Você está na página 1de 8

Vivendo sobretudo pela inteligência e imaginação, o discurso poético pessoano afirma-se a

partir da "aprendizagem de não sentir senão literariamente as "cousas"", ou seja, em fingir


sentimentos, até mesmo os que verdadeiramente vivenciamos.

Pessoa parte da negação da ideia romântica do poeta como um confessor, como alguém que
se desnuda aos olhos do leitor, e filtra tudo através da inteligência. Em Pessoa tudo é
inteligência e todo o texto é produto da imaginação. No momento de produção
literária/poética, o poeta finge sentimentos, emoções, não deixando, no entanto, de haver
verdade, só que essa verdade, essa sinceridade é artisticamente trabalhada.

Arte poética pessoana - Teoria do fingimento

Os poemas "Autopsicografia" e "Isto" instituem a verdadeira Arte Poética de Pessoa, iniciando


uma aprendizagem do não sentir, que sobrepõe o conhecimento racional ao afectivo. O
poema torna-se, assim, uma construção de sentido e não uma construção sentida, porque se
baseia na palavra que é a abstracção suprema, nas palavras do próprio Pessoa, "uma
intelectualização da sensibilidade". O poeta, um ser que se completa para além da percepção
sensorial, é alguém que recorre a truques verbais para a construção de verdades poéticas. Os
poemas que melhor ilustram esta arte poética pessoana, que se baseia no fingimento, são:

"Autopsicografia" - Este texto define o processo de criação poética pessoana:

o sujeito poético parte da asserção / afirmação "O poeta é um fingidor", identificando "poeta"
e "fingidor", transferindo o acto de criar poesia da esfera das emoções reais / vividas para a
esfera das emoções fingidas / pensadas;

este fingimento poético é tão extremado que leva o "eu" lírico a "fingir" emoções que
realmente "sente" - a poesia resulta, assim, do fingimento da dor e não da sua vivência
(grande revolução na concepção tradicional de poesia);

fingir é "fazer um desvio pela inteligência", submetendo os sentimentos e as emoções ao


espírito analítico;

o processo de criação poética não é exclusivo do "eu" lírico (que apenas finge emoções), mas
alarga-se ao leitor - "os que lêem o que escreve";

o leitor, também ele interveniente no processo de criação, sente na "dor lida" (poema), uma
outra dor: uma dor que não é nem a vivida, nem a fingida pelo sujeito poético, mas uma outra
construída por ele próprio - "Mas só a que eles (leitores) não têm" - esta dor também ela
fingida;

finalmente, o sujeito poético conclui, recorrendo à imagem das "calhas de roda" e do


"comboio de corda", que a criação poética resulta de permanente interacção entre o coração e
a razão, entre o sentir e o pensar;

torna-se, deste modo, evidente a supremacia da razão sobre as emoções no acto de criar -
processo de intelectualização das emoções assumido por Pessoa.
"Isto" - O poema dá resposta à perplexidade suscitada pelas reflexões inovadoras presentes
em Autopsicografia:

o sujeito poético afirma que não há mentira no processo de criação poética;

concebe um outro modo de criar poesia, sentir "Com a imaginação" - a emoção é filtrada pela
imaginação;

afirma, metaforicamente, que a realidade que sonha ou vive é ainda rudimentar - "um terraço
/ Sobre outra coisa ainda";

sublinha que a verdadeira beleza reside nessa "coisa linda" - o acto de escrever;

recusa o acto poético como expressão exclusiva das sensações;

remete para o leitor o sentir.

"Tenho tanto sentimento" - O sujeito poético auto-caracteriza-se como um ser dominado pelo
vício de pensar:

obsessão pela racionalização, embora tendo, por vezes, a ilusão de que é sentimental;

a oposição sentir / pensar desenvolve-se ao longo do poema através dos pares: vida vivida /
vida pensada; vida verdadeira / vida errada - pares de opostos que explicitam a fragmentação
do "eu";

a oposição entre o sentir e o pensar é marca distintiva da arte poética pessoana


("Autopsicografia" e "Isto").

Tenho Tanto SentimentoTenho tanto sentimento


Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,


Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira


E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
ANALISE

O poema "Tenho tanto sentimento" é um poema ortónimo tardio de Fernando


Pessoa, datado de 18 de Setembro de 1933.
O ano de 1933 é o ano de uma grande crise psíquica de Fernando Pessoa,
que se sente numa encruzilhada na sua vida. É o ano posterior ao falhanço da
sua candidatura a bibliotecário do museu Castro Guimarães em Cascais - que
ele via como possível solução económica para estabilizar a sua vida - e faz
com que ele entre num período de grande criatividade, mas de igual
desespero.

