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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

História da Educação
Infantil e Políticas
Públicas
Profª Shirley Rodrigues Maia

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Uma visão ampla 3

Concepção de Infância 3

Referências Bibliográficas 9

O Histórico da Educação Infantil no Mundo 9

O Histórico da Educação Infantil no Brasil 10

SUMÁRIO Considerações Finais 11

Teóricos da Educação Infantil 12

História da Educação Infantil no Mundo e no Brasil 16

Educação Infantil na Europa 16

Educação Infantil no Brasil 19

Objetivos e Práticas da Educação Infantil 23

A Criança na Constitutição 26
Educação 26
Direitos Sociais 26
Seguridade Social 26
Direitos da Criança 27
Lei de Diretrizes e Bases 27

Curiosidade na História da Educação Infantil 27


Maria Montessori - A médica que valorizou o aluno 27
Ambientes de liberdade 28
Biografia 28
Descobrir o mundo 29
Escola sem lugar marcado 29
Efervescência intelectual 30
Para pensar 30

Referências Bibliográficas 31

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

UMA VISÃO AMPLA CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA


A Educação infantil sofreu grandes transformações As crianças não tinham um mundo infantil até
nos últimos tempos. O processo de aquisição de uma o século XVII, elas conviviam igualmente como os
nova identidade para as instituições que trabalham adultos, não havia uma visão especial da infância.
com crianças foi longo e difícil.
Nos estudos realizados por Áries (1981)
Durante esse processo surge uma nova concepção verifi camos que o crescimento nas pesquisas sobre
de criança, totalmente diferente da visão tradicional. a criança teve ênfase no século XVIII e XIX, no qual
a infância passou a ser vista como uma construção
Se por séculos a criança era vista como um ser sem histórica e social.
importância, quase invisível, hoje ela é considerada
em todas as suas especifi cidades, com identidade O que levou a mudança de postura a respeito
pessoal e histórica. da infância foi à necessidade de uma nova noção
de família, deixando de ser centrada nas relações
Essas mudanças originaram-se de novas exigências de parentescos, mas para um núcleo unicelular,
sociais e econômicas, conferindo à criança um papel prevalecendo à privacidade da família, não permitindo
de investimento futuro, esta passou a ser valorizada, a intervenção dos parentes nos assuntos internos e
portanto o seu atendimento teve que acompanhar os também estimulando o afeto entre os seus membros,
rumos da história. segundo relato de Zilberman (1985)

Começa na Idade Moderna a visão de que a criança


é um indivíduo que precisa de atenção especial, é
necessário ter como ponto de partida a sua idade.

Temos no adulto o olhar e a idealização sobre a


infância. A criança é o indivíduo inocente e dependente
do adulto, pois devido à falta de experiência da
criança na realidade. Até hoje muitos pesquisadores
ainda têm essa concepção da infância como o espaço
da alegria, da inocência e da falta de domínio da
realidade.
Fonte: Shutterstock

Para alguns autores como Kuhlmann (in Zilberman


Sendo assim, a Educação Infantil de uma
1985) reconhecer a infância como objeto de estudo é
perspectiva assistencialista transforma-se em uma
preciso considerá-la como uma condição da criança.
proposta pedagógica aliada ao cuidar, procurando
O conjunto de experiências vividas por elas em
atender a criança de forma integral, onde suas
diferentes lugares históricos, geográfi cos e sociais
especifi cidades (psicológica, emocional, cognitiva,
é muito mais do que uma representação sobre esta
física, etc...) devem ser respeitadas.
fase da vida. É preciso conhecer as representações
de infância e considerar as crianças concretas,
localizá-las nas relações sociais, etc. reconhecê-las
como produtoras da história.

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A partir da Psicologia da Aprendizagem a certas estruturas mentais. Em vista disso, na linha


infância é tratada como uma etapa de preparação Piagetiana, considera-se que o indivíduo carrega
do pensamento para a vida adulta. O pensamento consigo duas marcas inatas que são a tendência
infantil não tem ainda uma lógica. natural à organização e à adaptação, significando
entender, portanto, que, em última instância, o
Os estudos de Piaget (1979) vêm contribuir para ‘motor’ do comportamento do homem é inerente
o entendimento e funcionamento do raciocínio lógico ao ser.
da criança.
• Os fatores variantes: são representados pelo
Simplificando muito o desenvolvimento humano, conceito de esquema que constitui a unidade
no modelo Piagetiano, ele é explicado segundo básica de pensamento e ação estrutural do modelo
o pressuposto de que existe uma conjuntura piagetiano, sendo um elemento que se transforma
de relações interdependentes entre o sujeito no processo de interação com o meio, visando à
conhecedor e o objeto a conhecer. Esses fatores adaptação do indivíduo ao real que o circunda.
que são complementares envolvem mecanismos Com isso, a teoria psicogenética deixa à mostra
bastante complexos e intrínsecos que englobam o que a inteligência não é herdada, mas sim que
entrelaçamento de fatores que são complementares, ela é construída no processo interativo entre o
tais como: o processo de maturação do organismo, homem e o meio ambiente (físico e social) em que
a experiência com objetos, a vivência social e, ele estiver inserido.
sobretudo, a equilibração do organismo ao meio.
Resumindo podemos dizer que, para Piaget
O conceito de equilibração torna-se especialmente (1979), o equilíbrio é a meta que o organismo
marcante na teoria de Piaget (1979), pois ele almeja, mas que paradoxalmente nunca alcança,
representa o fundamento que explica todo o processo haja vista que no processo de interação podem
do desenvolvimento humano. ocorrer desajustes do meio ambiente que rompem
com o estado de equilíbrio do organismo, eliciando
Trata-se de um fenômeno que tem, em sua esforços para que a adaptação se restabeleça. Essa
essência, um caráter universal, já que é de igual busca do organismo por novas formas de adaptação
ocorrência para todos os indivíduos da espécie envolvem dois mecanismos que apesar de distintos
humana, mas que pode sofrer variações em função são indissociáveis e que se complementam: a
de conteúdos culturais do meio em que a criança assimilação e a acomodação.
está inserida.
• A assimilação consiste na tentativa do
Nessa linha de raciocínio, o trabalho de Piaget leva indivíduo em solucionar uma determinada
em conta a atuação de dois elementos básicos ao situação a partir da estrutura cognitiva que
desenvolvimento humano: os fatores invariantes e os ele possui naquele momento específico da sua
fatores variantes. existência. Representa um processo contínuo na
medida em que o indivíduo está em constante
• Os fatores invariantes: Piaget (1979) Descreve atividade de interpretação da realidade que
que ao nascer, o indivíduo recebe como herança o rodeia e, consequentemente, tendo que se
uma série de estruturas biológicas - sensoriais adaptar a ela. Como o processo de assimilação
e neurológicas - que permanecem constantes representa sempre uma tentativa de integração de
ao longo da sua vida. São essas estruturas aspectos experienciais aos esquemas previamente
biológicas que irão predispor o surgimento de estruturados, ao entrar em contato com o objeto

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do conhecimento o indivíduo busca retirar dele as bruta do conhecimento é ‘arrecadada’, pois que é no
informações que lhe interessam deixando outras processo de construções sucessivas resultantes da
que não lhe são tão importantes, visando sempre relação sujeito-objeto que o indivíduo vai formar o
a restabelecer a equilibração do organismo. pensamento lógico.

• A acomodação, por sua vez, consiste na É bom considerar, ainda, que, na medida em
capacidade de modificação da estrutura mental que toda experiência leva em graus diferentes a um
antiga para dar conta de dominar um novo objeto processo de assimilação e acomodação, trata-sede
do conhecimento. Quer dizer, a acomodação entender que o mundo das idéias, da cognição, é um
representa “o momento da ação do objeto sobre mundo inferencial. Para avançar no desenvolvimento
o sujeito” emergindo, portanto, como o elemento é preciso que o ambiente promova condições para
complementar das interações sujeito-objeto. Em transformações cognitivas, id est, é necessário que
síntese, toda experiência é assimilada a uma se estabeleça um conflito cognitivo que demande um
estrutura de idéias já existentes (esquemas) esforço do indivíduo para superá-lo a fim de que o
podendo provocar uma transformação nesses equilíbrio do organismo seja restabelecido, e assim
esquemas, ou seja, gerando um processo de sucessivamente.
acomodação.
Os estágios do desenvolvimento descritos por
Como observa Rappaport (1981:56): Piaget (1979) para a criança na educação infantil:
ocorre por estágios, ocorrendo uma modificação
Os processos de assimilação e acomodação são progressiva dos esquemas de assimilação,
complementares e acham-se presentes durante toda a promovendo diferentes experiências para a criança
vida do indivíduo e permitem um estado de adaptação interagir com o meio, ou seja, de organizar seus
intelectual. É muito difícil, se não impossível, imaginar conhecimentos visando sua adaptação.
uma situação em que possa ocorrer assimilação sem
acomodação, pois dificilmente um objeto é igual a Os estágios evoluem como uma espiral, de modo
outro já conhecido, ou uma situação é exatamente que cada estágio engloba o anterior e o amplia.
igual à outra. Ele não define idades rígidas para os estágios, mas
sim que estes se apresentam em uma seqüência
O processo de equilibração pode ser definido constante.
como um mecanismo de organização de estruturas
cognitivas em um sistema coerente que visa a levar • Período sensório-motor (0 a 2 anos): invenção
o indivíduo a construção de uma forma de adaptação de novos meios por meio de combinações mentais
à realidade. Haja vista que o “objeto nunca se deixa (18 a 24 meses).
compreender totalmente” Piaget (1979), o conceito
de equilibração sugere algo móvel e dinâmico, na • Período das operações concretas (2 a 12 anos)
medida em que a constituição do conhecimento ou pré-operacional (2 a 7 anos), especificamente
coloca o indivíduo frente a conflitos cognitivos o pré-conceitual (2 a 4 anos).
constantes que movimentam o organismo no sentido
de resolvê-los. Neste período, após a experimentação ativa que
ocorreu no subestágio anterior, a criança internaliza
Em última instância, a concepção do as ações realizadas. A grande passagem do estágio
desenvolvimento humano, na linha piagetiana, deixa sensório-motor para o pré-operacional é quando
ver que é no contato com o mundo que a matéria a criança passa a representar mentalmente as

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experiências que foram adquiridas. Por meio do início Este estágio é muito longo, indo aproximadamente
do pensamento, da coordenação de representações da idade de dois anos até os doze. Está subdividido
ou imagens que adquiriu, ocorre um grande em dois subestágios:
desenvolvimento da sua relação com o mundo.
A noção de permanência foi adquirida, a criança a) subestágio pré-operacional (± 2 a 7
lembra-se das pessoas e dos objetos mesmo que não anos).
estejam presentes naquele momento, pede coisas
que quer que lembrem. b) subestágio das operações concretas (± 7
a 12 anos).
Por exemplo: aquele pirulito que viu na rua, na
brincadeira de esconde-esconde procura objetos por Veremos neste projeto somente o preconceitual
meio das pistas em que viu serem escondidos. Não (2 a 5 anos) que se encontra dentro do subestágio
desiste facilmente de seus projetos. pré-operacional.

