doença, do ponto de vista radiológico, foi A associação quimioembolização/sorafenib está sendo,
maior no grupo sorafenib (5,5 vs 2,8 meses, p<0,001), assim atualmente, avaliada em trials. O chamado SPACE (sorafenib
como a taxa de controle da doença (43% vs. 32%, p=0,002). ou placebo em combinação com quimioembolização) é
Não houve resposta completa em nenhum dos grupos9. estudo fase III que pretende comparar a adição ou não

CHC
(máximo 2 sessões de
quimioembolização arterial) R n = 207
a
n Sorafenib
Critério Elegibilidade
Redução tumoral d 400 mg Objetivos
• ECOG Performance Status 0-1 Child-
≥ 25% ou necrose o bid • 1o: Tempo até
Pugh A
total m progressão tumoral
Estratificação i n = 207 • Sobrevida global
• ECOG Performance Status 0 vs 1 z • Biomarcadores
• Quimioembolização: resposta a Placebo
completa vs resposta não completa d
• 1 vs 2 sessões quimioembolização o

Adaptado de Peck-Radosavljevic et al. 13

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Há indicação de combinar quimioembolização e sorafenib ?

Sorafenib / placebo

TACE 1 TACE 2 TACE 3 TACE 4


LTx 1 yr after LTx 2 yr after LTx

Baseline + Imaging Imaging Imaging Imaging


Imaging Re-evaluation:
SD or downstaging - Continue
Sorafenib / placebo
Progression - End of study

56 Scheduled visits Scheduled visits Scheduled visits Scheduled visits + Imaging telephone
every 2 weeks every 4 weeks every 4 weeks after 3, 6 and 12 months interview
Imaging every 8 weeks

de sorafenib no tratamento por quimioembolização arterial, da quimioembolização e mantido depois). O tumor é reavaliado
quando este resulta em redução tumoral de pelo menos 25%. a cada 4 – 6 semanas. Sorafenib é mantido até progressão da
Os objetivos do estudo são avaliar a influência sobre o tempo doença ou toxicidade, mesmo se houver resposta completa
até a progressão do tumor e a sobrevida global12. após quimioembolização. Sessenta e três foram avaliados
para segurança e 50 para eficácia: 20 pacientes (40%) não
Outro estudo prospectivo, randomizado e de fase III, atual- necessitaram mais que 2 sessões de quimioembolização, 18
mente em curso, pretende verificar o possível efeito pacientes alcançaram resposta completa e 2 progrediram a
benéfico da associação de quimioembolização arterial e doença. Trinta pacientes evoluíram com resposta parcial ou
sorafenib nos pacientes com CHC que aguardam transplante estabilidade da doença15.
hepático. Neste estudo, que compara o grupo de pacientes
submetidos à quimioembolização arterial e sorafenib com Outros protocolos de pesquisa estão em andamento,
pacientes que recebem apenas quimioembolização arterial, associando também a radioterapia ao tratamento quimioem-
os objetivos incluem a influência sobre o “tempo-para- bolizante e ao sorafenib. Trata-se de estudo ainda fase I/II16.
progressão da doença”, o número de pacientes que alcançam
o transplante, o controle da doença, a sobrevida global,
a sobrevida livre de doença, a qualidade de vida, toxicidade Conclusão
da droga e a segurança em seu uso14.

Na Ásia, o estudo fase II, denominado START, já publicou • E xiste um racional teórico válido para associação de
sua segunda análise interna parcial para relatar segurança sorafenib e quimioembolização.
e eficácia da associação de quimioembolização de lipiodol e • Não existem estudos randomizados concluídos, com nível
doxorrubicina, seguido de embolização arterial e sorafenib, de evidência capaz de apoiar a indicação de sorafenib em
em pacientes portadores de CHC irressecável em estágio associação com quimioembolização arterial.
intermediário (BCLC B). Trata-se de estudo multicêntrico, • Recomendações devem aguardar resultados para decidir
aberto, braço único, realizado na Ásia. Neste estudo, sorafenib pela indicação à luz dos estudos em andamento no
400 mg BID é mantido continuamente (iniciado 4 dias antes momento.

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


A. S. L ima

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Discutidor da Evidência Científica concluem que o tratamento combinado pode ser oferecido
aos pacientes.

Kudo, M3 apresenta opinião sobre a posição do sorafenib


Há indicação de combinar em algoritmo no Japão e implicações sobre casos que
Quimioembolização e Sorafenib? apresentaram remissões.

G ilmar A morim de S ousa 1 Biolato, M4, em revisão da literatura, conclui que TACE é o
padrão para o tratamento do CHC em estágio intermediário.
A pergunta título deste trabalho surge com a recente
introdução do sorafenib ao arsenal terapêutico dos pacientes Welker, MW5, apresenta um relato de caso da intervenção
portadores de Carcinoma Hepatocelular avançado. combinada sorafenib e TACE em paciente com CHC em
estágio intermediário.
Submetida às bases de pesquisa PUBMED, EMBASE E
COCHRANE, conseguiu-se localizar 07 (sete) artigos, que Zhao JD6, em estudo não concluído de fase I, inclui o sorafenib
estão comentados a seguir: como terapia de manutenção após terapia de radioablação e
TACE nos pacientes portadores de CHC avançado.
Dufor JF e cols.1, em estudo aberto de fase I, testaram a
contínua administração de sorafenib 200 mg duas vezes ao Furuse, J7, em ensaio clínico randomizado e controlado,
dia, até 400 mg duas vezes ao dia, iniciados sete dias antes conclui que a eficácia e segurança do sorafenib em pacientes
da administração prévia de quimioembolização transarterial com moderada disfunção hepática não tem sido confirmada,
58 (TACE) com doxirrubicina. o que restringe o uso desta terapia.

De 21 pacientes inicialmente selecionados para o estudo, 14 Na tabela 1 listamos todos os artigos avaliados conforme o
(quatorze) receberam sorafenib e TACE. Os autores concluem nível de evidência e o grau de recomendação.
que a intervenção conjunta foi bem tolerada pelos pacientes,
quando comparáveis aos que receberam monoterapia, exceto
por se verificar trombocitopenia com maior frequência. Conclusão

Li, Y e cols.2 mostram resultados de uma série de casos,
constituída por 36 pacientes que receberam sorafenib após Os estudos atuais não apresentam níveis de evidência que
TACE. Vinte e dois pacientes sobreviveram, com mediana apontem benefícios aos pacientes ao se indicar esta forma
de 8,62 meses. Com base nesses resultados, os autores de terapia.

