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João Augusto Amaral Gurgel

7/9/1987

O diretor-presidente da Gurgel S.A., fabricante brasileira de veículos, faz fortes críticas ao Pró-álcool e ao CIP, e pede
apoio do governo para enfrentar a concorrência das multinacionais

Augusto Nunes: Boa noite. Começa aqui mais um Roda Viva, programa apresentado pela TV Cultura de
São Paulo e simultaneamente transmitido pela Rádio Cultura AM de São Paulo. Este programa é também
retransmitido pelas TVs educativas de Minas Gerais, Espirito Santo, Mato Grosso do Sul, Bahia e Piauí.
Como este programa é apresentado ao vivo, nossos telespectadores poderão telefonar para estas jovens aqui
ao meu lado, usando o número 252-6525, para fazer as perguntas que desejarem ao nosso entrevistado desta
noite. Trata-se do empresário João Augusto Conrado do Amaral Gurgel. O doutor Gurgel, desde 1969, é o
diretor-presidente da Gurgel S.A., fabricante de veículos. Doutor Gurgel várias vezes surpreendeu os
brasileiros com as suas invenções, com as criações da sua fábrica. E hoje, milhões de brasileiros certamente
puderam acompanhar o desfile do carro econômico nacional, o Cena, [que] é a mais recente criação do
doutor Gurgel. Para falar do Cena, para falar da indústria automobilística, da economia brasileira, para
conhecer melhor as idéias do doutor Gurgel e para aprender um pouco com a sua enorme experiência nesse
ramo, nós o convidamos para sentar-se, nesta noite, ao centro de uma Roda Viva formada pelos seguintes
convidados: Lídia Goldenstein, economista, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o
Cebrap, professora da Unicamp e comentarista da TV Manchete; Eduardo Souza Ramos, vice-presidente da
Associação Brasileira de Revendedores de Veículos e Fabricante de Veículos Especiais; Marcelo Bairão,
editor da revista Exame; Gustavo Correia de Camargo, chefe da sucursal de São Paulo do Relatório
Reservado; José Carlos Marão, diretor de redação da revista Quatro Rodas; Ciro Dias Reis, editor do
suplemento de veículos do jornal Folha de S. Paulo; Joel Silveira Leite, chefe de reportagem do Jornal do
Carro, suplemento do Jornal da Tarde; Luis Nassif, editor do programa de TV e do boletim econômico
Dinheiro Vivo, da TV Gazeta. Também está presente o desenhista Paulo Caruso, que vai registrar alguns dos
momentos deste programa. Temos também alguns convidados da produção e vários estudantes da Faculdade
de Engenharia Industrial, a FEI. Doutor Gurgel, uma história que o senhor costuma contar, já contou em
algumas entrevistas é, resumidamente, a seguinte: em 1949, o senhor era estudante de engenharia na
Politécnica, na USP e um professor do senhor pediu que o senhor fizesse o projeto de um guindaste, se não
me engano. O senhor apresentou a ele um projeto de um carro, um veículo, e o senhor registra que ele teria
feito o seguinte comentário: "O brasileiro não faz carros. O brasileiro compra carros.". Pois bem, quase
quarenta anos depois, o senhor é o pai do primeiro veículo com tecnologia cem por cento brasileira, o Cena,
e o senhor hoje pode assistir ao desfile de cinco veículos Cena pelas ruas de Brasília, no dia da
Independência. O senhor, quando via a passagem do Cena, o senhor pensou nesse professor que o senhor
teve na Politécnica? E em quem mais, ou no que mais, o senhor pensou durante o desfile de hoje?
Amaral Gurgel: Bom, boa noite, Augusto. Obrigado pelo convite da TV, de hoje eu poder falar neste
programa... Muita emoção, foi muita emoção para mim ver os carros passarem e todo o povo... todo o povo
aplaudindo. Já havia... a própria televisão já tinha dito em Brasília que os carros iam desfilar, então o povo
já estava esperando esse desfile. Naturalmente... com muita apreensão também, porque num desfile tudo
pode acontecer e os carros podiam ter qualquer probleminha, isso é possível, mas correu tudo bem e a
gente... nessa hora passa pela cabeça da gente muitas coisas, não é?
Augusto Nunes: O professor, por exemplo, passou, Doutor Gurgel?
Amaral Gurgel: O professor meu, ah... eu dizia o seguinte... ele me disse: "Gurgel,... "... ele me pediu um
guindaste de coluna, e eu fiz um automóvel de dois cilindros. E ele disse: "Gurgel, eu não vou ver o projeto,
porque eu te pedi um guindaste de coluna e queria te dizer uma coisa: automóvel não se fabrica, compra-
se.". Mas o professor não estava totalmente errado, porque naquele tempo, em 1949, não existia uma
indústria de autopeças no país. Eu tinha feito um projeto, construí um carro quase totalmente integral e,
pensando nas palavras dele, eu achava que devia vencer esse desafio, mas também devia me preparar para
poder fazer esse carro. E por isso fui... consegui uma bolsa com a General Motors. Estive nos Estados
Unidos, morando, [durante] 2 anos. Trabalhei na Bionic Motors Division, trabalhei na Pontiac [marca de
automóveis produzidos desde 1926 e vendidos nos Estados Unidos, México e Canadá pela General Motors]
e nos laboratórios da GM [General Motors, empresa norte-americana do setor automotivo, com sede em
Detroit]. Aprendi muito com os... com os americanos e com a própria General Motors, e devo muito a eles.
Augusto Nunes: Esse carro, doutor Gurgel, que o senhor... cujo projeto o senhor fez ainda na faculdade, ele
tinha alguma semelhança com o que é hoje o Cena? O senhor já pensava em um carro popular?
Amaral Gurgel: Por incrível que pareça, esse carro é... era o mesmo... basicamente o mesmo conceito. A
única diferença é que o primeiro carro tinha dois lugares só, e o nosso agora tem quatro lugares. Porque
depois de umas pesquisas que nós fizemos, nós verificamos que o quatro... o carro de quatro lugares é o
único que tem possibilidade de ter uma venda muito grande. O carro de dois lugares tem uma venda muito
restrita, porque apesar de nós carregarmos, nas ruas de São Paulo, uma média de 1,2 pessoas por carro, um
carro de lugar... o carro de dois lugares pareceria que seria um carro [com] quase o dobro da capacidade da
média [dos carros]. Mas, como alguém neste programa já disse uma vez que uma pessoa morreu afogada
num rio que tem uma profundidade média de um metro, é sempre necessário [prevenir] num carro de
família, que de vez em quando tem que levar pelo menos quatro lugares. Então nós modificamos o projeto
para isso. Mas basicamente era o mesmo carro.
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, antes de passar a palavra aos meus... aos nossos convidados aqui
presentes, os telespectadores já começam a telefonar, e dois deles, o senhor Gilberto, de São Bernardo, e
José Cotrin, de Santana, fazem basicamente a mesma pergunta: "Que tipo de apoio efetivo o governo
federal deu ou está dando ao senhor no... no caso específico do Cena?".
Amaral Gurgel: Nós, no passado, nós nunca tivemos praticamente nenhum apoio do governo, a não ser
alguns financiamentos por parte do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social],
naquele tempo BNDE, e foi neste governo que nós tivemos o primeiro apoio substancial do Ministério de
Ciência e Tecnologia [MCT], através da Finep, Financiadora de Estudos e Projetos [empresa pública que
promove e financia a inovação e a pesquisa científica e tecnológica em empresas, instituições etc]. Para
fazer o nosso carro, nós achávamos, no começo, que nós podíamos comprar tecnologia de um motor, e
procuramos no mundo, e achamos que o motor do Citroën Deux-Chevaux [carro barato e prático também
chamado 2cv, lançado na França no período pós-Segunda Guerra] seria o primeiro motor, [o] mais indicado.
Mas as negociações com a Citroën foram cada vez mais difíceis, e terminaram quando eles quiseram impor
que os carros seriam feitos sob o nome de Citroën, e [que] todas as especificações deviam ser mantidas no
projeto, e [que] a Gurgel não poderia exportar nenhum carro com esse motor sem uma prévia autorização da
Citroën da França, para verificar se não haveria interferências de mercado. Uma vez que eles disseram isso,
praticamente acabou o nosso relacionamento com a Citroën, porque nós queríamos ter liberdade total de
exportar esse carro para onde quiséssemos. Então procuramos a Finep, que é ligada ao Ministério de
Ciência e Tecnologia, e dissemos o seguinte: "o Brasil precisa ter uma fábrica de automóveis totalmente
brasileira.". Uma fábrica dessas pode se iniciar com cem milhões de dólares. Mas, naturalmente, eu acho
que eu poderia provar ao governo que nós poderíamos fazer isso, gastar cinco por cento desse valor de cem
milhões de dólares e fazer uma fábrica piloto. Então eles pediram para apresentar um plano, nós
apresentamos um plano, foi aprovado em abril do ano passado, mas... e ele correu muito rapidamente, por
dois fatores: primeiro porque o carro já estava na minha cabeça - apesar de não estar na prancheta, já estava
na minha cabeça -, com todos os detalhes; segundo lugar, que nós tivemos um apoio muito grande dos
nossos fornecedores especialistas em cada campo. Então, praticamente em um ano, mais ou menos, nós
construímos a fábrica e fizemos o primeiro motor, que era a parte básica do carro, [...] e motor de
transmissão. E a fábrica foi inaugurada dia 24 de junho, este ano, dia de aniversário de Rio Claro; e
prometemos nessa época, então, ao ministro Renato Archer [ministro da Ciência e Tecnologia, de 1985 a
1987], que foi quem inaugurou essa fábrica de motores, que no dia sete de setembro o nosso carro estaria
rodando, em Brasília, na parada de sete de setembro, para dar uma conotação de independência tecnológica,
e, sendo o primeiro carro brasileiro, seria o primeiro passo para a nossa independência tecnológica.