A motricidade, tanto ampla como fina, se Subestágio pré-operacional


aperfeiçoa. Nesta etapa a criança inicia a corrida,
o subir em brinquedos como trepa trepa e pode Neste período a criança desenvolve o pensamento,
começar a subir e descer escadas. Sua manipulação e o planejamento mental ocorre antes de sua ação.
também se aperfeiçoa. A função representativa reveste-se de grande
importância. Um objeto representa o outro, e com
A linguagem ainda em seus rudimentos vai ser isto a imaginação da criança sofre um grande impulso.
futuramente um dos veículos de expressão do seu (por exemplo: uma simples caixa de supermercado
pensamento. Os objetos passam a ter nomes e sons. pode ora se tornar um carro, ora um potente cavalo
que viu na televisão.) inicia-se e atinge pleno
A imitação se desenvolve de maneira rápida desenvolvimento o chamado jogo simbólico ou faz-
e intensa, sendo uma grande auxiliar para a de-conta.
aprendizagem. A criança imita várias coisas que vê à
sua volta. Este é o início do que no próximo estágio Neste tipo de atividade, a criança dá significados
se caracterizará como o jogo simbólico, o brinquedo pessoais a objetos e a brincadeiras que realiza.
do faz-de-conta, gostar de música. Observa o que acontece à sua volta, em sua
casa, na rua, e reproduz posteriormente em suas
A sua independência aumenta, quer comer sozinha brincadeiras o que viu, apresentando, inclusive,
mesmo que faça sujeito. Ajuda no vestir, estendendo sentimentos e emoções frente ao fato. (por exemplo:
braços e pernas. a criança brinca com a boneca, vestindo-a, dando
de comer ou até dando-lhe umas palmadinhas.) É
É um período de transição em que se interessante observar como ela brinca, pois suas
percebem vários aspectos do estágio posterior. O emoções, sentimentos e compreensão da realidade
desenvolvimento ocorre como um fluxo; de repente, são expressos neste momento.
se observa que a criança reage de uma forma
diferente ao seu meio, caracterizando-se o início de Na brincadeira do faz de conta, a criança modifica
um novo período. a realidade em função dos seus desejos; pode trazer
à tona experiência do passado e explorar o que
• Estágio das Operações Concretas imagina que vai acontecer depois. O pensamento
no subestágio pré-operacional tem algumas

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características básicas, que serão enumeradas a graça e harmonia; salta, corre, usa os aparelhos do
seguir: parquinho (balanço, escorregador, gangorra), sobe e
desce escadas. É o início do uso de triciclos e outros
a) egocentrismo: É a tendência da criança de tipos de veículos similares. Os movimentos finos se
ligar tudo que lhe acontece com seus sentimentos tornam mais preciosos, com o uso das duas mãos,
e ações. Ela pensa que tudo tem a ver com suas coordenado ou dissociados: a criança enfia contas,
vontades e ocorre por causa de alguma coisa que rosqueia, empilha e encaixa.
tenha feito. É incapaz de ver o ponto de vista do
outro. (por exemplo: à noite, quando eu durmo, o Neste período, ocorre um planejamento da ação,
mar pára; se eu apagar a luz e ficar escuro, o mar há uma substituição da ação ao acaso por uma
também vai dormir.) ação coordenada, preestabelecida mentalmente.
As peças dos quebra-cabeças são encaixadas num
b) centração: a criança, para dar resposta a um determinado lugar e não ao acaso, como no estágio
problema, considera só um aspecto de cada vez. anterior.

c) irreversibilidade do pensamento: a criança Os hábitos da vida diária sofrem um grande


não consegue reverter às operações que realizou ao progresso neste período, tornando-se a criança cada
começo para comprovar o seu raciocínio. vez mais independente quanto aos hábitos higiênicos
(uso do banheiro, o tomar banho), o tirar e pôr a
d) raciocínio transdutivo: a criança liga dois roupa.
fatos que não mantêm relação entre si. “eu bati no
meu irmãozinho, papai do céu vai dar um castigo, Este período recebe o nome de pré-conceitual,
é o trovão.” o raciocínio transdutivo está ligado ao porque ainda não existem
egocentrismo, onde a criança sente que os fatos da
natureza estão ligados, ou são influenciados, por sua Conceitos verdadeiros, ou seja, a atribuição de
vontade. uma palavra a uma classe de objetos. Os conceitos
ainda não são generalizados; quando a criança
e) animismo: a criança atribui sentimentos pensa num cachorro, é somente aquele que conhece
humanos a objetos à sua volta. e não há uma generalização para toda a classe de
cachorros.
Ao observar a chuva, comenta: “está chovendo,
porque as nuvens estão derretendo”. Portanto, o As percepções da criança têm um significado
seu pensamento não tem um caráter lógico e são baseado na sua experiência.
baseados em vivências pessoais, desejos e temores,
adquirindo características muito peculiares. A criança começa a separar e agrupar objetos
segundo alguns atributos, como: cores, formas e
Há um grande desenvolvimento da fala, as tamanhos. Começa a nomear atributos, porém se
palavras se organizam em frases e a linguagem passa, confunde ainda. Sua linguagem verbal se amplia.
juntamente com a ação, a ser uma possibilidade de a Compreende ordens e as executa quando quer.
criança expressar suas idéias e emoções. Nomeia objetos de sua vida cotidiana, da casa,
escola, comunidade, quer saber o nome de tudo.
• Período pré-conceitual

Ocorre um grande progresso no desenvolvimento


motor da criança. Os movimentos adquirem maior

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Inicia-se a definição das coisas à sua volta pela O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)
sua função, isto é, para que servem as coisas. Às trata-se de uma lei que vem tratar dos direitos
vezes, os objetos recebem um nome pela sua função referentes à criança e ao adolescente, todas as
(“corta/corta’ e a faca). normas reunidas neste documento têm o intuito
de proteger integralmente crianças e adolescentes
Começa a se interessar por livros com figuras que e são devidamente fundamentadas e baseadas
identifica a partir da sua experiência: por isto, as nas diretrizes regidas pela Constituição Federal
figuras devem ser o mais próximo do real. datada do ano de 1988, mas também cabe ressaltar
que internalizou normas de âmbito internacional
O jogo simbólico inicia-se neste período a partir provenientes da ONU.
da imitação do dia a dia. Depois, a criança simboliza,
atribuindo características pessoais e interpretações
próprias à realidade, envolvendo sua percepção de
mundo. Bonecos, objetos que representam coisas de
casa, como panelinhas, mobília, vassoura, etc., já é
fonte de grande prazer para a criança e ela brinca
com eles de forma semelhante ao que vê a sua volta.

Nos dias de hoje, o período da infância não vem


sendo respeitado, a infância feliz esbarra na violência,
consumismo infantil, abandono, pedofilia e droga.
Por outro lado a infância e estendida e preservada,
impedindo de ter um contato com um mundo que Fonte: Shutterstock

entristece, frustra e não há igualdade social. A vida


da criança é organizada para atender as expectativas Dentre as muitas leis de importância política a
dos adultos, no entanto volta a ser vista como “adulto aprovação do ECA representou um avanço muito
em miniatura”. importante na defesa das crianças brasileiras,
especialmente em se tratando de uma sociedade
O período da infância o “ser criança” está tão repleta de diversidades, diferenças sociais,
organizado ao ritmo dos pais, que muitas vezes não analfabetismo, desemprego e uma série de fatores
tem tempo de se relacionarem com seus filhos, a que ameaçam a integridade física e emocional de
criança não tem tempo de ser criança, para atender milhares de crianças e adolescentes. O estatuto da
as necessidades e ausência da família, sua agenda criança compõe dois livros, um deles se refere aos
são preenchidas com excesso de atividades, futebol, direitos da criança e ao adolescente enquanto o outro
natação, balé, ginástica artística, inglês, robótica, etc. se dedica aos órgãos competentes e seus devidos
procedimentos de proteção.
Com essa realidade as crianças permanecem
inseridas no universo do adulto e com muitas Mas mesmo com o ECA não garantimos à criança
responsabilidades. nos dias de hoje a isenção da violência, discriminação
e a falta de recursos.
Nos dias de hoje mesmo com a criação do Estatuto
da Criança e do Adolescente, os direitos das crianças As Secretarias de Ensino tem organizado formação
vêm sendo discutidos e defendidos. continuada dos professores e gestores para melhorar
os trabalhos com as crianças na idade de Educação
Infantil.

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Com a Educação Inclusiva muitos alunos tem sido Na Idade Média e Moderna, existiam as “rodas”
inseridos nos programas e com atenção para dar ( cilindros ocos de madeira, giratórios ), construídos
condições de acesso e permanência no sistema de em muros de igrejas ou hospitais de caridade, onde
ensino. as crianças deixadas eram recolhidas. Dentro dessa
perspectiva, fica evidenciado nas palavras de Oliveira
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS que:

ARIES, Philippe. História Social da Criança e as idéias de abandono, pobreza, culpa e


da Família. Rio de Janeiro. LTC,1978. caridade impregnam assim, as formas precárias
de atendimento a menores nesse período e vão
PIAGET, Jean. A psicologia da Criança. Lisboa: permear determinadas concepções a cerca do que
Moraes Editores, 1979. é uma instituição que cuida da Educação Infantil,
acentuando o lado negativo do atendimento fora
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na da família (OLIVEIRA, 2002 : 59 ).
escola. São Paulo: Global Ed., 4ª ed., 1985.
Diante dessa situação, ficam claras as raízes da
O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO desvalorização do profissional de Educação Infantil,
que precisa mudar esse esteriótipo, de que para
INFANTIL NO MUNDO
se trabalhar com crianças não é necessário ter
Durante muito tempo, o cuidado e a educação qualificação profissional, pois grande parte dos
das crianças pequenas eram vistas como tarefas da profissionais que atuam nessa área é de leigos, o que
família, principalmente das mães e de outras mulheres. demonstra que, mesmo com tanto avanço no que diz
Depois do desmame, a criança era percebida como respeito ao conceito de criança, ainda persiste um
um pequeno adulto, quando já alcançava certo grau tipo de atendimento que só visa os cuidados físicos,
de independência, passava a ajudar os adultos nas deixando de lado os aspectos globais no atendimento
atividades cotidianas e a aprender o básico para das crianças.
sua inserção social. Não se considerava a identidade
Na Europa com a Revolução Industrial, a
pessoal da criança.
sociedade agrário-mercantil transforma-se em
Devido ao caráter familiar do atendimento à urbano-manufatureira, num cenário de conflitos,
criança pequena, as primeiras denominações das onde as crianças eram vítimas de pobreza, abandono
instituições infantis fazem uma referência a esse e maus-tratos, com grande índice de mortalidade.
aspecto, como o termo francês “creche” que significa Aos poucos o atendimento às crianças torna-se
manjedoura, presépio. E o termo italiano “asilo nido” mais formal, como resposta a essa situação, foram
que significa um ninho que abriga. surgindo instituições para o atendimento de crianças
desfavorecidas ou crianças cujos pais trabalhavam
Nas sociedades primitivas, as crianças que se nas fábricas (OLIVEIRA, 2002 ).
encontravam em situações desfavoráveis, como o
abandono, eram cuidadas por uma rede de parentesco, Nos séculos XVIII E XIX são originados dois tipos
ou seja, dentro da própria família. Na Idade Antiga, de atendimento às crianças pequenas, um de boa
os cuidados eram oferecidos por mães mercenárias, qualidade destinado às crianças da elite, que tinha
que não tinham nenhum tipo de preocupação com como característica a educação, e outro que servia de
as crianças, sendo que muitas morriam sob os seus custódia e de disciplina para as crianças das classes
cuidados. desfavorecidas.