Sabemos já que a poesia ortónima é essencialmente racional, directa, sem


artifícios. É por isso curiosíssimo este poema, porque trata aparentemente
desse problema, do sentimento em Pessoa e da forma como ele lida com esse
sentimento.

Análise

Tenho tanto sentimento


Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Pessoa reconhece para si mesmo que é um "sentimental". Sentimental, ou


seja, emocional, regido pela emoções. É muito curiosa esta confissão, porque
Pessoa será sempre reconhecido como sendo um poeta eminentemente
racional, mesmo pelos seus contemporâneos (que contrapunham a sua poesia
pensada e racional à poesia emocional e impulsiva de Mário de Sá-Carneiro).
Mas quem conhece a obra de Pessoa sabe bem que ele é mais do que apenas
um poeta racional.

O ortónimo provavelmente não será capaz dessa análise - porque afinal é


apenas uma parte de Pessoa - mas quem ler Álvaro de Campos, Bernardo
Soares e muitos outros, verá que verdadeiramente a personalidade de Pessoa
está espalhada por todos eles, como partes de um espelho partido, que apenas
reflecte a imagem original e completa quando juntamos todos os pedaços. O
facto do ortónimo racionalizar este "sentir do sentimento", não torna Pessoa um
poeta racional por essência.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

A poesia ortónima é também marcada por oposições. Sobretudo pela oposição


"imaginado"/"conseguido" ou "passado"/"presente". Vemos como nesta estrofe
Pessoa opera essa mesma oposição, entre vida pensada e vida vivida - ou
seja, entre o que ele desejaria que fosse a sua vida e o que a sua vida é
realmente. Ele chega à conclusão que a "vida que temos" está dividida entre
esses dois pólos, sem nunca ser perfeita como desejamos que seja.

Qual porém é verdadeira


E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Na estrofe anterior Pessoa parece considerar que a vida vivida é a verdadeira e


a pensada é a errada. Mas nada é assim tão certo. Na realidade Pessoa põe
isso mesmo em causa dizendo: "Qual porém é verdadeira / E qual errada,
ninguém / Nos saberá explicar". Ou seja, não há maneira de sabermos se na
verdade atingimos o nosso destino ou não.

Temos apenas a inevitabilidade de aceitar a vida que "temos" e que é a vida


que podemos analisar (pensar).

“A composição de um poema lírico deve ser feita não no momento da emoção, mas no momento da
recordação dela”. Para Fernando Pessoa, a poesia é, pois, fingimento poético, um produto intelectual
resultante da destruição do conceito romântico de inspiração, que o poeta modernista substitui por
imaginação, concebendo a escrita como linguagem. Fingir é inventar, é intelectualizar o sentimento para
exprimir a arte.

Efectivamente, a supremacia da razão sobre as emoções no acto de criar é sintetizada no poema


“Autopsicografia”. Neste, o sujeito poético parte da afirmação “O poeta é um fingidor” para realçar a sua
concepção poética: a dor real, para se elevar a poesia, tem de ser fingida, imaginada.
No poema “Isto”, Pessoa marca novamente a exclusividade da sensação intelectual “simplesmente sinto/
Com a imaginação”. Só o poeta, libertando-se do enleio, escreve em direcção a “Essa coisa (…) linda”, a
região onde se gera a poesia. “Sinta quem lê!”, pois o poeta não sente, deixa isso para os que lêem.

Em síntese, deste processo de fingimento, Pessoa confronta-se com os seus muitos eus, de que advêm a
construção dos seus heterónimos com vida própria, o seu fingimento pessoal “fingir é conhecer-se”.

A Teoria do Fingimento Poético

“A composição de um poema lírico deve ser feita não no momento da emoção, mas
no momento da recordação dela”.

Para Fernando Pessoa, a poesia é, pois, fingimento poético, um produto intelectual resultante
da destruição do conceito romântico de inspiração, que o poeta modernista substitui por
imaginação, concebendo a escrita como linguagem. Fingir é inventar, é intelectualizar o
sentimento para exprimir a arte.

Efectivamente, a supremacia da razão sobre as emoções no acto de criar é sintetizada no


poema “Autopsicografia”. Neste, o sujeito poético parte da afirmação (axioma) “O poeta é um
fingidor” para realçar a sua concepção poética: a dor real, para se elevar a poesia, tem de ser
fingida, imaginada.

No poema “Isto”, Pessoa marca novamente a exclusividade da sensação intelectual


“simplesmente sinto/ Com a imaginação”. Só o poeta, libertando-se do enleio, escreve em
direcção a “Essa coisa (…) linda”, a região (arquetípica) onde se gera a poesia. “Sinta quem
lê!”, pois o poeta não sente, deixa isso para os que lêem.