Tabela 1

AUTOR / ANO Tipo de estudo Evidência Recomendação

Dufor, JF, 2010 Rct 3 C

Li, Y, 2010 Série casos 6 D

Kudo, M, 20109 Relato de caso 7 D

Schwartz, R, 20108 Opinião 7 D

Biolato, M, 2010 Revisão/opinião 7 D

Welker, MW, 2010 Relato de caso 7 D

Zhao, D, 2010 Rct 3 C

1. Professor do Departamento de Medicina Integrada da UFRN - Membro de Grupo de Medicina Baseada em Evidência da SBH

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


G. A. de S ousa

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59

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Racional para os inibidores de angiogênese

F abio M arinho do R ego B arros 1

O tratamento do carcinoma hepatocelular (CHC) tem vivido Atualmente há drogas que atuam no bloqueio da formação
“novos tempos” após a publicações dos estudos SHARP da neoangiogênese, quer no extracelular (os anticorpos
(sorafenib HCC Assessment Randomized Protocol), publicado monoclonais), quer no intracelular (os inibidores de tirosina-
em 20081, e do Ásia-Pacífico2 que utilizaram sorafenib quinases).
comparado a placebo no tratamento do CHC avançado e se
mostraram eficazes em aumentar tempo de sobrevida. Esta O sorafenib faz parte da classe de drogas que agem
droga pertence a uma classe que, em essência, bloqueia intracelularmente. O bevacizumabe parece ter propriedades
várias vias de sinalização, e uma delas está envolvida na antiangiogênicas na medida em que antagoniza o receptor
angiogênese, ou melhor, na neoangiogênese, que ocorre em de VEGF como um anticorpo monoclonal. O problema desta
tumores como é o caso do CHC, comprovado pela observação droga mostrou-se estar relacionado a sangramentos por
pela imunohistoquímica do CD34 no tecido tumoral. varizes de esôfago.

Em 1971 foi proposto3 que a célula tumoral induziria a Não há evidências robustas da utilização dos anticorpos
formação de novos vasos através da liberação do que foi monoclonais no tratamento do CHC, apenas da utilização de
chamado de “fator angiogênico tumoral”, que mais tarde tirosinas-quinases, mas o racional para sua utilização existe.
60 viria a ser o VEGF (Vascular Endothelial Growth Factor).
Já naquela época o autor advogava que o bloqueio desta
liberação poderia inibir o crescimento tumoral. Referências
O que ocorre em um fígado que desenvolve CHC é um
1. 
Llovet JM et al. N Eng J Med 2008;359:378-390.
desequilíbrio entre os fatores indutores de neoangiogênese,
2. Chen AL et al. Lancet Oncol 2009;10:25-34.
como o VEGF e o TGF, e os inibidores endógenos de 3. Folkaman J et al. N Eng J Med 1971;285:1182-1186.
neoangiogênese como a endostatina4. A hipóxia central 4. Ribatti D, Vacca A, Nico B, Sansonno D, Dammacco F.
do tumor também funciona como potente indutor de Angiogenesis and anti-angiogenesis in hepatocellular
neoangiogênese no CHC pelo aumento dos níveis séricos do carcinoma. Cancer Treatment Reviews. 2006;32(6):437-444.
fator induzido pela hipóxia-1 (HIF-1)5. 5. Dufour JF. J Hepatol 2004;41:864-880.

1. Hepatologista. Hospital Português de Beneficência em Pernambuco e Hospital das Clínicas – UFPE. Recife, PE Brasil

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O impacto do MELD para o carcinoma hepatocelular na
realidade do Brasil

M aurício F. S ilva 1

Introdução posteriormente demonstrou ser eficaz também em predizer


a mortalidade em três meses entre pacientes cirróticos de
acordo com o grau de disfunção hepatocelular9. Através
O carcinoma hepatocelular (CHC) é um importante problema de uma fórmula matemática complexa que contempla os
de saúde pública, causando mais de 1 milhão de óbitos valores séricos de bilirrubina total, índice de normatização
anualmente ao redor do mundo1. Está associado à cirrose internacional e creatinina, os pacientes recebem pontuação
hepática em até 95% dos casos, sendo este o seu principal que se relaciona de modo diretamente proporcional com o
fator de risco, fundamentalmente quando secundária à grau de disfunção hepática e, consequentemente, menor
infecção crônica pelos vírus das hepatites B e C, ao uso sobrevida a curto prazo. Desse modo, a partir de fevereiro de
abusivo de álcool e à hemocromatose hereditária2. 2002, os pacientes com MELD mais elevados passaram a ser
priorizados para realizar TOF nos Estados Unidos da América,
Antes da década de 90, o transplante ortotópico de fígado seguindo legislação estabelecida pela United Network for
(TOF) em pacientes com CHC apresentava resultados Organ Sharing (UNOS). Entretanto, os pacientes com CHC
insatisfatórios devido à elevada probabilidade de recidiva apresentam um risco de serem excluídos de lista de espera
tumoral, bem como à modesta sobrevida em longo prazo3,4. 61
(LE) para o TOF não apenas por óbito relacionado a graus
Diante desse contexto, esforços foram estabelecidos no avançados de disfunção hepática.
intuito de identificar o subgrupo de pacientes que, a despeito
de apresentar essa neoplasia, a sobrevida seria similar àquela
Tais doentes possuem um risco de progressão tumoral que
encontrada em pacientes submetidos ao TOF devido a outras
ultrapassa os critérios estabelecidos para o procedimento.
indicações. Em 1996, Mazzaferro et al. demonstraram que tal
Com objetivo de tornar equiparável a probabilidade de um
grupo de pacientes seria aquele com nódulos únicos com
paciente com CHC ser submetido ao TOF em relação a um
até 5 cm ou com até 3 nódulos de até 3 cm no seu maior
paciente sem essa neoplasia, foi estipulado que pacientes
diâmetro, sem evidência de invasão vascular ou metástases
com CHC com nódulo único de até 2 cm (T1) receberiam
à distância5. Estas características ficaram conhecidas como
24 pontos, e pacientes com nódulo único entre 2 cm e 5 cm
Critérios de Milão e foram posteriormente endossadas pelos
ou com até 3 nódulos, sendo o maior medindo até 3 cm (T2)
guidelines da American Association for Study of the Liver
receberiam 29 pontos10. Esse cálculo se baseava em uma
Diseases e European Association for the Study of the Liver6,7.
estimativa de exclusão de LE de 15% e 30% em três meses,
Atualmente, o TOF é uma alternativa terapêutica bem definida
respectivamente. No ano de 2004, Sharma et al. publicaram
para pacientes cirróticos que apresentam CHC.
os efeitos dessa modificação nos critérios de alocação de
órgãos através de dados da UNOS11. Foi demonstrado que
os pacientes com CHC apresentavam uma probabilidade de
Critérios para alocação serem excluídos de LE nos primeiros cinco meses de 16,5%
na era pré-MELD, contrastado com uma probabilidade de
O desequilíbrio entre o número de pacientes que necessitam 8,5% após a implementação do escore MELD (p < 0,001).
TOF e aqueles que efetivamente são submetidos a esse
procedimento representa um importante desafio. Consequen- Adicionalmente, o tempo médio em LE em pacientes com CHC
temente, a necessidade de um critério objetivo no sentido de reduziu de 27 meses para sete meses após o escore MELD
priorizar pacientes para TOF se faz oportuna. Nesse contexto, ser implementado (p < 0,001). A partir dessa análise inicial,
o Escore Moldel for End-Stage Liver Disease (MELD) merece ficou claro que os pacientes com CHC estavam recebendo
considerações adicionais. Inicialmente descrito como um uma pontuação extra que os privilegiava no sentido de ser
instrumento capaz de predizer a mortalidade em pacientes efetivamente transplantados em relação aos pacientes que
com hemorragia digestiva contemplados para o tratamento não apresentavam essa neoplasia. Diante dessa constatação,
com Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunt8,o MELD uma série de três modificações na pontuação extra para