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Dentro desse cenário aumenta-se a discussão O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO


de como se deve educar as crianças. Pensadores
como Comênio, Rousseau, Pestalozzi, Decroly,
INFANTIL NO BRASIL
Froebel e Montessori configuram as novas bases A história da Educação Infantil no Brasil, de certa
para a educação das crianças. Embora eles tivessem forma, acompanha os parâmetros mundiais, com
focos diferentes, todos reconheciam que as crianças suas características próprias, acentuada por forte
possuíam características diferentes dos adultos, com assistencialismo e improviso. As crianças da área
necessidades próprias (OLIVEIRA, 2002). urbana eram colocadas nas “rodas expostas” para
serem recolhidas pelas instituições religiosas, muitas
No século XX, após a primeira Guerra Mundial,
dessas crianças eram de mães que pertenciam às
cresce a idéia de respeito à criança, que culmina no
famílias tradicionais.
Movimento das Escolas Novas, fortalecendo preceitos
importantes, como a necessidade de proporcionar No início do século XIX, para tentar resolver o
uma escola que respeitasse a criança como um ser problema da infância, surgem iniciativas isoladas,
específico, portanto, esta deveria direcionar o seu como a criação de creches, asilos e internatos, que
trabalho de forma a corresponder as características eram vistos como instituições destinadas a cuidar de
do pensamento infantil. crianças pobres.

Na psicologia, na década de 20 e 30, Vygotsky Estas instituições apenas encobriam o problema e


defende a idéia de que a criança é introduzida no não tinham a capacidade de buscar transformações
mundo da cultura por parceiros mais experientes. mais profundas na realidade social dessas crianças.
Wallon destaca a afetividade como fator determinante No final do século XIX, com o ideário liberal, inicia-se
para o processo de aprendizagem. Surgem as um projeto de construção de uma nação moderna.
pesquisas de Piaget, que revolucionam a visão de A elite do país assimila os preceitos educacionais
como as crianças aprendem, a teoria dos estágios de do Movimento das Escolas Novas, elaboradas nos
desenvolvimento. centros de transformações sociais ocorridas na
Europa e trazidas ao Brasil pela influência americana
As teorias pedagógicas se apropriam
e européia. Surge no Brasil a idéia de “jardim-de-
gradativamente das concepções psicológicas,
infância” que foi recebida com muito entusiasmo
especialmente na Educação Infantil, impulsionando
por alguns setores sociais, mas gerou muito
o seu crescimento.
discussão, pois a elite não queria que o poder
público não se responsabilizasse pelo atendimento
No contexto de pós-segunda Guerra mundial,
às crianças carentes. Com toda polêmica, em 1875
surge a preocupação com a situação social da infância
no Rio de Janeiro e em 1877 em São Paulo, eram
e a idéia da criança como portadora de direitos.
criados os primeiros jardins-de-infância, de caráter
privado, direcionados para crianças da classe alta,
A ONU promulga em 1959, a Declaração dos
e desenvolviam uma programação pedagógica
Direitos da Criança, em decorrência da Declaração
inspirada em Froebel (OLIVEIRA, 2002).
dos Direitos Humanos, esse é um fator importante
para a concepção de infância que permeia a
Na metade do século XX, com a crescente
contemporaneidade, a criança como sujeito de
industrialização e urbanização do país, a mulher
direitos.
começa a ter uma maior inserção no mercado
de trabalho, o que provoca um aumento pelas
instituições que tomam conta de crianças pequenas.

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Começa a se delinear um atendimento com forte Essa perspectiva sócio-interacionista tem como
caráter assistencialista. principal teórico Vigotsky, que enfatiza a criança
como sujeito social, que faz parte de uma cultura
Nos anos 70, o Brasil absorve as teorias concreta (OLIVEIRA, 2002).
desenvolvidas nos Estados Unidos e na Europa, que
sustentavam que as crianças das camadas sociais Há um fortalecimento da nova concepção de
mais pobres sofriam de “privação cultural”e eram infância, garantindo em lei os direitos da criança
colocadas para explicar o fracasso escolar delas, esta enquanto cidadã. Cria-se o ECA (Estatuto da Criança
concepção vai direcionar por muito tempo a Educação e do Adolescente); a nova LDB, Lei nº9394/96,
Infantil, enraizando uma visão assistencialista e incorpora a Educação Infantil como primeiro nível da
compensatória, como afirma Oliveira: Educação Básica, e formaliza a municipalização dessa
etapa de ensino.
“conceitos como carência e marginalização
cultural e educação compensatória foram então Em 1998, é criado RCNEI (Referencial Curricular
adotados, sem que houvesse uma reflexão crítica Nacional para Educação Infantil), um documento que
mais profunda sobre as raízes estruturais dos procura nortear o trabalho realizado com crianças de
problemas sociais. Isso passou a influir também 0 à 6 anos de idade. Ele representa um avanço na
nas decisões de políticas de Educação Infantil busca de se estruturar melhor o papel da Educação
(OLIVEIRA, 2002:109). Infantil, trazendo uma proposta que integra o cuidar
e o educar, o que é hoje um dos maiores desafios da
Dessa forma, pode-se observar a origem do
Educação Infantil. É preciso afirmar que as propostas
atendimento fragmentado que ainda faz parte da
trazidas pelo RCN só podem se concretizar na medida
Educação Infantil destinada às crianças carentes, uma
em que todos os envolvidos no processo busquem a
educação voltada para suprir supostas“carências”, é
efetiva implantação das novas propostas, se não ele
uma educação que leva em consideração a criança
vai se tornar apenas um conjunto de normas que não
pobre como um ser capaz, como alguém que não
saem do papel.
responderá aos estímulos dados pela escola.

Nos anos 80, com o processo de abertura política,


CONSIDERAÇÕES FINAIS
houve pressão por parte das camadas populares para
Através desse estudo histórico, pode-se constatar
a ampliação do acesso à escola. A educação da criança
que o conceito de infância repercute fortemente
pequena passa a ser reivindicada como um dever do
no papel da Educação Infantil, pois direciona todo
Estado, que até então não havia se comprometido
o atendimento prestado à criança pequena. Dessa
legalmente com essa função. Em 1888, devido à
maneira, a Educação Infantil está intrinsecamente
grande pressão dos movimentos feministas e dos
ligada ao conceito de infância, tendo a sua evolução
movimentos sociais, a Constituição reconhece a
marcada pelas transformações sociais que originaram
educação em creches e pré-escolas como um direito
um novo olhar sobre a criança.
da criança e um dever do Estado.
A educação voltada para criança pequena só
Nos anos 90, ocorreu uma ampliação sobre a
ganhou notoriedade quando esta passou a ser
concepção de criança. Agora procura-se entender
valorizada pela sociedade, se não houvesse uma
a criança como um ser sócio-histórico, onde a
mudança de postura em relação à visão que se tinha
aprendizagem se dá pelas interações entre a criança
de criança, a Educação Infantil não teria mudado a
e seu entorno social.
sua forma de conduzir o trabalho docente, e não teria

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

surgido um novo perfil de educador para essa etapa de Conhecendo cada vez mais a personalidade de
ensino. Não seria cobrado dele especificidade no seu seus alunos, Freinet foi percebendo que existiam
campo de atuação, e a criança permaneceria com um outras formas de melhorar o relacionamento entre as
atendimento voltado apenas para questões físicas, crianças e ele próprio.
tendo suas outras dimensões, como a cognitiva, a
emocional e a social despercebidas. Começou a questionar a eficiência das rígidas
normas educacionais: filas, horários e programas
Não se pode perder de vista, que o conceito de exigidos oficialmente. Para ele ficou claro que o
infância construído pela humanidade ocasionou uma interesse das crianças estava fora da sala de aula e
padronização da criança, como se esta fosse um percebeu que nos momentos da leitura dos livros de
ser universal, sem características próprias de cada classe o desinteresse era total.
sociedade e de cada contexto histórico.
Questiona, então, que se o interesse das crianças
Por isso, a Educação infantil terminou sendo um está lá fora, porque ficar dentro da classe?
bem da criança burguesa, e uma proposta distante
das crianças pobres. Apesar da Educação Infantil Então surge a ideia da aula-passeio, onde Freinet
no Brasil ter sido institucionalizada como direito das decide dar aulas onde seus alunos se sentiam felizes,
crianças, poucas têm acesso a um atendimento de fora da sala de aula. Saíam então para observar o
qualidade, com professores que desconhecem os trabalho de um marceneiro, passear pelos campos
pressupostos pedagógicos que devem direcionar o que despertavam o interesse das crianças em
trabalho com crianças pequenas, descaracterizando como as flores abriam na primavera, etc.. Na volta
a especificidade da Educação Infantil. dos passeios a atmosfera era outra. Não havia a
tradicional separação entre professor e alunos: todos
TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL se comunicavam num tom familiar, discorrendo sobre
os elementos de cultura adquiridos.
FREINET:
“A atividade espontânea, pessoal e
produtiva, eis o ideal da escola ativa... Partir
da atividade espontânea das crianças; partir
de suas atividades manuais e construtivas;
partir de suas atividades mentais, de suas
afeições, de seus interesses, de seus gostos
predominantes; partir de suas manifestações
morais e sócias tais como se apresentam na
vida livre e natural de todos os dias, segundo
as circunstâncias, os acontecimentos previstos
Fonte da imagem: http://www. ou imprevistos que sobrevêm eis o ponto inicial
pedagogiaemfoco.pro.br/freinet.jpg da educação”.

É um teórico que se diferencia dos outros pelo Naquele passeio eles entravam em contato com a
fato de desenvolver uma pedagogia diferente, ou geografia, a história, com as ciências, o que significava
seja, que partia da vontade e interesse dos próprios um despertar para a compreensão do mundo. Como
alunos a fim de propiciar relações mais autônomas, dizia Freinet, era a escola que tinha se aberto para
críticas, democráticas e livres. a vida.

12
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Dentre outras técnicas abordadas por Freinet, VYGOTSKY:


destacam-se a imprensa escolar, onde o que as
crianças escreviam quando voltavam dos passeios,
passaram a ser impressos e lidos por outras pessoas,
não apenas pelo próprio Freinet, mas também
amigos, etc. O material produzido, depois de ser lido
e relido para todos em classe, era também levado
para os pais e amigos.