José Carlos Marão: Gurgel, o... bom, eu acompanho o seu trabalho faz tempo, você sabe disso, e noto que
você sempre procurou e sempre teve idéias muito criativas, quase sempre viradas para a necessidade
brasileira e para necessidade urbana. Você já projetou o Xef [carro lançado pela fábrica Gurgel, no Salão do
Automóvel em 1981, de dimensões reduzidas e que não possuia compartimento para bagagem, mas sim
uma pequena carreta, que, engatada ao veículo, funcionava como um porta-malas removível], e antes do
Xef você estava pesquisando o carro elétrico, que a gente acompanhava com muito interesse. Eu pergunto:
o carro econômico nacional, o projeto Cena, ele á a melhor solução? Quer dizer, você abandonou a pesquisa
do carro elétrico, abandonou a pesquisa do Xef?
Amaral Gurgel: Veja, José Carlos, você... em primeiro lugar, as coisas mudam. Quando nós estávamos
fazendo os primeiros carros - não é? -, nós já passamos por outras coisas, por exemplo. A finalidade é fazer
um carro popular em alta escala, sempre foi essa a idéia. Mas o recurso era muito pouco. Eu comecei a
Gurgel com 50 mil cruzeiros, praticamente 10 mil dólares naquele tempo, e todo mundo deu risada, porque
fazer uma fábrica começando com 10 mil dólares é uma loucura total. Só a minha mulher que me apoiou
nessa data, nessa época, porque, de fato, eu costumo dizer que quando eu trabalhava na Ford [empresa
norte-americana do setor automotivo], chegava no fim do mês [e] sobrava muito dinheiro. Depois que eu
tive a minha fábrica própria, chegava no fim do dinheiro [e] sobrava muito mês. Isso é difícil no começo, e
você... e nós fizemos, fomos obrigados  até a fazer karts de competição, onde aprendemos muito sobre
motores. Fomos obrigados a fazer carros de criança, depois conseguimos com muito custo as plataformas da
Volkswagen [empresa alemã do setor automotivo], para nós colocarmos uma carroceira em cima; seria parte
do início dos buggies no Brasil. Depois nós resolvemos, em 1972, fazer nosso próprio chassis, e
começamos a fazer o jipe. E verificamos que nós temos que procurar... a Gurgel tinha que procurar brechas
no mercado, ela não tinha jeito de entrar exatamente na concorrência das multinacionais, que não tinha
nenhuma chance de sobrevivência. Mas aí ficamos, no caso da... da Willys [Willys Overland do Brasil,
empresa automobilística nacional fundada em 26 de abril de 1952, em São Bernardo do Campo], por
exemplo, que eu tinha trabalhado... trabalhado lá, eu sabia que o ponto de equilíbrio da Willys eram
trezentos carros. E se eu entrasse nesse campo e dividisse o mercado com eles, trezentos carros por mês,
[se] eu dividisse [produzindo] 150 carros por mês, eu desequilibraria a parte financeira da Willys e eles
desistiriam do jipe. E foi isso que eu fiz, para poder ter um pouco mais de avanço na área de... de produção
de veículos. Então, o nosso jipe... o jipe foi uma obrigação, foi uma... foi o caminho que nós tivemos para
entrar em cima do mercado automobilístico.
Gustavo Correia de Camargo: Gurgel, [deixe-me dizer] só uma coisa: você chegou a enfrentar alguns
problemas com o fornecimento de... de componentes, não chegou? Por parte de um fabricante que te
fornece?
Amaral Gurgel: Não. Quem... quem teve problemas com esse fornecimento foi a Puma [empresa brasileira
de carros esportivos fundada em 1964, na cidade de Matão/SP]. A Gurgel nunca teve da Volkswagen
nenhum problema de fornecimento. A Puma teve, uma vez que eles quiseram exportar os carros e o... e o
mister [...]... era o... o doutor [..] era o presidente e eles disseram que não podiam exportar sem uma
assistência técnica etc. Mas depois acabaram acertando a coisa toda. Mas a Gurgel não teve.
Lídia Goldenstein: Gurgel, uma das grandes polêmicas, atualmente, no país é sobre o déficit público, e os
economistas mais conservadores e os empresários em geral atribuem... fazem uma correlação direta entre o
atual nível de inflação, que já recomeça a taxas bem elevadas, e o déficit público. Se nós fizermos uma
análise do déficit público, a gente vai ver que a contrapartida do déficit público é uma série de
transferências de recursos do governo para o setor privado.
Amaral Gurgel: Certo.
Lídia Goldenstein: De todo o tipo, quer dizer, desde coisas altamente questionáveis, via empreguismo, via
mordomias, de coisas que realmente têm que ser... têm que acabar neste país, mas que a grande... o grande
peso desse déficit público, essa contrapatrida de recursos que saem do setor público, que é uma privatização
dos recursos públicos, são transferências para grupos privados, como por exemplo os plantadores de açúcar
do Nordeste, como por exemplo setores produtores de vários produtos agrícolas, e, inclusive, setores como
o [do] senhor, que através do BNDES e da Finep, recebem recursos, dessa vez sim, para atividades
extremamente benéficas e produtivas... Como é que o senhor vê, um pouco, essa esquizofrenia do
empresariado brasileiro, que, de um lado, tem uma enorme polêmica, uma enorme gritaria contra o déficit
público, e do outro lado é um dos principais beneficiados desse déficit público?
Amaral Gurgel: Eu acho que se deve analisar muito bem a que está esse dinheiro... como está sendo dado.
A Gurgel começou... no início, quando mudamos para Rio Claro, sem nenhum dinheiro, nós fizemos um
empréstimo no BNDE... [corrigindo-se] no BNDES.
Augusto Nunes: Foi em [19]69, doutor Gurgel?
Amaral Gurgel: Não, foi em [19]75.
Augusto Nunes: [19]75.
Amaral Gurgel: De apenas sete...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Começou com a empresa em [19]69?
Amaral Gurgel: Começou em [19]69, mas nós estávamos aqui em São Paulo. Aí nós decidimos que, para
crescer, tínhamos que ir para o interior. Então... nós mudamos para sessenta... mudamos para lá em [19]75,
com um empréstimo de sete milhões e meio de cruzeiros, do BNDES. A Gurgel pagou integralmente
esses... esse dinheiro emprestado, com juros e correção monetária, e hoje a Gurgel gera, por mês, várias
vezes, em impostos, em ... esse dinheiro... em empregos. Hoje a Gurgel... nós começamos com quatro
funcionários e nós temos hoje setecentos funcionários, e, se Deus quiser, nós vamos chegar em dez mil
funcionários. Então, se nós temos hoje... existem aplicações que são rentáveis, existem aplicações que são
rentáveis ao país, existem as outras que são aplicações que são uma lástima, que não produzem nada, elas só
consomem dinheiro. A Gurgel, por exemplo... quando eu era funcionário da Ford, eu recolhia uma miséria
para o imposto de renda. Hoje a Gurgel recolhe imposto de renda, IPI [imposto sobre produtos
industrializados], ICM [imposto sobre consumo de mercadorias, cuja sigla mudou para ICMS, imposto
sobre circulação de mercadorias e serviços], e todos mais, os impostos, e estamos... hoje a Gurgel é a
semente que pode crescer - está certo? - e gerar muito emprego e muito dinheiro para o governo.
Joel Silveira Leite: Falando de impostos, doutor Gurgel, eu sei que o senhor está lutando para que os
projetos Cena e o 280M [M de múltiplo, opção do carro Cena com capota removível] fiquem livres pelo
menos de parte dos impostos cobrados, o IPI, particularmente, cobrado dos carros da indústria
automobilística brasileira. Em função disso, é impossível se estabelecer um preço? Porque se fala que o
preço do Cena seria 150, 160... eu acredito que existe uma expectativa muito grande, o consumidor quer
saber quanto que ele vai pagar por esse carro.
Augusto Nunes: Exatamente.
Joel Silveira Leite: Eu queria saber do senhor o seguinte: quanto que esse carro custaria hoje, caso o
senhor não conseguisse isenção ou redução do IPI?