1. Equipe de Transplante Hepático e Cirurgia Hepatobiliopancreática da Santa Casa de Porto Alegre

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


O impacto do MELD para o carcinoma hepatocelular na realidade do B rasil

pacientes com CHC foi realizada, sendo que, desde 2005, após três e seis meses, 24 e 29 pontos, respectivamente.
pacientes com tumores T1 não recebem pontuação adicional Desde a sua implementação, não foi encontrado em revisão
e tumores T2 recebem 22 pontos no momento da inclusão feita no Pubmed, bem como através de pesquisa manual
em LE, e um acréscimo trimestral de uma pontuação que de tradicionais periódicos brasileiros, estudo que avaliou
confira probabilidade de exclusão de LE de 10%. Mesmo especificamente o impacto do referido sistema de pontuação
considerando esta diminuição na pontuação MELD nos extra para pacientes portadores de CHC em relação àqueles
casos de CHC, há evidências de que os pacientes sem essa sem essa neoplasia. Após averiguação junto ao Sistema
neoplasia permanecem em desvantagem no que se refere Estadual de Transplantes do Estado de São Paulo, houve
à probabilidade de serem transplantados12. Freeman et al., a possibilidade de se realizar uma análise parcial com este
demonstraram em 2008 que, uma vez incluídos em LE para o objetivo específico.
TOF, os pacientes com CHC apresentaram uma probabilidade Figura 1
de 53% de serem submetidos ao procedimento nos primeiros
três meses. Esse dado foi comparável apenas ao grupo de Hospital Paul-Brousse T1: zero; T2: tornar transplante
pacientes sem CHC que apresentavam MELD maior que factível em 6 meses
30 no mesmo período (48%). Os casos com MELD entre Hospital Clínic y Provincial 1 nódulo ≥ 3cm; 2-3 nódulos ou
10 e 20 no momento de inclusão em LE apresentaram uma AFP > 200: 20 pontos + 10%
probabilidade de receberem TOF de 35% no mesmo período risco de óbito a cada 3 meses 3/3
meses
e, finalmente, 6% entre os pacientes sem CHC e com MELD
menor que 10. Royal Free Hospital T1: zero; T2: UKELD, mínimo 49
pontos

62 Adicionalmente, a probabilidade de exclusão de LE no mesmo Toronto General Hospital Proposta da UNOS


período foi menor nos casos com CHC (5%), em relação
aos casos sem CHC, mesmo quando comparada ao grupo Província de Quebec T1: zero; T2: variação complexa
entre 16 e 25 pontos
de pacientes com MELD similar (13%). Em consequência T1: zero; T2: 18 pontos + 1 ponto a
desses achados, há evidências de que, mesmo no sistema cada 3 meses
atual de priorização, os casos de CHC permanecem sendo
UNOS 2005 T1: zero; T2: 22 + 10% risco de
privilegiados, e é plausível que novos ajustes para esse
óbito a cada 3 meses
desequilíbrio venham a ser instituídos em futuro breve.
AASLD guideline 2010 Sem recomendação específica
Com o intuito de ilustrar as incertezas relacionadas ao EASL guideline 2001 Sem recomendação específica
tema, a Figura 1 ilustra as recomendações de conceituados
centros transplantadores e instituições norteadoras. Pode ser TSANZ guideline 2010 T1: zero; T2: 22 pontos + 2 pontos
a cada 3 meses
observada a ampla variação no sistema de pontual extra ao
MELD nos diversos centros. Tal achado fortalece a falta de Hospital La Fe T1: zero; T2: 16 pontos + 1 ponto
subsídio consistente sobre o assunto. a cada mês

Hospital Vall d`Hebron T1: zero; T2: 18 pontos + 1 ponto a


cada 3 meses

Critérios para alocação no Brasil Recomendações para sistema de pontuação extra no escore MELD
para pacientes com CHC em diferentes instituições. Abreviações:
AFP, alfa fetoproteína; UNOS, United Network for Organ Sharing;
Antes do ano de 2006, o sistema para alocação de fígado AASLD, American Association for the Study of the Liver Diseases;
cadavérico no Brasil se baseava fundamentalmente no critério EASL, European association for the Study of the Liver.
cronológico. Entretanto, devido às inúmeras evidências que
este critério para alocação de órgãos apresentava diversas
limitações, a Portaria número 1.160 do Ministério da Saúde,
Resultados Parciais
publicada no Diário Oficial da União no dia 29 de Maio de
2006, alterou tal sistema de priorização. Desde a introdução do sistema MELD no Brasil (maio de
2006) até agosto de 2010, 5254 pacientes foram listados para
Os pacientes passaram a ser alocados para TOF obedecendo TOF. Após a exclusão de casos com idade inferior a 18 anos ou
ao escore MELD e este representa o sistema vigente. Além superior a 70 anos (n=791), insuficiência hepática fulminante
disso, os pacientes portadores de CHC dentro dos CM (n=67), outras situações de pontuação extra (n=65), dados
recebiam 20 pontos no momento de inclusão em LE, e, incompletos (n=94), re-TOF (n=29), etiologia da doença

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


M. F. S ilva

hepática não definida (n=443), CHC expandindo o CM após um seguimento de cinco anos, a sobrevida de acordo
(n=30), transplante com doador vivo (n=68), transferência com a análise de intenção de tratamento identificou-se que
para outro estado (n=27), desistência por parte do paciente os pacientes com CHC apresentaram sobrevida similar aos
(n=11) e CHC fibrolamelar (n=1), 3628 pacientes foram casos sem CHC (58% versus 42%, p = 0,827 – figura 4).
selecionados para análise. Destes, avaliaram-se os primeiros Figura 3
1000 casos incluídos em LE.