Mas Freinet quis ampliar ainda mais o circulo


de leitores e dão surgiu a idéia de correspondência
interescolar, onde os alunos de Freinet começaram a Fonte da Imagem: http://3.bp.blogspot.com/-noMMpRfB1t4/
mandar para outras escolas o que produziam o que UWrYIb0pJBI/AAAAAAAACWk/fCeQREtsYbA/s1600/portrait.jpg

viam nos passeios, seu interesses. Assim, as crianças


sabiam que seus textos e desenhos iam ser lidos e O desenvolvimento humano, o aprendizado e as
respondidos, o que era uma motivação muito grande. relações entre eles são temas centrais nos trabalho
de Vygotsky. Ele busca compreender a origem e o
O que divulgou ainda mais o trabalho do Freinet desenvolvimento dos processos psicológicos ao longo
foram os artigos que passou a escrever para revistas da história da espécie humana e da história individual.
de educação, relatando os resultados que iam sendo
obtidos através de suas realizações. Dessa forma, Para ela, desde o nascimento da criança, o
muitos professores passaram a conhecer melhor as aprendizado está relacionado ao desenvolvimento e
técnicas de Freinet e assim foi sendo ampliado o “é um aspecto necessário e universal do processo
circulo de correspondentes que passaram a aplicá- de desenvolvimento das funções psicológicas
las. culturalmente organizadas e especificamente
humanas”. É o aprendizado que possibilita o desperta
O que divulgou ainda mais o trabalho do Freinet de processos internos de desenvolvimento, que, se
foram os artigos que passou a escrever para revistas não fosse o contato do indivíduo com certo ambiente
de educação, relatando os resultados que iam sendo cultural, não ocorreriam. Normalmente, quando nos
obtidos através de suas realizações. Dessa forma, referimos ao desenvolvimento de uma criança, o
muitos professores passaram a conhecer melhor as que buscamos compreender é “até onde a criança
técnicas de Freinet e assim foi sendo ampliado o já chegou”, em termos de um percurso que será
circulo de correspondentes que passaram a aplicá- percorrido por ela.
las.
Normalmente, quando nos referimos ao
Era esse o espírito de Freinet, permitir, com desenvolvimento de uma criança, o que buscamos
o passar dos anos, que novas técnicas e novos compreender é “até onde a criança já chegou”, em
instrumentos viessem enriquecer e facilitar o trabalho termos de um percurso que será percorrido por ela.
de professores e alunos.
Vygotsky chama a atenção para o fato de que
compreender adequadamente o desenvolvimento
devemos considerar não apenas o nível de
desenvolvimento real da criança, mas também seu
desenvolvimento potencial, isto é, sua capacidade de
realizar tarefas com a ajuda de professores ou de

13
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

companheiros mais capacitados. Essa possibilidade ambiente cultural é parte essencial de sua própria
de alteração no desenvolvimento de uma pessoa constituição enquanto pessoa. È impossível pensar
pela interferência de outra é fundamental na teoria o ser humano privado de contato com um grupo
de Vygotsky; isto porque representa um momento de cultural que lhe fornecerá os instrumentos e signos
desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que pode, que possibilitarão o desenvolvimento das atividades
a partir da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa, psicológicas mediadas. O desenvolvimento da
isto é, a capacidade de se beneficiar da colaboração espécie humana e do indivíduo está baseado no
de uma outra pessoa vai ocorrer num certo nível de aprendizado que para Vygotsky sempre envolve a
desenvolvimento, não antes. interferência, direta ou indireta, deoutros indivíduos
e a reconstrução pessoal da experiência e dos
A idéia de nível de desenvolvimento capta, assim, significados.
um momento do desenvolvimento que caracteriza
não as etapas já alcançadas, já consolidadas, mas PIAGET:
etapas posteriores, nas quais a interferência de
outras pessoas afeta significativamente o resultado
da ação individual.

É a partir da existência desses dois níveis de


desenvolvimento (real e potencial) que Vygotsky
define a zona de desenvolvimento proximal como “a
distância entre o nível de desenvolvimento real, que se
costuma determinar através da solução independente
de problemas e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob Fonte da Imagem: http://www.nndb.com/people/359/000094077/
a orientação de um adulto ou em colaboração com piaget-3.jpg

companheiros mais capacitados”.


Piaget tem mais de 50 livros e monografias, além
A zona de desenvolvimento proximal refere-se ao de centenas de artigos publicados num período de
caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver 70 anos. Preocupou-se com vários do conhecimento
funções que estão em processo de amadurecimento e dando ênfase principal ao estudo da natureza do
que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas desenvolvimento de todo conhecimento – em todas
no seu nível de desenvolvimento real. as disciplinas e em toda história intelectual da
humanidade – como também, e principalmente, no
A zona de desenvolvimento proximal é um domínio desenvolvimento intelectual da criança. A preocupação
psicológico em constante transformação. central de Piaget foi “o sujeito epistêmico”, isto é,
o estudo dos processos de pensamento presentes
O professor tem o papel explícito de interferir na zona desde a infância inicial até a idade adulta.
de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando
avanços que não ocorreriam espontaneamente. O Piaget apresentou uma visão interacionista.
único bom ensino, afirma Vygotsky, é aquele que se Mostrou a criança e o homem num processo ativo
adianta ao desenvolvimento. de contínua interação, procurando entender quais os
mecanismos mentais que o sujeito usa nas diferentes
Na concepção que Vygotsky tem do ser humano, etapas da vida para poder entender o mundo; para
portanto, a inserção do indivíduo num determinado Piaget, a adaptação à realidade externa depende

14
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

basicamente do conhecimento e procurou estudar sujeito irá modificar suas estruturas antigas para
cientificamente quais os processos que o indivíduo poder dominar uma nova situação.
usa para reconhecer a realidade. Considera que só
o conhecimento possibilita ao homem um estado de A este processo de modificação de estruturas
equilíbrio interno que o capacita a adaptar-se ao meio antigas com vistas à solução de um novo problema de
ambiente. Assim, sua obra é de epistemologia genética ajustamento a uma nova situação, Piaget denomina
e mostra como o conhecimento se desenvolve, desde acomodação e, no momento em que a criança
as rudimentares estruturas mentais do recém-nascido conseguir dominar adequadamente o segundo
até o pensamento lógico-formal do adolescente. veículo, diremos que se acomodou a ele e, portanto
adaptou-se a esta nova exigência da realidade.
Piaget passou a observar, portanto, o
desenvolvimento de seus próprios filhos, registrando Esquema é uma unidade estrutural básica de
suas reações desde os primeiros dias de vida. pensamento ou ação que corresponde à estrutura
biológica que muda e se adapta. O termo esquema
Através do método clínico, que eram entrevistas pode referir-se tanto a uma seqüência específica de
que fazia com as crianças, Piaget aprofundava o ações motoras realizadas por um bebê até estratégias
conhecimento dos processos mentais das crianças. mentais que utilizamos para a solução de problemas.

Piaget chegou à formulação de inúmeros conceitos O desenvolvimento é um processo que busca


continuamente reavaliados em função de novos atingir formas de equilíbrio cada vez melhores, ou
dados; os conceitos são: hereditariedade, adaptação, dito de outra maneira, é um processo de equilibração
esquema e equilíbrio. sucessiva que tende a uma forma final, qual seja a
aquisição do pensamento operacional formal.
Em relação à hereditariedade, Piaget diz que não
herdamos a inteligência; herdamos um organismo O equilíbrio é, portanto, dividido por Piaget em
que vai amadurecer em contato com o meio vários períodos.
ambiente. Desta interação organismo-ambiente
resultarão determinadas estruturas cognitivas que PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR (0-24 meses):
vão funcionar de modo semelhante durante toda
a vida do sujeito. Este modo de funcionamento, Representa a conquista através da percepção e dos
que constitui para Piaget nossa herança biológica, movimentos, de todo o Universo prático que cerca a
permanece essencialmente constante durante toda criança. Isto é, a formação dos esquemas sensoriais-
a vida. motores irá permitir ao bebê a organização inicial
dos estímulos ambientais, permitindo que, ao final
Em relação a adaptação, Piaget diz que o do período, ele tenha condições de lidar, embora de
conhecimento possibilita novas formas de interação modo rudimentar, com a maioria das situações que
com o ambiente, proporcionando uma adaptação lhe são apresentadas.
cada vez mais completa e eficiente, neste sentido
gratificante para o organismo, que se sente mais Neste período, a criança está trabalhando
apto a lidar com as situações. No processo global ativamente no sentido de formar uma noção do eu.
de adaptação, estariam implicados dois processos
complementares: a assimilação e a acomodação. PERÍODO PRÉ-OPERACIONAL (2-7 anos):
Assimilação significa tentar solucionar uma situação
Ao se aproximar dos 24 meses a criança estará
nova com base nas estruturas antigas; isto é, o
desenvolvendo ativamente a linguagem, o que lhe

15
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

dará possibilidades de, além de utilizar a inteligência


prática decorrente dos esquemas sensoriais-motores
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
formados na fase anterior, iniciar a capacidade de
NO MUNDO E NO BRASIL
representar uma coisa por outra, ou seja, formar Quando falamos do conceito o que é criança,
esquemas simbólicos. temos como entendimento que é um ser diferente
do adulto, diferenciando apenas na idade e na
Teremos, então, uma criança que a nível
maturidade, além de ter certos comportamentos
comportamental atuará de modo lógico e coerente, em
típicos próprios.
função dos esquemas sensoriais-motores adquiridos
na fase anterior, e que ao nível de entendimento Entretanto tirando a idade, o limite entre criança
da realidade estará desequilibrada, em função da e adulto é complexo, pois este limite está associado
ausência de esquemas conceituais. à cultura, ao momento histórico e aos papéis
determinados pela sociedade.
PERÍODO DAS OPERAÇÕES CONCRETAS (7-
11,12 anos): Estes papéis dependem da classe social-econômica
em que está inserida a criança e sua família. Não
Observa-se um crescente incremento do
tem como tratar a criança analisando somente sua
pensamento lógico. A realidade passará a ser
‘natureza infantil’, desvinculando-a das relações
estruturada pela razão e não mais pela assimilação
sociais que pertence e as quais são oportunizados
egocêntrica.
no dia a dia.

Assim, a tendência lúdica do pensamento será


A valorização e o sentimento atribuídos à infância
substituída por uma atitude crítica. A criança
nem sempre existiram da forma como hoje são
percebe-se como um indivíduo entre outros, como
concebidas e difundidas, tendo sido modificadas
elemento de um universo que pouco a pouco passa a
a partir de mudanças econômicas e políticas da
se estruturar pela razão.
estrutura social. É possível ver esses registrados e
suas transformações em pinturas, músicas, diários
PERÍODO DAS OPERAÇÕES FORMAIS (12
de família, testamentos, igrejas e túmulos, o que
anos em diante):
demonstram que família e escola também passaram
O sujeito será capaz de formar esquemas por evolução no passar do tempo.
conceituais abstratos como amor, justiça, democracia,
Os estudos sobre a Educação Infantil vão relatando
etc; e realizar com ele operações mentais que seguem
a importância que a criança passou a ter com o
os princípios da lógica formal.
crescimento social e cultural da população no geral.
Com isso adquire capacidade para criticar os Abaixo descrevemos um pequeno histórico sobre a
sistemas sociais e propor novos códigos de conduta. evolução desta história.
Constrói seus valores morais, torna-se consciente do
seu próprio pensamento.
EDUCAÇÃO INFANTIL NA EUROPA
Neste item descrevemos o relato feito pela equipe
Do ponto de vista piagetiano, portanto, ao adquirir
da Universidade Federal Fluminense em 2008.
estas capacidades o indivíduo atingiu sua forma final
de equilíbrio.
Foram encontrados relatos sobre a Idade Média,
registros de uma sociedade feudal, na qual os

16
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

senhores de terra possuíam um poder quase que criança. Essas duas atitudes começam a modificar a
monárquico nos seus domínios, construindo suas leis, base familiar existente na Idade Média, dando espaço
sua cultura, suas moedas, seus valores etc. A Igreja e para o surgimento da família burguesa.
o Estado serviam para legitimação política e limitação
dos poderes dos senhores feudais. Nesta época, a Na Idade Moderna, a Revolução Industrial,
criança era considerada um pequeno adulto, que o Iluminismo e a constituição de Estados laicos
executava as mesmas atividades dos mais velhos. As trouxeram modificações sociais e intelectuais,
mesmas possuíam pequena expectativa de vida por modificando a visão que se tinha da criança. A criança
causa das precárias formas de vida. O importante era nobre é tratada diferentemente da criança pobre.
a criança crescer rápido para entrar na vida adulta. Tinha-se amor, piedade e dor por essa criança.