Amaral Gurgel: [Em] Primeiro lugar, eu acho que quando nós apresentamos o plano ao governo, quer
dizer, vamos... vamos começar... quando a indústria automobilística começou no Brasil e foi criada, já em
1956, o governo deu a essas empresas multinacionais todas as vantagens possíveis para eles poderem vir
para cá, não é? Tinha dólar especial, na primeira categoria - porque naquele tempo, você não se lembra, mas
nós tínhamos dólares em cinco categorias [as chamadas taxas múltiplas de câmbio] -; tinha a licença de
importação de equipamentos sem nenhum direito, eles podiam importar os estampos que já estavam
prontos, velhos, usados, para poder trazer para o Brasil, como investimento; era possível trazer máquinas
usadas e aí... e além disso, tinha os dólares na primeira categoria, para poder fazer essas... e também tinha...
tinha IPIs especiais. Toda vez que a indústria precisou... precisou, e houve uma superprodução, em 1966, o
governo baixou 75% do IPI, para poder escoar a produção. Depois baixou para cinqüenta, para 25, e nós
tivemos, então, a... a produção se escoou. Quando o governo quis popularizar o carro a álcool, ele deu uma
ordem à Telesp de São Paulo, que comprasse quinhentos carros a álcool para testar. E ainda hoje abre mão
do IPI e do ICM para incentivar a venda desses carros, não é?
Gustavo Correia de Camargo: De alguma forma, o senhor está querendo dizer com isso que o senhor é
contra uma reserva de mercado para as empresas que já estão operando no Brasil? Esse é um outro assunto
que tem sido muito discutido.
Amaral Gurgel: É. Então, é o seguinte...
Gustavo Correia de Camargo: De abrir o país para outras empresas...
Amaral Gurgel: Como...
Gustavo Correia de Camargo: ... inclusive estrangeiras.
Amaral Gurgel: ... como essas empresas chegaram aqui em 1956, eles formaram um grupo e formaram
uma reserva de mercado. A última que entrou nessa reserva, praticamente, foi a Fiat, com muito apoio do
governo de Minas [Gerais], com todo o apoio possível e inclusive injeção de quantidades fantásticas de
milhões de dólares, parece que foram 450 e duzentos milhões de dólares. E a Fiat... inclusive o governo de
Minas dava toda a preferência dos carros da Fiat, para... para progredir. Então, toda a vez que o governo
quer ajudar alguma coisa, ele pode criar mecanismos - entendeu? -, para poder ajudar.
Luis Nassif: Gurgel, ...
Augusto Nunes: Gurgel, eu gostaria de... desculpe, é a palavra, o privilégio de... de a palavra para passar
para a bancada de lá. O primeiro a perguntar é o Luis Nassif. Agora, antes disso, nós estamos... estamos
começando a... estamos esboçando uma discussão sobre mercado, e há, a propósito, uma pergunta gravada
do ex-piloto Chico Landi, que hoje cuida do Autódromo de Interlagos. Eu queria então que a pergunta
entrasse agora, [e] em seguida, a pergunta do jornalista Luis Nassif. Chico Landi.
[VT de Chico Landi]: Gurgel, o senhor que começou a construir carros de criança, muitos anos atrás, ali na
Vila Mariana [bairro paulistano], hoje em dia está com um carro [de] tamanho pequeno para o público. O
que o senhor acharia desse mercado? Acha ele muito bom ou não?
Amaral Gurgel: Olho para onde? Para lá?
Augusto Nunes: À vontade.
Amaral Gurgel: Veja, no Brasil, nós temos hoje um mercado interno... devia ser um mercado interno de 
um milhão de carros por ano. Em primeiro lugar, eu queria agradecer à pergunta do Chico Landi, um grande
amigo meu, sou um grande admirador dele, aprendi muito com ele também, mecânica, e... nós... a Gurgel,
como eu disse, tem que achar nichos de mercado. É impossível hoje... entrar hoje num mercado de motor de
um carro de quatro cilindros. Nós temos duas... teríamos duas opções: ou fazer um carro muito mais barato
do que eles, ou colocar carros que estão acima do preços deles, como por exemplo nosso colega Eduardo
Souza Ramos [presente entre os entrevistadores], que está fazendo um trabalho muito bonito com carros
dele e procurando uma faixa de mercado que não é de interesse imediato das multinacionais. Eu me inspirei
muito no projeto Cena, no Henry Ford. Em 1908, quando ele começou a fazer os carros pela segunda vez,
ele tinha feito motores de oito cilindros no passado e resolveu abandonar isso e vendeu a fábrica dele, que
se tornou mais tarde a Cadillac. E já existiam nos Estados Unidos várias fábricas fazendo carros fantásticos,
no status [...], os [...], os Packards e carros de alto luxo, mas ele achava que esses carros estavam muito
acima do poder aquisitivo do povo americano médio. E ele resolveu fazer uma bicicleta de quatro rodas,
que foi o modelo T, que, no começo, foi objeto de muita gozação. E esse modelo T começou devagarzinho,
no fundo de quintal, em 1907, 1908. E em 1908 eles começaram a fabricar quase... fabricaram somente 10
mil carros, e, para vocês verem o potencial de um mercado desses, em 1922 ele fabricou 2 milhões e 400
mil carros, sozinho, todos pretos, sem robôs, sem sistemas de computador, sem nada, porque o mercado
exigia um carro daquele preço. E eu acho que esse mercado que nós estamos abrindo no Brasil é um
mercado fantástico, muito maior do que todos os carros que estão sendo produzidos aqui. Evidentemente
que, para poder chegar nesse ponto, é preciso um investimento muito alto, é preciso que se tenha um
investimento à altura e esse projeto que nós recebemos da Finep, que é um empréstimo que nós vamos
pagar, respondendo à sua pergunta, com 20% de lucro, não tem nada a fundo perdido. As máquinas são em
empréstimos normais com correção monetária e a outra parte, de desenvolvimento, nós vamos pagar sobre o
royalty [importância paga ao proprietário de uma patente de produto, processo de produção, marca, entre
outros direitos, por aquele que o utiliza] de cada carro fabricado para a Finep,  em vez de pagar royalties
para o exterior, pagamos para as nossas empresas, para que elas possam também ter dinheiro para emprestar
para outras empresas, que precisam também de desenvolvimento de tecnologia. Então, esse mercado [de]
que nós estamos falando é um mercado muito grande.
Augusto Nunes: Luis Nassif.
Luis Nassif: Doutor Gurgel, antes de mais nada eu queria dizer que o senhor é um gerador da sua
criatividade, da sua pertinácia, em entrar em áreas tão difíceis e tão competitivas quanto essa, da indústria
automobilística. Mas eu tenho algumas dúvidas aí sobre dois aspectos específicos. Uma dúvida de leigo: o
que é que vem a ser essa tecnologia nacional a que o senhor se refere? Nós temos a indústria de autopeças,
que já tem um know-how [conhecimento de como executar uma tarefa] razoável... quer dizer, a nível dos
motores de hoje, um motor que a Volks produza, ou que a Ford, a GM fabrique, o que é que tem de nacional
nela? O que é que falta para esse motor ser nacional, em termos técnicos, especificamente?
Amaral Gurgel: Qual motor?
Luis Nassif: Os motores que já são fabricados no Brasil. E a segunda pergunta, engatada nessa é a seguinte:
não seria viável, razoável, no momento em que nós, que a economia começa a se internacionalizar, e que
um discurso, por exemplo, de uma tecnologia nacional, numa área que já não é uma área de ponta, como é a
indústria automobilística, até que ponto que é fundamental hoje o Brasil ter esse controle, em uma empresa
brasileira, de uma tecnologia que já não é uma tecnologia de ponta? Quer dizer, quais as vantagens dessa
tecnologia, fora o fato de ser nacional, sobre as tecnologias que aqui existem. O terceiro aspecto [é] ligado
ao marketing do seu carro: se nesse momento em que se procuram soluções de transporte em massa, a
popularização do automóvel, jogando o automóvel numa faixa menor ainda e ampliando o número de
consumidores, não seria uma atitude, em termos dos interesses nacionais, um pouco fora de prumo, na
medida em que nós dependemos ainda de combustíveis importados ou de combustíveis que, como o Pró-
Álcool [programa Pró-álcool], acabam pressionando o déficit público? Então, esses são os aspectos que eu
gostaria de colocar para o senhor.
Amaral Gurgel: Bom, eu acho que o nosso folheto, ele começa com a frase do presidente Sarney, que eu
acho fantástica e tem muito valor: "Não há mais países grandes ou pequenos. Há países que dominam a
ciência, criam e desenvolvem tecnologias, ou países condenados à escravidão tecnológica. Esse não será o
caminho do Brasil.". É isso a nossa cartilha, porque os motores fabricados aqui não são concebidos aqui. A
indústria brasileira, ela adapta, ela trás todo o know-how, e nós... isso acontecia também no Japão,
aconteceu nos principais países do mundo. O Japão provou que você precisa começar a fazer o primeiro
carro, você precisa desenvolver a sua tecnologia, você precisa saber fazer um motor. [Em] Um país hoje,
como o Brasil, que tem 135 milhões de habitantes e tem um mercado interno fantástico, que podia chegar a
dois, três milhões de carros, não existir uma empresa brasileira que saiba fazer um motor de automóvel, ou
que não tenha feito, é muito triste.
Luis Nassif: Mas por que o país como um todo sai prejudicado com isso?