No processo de fingimento, Fernando Pessoa confronta-se com os seus muitos eus, dos quais
advêm a construção dos seus heterónimos, com vida própria, o seu fingimento pessoal “fingir é
conhecer-se”.

A teoria do fingimento poético consiste na transformação intelectual do pensamento, o poeta


finge completamente a dor.

Na perspectiva de Fernando Pessoa, existem três tipos de emoções que estão por detrás da
poesia: as “emoções vividas” mas já passadas, visto que a composição de um poema deve ser
feita não no momento da emoção, mas no momento da sua recordação; as emoções que ficam
“presentes na recordação”, que são repetidas através de um processo de transformação pelo
intelecto; e por fim as “emoções falsas”, não vividas, mas sim imaginadas.

Se nos questionarmos acerca das emoções do leitor, podemos obter a seguinte conclusão:
estas emoções não são as vividas pelo poeta, nem aquelas que exprimiu artisticamente. São
apenas emoções reflectidas pelo poema, que provocam um estado de alma que não se define
na totalidade.
Logo, podemos concluir que toda a emoção que é verdadeira é transformada na inteligência,
pois não se dá nela. Para uma emoção ser verdadeira, tem de se dar na inteligência e isto,
segundo Pessoa, não se verifica, pois as emoções são sentidas primeiro pelo coração.

Assim, a teoria do fingimento poético, resume-se na capacidade que o poeta tem de


transformar com o intelecto, a matéria em poema e este funciona como o produto das
emoções, intelectualizadas pelo sujeito poético.

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
Esta composição poética é uma esplêndida síntese do que Pessoa pensava sobre a génese e
a natureza da poesia. Podemos, pois, considerá-lo como uma verdadeira "arte poética".

O assunto do poema desenvolve-se em três partes lógicas, que correspondem a cada uma das
estrofes.

Na primeira parte, o primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, na frase de tipo
axiomático "o poeta é um fingidor", que, logo a seguir, é explicado, ou confirmado, por meio de
uma particularização centrada na dor.

Quer isto dizer que a poesia não está na dor experimentada, ou sentida realmente, mas no
fingimento dela. Isto é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser
fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem poética, o poeta tem que partir da dor
real, a dor que deveras sente.

Não basta, para haver poesia, a expressão espontânea dessa dor real, tal como o faria, por
exemplo, um doente relatando a sua dor ao médico. Não há poesia, não há arte sem
imaginação, sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente, de forma a
surgir como um objectivo poético (artístico), de forma a concretizar-se em arte.

Esta concretização da dor no poema opera na memória do poeta o retorno à sua dor inicial,
parecendo-lhe a dor imaginada mais autêntica do que a dor real. É a sobreposição do objecto
artístico à realidade objectiva que lhe serviu de base: “chega a fingir que é dor/a dor que
deveras sente”. Isto conduz-nos à ideia de fruição artística, da parte do poeta.

Na segunda parte do poema, o poeta alude à fruição artística da parte do leitor. Este não sente
a dor real (inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária (dor em imagens) que o poeta
imaginou, ao ser artífice do poema, nem a dor que eles (leitores) têm, mas só a que eles não
têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado à
maneira de cada leitor.

Há na segunda estrofe referência a quatro dores: a dor sentida (real), a dor fingida pelo poeta,
a dor real do leitor e a dor lida (dor intelectualizada que provém da interpretação do leitor e que
é objecto da sua fruição.

A terceira parte do poema, como a própria expressão "E assim" prenuncia, constitui uma
espécie de conclusão: o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a
girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a razão. Há aqui uma
referência à função lúdica da poesia, que começa na fruição de que o próprio poeta goza, no
acto da criação artística. São aqui marcados os dois pólos em que se processa a criação do
poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o
poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como que um círculo cuja linha limite marca
uma pista sem fim em que nunca se esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.

Quanto aos aspectos morfossintácticos, desde logo a ligação por meio do síndeto
(coordenativa "e") das três estrofes do poema impondo não só a divisão do texto em três partes
lógicas, mas também sugerindo uma sequência lógica no desenvolvimento do assunto.

Os verbos, com excepção da forma teve (pretérito perfeito), encontram-se no presente, o que
está de acordo com a natureza teórica do poema, que é anunciada pelo título "Autopsicografia"
(estudo que o poeta faz do fenómeno psicológico que nele se passa, no acto de criação
artística, portanto no presente).

A forma do perfeito "teve" explica-se porque é exigida para marcar a prioridade temporal em
que o poeta experimentou as suas dores em relação ao tempo (presente) em que o leitor
experimenta a dor lida.