Havia um direcionamento para as crianças de sete Lamentava-se a morte de dela, guardando retratos
anos, ou seja, a criança (tanto rica quanto pobre) era para torná-la imortal. A criança da plebe não tinha
colocada em outra família para aprender os trabalhos esse tratamento.
domésticos e valores humanos, através de aquisição
de conhecimento e experiências práticas. Surgem as primeiras propostas de educação
e moralização infantil. Se na sociedade feudal, a
A experiência de ir para outra casa fazia com criança começava a trabalhar como adulto logo que
que a criança saísse do controle da família genitora, passa a faixa da mortalidade, na sociedade burguesa
não possibilitando a criação do vinculo e assim o ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada,
desenvolvimento do sentimento entre pais e filhos. escolarizada e preparada para uma atuação futura.
Naquela época os colégios existentes, eram dirigidos Essa missão é incumbida aos colégios, muitos leigos,
pela Igreja, eram reservados para um pequeno grupo abrindo portas para os leigos, nobres, burgueses e
de clérigos (principalmente do sexo masculino), de classes populares (não misturando as classes – surge
todas as idades. a discriminação entre o ensino de rico e de pobre).O
ensino é, primeiramente, para os meninos (meninas,
As roupas dos adultos e das crianças não eram só a partir do século XVIII).
diferenciadas pelas características da idade como
acontece nos dias de hoje e sim pelas classes sociais. A educação se torna mais pedagógica, menos
empírica. Nessa época surge o castigo corporal como
A partir do século XIII, há um crescimento das forma de educação (disciplinar), por considerar a
cidades devido ao comércio. A Igreja Católica perde criança frágil e incompleta. É utilizado tanto pelas
o poder com o surgimento da burguesia, sendo este famílias quanto pelas escolas. Isso legitimava o
o responsável pela assistência social. Concentra-se a poder do adulto sob criança. Com a educação e
pobreza. com os castigos, crianças e adolescentes foram se
unindo cada vez mais devido ao mesmo tratamento,
E a partir do século XVI, descobertas científicas passando a se distanciar da vida adulta.
provocaram o prolongamento da vida, ao menos da
classe dominante. Neste mesmo momento surgem Também surgem as primeiras creches para
duas atitudes contraditórias no que se refere à abrigarem filhos das mães que trabalhavam na
concepção de criança: uma a considera ingênua, indústria.
inocente e é traduzida pela paparicação dos adultos;
enquanto a outra a considera imperfeita e incompleta
e é traduzida pela necessidade do adulto moralizar a

17
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Também surgem as primeiras creches para E para resolver esse problema, criaram-se os
abrigarem filhos das mães que trabalhavam na programas de cunho compensatório para suprir as
indústria. deficiências de saúde, nutrição, educação e as do
meio sócio cultural.
A partir da segunda metade do século XVII, a
política escolar retardou a entrada das crianças nas Essa educação compensatória começou no século
escolas para os dez anos. A justificativa para isso XIX com Pestalozzi, Froebel, Montessori e McMillan.
era que a criança era considerada fraca, imbecil e
incapaz. A pré-escola era encarada por esses pensadores
como uma forma de superar a miséria, a pobreza, a
No capitalismo, com as mudanças científicas e negligência das famílias.
tecnológicas, a criança precisava ser cuidada para
uma atuação futura. A sociedade capitalista, através Mas sua aplicação ocorreu efetivamente no século
da ideologia burguesa, caracteriza e concebe a XX, depois muitos movimentos que indicavam o
criança como um ser a - histórico, acrítico, fraco e precário trabalho desenvolvido nesse nível de ensino,
incompetente, economicamente não produtivo, que prejudicando a escola elementar.
o adulto deve cuidar. Isso justifica a subordinação da
criança perante o adulto. A educação pré-escolar começou a ser
reconhecida como necessária tanto na Europa
Na educação, cria-se o primário para as classes quanto nos Estados Unidos durante a depressão
de 30. Seu principal objetivo era o de garantir
populares, de pequena duração, com ensino
emprego a professores, enfermeiros e outros
prático para formação de mão-de-obra; e o ensino
profissionais e, simultaneamente, fornecer
secundário para a burguesia e para a aristocracia, de
nutrição, proteção e um ambiente saudável e
longa duração, com o objetivo de formar eruditos,
emocionalmente estável para crianças carentes
pensantes e mandantes. No final do século XIX, de dois a cinco anos de idade. (idem – p26)
difunde o ensino superior na classe burguesa.
E somente depois da Segunda Guerra Mundial é
As aspirações educacionais aumentam à
que o atendimento pré-escolar tomou novo impulso,
proporção em que ele acredita que a escolaridade
pois a demanda das mães que começaram a trabalhar
poderá representar maiores ganhos, o que
nas indústrias bélicas ou naquelas que substituíam
provoca frequentemente a inserção da criança
o trabalho masculino aumentou. Houve uma
no trabalho simultâneo à vida escolar. (...) A
educação tem um valor de investimento a médio preocupação assistencialista-social, onde se tinha
ou longo prazo e o desenvolvimento da criança a preocupação com as necessidades emocionais e
contribuíra futuramente para aumentar o capital sociais da criança. Crescia o interesse de estudiosos
familiar. (Sônia Kramer, 1992 - p23). pelo desenvolvimento da criança, a evolução da
linguagem e a interferência dos primeiros anos em
atuações futuras. A preocupação com o método de
E por causa da fragmentação social, a escola ensino reaparecia.
popular se tornou deficiente em muitos aspectos.
O padrão de criança era a criança burguesa, mas
nem todas eram burguesas, nem todas possuíam
uma bagagem familiar que aproveitada pelo sistema
educacional.

18
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

No Brasil, o surgimento das creches foi um pouco


EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL diferente do restante do mundo. Enquanto no mundo
No Brasil Escravista, a criança escrava entre 6 e a creche servia para as mulheres terem condição
12 anos já começa a fazer pequenas atividades como de trabalhar nas indústrias, no Brasil, as creches
auxiliares. A partir dos 12 anos eram vistos como populares serviam para atender não somente os
adultos tanto para o trabalho quanto para a vida filhos das mães que trabalhavam na indústria, mas
sexual. A criança branca, aos 6 anos, era iniciada nos também os filhos das empregadas domésticas. As
primeiros estudos de língua, gramática, matemática e creches populares atendiam somente o que se referia
boas maneiras. Vestia os mesmos trajes dos adultos. à alimentação, higiene e segurança física. Eram
chamadas de Casa dos Expostos ou Roda.
As primeiras iniciativas voltadas à criança tiveram
um caráter higienista, cujo trabalho era realizado por A partir dessa concepção, surgiram vários órgãos
médicos e damas beneficentes, e se dirigiram contra de ampara assistencial e jurídico para a infância,
o alto índice de mortalidade infantil, que era atribuída como o Departamento Nacional da Criança em 1940;
aos nascimentos ilegítimos da união entre escravas Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição em
e senhores e a falta de educação física, moral e 1972; SAM – 1941 e FUNABEM; Legião Brasileira
intelectual das mães. de Assistência em 1942 e Projeto Casulo; UNICEF
em 1946; Comitê Brasil da Organização Mundial de
Com a Abolição e a Proclamação da República, Educação Pré-Escolar em 1953; CNAE em 1955;
a sociedade abre portas para uma nova sociedade, OMEP em 1969 e COEPRE em 1975.
impregnada com idéias capitalista e urbano-industrial.
O estado de bem-estar social não atingiu
Neste período, o país era dominado pela intenção todos da população da mesma forma, trazendo
de determinados grupos de diminuir a apatia que desenvolvimento e qualidade só para alguns. A teoria
dominava as esferas governamentais quanto ao foi muito trabalhada, mas pouco colocada em prática.
problema da criança. Eles tinham por objetivo Neste sentido, as políticas sociais reproduzem o
sistema de desigualdades existentes na sociedade.
... elaborar leis que regulassem a vida e a
saúde dos recém-nascidos; regulamentar o O estado de bem-estar social não atingiu
serviço das amas de leite; velar pelos menores todos da população da mesma forma, trazendo
trabalhadores e criminosos; atender às crianças desenvolvimento e qualidade só para alguns.
pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e
moralmente abandonadas; criar maternidades, A teoria foi muito trabalhada, mas pouco colocada
creches e jardins de infância. (idem – p52). em prática. Neste sentido, as políticas sociais
reproduzem o sistema de desigualdades existentes
No Brasil, o surgimento das creches foi um pouco na sociedade.
diferente do restante do mundo. Enquanto no mundo
a creche servia para as mulheres terem condição Resumindo esse período, encontraremos
de trabalhar nas indústrias, no Brasil, as creches um governo fortemente centralizado política
populares serviam para atender não somente os e financeiramente, acentuada fragmentação
filhos das mães que trabalhavam na indústria, mas institucional, exclusão da participação social e política
também os filhos das empregadas domésticas. As nas decisões, privatizações e pelo uso do clientelismo.
creches populares atendiam somente o que se referia
à alimentação, higiene e segurança física. Eram
chamadas de Casa dos Expostos ou Roda.

19
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Da década de 60 e meados de 70, tem-se um e segurança física, sendo muito vezes prestado
período de inovação de políticas sociais nas áreas de de forma precária e de baixa qualidade enquanto
educação, saúde, assistência social, previdência etc. as creches particulares desenvolviam atividades
Na educação, o nível básico é obrigatório e gratuito, o educativas, voltadas para aspectos cognitivos,
que consta a Constituição. Há a extensão obrigatória emocionais e sociais.
para oito anos esse nível, em 1971. Neste mesmo
ano, alei 5692/71 traz o princípio de municipalização Consta-se um maior número de creches
do ensino fundamental. Contudo, na prática, muitos particulares, devido à privatização e à transferência
municípios carentes começaram esse processo sem de recursos públicos para setores privados.
ajuda do Estado e da União.
Nos anos 80, os problemas referentes à educação
Em 1970 existe uma crescente evasão escolar e pré-escolar são: ausência de uma política global e
repetência das crianças das classes pobres no primeiro integrada; a falta de coordenação entre programas
grau. Por causa disso, foi instituída a educação educacionais e de saúde; predominância do enfoque
pré-escolar (chamada educação compensatória) preparatório para o primeiro grau; insuficiência
para crianças de quatro a seis anos para suprir as de docente qualificado, escassez de programas
carências culturais existentes na educação familiar inovadores e falta da participação familiar e da
da classe baixa. sociedade.