Amaral Gurgel: Fica prejudicado, porque você passa a fabricar produtos que interessam aos outros e não
ao nosso próprio país.
Luis Nassif: Mas se ele...
Amaral Gurgel: Veja, veja só o Brasil... Por exemplo, o Japão. O Japão tinha tecnologia importada, em
1960, [19]62. O grande sucesso do Japão foi quando eles resolveram desenvolver seus próprios carros. A
Honda era uma pequena fábrica de motocicleta e o Japão, então, criou uma categoria livre de impostos, de
360 centímetros cúbicos. E a Honda, então, aproveitando os motores de motocicleta, começou a fazer
motores de automóveis, pequenininhos. Daí foi para 550; daí a Honda veio para fazer outros modelos
maiores e hoje a Honda é uma grande fábrica de automóveis, e gera, para o Japão, uma quantidade
fantástica de divisas, invadindo hoje os campos da tecnologia americana. E na corrida de hoje, de ontem,
quantos motores Honda na frente dos melhores motores do mundo... ?
Luis Nassif: [Interrompendo] O motor Honda é só fruto da tecnologia da Honda ou é fruto de todo um...
[faz gesto circular com as mãos]?
Amaral Gurgel: É fruto da tecnologia da Honda.
Luis Nassif: Do Japão, tudo.
Amaral Gurgel: Do Japão.
Luis Nassif: Diversas áreas...
Amaral Gurgel: Então, a gente só pode progredir em alguma coisa quando você entende aquela coisa,
quando você começa a fazer a sua própria coisa. A indústria brasileira hoje está se desviando um pouco da
meta, porque eles perceberam o seguinte, - aliás, é culpa do próprio governo brasileiro -: o governo impõe à
indústria brasileira um CIP [Conselho Interministerial de Preços, implantado por Decreto em 1968, que
teria a finalidade de implantar uma sistemática reguladora de preços, por meio da análise e avaliação do
É
comportamento dos preços no mercado interno], à industria multinacional, um CIP. É muita demagogia em
cima da indústria automobilística multinacional. Eu não sou contra as multinacionais, sou a favor delas. Eu
acho que elas têm o direito de estar dentro do nosso país. A indústria multinacional trouxe muito... muito
fruto para o nosso país. Eu não estaria fazendo carro se não fosse a multinacional, o Eduardo não faria carro
se não fosse a multinacional...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Gurgel, seria interessante, a essa altura da nossa conversa, colocar
algumas... apresentar ao senhor algumas perguntas de telespectadores, que eu acho que precedem até
algumas discussões. Eles querem que o senhor dê, basicamente, mais informações sobre como é o Cena.
Então eu dou alguns exemplos: perguntam se o motor é a álcool ou a gasolina; como é que vai ser feita a
comercialização, a distribuição do veículo; se já existe lista de espera; o preço dele; as características do
motor; se o motor tem alguma coisa a ver com o motor Volkswagen, enfim, querem saber, os nossos
telespectadores, como é que é o carro Cena. Eu gostaria que o senhor, resumidamente, apresentasse essas
características todas do veículo.
Amaral Gurgel: Eu queria apresentar, em primeiro lugar, então, uma foto do carro [Gurgel abre um grande
cartaz com a foto de um carro Cena na cor vermelha e, acima dela, o texto "Orgulho nacional"; depois
guarda o cartaz], para as pessoas terem uma idéia mais ou menos de como ele é. Ah... nós dissemos... nós
tínhamos que abrir um nicho de mercado, e fizemos uma pesquisa. Todos os carros brasileiros são de quatro
cilindros e hoje a média está em torno de oitocentos centímetros cúbicos. Nós tentamos cortar pela metade
tudo o que pudesse. Então, se o número de cilindros é quatro, nós conseguimos reduzir para dois cilindros;
se a potência é sessenta cavalos, nós estamos fazendo um carro de trinta cavalos; se o peso médio de um
carro no Brasil é da ordem de mil quilos, 1100 quilos, nós estamos com 550 quilos, é o nosso peso. Mas
mantivemos algumas coisas que não [se] pode cortar pela metade, que é o número de pneus, que são quatro,
o número de lugares, que são quatro.  E o preço também não se pode cortar pela metade, mas o consumo da
gasolina é menor.
Augusto Nunes: O motor é parecido com os motores Volkswagen?
Amaral Gurgel: Bom, todos os motores... Não. Todos os motores... é um motor dois tempos, é um motor
de dois cilindros ou pós, refrigerado a ar, único no mundo aplicado em automóveis desse tipo, não tem
correia, não tem nenhum... o gerador é acoplado diretamente ao motor, não tem distribuidor. E o sistema
dele de ignição trabalha com um sistema de computador. Esse sistema foi desenvolvido pela Gurgel e pelo
Centro Tecnológico de Informática em Campinas.
Augusto Nunes: O preço do carro, Doutor Gurgel?
Amaral Gurgel: O preço do carro hoje seria da ordem de 150 mil cruzados, com o preço do IPI de cinco
por cento, que nós estamos pleiteando ao governo,  não como subsídio, mas como um estímulo a essa
produção de carros, no início.
José Carlos Marão: Quando é que ele... ?
José Carlos Marão: Existe aí também uma questão prática que é...
Augusto Nunes: Marão.
José Carlos Marão: ... quando haverá uma produção em quantidade suficiente para ser comercializada?
Amaral Gurgel: Como eu já disse, o projeto Finep é um projeto de uma planta piloto de dez carros por dia.
Mas nós precisamos crescer rapidamente essa produção, para atingir duzentos carros diários, ou seja, cerca
de cinco mil carros mensais, sessenta mil por ano, ou seja, seis por cento da produção da indústria
automobilística, para que os nossos carros sejam altamente competitivos e para que possamos passar o
ponto de equilíbrio dessa produção.
[Sobreposição de vozes]
José Carlos Marão: Mas isso em quanto tempo?
Lídia Goldenstein: E se houvesse um IPI mais baixo? Se ele pagasse o mesmo que qualquer outro carro
produzido no país?
Amaral Gurgel: Aí que tem o...
Lídia Goldenstein: Quanto? Qual seria o real preço?
Amaral Gurgel: Seria mais uns vinte por cento acima do valor dele hoje. O IPI hoje no Brasil foi uma...
ainda não está estabilizado, porque o governo, no ano passado, percebeu que havia ágio nos carros, e ele
achou que podia ficar com esse ágio para ele. Então os impostos do IPI foram aumentados violentamente,
atingindo em alguns carros da nossa linha 107%, com mais 30% de compulsório no carro, esses carros
ficaram simplesmente fora do mercado, é ou não é? Então eu acho que é...
[Sobreposição de vozes]
José Carlos Marão: Só voltando à pergunta, você acredita que em 1990, por exemplo, você teria atingido
esse estágio de cinco mil carros/mês?
Amaral Gurgel: Não. Ah... O nosso momento... a nossa projeção é o seguinte: o ano que vem é justamente
[quando haverá] a produção dos veículos da linha piloto, de duzentos carros mensais, dois mil e
quatrocentos carros no próximo ano...
José Carlos Marão: Oitenta e [...].
Amaral Gurgel: Mas ao mesmo tempo, a partir de agora, nós vamos começar a segunda fábrica, que vai
chegar, em janeiro de oitenta e... [19]87, [19]89, a mil carros mensais, subindo mil por mês, todo o ano.
Quer dizer, no primeiro ano mil por mês, no segundo ano dois mil por mês, [em seguida] três mil, [depois]
quatro mil, cinco mil.
José Carlos Marão: [19]93.
Amaral Gurgel: Isso é apenas uma projeção, mais isso aí pode acelerar muito mais, pode atrasar e pode
acelerar.
José Carlos Marão: Vou pedir desculpa ao colega [...] fez a pergunta lá, não é? [José sorri]
Amaral Gurgel: Só pra terminar, só terminar a pergunta do Nassif, que eu não cheguei a responder. Nassif,
os países mais ricos do mundo são aqueles que têm o maior número de automóveis. É uma balela a gente
pensar que a economia de combustíveis... e que os carros gastam gasolina.
Luis Nassif: Mas é a riqueza que leva ao maior número de automóveis, ou é o maior número de automóveis
que leva à riqueza? Não é o contrário, não?
Amaral Gurgel: O número de automóveis leva à riqueza, porque não existe a possibilidade de muitos
negócios, de você não ter um contato pessoal, de ponta a ponta. E não é só [com] automóveis. Os nossos
carros também vão ser transportes pequenos, transporte de carga etc. Hoje os Estados Unidos têm 147
milhões de carros. Os países que... hoje os países do mundo que estão melhores são aqueles que têm o
maior número de carros e consomem a maior quantidade de petróleo, não de álcool, petróleo. Ah... o Japão,
criando essa faixa de dois cilindros, com condições especiais que foram criadas no Japão, e com todas as
vantagens que pode ter um carro de dois cilindros, eles começaram, passaram de cinqüenta mil [e] hoje
fabricam parte, perto de dois milhões de carros, desses veículos pequenos, [o] que trás para o Japão uma
economia fantástica de combustíveis. Então, o projeto nosso, além de abrir um novo mercado para um
pessoal que não tem a possibilidade de comprar um carro e nem tem a possibilidade de manter um carro
usado, que também está muito caro, eles vão ter a possibilidade de economizar combustível, que nós
precisamos. Então, hoje o combustível pesa no bolso do povo de uma maneira fantástica, e é responsável
hoje o preço dos combustíveis também, por grande parte, eu acho que oitenta por cento dos problemas que
nós temos hoje aí, por... gerados principalmente pela imposição do Pró-Álcool.