O objetivo deste levantamento foi identificar o impacto 0,6


do sistema atual de priorização para TOF no Brasil. Mais
CHC
especificamente, ambicionou-se: (1) comparar probabilidade

Probabilidade de Exclusão de Lista de Espera


p = 0,019
de casos com e sem CHC serem efetivamente submetidos 0,5

à TOF; (2) comparar a probabilidade de os casos com e


sem CHC serem excluídos de LE; e (3) comparar as curvas
0,4
de sobrevida dos casos com e sem CHC de acordo com a sem CHC

análise de intenção de tratamento.


0,3
Entre os 1000 pacientes analisados, 143 apresentavam CHC.
Após um seguimento de três anos, a probabilidade de os
pacientes com CHC serem submetido à TOF era maior do que 0,2

os casos sem CHC (73% versus 22%, p < 0,001 – Figura 2).
63
0,0

Figura 2 0 6 12 18 24 30 36
Meses

Probabilidade de ser transplantado


Probabilidade de um paciente após ser incluído em lista de
1,0 p < 0,001 espera para o transplante hepático ser excluído devido à
progressão tumoral ou óbito. Abreviações: CHC, carcinoma
hepatocelular. Dados fornecidos pelo Sistema Estadual de
0,8 Transplantes de São Paulo.
CHC

Figura 4
0,6
Probabilidade

Probabilidade de ser transplantado

1,0
p = 0,827
0,4

0,8
0,2

sem CHC CHC


0,6
Sobrevida (%)

0,0
sem CHC
0 6 12 18 24 30 36
Meses 0,4

Probabilidade de um paciente após ser incluído em lista


de espera para o transplante hepático ser efetivamente 0,2
transplantado. Abreviações: CHC, carcinoma hepato-
celular. Dados fornecidos pelo Sistema Estadual de Trans-
plantes de São Paulo.
0,0

0 12 24 36 48 60
Meses
Em relação à probabilidade de os pacientes com CHC serem
excluídos de LE por óbito ou progressão tumoral no mesmo Sobrevida de acordo com a análise de Intenção de Tratamento.
período, observou-se que esta era maior do que os casos sem Abreviações: CHC, carcinoma hepatocelular. Dados fornecidos
CHC (58% versus 42%, p < 0,001 – Figura 3). Finalmente, pelo Sistema Estadual de Transplantes de São Paulo.

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O impacto do MELD para o carcinoma hepatocelular na realidade do B rasil

No que se refere ao tempo médio em LE, os pacientes Sleisenger MH, Schrschimidt BF. Sleisenger & Fordtran’sn
portadores de CHC aguardaram o procedimento durante Gastrointestinal and Liver disease: Pathology/ Diagnosis/
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com o diagnóstico de carcinoma hepatocelular. 7. Bruix J, Sherman M, Llovet JM, Beaugrand M, Lencioni R,
• Não há consenso (ou subsídio científico consistente) Burroughs AK, et al. Clinical management of hepatocellular
relacionado à qual sistema de pontuação seria o ideal carcinoma: conclusions of the Barcelona-2000 EASL
para ser adotado. conference. J Hepatol 2001;35:421-430.
8. Malinchoc M, Kamath OS, Gordon FD, Peine CJ, ter Borg
• O sistema ideal seria aquele que contemplasse de modo
PC. A model to predict poor survival in patients undergoing
equivalente a probabilidade de exclusão durante lista de transjugular intrahepatic portosystemic shunts. Hepatology
espera, possibilidade de ser efetivamente transplantado, 2000;31:864-871.
64 e similar sobrevida após o transplante. 9. Kamath PS, Wiesner RH, Malinchoc M, Kremers W, Therneau
• Independentemente do sistema a ser adotado em TM, Kosberg CL, et al. A model to predict survival in patients
nosso país, é fundamental que exista, na prática, um with end-stage liver disease. Hepatology 2001;33:464-470.
10. Vauthey JN, Lauwers GY, Esnaola NF, Do KA, Belghiti
instrumento capaz de identificar os efeitos e resultados
J, Mirza N, et al. Simplified staging for hepatocellular
desde o momento em que o paciente for inserido em carcinoma. J Clin Oncol 2002;20:1527-1541.
lista de espera. 11. Sharma P, Balan V, Hernandez JL, Harper AM, Edwards
EB, Rodriguez-Luna H, et al. Liver transplantation for
hepatocellular carcinoma: The MELD impact. Liver Trans-
plant 2004;10:36-41.
Referências 12. Freeman Jr RB, Steffick DE, Guidinger MK, Farmer DG,
Berg CL, Merion RM. Liver and Intestine Transplantation in
1. 
Parkin DM, Bray F, Ferlay J, Pisani P. Global cancer statistics the United States, 1997–2006. Am J Transplant 2008;8:958-
2002. CA Cancer J Clin 2005;55:74-108. 976.
2. KEW MC. Hepatic tumors and cysts. In: Feldmen M,