As carências culturais existem porque as famílias Através de congressos, da ANPED e da Constituição


pobres não conseguem oferecer condições para um de 88, a educação pré-escolar é vista como necessária
bom desenvolvimento escolar, o que faz com que seus e de direito de todos, além de ser dever do Estado
filhos repitam o ano. Faltam-lhes requisitos básicos e deverá ser integrada ao sistema de ensino (tanto
que não foram transmitidos por seu meio social e que creches como escolas).
seriam necessário para garantir seu sucesso escolar.
A partir daí, tanto a creche quanto a pré-escola
E a pré-escola irá suprir essas carências. Contudo, são incluídas na política educacional, seguindo uma
essas pré-escolas não possuíam um caráter formal; concepção pedagógica, complementando a ação
não havia contratação de professores qualificados e familiar, e não mais assistencialista, passando a
remuneração digna para a construção de um trabalho ser um dever do Estado e direito da criança. Esta
pedagógico sério. perspectiva pedagógica vê a criança como um ser
social, histórico, pertencente a uma determinada
A mão-de-obra, que constituía as pré-escolas, classe social e cultural.
era muitas das vezes formada por voluntários, que
rapidamente desistiam desse trabalho. Ela desmascara a educação compensatória, que
delega a escola à responsabilidade de resolver os
Percebemos que a educação não era tratada por problemas da miséria.
um órgão somente, era fragmentada. A educação
se queixava da falta de alimentação e das condições Porém, essa descentralização e municipalização
difíceis das crianças. do ensino trazem outras dificuldades, como a
dependência financeira dos municípios com o Estado
Nesse quadro, a maioria das creches públicas para desenvolver a educação infantil e primária. O
prestava um atendimento de caráter assistencialista, Estado nem sempre repassa o dinheiro necessário,
que consiste na oferta de alimentação, higiene

20
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

deixando o ensino de baixa qualidade, favorecendo ...Uma, defende a acolhida de crianças nas
as privatizações. instituições desde muito cedo, ainda antes de ela
completar um ano de idade, como conseqüência
Com a Constituição de 88 tem-se a construção de das exigências de realização pessoal das mães e
um regime de cooperação entre estados e municípios, dos ganhos da educação coletiva. Essa atitude se
nos serviços de saúde e educação de primeiro grau. intensifica cada vez mais nos últimos tempos a
Há a reafirmação da gratuidade do ensino público em partir das conquistas obtidas pelos movimentos
todos os níveis, além de reafirmar serem a creche feministas.

e a pré-escola um direito da criança de zero a seis


Outra tendência é a de prolongar a licença
anos, a ser garantido como parte do sistema de
maternidade, mantendo em casa a mulher com vistas
ensino básico.
a proporcionar à criança um desenvolvimento, que,
Neste período, o país passa por um período na perspectiva psicanalítica tradicional, aumentaria
muito difícil, pois aumentaram as demandas sociais as possibilidades de formar um adulto equilibrado e
e diminuem-se os gastos públicos e privados com o feliz.
social. O objetivo dessa redução é o encaminhamento
Processo muitas vezes estimulado pelo
de dinheiro público para programas e público-alvo
próprio governo, como é o caso, por exemplo, do
específico.
kinderbetreuungsgeld1 na Áustria.
Com a criação do Estatuto da Criança e do
É preciso salientar que essa última tendência
Adolescente, lei 8069/90, os municípios são
acentua-se em países tecnologicamente mais
responsáveis pela infância e adolescência, criando as
desenvolvidos. No caso brasileiro, prevalece a
diretrizes municipais de atendimento aos direitos da
primeira tendência em relação às creches, em virtude
criança e do adolescente e do Conselho Municipal dos
de haver um número cada vez maior de mulheres,
Direitos da Criança e do Adolescente, criando o Fundo
de todos os estratos sociais, procurando instituições
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
(oficiais ou não) que recebam seus filhos, por razões
e o Conselho Tutelas dos Direitos da Criança e do
diversas, destacando-se, principalmente, suas
Adolescente.
ocupações profissionais.
Nos anos 90, o Estado brasileiro vê na privatização
Ao mesmo tempo, é importante ver a relação
das empresas estatais o caminho para resolver seu
criança-ambiente como responsável pela integração
problema de déficit público, não tentando resolver
da criança, além de se perceber a instituição de
com um projeto mais amplo de ampliação industrial.
acolhimento infantil como um elemento integrador
Com essa situação, na educação tem-se aumentado
que deve trabalhar todas as relações, podendo
a instituição de programas de tipo compensatório,
desem­penhar um papel positivo no desenvolvimento
dirigido para as classes carentes. Esse programa
infantil.
requer implementação do sistema de parceria com
outras instituições, já que o Estado está se retirando
Ao considerarem a pré-escola, pesquisas
de suas funções.
apresentam inúmeros benefícios para as crianças
que atendem a esta etapa da educação, como a
Atualmente, verifica-se a existência de diferentes
redução da mortalidade nesta faixa etária, maior
tendências relativas ao nível inicial da educação
desenvolvimento cognitivo, maior tempo de
infantil. Segundo BECKER, (2008 pág.142)
permanência na escola, redução de repetências e de
abandono da escola e até mesmo maior aquisição

21
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

de vocabulário, devido à convivência desde cedo em das favelas procuraram criar espaços coletivos para
diferentes ambientes (Haddad, 2006; Relatório efa- acolher suas crianças, organizando creches e pré-
2006; Griffin, 2006). escolas comunitárias.

A criança que freqüenta a educação infantil tem, Para tal, construíram e adaptaram prédios com
em média, um ano a mais de escolaridade do que seus próprios e parcos recursos, o que seguem
aquela que ingressou na escola diretamente no fazendo na ausência do Estado (mec; 2006).
ensino fundamental. E tem 32% a mais de chances
de concluir o ensino médio (mec, 2006). A Constituição de 1988 representou um gran­ de
avanço, ao estabelecer como dever do Estado, por
No entanto, há outras concepções em voga meio dos muni­cípios, a garantia à educação infantil,
na atualidade. Particularmente interessante é a com acesso para todas as crianças de 0 a 6 anos a
visão decorrente do desenvolvimento de uma nova creches e pré-escolas. Essa conquista da sociedade
«sociologia da infância».Esta visão está presente significou uma mudança de concepção. A educação
na convenção de direitos da criança (2005) que infantil deixava de se constituir em caridade para
concebe-a como um sujeito de direito, com voz se transformar, ainda que apenas legalmente, em
própria e entende a educação infantil como uma obrigação do Estado e direito da criança.
etapa de desenvolvimento, uma etapa importante
para o momento presente da criança e não um Tanto as pesquisas e os estudos quanto as
«investimento» em longo prazo como na tradicional pressões da sociedade civil organizada reafirmaram
visão centrada na formação de capital humano esses valores na ldb, promulgada em 1996, que
(Haddad, L. 2002; Trisciuzzi, L. e Cambi, F. 1993). considera a educação infantil a primeira etapa da
Educação Básica. Na LDB, a construção de novas
Devido ao amplo reconhecimento da contribuição unidades e a conservação das instalações escolares
da pré-escola para as crianças (independentemente foi incluída nos orçamentos de educação com o
da visão adotada), e para o sistema educacional objetivo de aumentar quantitativa e qualitativamente
como um todo, alguns países, como por exemplo, a oferta deste serviço.
o México, já incluíram este segmento como etapa
obrigatória da educação. A partir daí, uma série de documentos legais é
produzida com o objetivo de definir critérios de
No Brasil, ainda não se dá esta obrigatoriedade. A qualidade das unidades destinadas à educação da
história de atendimento à criança em idade anterior criança de 0 a 5 anos. Entretanto, particularmente
à escolari­dade obrigatória foi marcada, em grande quanto a estes aspectos, atendimento e instalações,
parte, por ações que priorizaram a guarda das ainda há sérios problemas a serem enfrentados,
crianças. conforme o diagnóstico apresentado no Plano
Nacional de Educação.
Em geral, a educação infantil, e em particular as
creches, destinava-se ao atendimento de crianças É importante ressaltar, entretanto, uma mudança
pobres, isto é, os serviços prestados – sejam recente feita na legislação: até o ano de 2005, o
pelo poder público ou por entidades religiosas e atendimento obrigatório focava crianças de 7 a 14
filantrópicas – não eram considerados um direito das anos, mas, a partir da Lei 11.274/2006, foi feita a
crianças e de suas famílias, mas sim uma doação, inclusão de mais um ano e estendido o atendimento a
que se fazia sem grandes investimentos. Além dessas crianças de 6 anos. Esta foi uma medida importante,
iniciativas, também as populações das periferias e na perspectiva da garantia do direito à educação e da

22
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

existência de oferta correspondente à demanda, ao além de servir como guardiãs de crianças órfãs e
considerar a diferença entre a matrículas de crianças filhas de trabalhadores. Nesse sentido, a pré-escola
até 1 ano e o de crianças com 6 anos]. tinha como função principal a guarda das crianças.

Concluindo, a educação infantil é muito nova, No século XIX, uma nova função passa a ser
sendo aplicada realmente no Brasil a partir dos anos atribuída a pré-escola, mais relacionada à idéia
30, quando surge a necessidade de formar mão-de- de“educação” do que a de assistência. A função
obra qualificada para a industrialização do país. dessa pré-escola era a de compensar as deficiências
das crianças, sua miséria, sua pobreza, a negligência
Hoje com as novas normas muitas instituições de suas famílias.
em São Paulo, estão melhorando o seu atendimento,
tendo em seu corpo de professores, profissionais
formados para cumprir a legislação vigente, para
atender de fato as necessidades das crianças da A elaboração da abordagem da privação cultural
Educação Infantil veio fundamentar e fortalecer a crença na pré-escola
como instância capaz suprir as “carências” culturais,
lingüísticas e afetivas das crianças provenientes das
classes populares.

Vista dessa forma, a pré-escola, como função


preparatória, resolveria o problema do fracasso
escolar que afetava principalmente as crianças negras
e filhas imigrantes, naqueles países.

É importante ressaltar: a idéia da preparação se


vinculava diretamente à compensação das carências
infantis.