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, vamos completar a roda com perguntas do Eduardo, do Gustavo e do Ciro,
que eles não fizeram.
Eduardo Souza Ramos: Eu queria, uma pergunta, primeiro, saber quando você pretende lançar o Cena, a
nível do consumidor, e como é que você entende distribuir o Cena? Porque eu sei que um dos grandes
problemas do fabricante, quando ele inicia, é como é que ele consegue montar a sua rede de distribuição que
vai dar a assistência e garantia ao produto.
Amaral Gurgel: Eduardo, nós já temos uma rede de distribuição [de] cerca de sessenta revendedores,
principalmente nas principais capitais do país. O problema de distribuição do Cena não vai ser problema, o
problema vai ser construi-lo, certo?
Eduardo Souza Ramos: Mas quando você pretende lançá-lo ao consumidor?
Amaral Gurgel: Nós temos agora um projeto... estamos analisando, com a CVM [Comissão de Valores
Mobiliários, órgão do MInistério da Fazenda criado em 1976, com a função de assegurar o funcionamento
regular e eficiente dos mercados de bolsa e de balcão], [a possibilidade] de criar uma nova empresa,
chamada Gurgel Motores S.A., e essa Gurgel Motores... a nossa idéia é lançar dez mil títulos de sócios
fundadores dessa nova empresa, com 750 OTNs [Obrigações do Tesouro Nacional, títulos reajustáveis de
acordo com a variação do poder aquisitivo da moeda criados em 1964, no governo do presidente Castello
Branco], o título de sócio fundador. Dessa maneira, nós teríamos a possibilidade de ter o dinheiro em caixa,
a soma de três bilhões de cruzados, para comprar todo o equipamento que vai acelerar brutalmente a
produção do carro e poderá atingir, a curto prazo, a produção de duzentos carros por dia; porque se nós
atingirmos rapidamente essa produção, se você parar no meio, os seus custos são muito altos e talvez você
não atinja aquela economia de escala que é necessário atingir. E também emprestar dinheiro, hoje, três
bilhões a juros de mercado, não tem possibilidade de pagar, e esses juros vão onerar de tal maneira o preço
dos carros no início, que eles vão sair fora de mercado. E os primeiros carros seriam sorteados. À medida
que a empresa vai produzindo, nós daríamos uma preferência total, para entregar esses carros aos sócios
fundadores da empresa, porque o número de pedidos que nós teríamos agora, em carteira, seria mais de
vinte mil, e a Gurgel não tem condições, neste momento, no qual ela está montando uma fábrica piloto, de
entregar vinte mil carros. Mas nós temos muitas, muitas pessoas que estão telefonando, que gostariam de
participar dessa empresa. Eu não tenho capital para fazer isso sozinho e nem tem condições de se emprestar
isso. Nós vamos ter certamente apoio do BNDES, num empréstimo a curto prazo, para ser devolvido, mas
eu acho que a democratização do capital é que vai nos dar a força e o capital para poder produzir esses
carros. A General Motors, por exemplo, nos Estados Unidos, é um grande exemplo. Eles têm seiscentos mil
sócios na General Motors. Foi essa democratização do capital da empresa que levou a General Motors a ser
uma das maiores empresas do mundo hoje.
Augusto Nunes: Gustavo.
Gustavo Correia de Camargo: Agora, o senhor visualizou uma brecha no mercado aí que é um setor
muito oligopolizado, de entrar fabricando um carro pequeno, de dois cilindros, não é? E o governo lhe deu
um apoio nesse sentido, concedendo um financiamento, via BNDES, ou Finep, não é? Desenvolveu o
projeto, tudo. Agora, o governo também tem falado em criar plataformas de exportação e já se falou
inclusive de trazer a Toyota [empresa japonesa do setor automotivo] aqui, por exemplo, para produzir. Quer
dizer, ela não poderia entrar concorrendo nesse mesmo mercado que o senhor está agora, abrindo com um
carro nacional? O senhor não tem receio?
Amaral Gurgel: O governo tem que tomar opção: ou ele deseja criar tecnologia nacional ou ele pode
também destruir tudo. Veja, vários países, por exemplo, como a Argentina, eles resolveram inclusive abrir
as suas portas a carros montados, nem exportação, dizendo que esses carros montados eram mais baratos e
beneficiariam o consumidor. O que eles não perceberam foi que isso gerou um desemprego muito grande, e
gerou um profunda depressão no país, e aquela, no início, aquela vantagem que era dada ao consumidor, do
outro lado causou tantos males ao país, que no fim voltaram atrás, e a Argentina fechou novamente as
portas. Então eu acho que o desenvolvimento tem que ser lento e a Gurgel, nesse caso aí, nós estamos
deixando bem claros, nós não queremos reserva de mercado, porque nós não achamos justo passar ao
consumidor - entendeu? - a ineficiência da empresa. A Gurgel nunca teve nenhum benefício especial, nunca
teve nenhum subsídio, desde agora, começou com quatro funcionários e até agora não teve nenhum
subsídio.
Ciro Dias Reis: Doutor Gurgel, apesar dessa sua ponderação em relação à legitimidade desse dinheiro que
o senhor está tomando emprestado do governo, eu queria saber o seguinte: se o senhor não sente um certo
desconforto por estar dependendo bastante do governo para viabilizar essa idéia - o senhor, que fez até hoje
16 mil carros de [19]69 para cá. Essa é uma primeira colocação. Minha segunda pergunta é a seguinte: todas
as grandes montadoras de veículos no mundo trabalham com o seu planejamento estratégico voltado para os
vinte ou trinta anos seguintes. Então, eu pergunto para o senhor: até aonde vai a Gurgel? E ela vai continuar,
nesse seu projeto de longo prazo, vai continuar sozinha ou uma hora vai ter que se associar a um grupo mais
forte?
Augusto Nunes: Aliás, doutor Gurgel, o Paulo Marques, aproveitando a pergunta, o Paulo Marques, do
Planalto Paulista, quer saber quanto o senhor já recebeu, quanto pagou e quanto deve ao governo? Acho que
as perguntas estão ligadas.
Amaral Gurgel: Bom, o nosso projeto hoje, o nosso projeto é um...
Ciro Dias Reis: Taxas de juros... [risos]
Amaral Gurgel: É um projeto de equipamentos... é um projeto normal de financiamento, de 12 anos, com
correção monetária mais oito por cento. Desse dinheiro, já recebemos cerca de metade, mais ou menos. E a
outra parte, que nós vamos pagar, que é justamente o royalty sobre aquele que... pagamentos de
funcionários de desenvolvimento pessoal, isso vai ser pago na base de dois por cento sobre o faturamento
global da empresa. Nós pretendemos pagar isso em quatro anos, mais ou menos, esse primeiro
financiamento. Ah... quanto à questão de desconforto de [se] pegar um empréstimo desses, assim, não tem
outra saída... Eu gostaria de ter todo o dinheiro meu, possível, eu tive a oferta também de algumas
multinacionais para comprar a empresa...
Gustavo Correia de Camargo: Por exemplo?
[Sobreposição de vozes]
Amaral Gurgel: Mas eu só acho...
Augusto Nunes: Quais foram as multinacionais, doutor Gurgel?
Amaral Gurgel: Ah, posso dizer, a primeira foi a Mitsubishi [empresa japonesa do setor automotivo]. Eles
tinham interesse em entrar nesse campo, não é? Mas o sonho de fazer um carro brasileiro é um sonho de
muito tempo e eu não vou vender essa empresa por preço nenhum.
Ciro Dias Reis: A proposta financeira era boa?
Amaral Gurgel: Era boa: 15 milhões de dólares. Naquele tempo era uma boa proposta.
Ciro Dias Reis: Quando era? Quando foi isso?
Amaral Gurgel: Isso foi uns seis ou sete anos atrás.
Joel Silveira Leite: Doutor Gurgel, todas as tentativas de se fazer um carro urbano, por um lado, e, por
outro lado, de fazer um carro despojado de luxo, por exemplo, as versões... a versão Teimoso, do Gordini, a
versão Pracinha, da antiga DKW, e o Pé-de Boi, do Fusca [Teimoso, Pracinha e Pé-de-Boi foram nomes
escolhidos, em 1965, para denominar as versões populares de modelos nacionais, em um programa do
governo para alavancar a produção e vendas da indústria automobilística], não deram certo no Brasil. E
agora, no período em que o consumidor brasileiro se acostumou a comprar o carro de luxo, a não ligar
muito para o desperdício de combustível, o senhor aparece com um carro que economiza, um carro barato,
mas que não tem o luxo que têm os carros mundiais, por exemplo, hoje consumidos no Brasil. Eu queria
saber, em função disso, qual é o segmento de mercado que o senhor objetiva conquistar [com] o 280M?