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


Hepatocarcinoma: tratamento quimioterápico

A nelisa K. C outinho1

O hepatocarcinoma representa mais um grande desafio para tratamento, uma vez que a maioria das drogas é metabolizada
a oncologia. Com 600.000 novos casos no mundo, as estima- pelo fígado. Alguns fatores preditivos de resposta têm sido
tivas dos Estados Unidos apontam para aproximadamente apontados com intenção de facilitar a indicação ou não do
24.000 casos novos e 19.000 mortes em 2010, com predo- tratamento. Dentre eles, performance status na escala ECOG
minância no sexo masculino1. No Japão os números chegam a entre 0-1, ocupação de menos de 50% do fígado, e taxas de
33.000 mortes por ano por esta doença2. bilirrubinas < 2,0 mg/dl. Quando o paciente encontra-se fora
destes parâmetros, deve-se considerar com muito critério a
Apesar de números significativos de incidência e mortalidade, indicação da quimioterapia4.
esta é uma doença ainda de manejo bastante complexo e
peculiar. O surgimento da neoplasia geralmente se soma a Várias drogas quimioterápicas vêm sendo estudados ao longo
uma doença crônica parenquimatosa do fígado preexistente, dos anos. O antimetabólito fluorouracil foi o primeiro agente
tornando o cenário ainda mais adverso. Além disso, há uma testado no tratamento do hepatocarcinoma, entretanto a
grande diversidade relacionada à regionalidade e biologia droga mais estudada nesta doença foi a doxorubicina. Esta
tumoral específicas, e grande variedade de classificações e de droga é da família dos antracíclicos e amplamente utilizada
tratamentos. no tratamento de vários tipos de câncer. Infelizmente os
melhores resultados foram de um estudo de fase II, muito
Dentre as possibilidades terapêuticas, o transplante de fígado pequeno, com apenas 14 pacientes e taxa de resposta de 65
e a ressecção cirúrgica são as mais efetivas em termos de 78% que não se repetiu em outros estudos posteriormente.
resultados. Terapias locais como a quimioembolização arterial Subsequentemente, estudos que avaliaram a doxorubicina
hepática (QEAH) e ablação por radiofrequência (ARF) são mostraram taxas de resposta entre 10-30% (Tabela 1).
opções úteis na doença não metastática e não elegível
para cirurgia, entretanto com razoável índice de recidiva. Tabela 1: Estudos com doxorubicina em hepatocarcinoma
Até muito pouco tempo, quando já não havia indicação de
terapias locais cirúrgicas ou não cirúrgicas, as possibilidades Autor/ano n Fase RR
terapêuticas eram ínfimas. Recentemente esta perspectiva Olweny/1975 14 II 78%
mudou quando houve aprovação da primeira droga sistêmica Chlebowski/1984 157 II 11%
para o tratamento do hepatocarcinoma avançado, com Lai/1988 106 III 5%
benefício em sobrevida. Sciarrino/1985 109 II 10%

Trata-se do sorafenib, uma pequena molécula, inibidor de


tirosinoquinases, que atua bloqueando a sinalização de Um estudo de fase III que comparou a doxorubicina com
PDGF, VEGF, c-kit e RAF tanto nas células tumorais quanto terapia de suporte em 106 pacientes mostrou um beneficio
nas células endoteliais circundantes. Esta droga demonstrou estatisticamente significativo de sobrevida global mediana da
aumento estatisticamente significativo de sobrevida de ordem de apenas 3 semanas5-8. A doxorubicina também foi
aproximadamente 3 meses em estudo que incluiu 602 comparada em estudo de fase III que incluiu 188 pacientes,
pacientes, quando comparado com placebo3. A partir desta com uma combinação de drogas no esquema conhecido
informação, esta se tornou a principal opção sistêmica de como PIAF, composto de cisplatino, interferon, doxorubicina
tratamento para pacientes não elegíveis ou com progressão e fluorouracil9. Apesar de uma tendência a melhores taxas de
após terapia local. resposta no esquema PIAF, não houve diferença significativa
nas taxas de sobrevida global, e sim maior toxicidade com
O tratamento quimioterápico sistêmico surge após todas as a combinação, e então a doxorubicina como droga isolada
outras opções ou quando não há outras opções. A indicação continuou a ser a opção mais usada.
desta forma de tratamento passa por algumas prerrogativas
nesta doença. É essencial que o paciente tenha performance Esquemas contendo combinações com derivados de platino
status aceitável e uma classificação Child-Pugh, que permita o ou fluoropirimidinas tornaram-se opções mais usadas nos

1. Oncologista Clínica - Clinica AMO – Assistência Multidisciplinar em Oncologia - Departamento de Tumores Gastrointestinais, Salvador – Bahia – Brasil

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H epatocarcinoma: tratamento quimioterápico

últimos anos por conta de boa tolerabilidade e taxas de A análise apresentada após 266 eventos demonstrou
eficiência mais animadoras, conquanto ainda em estudos de sobrevida global mediana superior no grupo Folfox, 6,4
fase II apenas. meses versus 4,97 meses, entretanto não estatisticamente
significativa naquele momento. Entretanto os dados de
A capecitabina, uma fluoropirimidina de administração oral, análise posterior após 305 eventos demonstraram uma
também foi avaliada e demonstrou algum benefício, com taxa diferença estatisticamente significativa em SG, favorecendo
de resposta de 11%, tempo mediano para progressão de 2,9 o braço da combinação, com p = 0,0425. A sobrevida livre
meses e sobrevida mediana de 10,1 meses nos 37 pacientes de progressão foi significativamente maior no grupo Folfox,
avaliados em um dos estudos10. 2,93 versus 1,77 meses, assim como a taxa de resposta: 8%
versus 3%. O esquema em estudo foi bem tolerado, tendo
Diversas outras drogas isoladas foram testadas ao longo dos como maior toxicidade graus 3 e 4 e a neutropenia em 30%
anos, infelizmente com mínimas taxas de resposta e sem dos pacientes. Com o exposto conclui-se que o esquema
benefício de sobrevida demonstrado, dentre elas mitoxantrona, Folfox é comparável à doxorubicina, com tendência a alguma
epirubicina, doxorubicina lipossomal, mitomicina, etoposide, superioridade, com perfil de toxicidade bastante razoável,
irinotecano, interferon (Tabela 2). porém com números ainda muito modestos no que tange a
beneficio (Tabela 3).
Tabela 2: Quimioterápicos isolados em hepatocarcinoma:
taxas de resposta Tabela 3: Principais esquemas quimioterápicos atuais em
hepatocarcinoma
Drogas RR
Doxorubicina 0-20% Esquema SG mediana Taxa de resposta Fase
66 Mitoxantrona 8-17% Doxorubicina 10,6 semanas 03% III