Essa foi a concepção de pré-escola que chegou


ao nosso país na década de 70. O discurso oficial
brasileiro proclamou a educação compensatória
como solução de todos os problemas educacionais.
Fonte da imagem: Shutterstock

A própria coordenação de Educação Pré-escolar


do MEC sugeria, naquela ocasião, a opção por
OBJETIVOS E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO programas pré-escolares de tipo compensatório.
INFANTIL
Pouco a pouco oi sendo explicitado que esses
A necessidade por pré-escola aparece,
programas de educação compensatória partem da
historicamente, como reflexo direto das grandes
idéia de que a família não consegue dar às crianças
transformações sociais, econômicas e políticas que
condições para o seu bom desempenho na escola. As
ocorrem na Europa, a partir do século XVIII. Eram
crianças são chamadas de “carente” culturalmente,
as creches que surgiam, com caráter assistencialista,
pois se parte do princípio que lhes faltam determinados
visando afastar as crianças pobres do trabalho servil
requisitos básicos capazes de garantir seu sucesso
que o sistema capitalista em expansão lhes impunha,

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

escolar, e que não foram transmitidos por seu meio hábitos significa treinar, condicionar a regras e
social imediato. padrões estabelecidos, enquanto que, propiciar o
jogo criativo, num clima “espontâneo e livre” requer
A pré-escola, dentro desta visão, serviria para flexibilidade e possibilidade de invenção.
prever estes problemas (carências culturais,
nutricionais, afetivas), proporcionando a partir daí a Mas, numa análise mais cautelosa, podemos
igualdade de chances a todas as crianças, garantindo perceber que essas duas finalidades não se opõem,
seu bom desempenho escolar. ao contrário, elas se baseiam na mesma concepção
abstrata e genérica de criança, já que não leva em
Nos últimos anos, portanto, se ampliou o consideração a sua inserção social. Tratam de uma
questionamento dos programas compensatórios na infância fora da história.
medida em que se foi estabelecendo um consenso
de que não prestam um benefício efetivo às crianças Os dois enfoques se assemelham, na medida
das classes populares, servindo, muito ao contrário, em que falta a ambos, a percepção das crianças
para discriminá-las e marginalizá-las com maior como sendo parte da totalidade que as envolve.
precocidade. E é justamente essa ausência (nada casual, mas
vinculada a toda uma visão idealista e liberal de
É necessário, portanto, reivindicar uma pré-escola criança, de educação e de sociedade) que a instância
de qualidade, pois se os filhos das classes médias a pedagógica pode preencher, substituindo uma prática
conseguem via rede privada (com grandes sacrifícios, “formadora permissiva” por uma prática política e
é verdade, mas ainda possível de ser obtida), os social.
filhos das classes populares têm direito a mais do
que meros depósitos. Quando dizemos que a pré-escola tem uma função
pedagógica, estamos nos referindo, portanto, a um
Assim, se por trás do interesse oficial podemos ver trabalho que toma a realidade e os conhecimentos
um avanço no sentido de uma maior democratização a infantis como ponto de partida e os amplia, através
pré-escola, é preciso, mais do que nunca, apontarmos de atividades que têm um significado concreto para a
para um tipo de pré-escola que esteja a serviço das vida das crianças e que, simultaneamente, asseguram
crianças das classes populares. Nem depósito, nem a aquisição de novos conhecimentos.
corretora de carências, a pré-escola tem uma outra
função, que necessita ser explicitada e concretizada; Desta forma, um programa que pretenda atingir
a função pedagógica. tais objetivos não pode prescindir de capacitação dos
recursos humanos nele envolvidos, nem tampouco
No que diz respeito, porém, a pré-escola, tal de supervisão constante do trabalho.
formação de habito é considerada praticamente
inquestionável, função básica das atividades A capacitação (prévia e em serviço) e a supervisão,
desenvolvidas. Por outro lado, revela-se também aliados à dotação de recursos financeiros específicos,
como fundamental na pré-escola o incentivo à bem como à definição da vinculação trabalhista dos
criatividade e as descobertas das crianças, ao jogo e recursos humanos, se constituem em condições
à espontaneidade, que deveriam permear as relações capazes de viabilizar, então, um tipo de educação
infantis. pré-escolar que não apenas eleve seus números,
mas, principalmente, a qualidade do serviço prestado
Numa visão apressada, esses dois objetivos à população.
poderiam nos parecer contraditórios afinal, formar

24
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Alfabetizar não se restringe à aplicação de rituais uma parte integrante do processo, que é beneficiada
repetitivos da escrita, leitura e cálculo. Ela começa no pelas etapas anteriores.
momento da própria expressão, quando as crianças
falam de sua realidade e identificam os objetos que Nossa ênfase recai sobre o papel efetivo que a pré-
estão ao seu redor. escola desempenha, do ponto de vista pedagógico,
garantindo às crianças a aquisição gradativa de
O objetivo primordial é a apreensão e a novas formas de expressão e reconhecimento-
compreensão do mundo, desde o que está mais representação de seu mundo.
próxima a criança até o que lhe está mais distante,
visando à comunicação, à aquisição de conhecimentos, Se uma pessoa não fala, nossa atuação se dirige
à troca. antes a proporcionar sua fala do que a ensiná-la a
falar corretamente. Corrigir seus erros, antes que ela
Assim, se as atividades realizadas na pré-escola possa falar, é levá-la a se calar...
enriquecem as experiências infantis e possuem um
significado para a vida das crianças, elas podem Similarmente, assegurar a compreensão por
favorecer o processo de alfabetização, quer ao nível parte da criança de que ela lê quando identifica um
do reconhecimento e representação dos objetos e objeto, um gesto, um desenho, uma palavra e ainda
das suas vivências, quer a nível da expressão de seus propiciar a confiança dessa criança na sua própria
pensamentos e afetos. capacidade de entender e se expressar sobre seu
mundo, precede o ensino das técnicas de leitura e
escrita e, indubitavelmente, o beneficia.

Evidentemente, essa prática só terá validade se


mantiver uma vinculação profunda com o trabalho
realizado em uma escola de 1º grau repensado e
revisado, de forma a superar a marginalização que
exerce.

Uma programação pedagógica deve ser pensada


a partir do conhecimento dos alunos em suas
múltiplas dimensões e das necessidades sociais de
Fonte da imagem: Shutterstock aprendizagem que lhes são propostas.

Mas as formas de representação e expressão vão Destacando-se para assumir o ponto de vista da
se diversificando, aos poucos, e se complexificando: criança enquanto avalia caminhos capazes de se
de início são motoras e sensoriais (aparecem mostrarem mais produtivos para ela, o professor pode
basicamente com ação); em seguida, simbólicas criar um ambiente educativo que propicie a realização
(aparece como imitação, dramatização, construção, de atividades significativas em que a criança procura
modelagem, reconhecimento de figuras e símbolos, explicar o mundo em que vive e compreender a si
desenho, linguagem); posteriormente são codificadas mesma.
(aparecem como leitura e escrita).
A Educação Infantil visa o apoio do desenvolvimento
Compreender que a alfabetização tem esse caráter da criança, mas ao passar para as series iniciais
dinâmico de construção significa compreender que as crianças tem uma quebra nas diretrizes do
os mecanismos da leitura e da escrita se constitui desenvolvimento e na construção de conhecimento

25
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

experimentando e elaborando e resolvendo os educação nacional” e à “autorização e avaliação


problemas de forma vivenciada, ainda há uma da qualidade pelo Poder Público”. Assim, todas as
preocupação com o letramento e alfabetização. instituições educacionais que atendem crianças de 0 a
6 anos devem ser objeto de supervisão e fiscalização
A CRIANÇA NA CONSTITUTIÇÃO oficiais.

A Constituição de 1988 faz referência a direitos É de competência comum à União, Estados,


específicos das crianças e define como direito da Municípios e Distrito Federal “proporcionar os meios
criança de 0 a 6 anos de idade e dever do Estado o de acesso à cultura, à educação e à ciência” (art.23,
“atendimento em creche e pré-escola”. A nova Carta inciso V) e destes, exclusive os municípios, legislar
nomeia formas concretas de garantir, não só amparo, sobre educação e proteção à infância (art. 24, inciso
mas principalmente a educação das crianças. IX e XV).

A seguir, alguns dos aspectos envolvidos nas Direitos Sociais


definições que incidem sobre a problemática do
atendimento educacional da criança. Dentre os direitos também está incluída a licença-
gestante para 120 dias, a licença-paternidade e a
Educação “assistência gratuita aos filhos e dependentes desde
o nascimento até os 6 anos de idade em creches e
A subordinação do atendimento em creches e pré- escolas” (artigo 7º, incisos XVIII, XIX e XXV).
escolas à área de Educação representa um grande
passo na superação do caráter assistencialista nos O item que se refere ao direito das presidiárias de
programas voltados para essa faixa etária. amamentarem seus filhos (título II, capítulo I, art.
5º, inciso I) reforça a intenção da Constituição de
Ao definir que “o dever do Estado com a Educação atender à infância em destaque maior do que tinha a
será efetivado mediante a garantia de”(art. 208), legislação anterior.
entre outros “o atendimento em creche e pré-escola
às crianças de 0 a 6 anos de idade” (inciso IV), a Seguridade Social
Constituição cria uma obrigação para o sistema
educacional. Um aspecto importante da inclusão do atendimento
à infância na área de Seguridade Social é que ela
No que se refere as contribuições dos municípios garante um suporte nos recursos que poderão ser
é definida como prioritária, ao lado da educação somados às verbas da área de educação para a
elementar. Em seu Artigo 211, parágrafo 2º, a implantação de políticas voltadas para a criança.
Seção sobre educação determina que“os Municípios
atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e No parágrafo 4º do art. 212 sobre os programas
pré-escolar”. assistenciais inseridos no sistema educacional, tais
como os programas de alimentação e assistência
A prioridade é reforçada quando diz respeito aos à saúde, poderá ser estendido a creches e pré-
percentuais mínimos da receita de impostos que escolas. O parágrafo define que tais programas
devem ser destinados ao ensino pela União – 18% - serão financiados com recursos provenientes de
e pelos Estados e Municípios – 25% (art. 212). contribuições sociais e recursos orçamentários.

O artigo 209, incisos I e II, submete a iniciativa


privada ao “cumprimento das normas gerais da

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Grande parte dos programas existente da creche e habilitação legal em curso normal médio ou de nível
da pré-escola funciona através de repasses de verbas superior (art. 62).
para entidades privadas.
Pelo art. 30 da L.D.B., ficou clara a divisão
Portanto, a possibilidade de repasse de verbas tem da educação infantil em duas etapas. A primeira
representado uma evasão considerável dos recursos destinada a crianças de até 3 anos de idade, poderá
públicos disponíveis para a educação, desvalorizando ser oferecida em creches ou entidades equivalentes.
a rede pública. A 2ª, para as crianças de 4 a 6 anos de idade, a ser
desenvolvida em pré-escolas.
Direitos da Criança
A lei, em seu art. 31, determinou que, na fase
O art. 227 define, mais abrangentemente, os de educação infantil, a avaliação deverá ser feita
direitos da infância brasileira: “É dever da família, apenas mediante acompanhamento e registro do
da sociedade e do Estado assegurar à criança desenvolvimento da criança e sem qualquer objetivo
e ao adolescente, com absoluta prioridade, de promoção ou de classificação para acesso ao
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à ensino fundamental.
educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e CURIOSIDADE NA HISTÓRIA DA
a convivência familiar comunitária”. EDUCAÇÃO INFANTIL
À promulgação da nova Carta é verificada Fonte deste artigo: Revista Escola
a tarefa de elaborar legislação complementar,
formular políticas sociais, estabelecer prioridades Maria Montessori - A médica que
orçamentárias e expandir o atendimento em creches valorizou o aluno
e pré-escolas.
Segundo a visão pedagógica da pesquisadora
Lei de Diretrizes e Bases italiana, o potencial de aprender está em cada um
de nós.
A educação infantil foi conceituada, no art. 29 da
L.D.B., como sendo destinada às crianças de até 6
anos de idade, com a finalidade de complementar
a ação da família e da comunidade, objetivando o
desenvolvimento integral da criança nos aspectos
físicos, psicológicos, intelectuais e sócias.