Seria o [de] consumidores de carro usado?
Lídia Goldenstein: Posso tentar complementar a pergunta, porque vai no mesmo sentido? As vendas da
indústria automobilística para o mercado interno caíram até agora 39% neste ano, enquanto as vendas
externas aumentaram 66,4%, o que significa que a possibilidade de se contar com o mercado interno, dada a
atual política salarial e o achatamento brutal da renda do consumidor brasileiro, vem sendo bastante
expressiva. Qual é a possibilidade de um projeto como o seu? Qual é a viabilidade, dada uma política
salarial e a distribuição de renda existentes no país hoje em dia?
Amaral Gurgel: A nossa possibilidade...
[Sobreposição de vozes]
Marcelo Bairão: Uma das coisas que a indústria alega atualmente...
Augusto Nunes: [...] não vai lembrar de todas essas perguntas... [risos]
Marcelo Bairão: Uma das coisas que a indústria alega atualmente é que ela não produz o carro de modelo
standard, porque ela não tem lucro, de um lado; de outro, ela alega que o público não gosta de comprar esse
carro, que o público prefere modelos de luxo. Quer dizer, como é que se faz para vender esse carro? É nessa
linha [das perguntas anteriores].
Augusto Nunes: É uma colocação dela [da Lídia].
[Sobreposição de vozes]
Amaral Gurgel: Deixa eu responder isso aqui...
Augusto Nunes: Agora o doutor Gurgel vai responder.
[Sobreposição de vozes e risos]
Amaral Gurgel: Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer o seguinte: o nosso mercado é exatamente o
mercado do Henry Ford, jogando no mercado um carro muito simples, sem luxo nenhum, quando naquele
tempo a classe e as vendas de carro eram carros de sete, oito... nove cilindros, dez cilindros,12 cilindros.
Lídia Goldenstein: [Interrompendo] Essa não é a companhia americana do Henry Ford.
Amaral Gurgel: Essa... ele, então, ele fez um carro que não tinha nada a ver com esse mercado. Agora, no
Brasil, nós estamos em uma situação muito triste, isso por culpa do governo, na maior parte, por não ter a
sensiblidade de analisar o que é a indústria automobilística. O Brasil já produzia em 1979, 1980, quase um
milhão de carros para o mercado interno. E existe no Brasil uma coisa muito triste que se chama CIP, um
órgão que faz as indústrias perderem dinheiro no mercado interno. E isso, naturalmente, forçou a indústria
automobilística brasileira a produzir aqui os carros mundiais, para ter.... para que faça parte de uma
estratégia [cuja lógica é:] se o mercado interno não consome, o mercado externo consome. Então, o
governo... o nosso povo está com uma situação difícil, a renda per capita caiu nos últimos tempos, é muito
triste um povo ter 45 dólares de salário mínimo, que dá um dólar e meio por dia, é uma tristeza isso... É
evidente que só sobrou a classe A-plus, e essa classe média não tem dinheiro, mas não é para comprar nem
carro, é para comprar bicicleta, não é isso? Então, o que acontece? Numa defesa, as multinacionais -
entendeu? - passam a exportar para os seus próprios países [de origem], exportar para as próprias matrizes.
E aí é a grande jogada dessas multinacionais, porque o preço que se paga no Brasil está muito baixo. Se
você pega o preço brasileiro, retira os impostos - entendeu? -, e ainda retira o ICM, retira o IPI, e ainda
recebe 14% de benefício de exportação, o preço fica, sem nenhum dumping, fica muito barato para as
matrizes, e o lucro lá é muito maior do que vender carro aqui. Então, é evidente que qualquer empresa que
tem um pouco de inteligência vai vender o carro onde der mais lucro, esse modelo de carro que der mais
lucro. E como os carros... a exportação hoje é prioritária nessas indústrias, por causa do CIP, eles têm que
fazer carros que atendam aos padrões dos mercados para os quais eles vão exportar. Portanto, é necessário
que eles façam carros cada vez mais luxuosos, exportem o que podem e o resto desses carros fica no Brasil.
Joel Silveira Leite: Doutor Gurgel, o Fusca, o Fusquinha, era muito menos vendido do que o Monza, o
Escort, que são os carros mundiais. Tanto que saiu de linha, quer dizer, ele não era mais procurado pelo
público, embora estivesse aí.
Amaral Gurgel: Não, não é bem assim. Existe uma estratégia de mercado, que você... quem dirige o
mercado são as fábricas, não é o povo que decide isso, quem decide são as fábricas, está certo? Então,
quando um carro, por exemplo, como o Fusca, que era um carro muito caro de produção, eles chegavam a
produzir... são carros com forjados, eles têm motores de... motor a ar, que é um motor que é muito mais
caro, tem blocos de magnésio, tem barras de torção... é um carro caríssimo de produção, pelos modelos
atuais, ele não pode ser robotizado, ele é um carro que foi feito em todos os parafusos, a carroceria é
parafusada em cima do chassis, ele se torna muito caro, entendeu?
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, ...
Amaral Gurgel: E a empresa pode tirar ele de linha, sem que o público queira que tire de linha, certo?
Então existem mecanismos para que esse carro saia fora de linha.
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, é só uma pergunta, acho oportuno fazer agora, porque há dúvidas dos
espectadores em relação ao nome do carro, vamos já esclarecer aí. O senhor José Oliveira, do Aeroporto,
ele certamente assistiu a corrida realizada hoje cedo em Monza, [corrigindo-se] ontem em Monza, e
pergunta: "Por que Cena e não Piquet?"
[Risos]
Augusto Nunes: Então eu já devo esclarecer que Cena é com C, não é? É [um acrônimo de] carro
econômico nacional. Agora, outro telespectador, Clóvis Fernandes, ele pergunta: "Queria saber, quando o
senhor idealizou o carro, o senhor pensou em promover o Ayrton Senna [Ayrton Senna da Silva]? Há
alguma negociação entre a empresa e o piloto?" Eu sei, ao contrário, que o senhor teve algum ligeiro
desentendimento com o Ayrton Senna. Eu queria que o senhor explicasse rapidamente como é que surgiu o
nome e como foi esse desentendimento com o Ayrton Senna?
Amaral Gurgel: O projeto Cena não tem nada a ver com o "seu" Ayrton Senna, que aliás eu admiro muito
como corredor, eu acho um grande corredor, que tem trazido várias vitórias ao Brasil, e hoje, na dobradinha
com... [corrigindo-se] ontem, na dobradinha com Nelson Piquet, ele trouxe mais pontos para o Brasil, quer
dizer, colocando o nome do Brasil bem na frente. Eu acho... admiro muito, mas esses... todos esses pilotos
têm um departamento financeiro, um departamento [de] assessoria de advocacia etc, e quando nós
apresentamos o projeto Cena, C.E.N.A. - Carro Econômico Nacional - ao governo, isso já vem de mais ou
menos uns cinco, seis anos, mas nunca a Gurgel pensou em colocar Cena [como] o nome do carro, nunca
pensou.
Augusto Nunes: Era originalmente o projeto Bastião?
Amaral Gurgel: O projeto Bastião. Que no fim Bastião... acharam que Bastião... como vai chamar um
projeto de Bastião, não é?
Augusto Nunes: É um nome de outro projeto?
[Risos]
Amaral Gurgel: Os outros países não iam entender.
Augusto Nunes: É um nome bastante popular, não é?
Joel Silveira Leite: Foi o primeiro nome dele, não?
Amaral Gurgel: Foi o primeiro nome dele.
Joel Silveira Leite: Por que não manter Tião e Bastião?
Amaral Gurgel: Mas nós vamos fazer um modelo Bastião, do Cena vai derivar o modelo Batião, não está
esquecido.
Luis Nassif: Parece que tem um modelo que é Caribe, não é?
Amaral Gurgel: Caribe.
Luis Nassif: Pois é, isso aí, pensando nos vinte, trinta anos para a frente, isso não significa já um olho no
mercado externo, principalmente na América Central? Até porque o senhor chegou a tentar montar uma
fábrica da Gurgel no Panamá [...]
maral Gurgel: [Interrompendo] Hoje o mercado do Caribe é o nosso maior mercado de exportação, ainda
é.
Gustavo Correia de Camargo: O senhor voltou em julho, se eu não me engano, da Argélia, onde, se não
me engano, assinou lá um protocolo de intenções.
Amaral Gurgel: Marrocos.
Gustavo Correia de Camargo: Marrocos?
Amaral Gurgel: Marrocos.
Gustavo Correia de Camargo: Marrocos, onde também havia engatilhado essa possibilidade...
Amaral Gurgel: Bom deixa só eu responder então à pergunta aqui [dirigindo-se a Augusto Nunes].
Augusto Nunes: O Ayrton Senna; depois o senhor fala do exterior, não é?