Epirubicina 10-25% GemOx 11,5 meses 18% II

Doxo lipossomal 0-10% FOLFOX 06,4 meses 08% III


Cisplatina 0-15% Capecitabina 10,1 meses 11% II
Combinações com Cisplatina 15-27%
Paclitaxel 0 Atualmente vivemos a era das drogas biológicas ou terapias
de alvo molecular na oncologia. Nos últimos anos uma série
VP-16 18%
de novas moléculas vem sendo estudada em vários tipos de
Capecitabina 13-25% tumores. Algumas delas já com demonstração de benefício
Irinotecano 7% em outros tipos de câncer como é o caso do bevacizumabe,
5FU + IFN 18% um anticorpo monoclonal recombinante, anti VEGFr – anti-
5FU + LV 28% fator de crescimento endotelial vascular, em câncer do cólon
e reto, sistema nervoso central e pulmão, e o cetuximabe,
Algumas combinações de drogas também despertaram um anti-EGFR, antirreceptor de fator de crescimento epitelial,
interesse para investigação nesta doença. Uma destas foi o droga também com benefício estabelecido em câncer de
esquema GemOx. Este esquema é composto de gencitabina, cabeça e pescoço, cólon e reto.
droga pertencente ao grupo dos antimetabólitos, combinada
à oxaliplatina, derivado da platina de terceira geração, ambas Com o exemplo da indicação de uso do sorafenib, molé-
com perfil de toxicidade de fácil manejo. Este é um regime já cula biológica multialvo, única droga até o momento com
previamente testado e usado em vários tipos de tumor como comprovado benefício em aumento de sobrevida estatisti-
pâncreas, vias biliares e ovário. camente significativo em hepatocarcinoma, é muito lógico
a avaliação de outras drogas biológicas nesta doença. O
O estudo que incluiu este regime no arsenal terapêutico para hepatocarcinoma é um tumor sabidamente hipervascular.
o hepatocarcinoma foi um estudo de fase II, com apenas A inibição de crescimento tumoral por mecanismo de anti-
34 pacientes, que demonstrou taxas de resposta de 18%, angiogênese, portanto, seria um dos caminhos desejados
estabilidade de doença em 58% e uma sobrevida global para o tratamento. Neste sentido, alguns estudos avaliaram a
mediana de 11,5 meses11. Recentemente outro esquema combinação de quimioterápicos ao bevacizumabe.
combinado de drogas chamado Folfox, composto por fluo-
rouracil, leucovorin e oxaliplatina, foi comparado com a Em 2006 foram publicados os resultados de um estudo fase II
doxorubicina isolada12. Este estudo de fase III incluiu 371 que avaliou a combinação de GemOx com bevacizumabe em
pacientes, predominantemente Child A (87%) e B, e a maioria 33 pacientes portadores de hepatocarcinoma. A taxa de res-
(> 80%) portadora de vírus da hepatite B. posta observada neste estudo foi de 20% e 27% dos pacientes

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A. K. C outinho

que tiveram doença estável. A sobrevida global mediana foi Em resumo, infelizmente o hepatocarcinoma é uma doença
de 9,6 meses neste estudo13. Dois outros esquemas foram complexa, e com poucas perspectivas quando diagnosticado
testados em estudos pequenos incluindo bevacizumabe em fase avançada. O algoritmo de tratamento deve contemplar
associado à quimioterapia. Um deles com capecitabina, estadio, grau de comprometimento hepático pela doença de
fluoropirimidina oral associada ao bevacizumabe. base, localização e extensão da tumoração, comprometimento
ou não vascular hepático, além do performance status do
Este esquema foi testado em 45 pacientes portadores de paciente, comorbidades e tratamentos prévios.
hepatocarcinoma e revelou taxa de resposta de 16%, com
sobrevida global mediana de 10,7 meses14. O outro usou O tratamento quimioterápico sistêmico somente deve ser
a combinação de Xelox com bevacizumabe. O Xelox é indicado nos casos em que o paciente não é elegível para
esquema composto de capecitabina e oxaliplatina. Dentre nenhuma das formas de terapia local ou biológica isolada
os 30 pacientes avaliados, observou-se resposta em 11% e como o sorafenib, ou quando houve progressão de doença
doença estável em 78% dos pacientes15. após qualquer destes tratamentos. Considerando a indicação
em apenas um número muito restrito de pacientes, um dos
Estudos também testaram a combinação de quimioterápicos itens de maior importância é a seleção adequada.
com cetuximabe nesta doença. O esquema GemOx mais
uma vez foi associado a um anticorpo monoclonal, desta vez É verdade que atualmente os índices de resposta com
o anti-EGFR, Cetuximabe. O estudo fase II que avaliou esta quimioterapia sistêmica nesta doença tem sido desanimado-
combinação incluiu 45 pacientes e utilizou as doses padrão res e a maioria dos estudos incluiu um número pequeno de
para estas drogas. A taxa de resposta foi de 20% e sobrevida pacientes. Contudo, não se pode deixar de pensar e avaliar
global mediana de 9,5 meses16. Por fim e recentemente esta opção, uma vez que há referências a respostas, mesmo 67
publicado foi o estudo que comparou doxorubicina associada que pequenas, e benefício clínico com alguns dos esquemas
a sorafenib versus doxorubicina isolada. de tratamento. Como sempre em oncologia deve imperar
o bom senso na indicação desta forma de tratamento, a
Este estudo randomizou 96 pacientes child A e demonstrou cuidadosa avaliação e potenciais riscos e benefícios da
tempo mediano para progressão de 6,4 meses versus 2,8 quimioterapia.
meses; sobrevida global mediana de 13,7 meses versus 6,5
meses, além de sobrevida livre de progressão de 6,0 meses A indicação e introdução do tratamento deve estar pautada
versus 2,7 meses, todos os índices favorecendo o grupo nos dados da literatura existente, nos preceitos éticos, na
que recebeu a combinação com sorafenib17. As toxicidades vontade do paciente, e avaliações periódicas de resultado por
mais importantes neste esquema foram gastrointestinal e especialista com experiência na área, tentando individualizar
hematológica, porém manejáveis. as decisões em meio a uma doença tão complexa.

Estes resultados são bastante interessantes, porém não


conclusivos em relação ao que se o benefício deve-se à Referências
combinação ou simplesmente à ação do sorafenib (Tabela 4).
Com a intenção de esclarecer este ponto, atualmente está 1. J emal A, Siegel R, Xu J, Ward E. Cancer statistics 2010. Ca
em andamento estudo de fase III comparando doxorubicina Cancer J Clin 2010; 60:277-300.
associado à sorafenib versus sorafenib isolado, e aguar- 2. Umemura T, Ichijo T, Yoshizawa K, Tanaka E, Kiyosawa
damos ansiosamente os resultados. K. Epidemiology of hepatocellular carcinoma in Japan. J
Gastroenterol 2009; 44:102-107.
3. Llovet J, Ricci S, Mazzaferro V, Hildgard P, Gane E, Blanc
Tabela 4: Esquemas combinados: associação de
J-F, et al. Sorafenib in advanced hepatocellular carcinoma.
quimioterápicos e anticorpos monoclonais em estudos fase
II no tratamento do hepatocarcinoma
N Engl J Med 2008; 359:378-390.
4. Nagahama H, Okada S, Okusaka T, Ishii H, Ikeda H,
Taxa de Nakasuka H. Predictive factors for tumor response to
Esquema SG mediana
resposta systemic chemotherapy in patients with hepatocellular
GemOx + Bevacizumabe 9,6 meses 20% carcinoma. Jpn J Clin Oncol 1997; 27(5):321-324.
5. Olweny C, Toya T, Katongole-Mbidde E, Mugerwa J,
GemOx + Cetuximabe 9,5 meses 20% Kyalwazi S, Cohen H. Treatment of hepatocellular carci-
Xelox + Bevacizumabe --- 11% noma with adriamycin. Cancer 1975; 36 (4): 1250.
6. Chlebowski R, Brzechwa-Adjukilwicz A, Cowden A, Block
Capecitabina + Bevacizumabe 10,7meses 16%
J, Tong M, Chan K. Doxorubicin (75mg/m²) for hepa-
Doxorubicina + Sorafenib 13,7meses 4% tocellular carcinoma: clinical and pharmacokinetic results.
Cancer Treat Rep 1984; 68(3):487-491.