Aos sistemas municipais de ensino compete o


cuidado necessário para a institucionalização da
educação infantil em seus respectivos territórios,
Foto: Hulton Archive/Getty Images
para que as creches e escolas se enquadrem, no
prazo máximo de 3 anos (art. 89), nas normas da
Poucos nomes da história da educação são tão
L.D.B, isto é, componham o 1º nível da educação
difundidos fora dos círculos de especialistas como
básica (exigência do inciso I, art. 21), providenciando
Montessori. Ele é associado, com razão, à Educação
sua autorização e exigindo de seus professores a
Infantil, ainda que não sejam muitos os que conhecem

27
História da Educação Infantil e Políticas Públicas

profundamente esse método ou sua fundadora, a A educadora acreditava que esses seriam os
italiana Maria Montessori (1870-1952). fundamentos de quaisquer comunidades pacíficas,
constituídas de indivíduos independentes e
Primeira mulher a se formar em medicina em seu responsáveis.
país foi também pioneira no campo pedagógico ao
dar mais ênfase à auto-educação do aluno do que A meta coletiva é vista até hoje por seus adeptos
ao papel do professor como fonte de conhecimento. como a finalidade maior da educação montessoriana.
“Ela acreditava que a educação é uma conquista
da criança, pois percebeu que já nascemos com a Ambientes de liberdade
capacidade de ensinar a nós mesmos, se nos forem
dadas as condições”, diz Talita de Oliveira Almeida, Ao defender o respeito às necessidades e aos
presidente da Associação Brasileira de Educação interesses de cada estudante, de acordo com os
Montessoriana. estágios de desenvolvimento correspondentes às
faixas etárias, Montessori argumentava que seu
Individualidade, atividade e liberdade do aluno método não contrariava a natureza humana e, por
são as bases da teoria, com ênfase para o conceito isso, era mais eficiente do que os tradicionais. Os
de indivíduo como, simultaneamente, sujeito e objeto pequenos conduziriam o próprio aprendizado e ao
do ensino. Montessori defendia uma concepção professor caberia acompanhar o processo e detectar
de educação que se estende além dos limites do o modo particular de cada um manifestar seu
acúmulo de informações. O objetivo da escola é a potencial.
formação integral do jovem, uma “educação para a
vida”. A filosofia e os métodos elaborados pela médica Biografia
italiana procuram desenvolver o potencial criativo
desde a primeira infância, associando-o à vontade de Maria Montessori nasceu em 1870 em Chiaravalle,
aprender – conceito que ela considerava inerente a no norte da Itália, filha única de um casal de classe
todos os seres humanos. média. Desde pequena se interessou pelas ciências
e decidiu enfrentar a resistência do pai e de todos à
O método Montessori é fundamentalmente sua volta para estudar medicina na Universidade de
biológico. Sua prática se inspira na natureza e seus Roma.
fundamentos teóricos são um corpo de informações
científicas sobre o desenvolvimento infantil. Segundo Direcionou a carreira para a psiquiatria e logo se
seus seguidores, a evolução mental da criança interessou por crianças com retardo mental, o que
acompanha o crescimento biológico e pode ser mudaria sua vida e a história da educação.
identificada em fases definidas, cada uma mais
adequada a determinados tipos de conteúdo e Ela percebeu que aqueles meninos e meninas
aprendizado. proscritos da sociedade por serem considerados
ineducáveis respondiam com rapidez e entusiasmo
Maria Montessori acreditava que nem a educação aos estímulos para realizar trabalhos domésticos,
nem a vida deveriam se limitar às conquistas exercitando as habilidades motoras e experimentando
materiais. Os objetivos individuais mais importantes autonomia.
seriam: encontrar um lugar no mundo, desenvolver
um trabalho gratificante e nutrir paz e densidade Em pouco tempo, a atividade combinada de
interiores para ter capacidade de amar. observação prática e pesquisa acadêmica levou a
médica a experiências com as crianças ditas normais.

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Montessori graduou-se em pedagogia, antropologia Escola sem lugar marcado


e psicologia e pôs suas idéias em prática na primeira
Casa dei Bambini (Casa das crianças), aberta numa
região pobre no centro de Roma. A esta se seguiu
outras em diversos lugares da Itália. O sucesso das
“casas” tornou Montessori uma celebridade nacional.
Em 1922 o governo a nomeou inspetora-geral das
escolas da Itália. Com a ascensão do regime fascista,
porém, ela decidiu deixar o país em 1934. Continuou
trabalhando na Espanha, no Ceilão (hoje Sri Lanka),
na Índia e na Holanda, onde morreu aos 81 anos,
em 1952. Método montessoriano na sala de aula: material específico. Foto:
Kurt Hutton/Picture Post/Getty Images
Por causa dessa perspectiva desenvolvimentista,
Montessori elegeu como prioridade os anos iniciais As salas de aula tradicionais eram vistas com
da vida. Para ela, a criança não é um pretendente desprezo por Maria Montessori. Ela dizia que pareciam
a adulto e, como tal, um ser incompleto. Desde seu coleções de borboletas, com cada aluno preso no seu
nascimento, já é um ser humano integral, o que lugar.
inverte o foco da sala de aula tradicional, centrada
no professor. Não foi por acaso que as escolas que Quem entra numa sala de aula de uma escola
fundou se chamavam Casa dei Bambini (Casa das montessoriana encontra crianças espalhadas,
crianças), evidenciando a prevalência do aluno. Foi sozinhas ou em pequenos grupos, concentradas nos
nessas “casas” que ela explorou duas de suas idéias exercícios.
principais: a educação pelos sentidos e a educação
pelo movimento. Os professores estão misturados a elas, observando
ou ajudando. Não existe hora do recreio, porque não
Descobrir o mundo se faz a diferença entre o lazer e a atividade didática.

Nas escolas montessorianas, o espaço interno Nessas escolas as aulas não se sustentam num
era (é) cuidadosamente preparado para permitir único livro de texto. Os estudantes aprendem a
aos alunos movimentos livre, facilitando o pesquisar em bibliotecas (e, hoje, na internet) para
desenvolvimento da independência e da iniciativa preparar apresentações aos colegas. Atualmente
pessoal. Assim como o ambiente, a atividade sensorial existem escolas montessorianas nos cinco
e motora desempenha função essencial, ou seja, dar continentes, em geral agrupadas em associações que
vazão à tendência natural que a garotada tem de trocam informações entre si. Calcula-se em torno de
tocar e manipular tudo o que está ao seu alcance. 100 o número dessas instituições no Brasil.

Maria Montessori defendia que o caminho do


intelecto passa pelas mãos, porque é por meio do
movimento e do toque que as crianças exploram e
decodificam o mundo ao seu redor. “A criança ama
tocar os objetos para depois poder reconhecê-los”,
disse certa vez.

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

Muitos dos exercícios desenvolvidos pela Escolheu uma profissão “de homens” e mais
educadora – hoje utilizados largamente na Educação tarde teve um filho sem se casar – o que a obrigou a
Infantil – objetivam chamar a atenção dos alunos afastar-se dele nos primeiros anos de vida, para não
para as propriedades dos objetos (tamanho, forma, causar escândalo.
cor, textura, peso, cheiro, barulho).
No auge de sua carreira, a educadora viu, na
O método Montessori parte do concreto rumo ao ascensão do regime fascista de Benito Mussolini, o
abstrato. Baseia-se na observação de que meninos triunfo momentâneo dos valores opostos aos que
e meninas aprendem melhor pela experiência direta defendeu. Abandonou seu país, mas não a batalha
de procura e descoberta. Para tornar esse processo o por uma educação melhor.
mais rico possível, a educadora italiana desenvolveu
os materiais didáticos que constituem um dos Para pensar
aspectos mais conhecidos de seu trabalho. São
objetos simples, mas muito atraentes, e projetados O principal legado da italiana Maria Montessori foi
para provocar o raciocínio. Há materiais pensados afirmar que as crianças trazem dentro de si o potencial
para auxiliar todo tipo de aprendizado, do sistema criador que permite que elas mesmas conduzam o
decimal à estrutura da linguagem. aprendizado e encontrem um lugar no mundo.

“Todo conhecimento passa por uma prática e a


Efervescência intelectual escola deve facilitar o acesso a ela”, diz a educadora
Talita de Oliveira Almeida. É o que Montessori chamou
As idéias de educação de Maria Montessori
de “ajude-me a agir por mim mesmo”.
refletem a concepção positiva do conhecimento
que caracterizou a época em que viveu – sobretudo
Outro aspecto fundamental da teoria montessoriana
a virada do século 19 para o século 20, marcada
é deslocar o enfoque educacional do conteúdo para a
por efervescência intelectual e fascínio pela mente
forma do pensamento.
humana. Na primeira metade da vida dela, o mundo
conheceu a luz elétrica, o rádio, o telefone, o cinema.
As críticas mais comuns ao montessorianismo
referem-se ao enfoque individualista e ao excesso
As descobertas da ciência criavam expectativas
de materiais e procedimentos construídos dentro da
ilimitadas para o futuro. A psiquiatria, que fascinou
escola – o que dificultaria a adaptação dos alunos a
a jovem médica em Roma, se encontrava num ponto
outros sistemas de ensino e ao “mundo real”.
de inflexão.

Os montessorianos argumentam que, ao contrário,


Pesquisas tornavam mais eficaz e mais humano o
o método se volta para a vida em comunidade e
tratamento dos doentes mentais e lançavam luz sobre
enfatiza a cooperação. E você? Acha que dar atenção
o funcionamento do cérebro de “loucos” e “sãos”.
individual aos alunos é um modo de contrabalançar
a tendência contemporânea à massificação, inclusive
Montessori se interessou em particular pelos
do ensino?
estudos de um dos desbravadores dos mecanismos
do aprendizado infantil, o médico francês Édouard
Séguin. Do ponto de vista dos costumes, ela também
esteve na vanguarda.

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História da Educação Infantil e Políticas Públicas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARIES, Philippe. História Social da Criança e
da Família. Rio de Janeiro. LTC,1978

FRABBONI, Franco. A Escola Infantil entre


a cultura da Infância e a ciência pedagógica
e didática. In: ZABALZA, Miguel A. Qualidade em
Educação Infantil. Porto Alegre. Artmed, 1998.

KRAMER, Sônia. A Política do pré-escolar no


Brasil: A arte do disfarce. 7ª edição. São Paulo:
Cortez, 2003.

LOUREIRO, Stefânie Arca Garrido. Alfabetização:


uma perspectiva humanista e progressista.
Belo Horizonte. Autêntica, 2005.

OLIVEIRA, Zilma Rams de Oliveira. Educação


Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2005.

Referencial curricular nacional para a


educação infantil / Ministério da Educação
e do Desporto, Secretária de Educação
Fundamental. — Brasília: MEC/SEF,1998. Vol.1.

Montessori: de um Homem Novo para um


Mundo Novo, Izaltina de Lourdes Machado, 90
págs., Ed. Pioneira.

Estudo do Sistema Montessori, Vera Lagoa,


192 págs., Ed. Loyola.

Mente Absorvente, Maria Montessori, 318 págs,


Ed. Nórdica (edição esgotada).

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