Amaral Gurgel: É o seguinte... então não tem nada, o Ayrton Senna não tem nada, o projeto Cena é
C.E.N.A. - Carro Econômico Nacional. Naturalmente, fonologicamente, o nome é muito...  Cena com C se
confunde, na parte de... na parte fonética, com Ayrton Senna, mas, então, tentaram impedir no... no INPI, no
Instituto Nacional de Propriedade Industrial, em uma carta a nós dirigida, que nós não devíamos usar o
nome, que dava confusão. Então nós... não... aliás, não era a nossa idéia. Então nós estamos...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Nem o Cena do senhor corre tanto, não é?
Amaral Gurgel: É. Eu disse ao Ayrton que o rio Sena... o rio Sena já corria antes dele.
[Risos]
Amaral Gurgel: Então não tem nada não, o carro. Aliás, como todas as empresas do mundo estão
percebendo que é melhor não criar nomes fantasia, e todas as grandes empresas, como a Mercedes
[Mercedez-Benz, marca alemã de autoveículos criada em 1924, pertencente ao grupo Daimler AG. É a mais
antiga empresa do setor no mundo], não usam mais nenhuma fantasia no nome, é 450SL, Peugeot [empresa
francesa do setor automotivo] é 205GL, e várias empresas, a Citroën, AX, BX, CX e várias... várias... várias
fábricas do mundo estão abandonando os nomes fantasias, porque são investimentos muito caros. E veja
quantos nomes brasileiros já estão na lata de lixo - entendeu? -, e de quanto foi gasto para promover os
nomes que não existem mais. Então a Gurgel tomou a decisão de tomar...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Agora, ...
Amaral Gurgel: ... só em números, por exemplo.
Augusto Nunes: Agora, a situação da posição da Gurgel frente ao mercado externo.
Ciro Dias Reis: Só completando a pergunta do Gustavo, ele citou Marrocos, eu me lembro de pelo menos
outros mercados que o senhor chegou a citar, como interessantes, potencialmente interessantes para a
Gurgel, que vão desde China e Estados Unidos até Indonésia, passando ainda por Cuba. Então, eu queria
que o senhor fizesse um comentário desses seus... desses seus planos, de acordo com o tamanho da sua
empresa, como ela é hoje. Como é que o senhor casa [esses interesses]?
Eduardo Souza Ramos: O governo, ao lhe dar o empréstimo, criou alguma obrigatoriedade de
fornecimento ao mercado interno antes da exportação?
Amaral Gurgel: Não, não criou, mas eu acho que a nossa obrigação é formar primeiro o mercado interno.
Ele  [dirigindo-se a um dos entrevistadores] está perguntando sobre outros países. A Gurgel desenvolveu
um processo de produção - aliás, vocês também - de produzir carros com menos investimento e mais mão-
de-obra. Quer dizer, você, em vez de gastar uns bilhões de dólares para fazer uma fábrica, você pode reduzir
essa fábrica a um nível de mão-de-obra de 1920, nos Estados Unidos, por exemplo, e ainda produzir
economicamente, porque a nossa mão-de-obra, hoje, de 45 dólares por mês, comparada com uma mão-de-
obra nos Estados Unidos de setecentos dólares por mês é ridícula, comparada com os Estados Unidos.
Então, existe muito mais interesse em se investir mais em mão-de-obra - não é? -, criar mais empregos. Eu
costumo dizer que o Brasil tem uma fábrica fantástica que está produzindo muito bem, que é a fábrica de
crianças, produzindo três milhões de crianças por ano, e nós temos que criar emprego para essa turma, para
essas crianças que produzimos. Hoje, metade, um milhão e meio, precisa arranjar um emprego, e vinte por
cento das mulheres precisam achar um emprego, arranjar um emprego. Portanto, o Brasil tem uma
necessidade hoje, urgente, de criar 1 milhão e 800 mil empregos, e não tem a possibilidade de perder
nenhum emprego daqueles que já existem. Essa devia ser uma meta do Almir Pazzianotto, quer dizer, não
pode criar mais empregos. Quer dizer, o Brasil precisa gerar mais empregos para não ter esse nível de
miséria que nós estamos tendo hoje. Então, nós podemos fazer fábricas hoje, de mão-de-obra mais intensiva
do que a normal, evitando usar, se não for necessário, os robôs para produzir, a não ser aqueles que têm
necessidade de ser utilizados para manter uma qualidade, ou manter também uma precisão, que é necessária
hoje. Nós descobrimos, então, um sistema de produzir carros até três, quatro, cinco mil carros por ano, com
investimentos menores, e esses países estão muito interessados, não é? Mas geralmente são países de
estabilidade política muito... muito difícil, tá? O Panamá, por exemplo, nós tivemos muitos problemas,
temos um terreno lá, e nos últimos sete ou oito anos já trocaram cinco ou seis generais e mais ou menos seis
presidentes. Quando está tudo acertado, troca tudo.
Luis Nassif: Com relação a essa questão de estabilidade, como é que uma fábrica de front que nem a do
senhor, como é que faz para conduzir com essas maluquices da economia de Plano Cruzado, e depois uma
depre... uma recessão, e agora um buraco negro que não sabem onde que vai dar. Como é que dá para o
senhor, sem o fôlego financeiro das grandes montadoras, sem o aporte externo inclusive, arriscar planos de
longo prazo como esse? Como é que o senhor tem segurado nesses dias todos?
Augusto Nunes: Eu queria pedir que depois da resposta ao Nassif os nossos entrevistadores e o senhor
dessem licença para um curto intervalo.
Amaral Gurgel: Tá bom.
Augusto Nunes: Por favor, pode responder à vontade.
Amaral Gurgel: Bom, evidentemente é o seguinte, ô Nassif, eu citei uma vez, acho que neste programa,
quando eu estive no Panamá, eu tive o prazer de conhecer o ministro de Planejamento do Japão, e
conversamos sobre várias coisas e tudo... e eu falei: "Ministro, me diz uma coisa, por que o senhor está aqui
hoje?" [ao que ele respondeu:] "Gurgel, porque no ano 2050, 2100 nós estamos projetando grandes navios
para baratear custos de transportes e tudo. Estamos pensando em navios-fábricas, um navio, por exemplo,
que vai em Carajás, pega o minério e entrega chapa nos Estados Unidos, e já deixa os detritos no meio do
mar.". Então, pensando nisso... e nós não poderemos construir esses navios se não resolvermos o problema
do Panamá, do canal, porque o canal tem cem pés de largura, que são 33 metros, e nós precisamos de um
canal que tenha mais de cem metros de largura...
Gustavo Correia de Camargo: [Interrompendo] Deixa só eu perguntar, o senhor já planejou a sucessão na
sua empresa?
Amaral Gurgel: Bom, deixa eu terminar a primeira coisa aí.
Augusto Nunes: Exato, é.
Amaral Gurgel: Eu estou já no ano 2000 e...
[Risos]
Amaral Gurgel: Então nós temos que passar por aqui e nós temos que investir agora. Nós estamos
pensando em conversar com os Estados Unidos e o próprio Brasil, que tem interesse na passagem de suas...
escoar... escoar os seus produtos aqui pelo canal, de propor ao governo panamenho um canal livre, e nesse
canal vão ser investidos da ordem de 27 bilhões de dólares  - entendeu? -, e sem esse canal estar pronto nós
não podemos começar a projetar os nossos navios. Falei: "ministro, muito bem, mas e o Japão, como é que
vai?" Ele falou: "Não sei, Gurgel, porque o meu Japão começa no ano 2000 e termina no ano 2300. Se eu
ficar pensando no Japão de hoje, quem é que vai pensar no Japão do ano 2000?" Isso me deu um calafrio
por dentro. Então, é o seguinte: o que você falou é uma coisa que tem que ser analisada pelo governo
brasileiro. Não se pode viver de sobressaltos - entendeu? -, como aqui. Então, uma fábrica no Japão... ela
está muito aquém do planejamento do governo, mas eu posso dizer que a nossa fábrica está muito na frente
do planejamento do governo brasileiro. Então você não tem posição de... você não tem bases, você não tem
diretrizes para você projetar a sua fábrica, você não sabe o que vai acontecer amanhã, não é isso? Eu
costumo dizer que às vezes o governo brasileiro... ele está agindo no momento como a pensão da dona
Joana. A dona Joana vê todo mundo tomando banho quente nos seus banheiros e fala: "Olha, estão gastando
muita energia. Vamos desligar o aquecedor central.". Então desliga. Fala: "Desliguei o aquecedor e
continuam todos tomando banho e cantando.".
[Risos]
Amaral Gurgel: Aí, o último do corredor grita: "Dona Joana, está esfriando a minha água aqui!". Aí a dona
Joana fala: "Isso, isso é um problema setorial. Está esfriando e..."
[Risos]
Augusto Nunes: [Interrompendo] Doutor Gurgel, eu pediria licença então, ao senhor para [...] os nossos
[...].
Amaral Gurgel: Não tem problema.