A expressão infinitiva "a entreter" apresenta-se com um nítido aspecto durativo, insinuando a
repetição continuada do processo criativo. Note-se a insistência do poeta no processo mais
importante da criação poética: o fingimento. Este processo é marcado pelas formas verbais
"finge" e "fingir" e pelo substantivo "fingidor". O verbo fingir (do latim "fingere " = fingir, pintar,
desenhar, construir) aponta não apenas para disfarçar, mas também para construir, modelar,
envolvendo, assim, todo o processo criativo desenvolvido pelo poeta na produção do poema: o
poeta é um artífice.

É interessante a perífrase "os que lêem o que escreve" (para significar os leitores) por ser
portadora de uma expressividade especial: aponta para os dois intervenientes fundamentais do
processo poético --o emissor (poeta) e os receptores (leitores).

Além da reiteração (repetição), já apontada, do verbo fingir, há ainda a do verbo sentir, que não
se deve desligar da repetição do substantivo dor (três vezes), além de outras três vezes que se
repete por intermédio de pronomes, ou expressões ("que","as duas", "a que"). A insistência na
dor e no sentir está de acordo com o facto de o poeta ter tomado a dor como tema
exemplificativo da criação poética e pelo facto de as sensações (o sentir) serem o ponto de
partida dessa criação.

Em relação à sensação do sujeito lírico e dos leitores, são expressivos os advérbios: "Finge tão
completamente";... Deveras senta"; "...sentem bem". Estes advérbios sugerem a veemência, o
rigor com que a sensação da dor se impõe, quer ao poeta quer aos leitores. Os advérbios
estão pois a marcar a intenção do autor: expor a sua teoria poética com rigor. O acto de fingir é
tão importante que o poeta o superlativou não apenas pela expressão adverbial "tão
completamente", mas também por meio da subordinada consecutiva "que chega a fingir".
Notemos que a subordinação (hipotaxe) é muito mais importante do que a coordenação, o que
está de harmonia com um discurso teórico que tem por finalidade apresentar uma teoria da
criação poética.

Repare-se na expressividade das duas metáforas, de valor altamente simbólico, que se


encontram na última estrofe: calhas de roda e comboio de corda. Esse comboio de corda (o
coração), ultrapassando o significado denotativo de brinquedo, aponta sobretudo para um
sentido simbólico relacionado com a função lúdica da poesia., e assim, gira nas calhas de roda.
Também essas calhas de roda ultrapassam o significado de carris (correspondente ao sentido
de comboio de corda) para apontarem simbolicamente para um rumo necessário, marcado pelo
destino, qualquer coisa que sucede por fatalidade, na vida (na roda da vida).

O poeta, é pois, um ser predestinado a brincar intelectualmente com as sensações, elevando-


as ao nível da arte poética, transformando-as num objectivo, artístico, que é o poema, também
objecto de fruição lúdica para os leitores.

No que toca à forma do poema, aos seus aspectos fónicos, parecer-nos-á estranho que
Pessoa tenha escolhido o verso de redondilha (verso curto de sete sílabas), de feição rítmica
popular, distribuídos em quadras, para expor uma teoria intelectualizada e de alto nível mental.
Trata-se de um entre tantos paradoxos de que o proceder de Pessoa é fértil. Note-se que os
casos frequentes de transporte, verificados em grande parte dos versos vêm reduzir as
dificuldades que o metro curto poderia oferecer ao desbobinar do raciocínio do poeta.

A rima é sempre cruzada, apresentando uma certa irregularidade nos versos 1º e 3º da última
estrofe. Notar os dois pares rimáticos fingidor/dor e razão/coração, em que se poderá ver uma
certa intenção expressiva, se relacionarmos razão com fingidor e o coração com dor: ficariam
assim em lugar de destaque, bem marcados os dois pólos de criação poética – as sensações e
o fingimento.

O título do poema pode levar-nos à conclusão de que o poeta quer explicar o processo
psíquico que nele se passa, ao elaborar um texto poético. Como se explica, então que o poeta
nunca empregue o pronome "eu", nem qualquer verbo na primeira pessoa, e que parte
precisamente de uma afirmação axiomática, "O poeta é um fingidor", de aplicação universal,
aplicável a todos os poetas? "Este poema está construído na 3ª pessoa como a lei de Newton,
ou qualquer outro enunciado científico" – afirma A. J. Saraiva – "para significar que é a
inteligência, como um ser autónomo, que explica o processo de criação poética".

Por meio do título, o autor quis significar que a teoria da criação poética, exposta no poema, de
valor universal porque aplicável a todo o verdadeiro poeta, foi elaborada por via da auto-
introspeccção, por meio da qual Fernando Pessoa verificou o processo em si próprio. O título
aponta para o palco de experimentação e verificação de uma teoria poética que o autor julgou
de valor universal.

Você também pode gostar