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


H epatocarcinoma: tratamento quimioterápico

7. L ai C-L, Lok A, Wu P-C, Chan G, Lin H-J. Doxorubicin 13. Zhu A, Blaszkowsky L, Ryan D, Clark J, Muzikansky
versus no antitumor therapy in inoperable hepatocellular A, Horgan K et al. Phase II study of Gencitabine and
carcinoma. A prospective randomized trial. Cancer. 1988; Oxaliplatin in combination with bevacizumab in patients
62(3):479. with advanced hepatocellular carcinoma. J Clin Oncol
8. Sciarrino E, Simonetti R, Le Moli S, Pagliaro L. Adriamycin 2006; 24:1898-1903.
treatment for hepatocellular carcinoma. Experience with 14. Hsu C, Yang T, Hsu C, Toh H, Epstein R, Hsiao L et al.
109 patients. Cancer 1985; 56(12):2751. Modified-dose capecitabine plus bevacizumab for the
9. Yeo W, Mok T, Zee B, Leung T, Lai P, Lau W, Koh J. A treatment of advanced/metastatic hepatocellular carci-
randomized phase III study of doxorubicin versus cisplatin/ noma (HCC): a phase II single arm study. J Clin Oncol
interferon -2b/ doxorubicin/fluorouracil (PIAF) combination 2007; 25: abst 15190.
chemotherapy for unresectable hepatocellular carcinoma. 15. Sun W, Haller D, Mykulowycs K, Rosen M, Soulen M,
J Natl Cancer Inst 2005; 97(20):1532. Capparo M et al. Combination of capecitabine, oxaliplatin
10. Patt Y, Hassan M, Aguayo A, Nooka A, Lozano R, Curley S with bevacizumab in treatment of advanced hepatocellular
et AL. Oral Capecitabine for the treatment of hepatocellular carcinoma (HCC): a phase II study. J Clin Oncol 2007; 25:
carcinoma, cholangiocarcinoma, and gallbladder carci- abst 4574.
noma. Cancer 2004; 101:578-586. 16. Asnacios A, Fartoux L, Romano O, Tesmoingt C, Louafi
11. Louafi S, Boige V, Ducreux M, Bonyhay L, Mansourbakht S, Mansoubakht T et al. Gemcitabine plus oxaliplatin
T, Baere T et al. Gemcitabine plus oxaliplatin (GemOx) in (GEMOX) combined with cetuximab in pattients with
patientes with advanced hepatocellular carcinoma (HCC). progressive advanced stage hepatocellular carcinoma.
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of oxaliplatin plus 5-fluorouracil/leucovorin (FOLFOX) Lacava J et al. Doxorubicin plus sorafenib VS doxorubicin
versus doxorubicin as palliative systemic chemotherapy alone in patients with advanced hepatocellular carcinoma.
in advanced HCC in Asian patients. J Clin Oncol 2010; JAMA 2010; 304(19): 2154-2160.
68 28:abst 4008.

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Carcinoma hepatocelular - Ressecção cirúrgica

P aulo H erman 1

O carcinoma hepatocelular (CHC) é a quinta neoplasia mais hepática subjacente5. No entanto, as limitações do TF, e
comum em todo o mundo, sendo a terceira maior causa de especialmente a melhora dos resultados nos últimos anos,
mortalidade relacionada ao câncer. A incidência de CHC levaram a um novo interesse na RH para o tratamento do
vem apresentando um constante aumento com quase a CHC6,7,8,9. Atualmente, a ressecção do CHC pode ser realizada
duplicação de incidência no mundo ocidental nas últimas em centros especializados, com mortalidade inferior a 5% e
duas décadas1. O CHC se desenvolve em 90% dos casos em índices globais de sobrevida em 5 anos comparáveis aos do
pacientes com doenças hepáticas crônicas, muitas vezes em transplante para tumores iniciais8,10.
um estágio de cirrose. Os principais fatores etiológicos são as
infecções crônicas pelas hepatites B e C, a ingestão crônica A ressecção hepática para o tratamento do CHC tem como
de álcool e, recentemente, vem ganhando espaço a esteato- vantagem ser rapidamente aplicável pois, ao contrário
hepatite não-alcoólica ligada à síndrome metabólica. do transplante, não há lista de espera. Além disto, não
há restrições em relação ao tamanho do nódulo a ser
Os programas de rastreamento do CHC com o emprego da ressecado11.
ultrassonografia são atualmente amplamente empregados
em pacientes considerados de risco (cirróticos ou com A ressecção hepática é o tratamento de escolha nos pacientes
hepatopatia crônica), resultando em aumento da detecção com CHC em fígados sem cirrose (cerca de 10% dos casos),
de tumores numa fase precoce em que o tratamento pode independentemente do tamanho do nódulo. Nos pacientes 69
ser curativo. O tratamento do carcinoma hepatocelular em com cirrose hepática, apesar das controvérsias, está indi-
pacientes com cirrose é um grande desafio. cada apenas nos casos com função hepática preservada
(Child A) com nódulo único e na ausência de hipertensão
O transplante de fígado (TF) é teoricamente a melhor opção portal relevante (gradiente venoso hepático < 10 mmHg;
para o tratamento do CHC pois pode propiciar a cura tanto ausência de varizes de esôfago; número de plaquetas >
do tumor quanto da doença hepática subjacente (cirrose); 100.000/mm3)11. Pacientes portadores de mais de um nódulo
no entanto, este procedimento é restrito para um pequeno podem ser submetidos à ressecção, no entanto, apresentam
número de casos pela limitada disponibilidade de enxertos. inquestionavelmente um pior prognóstico.
Em um contexto de escassez de órgãos e as altas taxas de
recidiva tumoral que ocorreram no passado quando não Existe controvérsia na literatura sobre as margens ideais
havia grande seleção de receptores, critérios restritivos de ressecção cirúrgica, com trabalhos demonstrando que
foram adotados para alocação de órgãos para pacientes ressecções regradas segmentares/setoriais de todo o seg-
com CHC. mento ou setor onde o tumor está localizado, incluindo-se
o seu pedículo portal, apresentam resultados superiores às
As indicações são limitadas em muitos centros pelos critérios nodulectomias (com margens livres) e trabalhos que não
de Milão (1 nódulo de até 5 cm ou 3 nódulos de até 3 cm demonstram esta superioridade12,13.
cada), nos quais a taxa de sobrevida livre de doença em 5
anos pode atingir 70%2. No entanto, a escassez de órgãos é A ressecção está indicada e pode ser segura mesmo para
tal que o tempo de espera tem aumentado significativamente tumores de grandes dimensões (> 10 cm) contanto que a
a um ponto onde a progressão do tumor leva à perda da função hepática esteja preservada (Child A) e o volume do
indicação na lista de espera (drop out). Esta última situação parênquima remanescente hepático > 40%14,15. Em relação
leva à redução da eficiência do TF para o CHC quando se às grandes ressecções hepáticas, pode-se empregar a
analisa a intenção de tratar (ou seja, a análise a partir da data embolização portal pré-operatória do lobo a ser ressecado
em que o paciente foi listado e não a partir da data do TF)3,4. nos casos de grandes ressecções hepáticas (> 60%) para
promover a hipertrofia do fígado remanescente.
A ressecção hepática (RH) foi o tratamento de escolha
por muitos anos mas era limitada pelas altas taxas de Esta hipertrofia torna a ressecção mais segura e com menores
morbimortalidade e de recidiva hepática devido à doença taxas de morbimortalidade. Além disto, pode ser utilizada

1. Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia FMUSP - Diretor do Serviço de Cirurgia do Fígado HCFMUSP

GED gastroenterol. endosc.dig. 2011: 30(Supl.3):10-72


C arcinoma hepatocelular - R essecção cirúrgica

como uma prova de avaliação da capacidade funcional do em menor sobrevida livre de doença do que nos pacientes
fígado, pois pode demonstrar indiretamente a capacidade submetidos ao TF. No entanto, a RH preserva a possibilidade
regenerativa do parênquima hepático. de realização de um TF de resgate ou do emprego de
técnicas de ablação ou até novas ressecções em casos de
A presença de invasão vascular macroscópica, especialmente recidiva21,22.
portal, tem sido considerada como uma contraindicação
tanto para a ressecção como para o TF. A invasão vascular é Finalmente, a avaliação histológica do espécime cirúrgico
sabidamente um fator de mau prognóstico e está associado da RH têm sido proposta como um guia para a seleção de
a altas taxas de recidiva tumoral. Nestes casos, a ressecção candidatos ao TF, considerando-se nestes casos a RH como
se mostra muito pouco benéfica (índices de sobrevida global um procedimento de ponte para o TF.
< 10%), sendo considerada contraindicada por muitos
serviços8,16,17. Em uma época de escassez de órgãos, estudos mostram
que a RH apresenta vantagens sobre o TF em pacientes com
Nos últimos anos, alguns autores têm preconizado a via CHC solitário e doença hepática compensada.
laparoscópica para a ressecção de tumores de pequenas
dimensões (< 5 cm) localizados em regiões periféricas do Algumas vantagens da RH que podem ser citadas são: (A)
fígado18. Nestes casos selecionados, o sangramento intra- é imediatamente disponível quando em centro especializado;
operatório e a morbidade pós-operatória, especialmente a (B) carrega um baixo risco em pacientes bem selecionados;
ocorrência de ascite, são menores. Trata-se de procedimento (C) livra o paciente do tumor e permite uma precisa avaliação
sabidamente factível e que não fere os princípios oncológicos, histológica; (D) propicia taxas de sobrevida global comparáveis
mas ainda precisa ser validado19,20. às da intenção de transplantar; (E) oferece a possibilidade de
70
TF de resgate em casos de recidiva, desde que os pacientes
No entanto, vale ressaltar que este pode ser um procedimento sejam monitorados de perto para diagnosticar precocemente
muito útil para a abordagem inicial de pacientes com CHC as recorrências; e (F) pode propiciar uma diminuição de
único, em pacientes com função hepática preservada, tanto custos sobre a economia global do TF.
do ponto de vista de tratamento curativo como de uma ponte
para o TF nos casos em que a avaliação histológica demonstre
fatores prognósticos que favorecem a recidiva (p. ex. micro- Referências
invasão vascular)18.
1. 
Davila JA, Morgan RO, Shaib Y, McGlynn KA, El-Serag
Nos pacientes selecionados para a ressecção, a sobrevida em
HB. Hepatitis C infection and the increasing incidence
5 anos varia entre 35 e 50% mas pode chegar a 70% quando of hepatocellular carcinoma: a population-based study.
o tumor se encontra dentro dos critérios de Milão9,10,12. Gastroenterology 2004;127:1372–1380.
Apesar da maioria dos estudos reportar taxas de sobrevida 2. Mazzaferro V, Regalia E, Doci R, et al. Liver transplantation
tardia superiores para o transplante quando comparado à for the treatment of small hepatocellular carcinomas in
ressecção, quando se analisa a sobrevida tardia em pacientes patients with cirrhosis. N Engl J Med. 1996;334:693–699.
3. Llovet JM, Fuster J, Bruix J. Intention-to-treat analysis
com tumores dentro dos critérios de Milão submetidos à
of surgical treatment for early hepatocellular carcinoma:
ressecção, esta é semelhante à sobrevida reportada para resection versus transplantation. Hepatology 1999;30:1434–
pacientes listados para o transplante hepático (intenção de 1440.
tratar), especialmente quando se leva em conta os pacientes 4. Yao FY, Bass NM, Nikolai B, et al. Liver transplantation for
que faleceram ou cujos tumores cresceram durante o longo hepatocellular arcinoma: analysis of survival according to
tempo de espera na lista3. the intention to-treat principle and drop-out from the waiting
list. Liver Transpl. 2002;8:873–883.
5. Belghiti J, Panis Y, Farges O, et al. Intrahepatic recurrence
No entanto, uma das principais complicações da ressecção é
after resection of hepatocellular carcinoma complicating
a elevada taxa de recidiva tumoral, que pode chegar a 50%. cirrhosis. Ann Surg. 1991;214:114–117.
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