[intervalo]
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, tem um assunto que está interessando vivamente aos nossos
telespectadores que estão telefonando, que é a utilização de gasolina como o combustível do Cena. Então,
há várias perguntas que eu vou resumir aqui, depois uma pergunta sobre o mesmo assunto, que vai ser
formulada pelo doutor José Goldenberg, reitor da USP, que vai entrar por aqueles monitores. Pergunta, por
exemplo, Sidnei Dias, das Perdizes: "O fato de o motor do carro ser a gasolina significa um repúdio ao Pró-
álcool?". João Adalberto, de Jaguaré: "O governo vai exigir que o novo motor seja a álcool?". "O senhor
continua a achar que o Pró-álcool é um programa inviável para o Brasil?" - é uma pergunta de Antônio
Pereira os Santos, do Butantã. E há várias outras perguntas no mesmo sentido. Então, eu gostaria que o
senhor ouvisse, acompanhasse a pergunta do doutor José Goldenberg, e em seguida desse uma resposta
abrangente.
[VT de José Goldenberg]: Doutor Gurgel, o senhor tem feito manifestações freqüentes contra o programa
do álcool. Eu não entendo qual é a razão do seu encarniçamento contra um programa que basicamente
converte energia solar num combustível tão bom quanto a gasolina. No ponto de vista da sua utilização nos
automóveis, tanto faz se o combustível é a álcool ou gasolina. Qual é a base mais profunda das suas
reservas em relação ao programa do álcool?
Augusto Nunes: Aliás, doutor Gurgel, o senhor fabrica também veículos movidos a álcool, não é?
Amaral Gurgel: Bom, eu vou dizer o seguinte, Goldenberg, meu amigo, professor do meu filho, no
começo eu fui um dos grandes entusiastas do programa do álcool. Aliás, na primeira maratona que houve no
Brasil, ela tinha três carros: um Gurgel a álcool, um Volkswagen a álcool e um Dodge 1600. Quando
mudamos a fábrica para Rio Claro, no começo eu analisava o combustível sob só o ponto de vista
combustível. Quando eu mudei para Rio Claro eu comecei a analisar o problema social do álcool e concluí
que era o pior programa que já se fez na história do mundo, para um país. É um programa destrutivo,
altamente destrutivo da nossa economia, é um programa que vai destruir a Petrobras, se continuar no
mesmo sistema, é um programa que vai destruir os usineiros, é um programa que vai destruir todo o nosso
povo e é um programa que vai destruir o nosso futuro, e já está destruindo. Então isso responde à pergunta
do meu amigo José Goldenberg. Não tenho nenhum... o problema é só científico, porque não existe um
programa mais mentiroso no Brasil e mais maléfico para o Brasil do que o programa do Pró-álcool.
Augusto Nunes: Mas o senhor está falando da questão agrícola, não é, doutor Gurgel?
Amaral Gurgel: Em primeiro lugar, eu gostaria de... há uma propaganda hoje, inclusive contra o aiatolá
Khomeini, que foi revista, e vai mudar até, inclusive, o tema desta entrevista, desses anúncios que estão
saindo. [Em] Primeiro lugar, é preciso verificar que o primeiro problema é o seguinte, que não se explica
muito bem: existem dois tipos de álcool; existe um álcool que é o álcool anidro, que é praticamente cem por
cento puro e ele é miscível à gasolina - ele substitui, até com vantagens, o chumbo  [...]. Portanto, quando
me dizem que eu sou contra o Pró-álcool, eles não têm a capacidade de fazer discernimento daquilo que eu
estou dizendo. O álcool... o problema do álcool anidro pode salvar o Pró-álcool e pode salvar o Brasil.
Então, o álcool anidro é um... ele tem preço... ele tem condições de substituir [...], diminui a poluição. E
como o álcool tem um poder calorífico muito baixo, mas tem uma octanagem muito alta, se misturado à
gasolina, ele pode melhorar essa gasolina, e a Petrobras poderia voltar, na minha opinião, a fazer a gasolina
azul [gasolina especial, de alta octanagem e alto desempenho. Era vendida  nos postos a um preço mais alto,
mas, com a crise do petróleo, parou de ser fornecida pela Petrobras e foi totalmente substituída pela
gasolina comum misturada ao álcool, de desempenho inferior], inclusive com aditivo de álcool anidro.
Agora, como combustível, o Pró-álcool é uma desgraça total. Ele tem somente 6 mil e 200 quilocalorias por
quilo, tem uma eficiência muito baixa e tem um preço fantasticamente alto. Hoje os usineiros dizem que o
barril de álcool custa da ordem de cinqüenta dólares. Mesmo se fosse isso já seriam duas vezes e meia o
preço do... duas vezes e meia o preço do petróleo. Mas acontece que o álcool, hoje, quando se fala em
produzir em uma usina, o professor Goldenberg diz que é o sol que faz a transformação... do sol em energia.
Não é bem assim, professor. O Pró-álcool hoje... foi feito um balanço energético pelas empresas
multinacionais, a [...] University, dos Estados Unidos, provou que o álcool hoje no Brasil... o balanço
energético do Pró-álcool é quase zero. Existem usinas no Norte cujo balanço é negativo, ou seja, a
quantidade de combustível e de energia que se coloca dentro de uma usina é maior do que aquela que está
saindo. E o pior: consumimos no Pró-álcool uma quantidade fantástica de petróleo porque os usineiros
dizem, por exemplo, dessa passagem do... que o nosso álcool não passa pelo Golfo Pérsico, mas para
produzir álcool passa o petróleo que vai produzir o álcool no Brasil. Hoje, a extração do calcário, para poder
adubar as terras do Pró-álcool, é movida a diesel. Os caminhões que levam o diesel à usina de álcool são
movidos a diesel, as bombas são movidas a diesel, os tratores das empresas de álcool são movidos a diesel,
os caminhões que transportam a cana para a usina são movidos a diesel. Esses caminhões chegam a fazer, às
vezes, duzentos quilômetros, transportando algumas toneladas de cana, e vão vazios, voltam cheios. Os
veículos que distribuem o álcool por este país todo... porque, por exemplo, no Rio Grande do Sul não [se]
produz álcool e tem que levar... são movidos a diesel. Portanto, é preciso fazer um balanço, e quando se diz
que se nós produzíssemos duzentos mil barris de petróleo por dia, por uma questão pelo menos de decência
e de sinceridade ao povo, diz quanto de petróleo foi consumido para produzir 200 mil barris de petróleo por
dia.
Marcelo Bairão: Doutor Gurgel, eu tenho uns dados aqui que dizem o seguinte: que o álcool que é
produzido hoje no país equivale a duzentos mil barris de petróleo/dia, a produção brasileira é da ordem de
seiscentos mil barris de petróleo/dia e o Brasil importa quinhentos mil barris de petróleo/dia. Existe um
estudo, feito pelo próprio governo e por vários órgãos do governo, de que em 1995 o valor da gasolina no
mercado internacional, na previsão da Petrobras, será de 21,5 dólares o barril e a previsão do Departamento
de Energia dos Estados Unidos é de que será de 33,5 dólares - está certo? -, mas há estudos mais recentes já
feitos mostrando que o álcool e a gasolina... praticamente já cruzaram os preços dos dois, que hoje os dois
situariam por volta de 31 dólares o barril. O senhor acha que isso é uma mentira?
Amaral Gurgel: Isso é uma grande mentira.
Marcelo Bairão: Mas por quê? Eu queria que o senhor explicasse.
Amaral Gurgel: Não, é o seguinte: em primeiro lugar, existe o barril de álcool e o barril de petróleo.
Evidentemente que você... um barril de petróleo... você, tendo 6200 quilocalorias por quilo, você não pode
comparar com um barril de petróleo que fornece o diesel, que fornece a gasolina, que fornece o querosene
etc. Portanto, você tem que analisar também o rendimento dos motores que vão ser utilizados, está certo?
Existem estudos também que [mostram que] se uma usina de álcool... já que o combustível é um
combustível fantástico e tem o mesmo preço que o petróleo, por que [é] que os usineiros não usam seu
próprio combustível para produzir álcool? Existe uma resposta para isso: se todo o equipamento de uma
usina de álcool hoje, para ficar auto-suficiente, para não depender de senhor aiatolá Khomeini, ele precisaria
passar todos os seus caminhões e todas as suas máquinas movidos a álcool. Agora então, estão cortando
também... as máquinas de corte de cana que estão substituindo os bóia-frias já - estão perdendo o emprego
dos bóia-frias - também são movidas a diesel. Então, se o combustível é bom, por que o próprio fabricante
de combustível não utiliza, em nenhuma de suas áreas, nenhuma dessas áreas? Portanto, eles sabem muito
bem que se eles passarem a utilizar esse combustível, não vai ter álcool para vender. Esse é o primeiro
ponto.
Marcelo Bairão: Será que não é porque a indústria produz muito carro? Por exemplo, hoje está exportando
muito. Os carros exportados são movidos a gasolina e ela [a indústria] não tem muito interesse em
produzir....
Amaral Gurgel: [Interrompendo] Carros a gasolina?
Marcelo Bairão: ... carros a álcool nessa proporção.

É
Amaral Gurgel: Não, deixa eu terminar, então. É o seguinte: o balanço energético das usinas é quase zero.
E veja só o que está acontecendo com o Brasil, se nós continuarmos nessa loucura de continuar produzindo
veículo a álcool. Primeiro que, voltando ao preço, esse preço não é real. Hoje, o litro.... hoje, um barril de
álcool, se fosse utilizar álcool, hoje ele custa da ordem de noventa dólares o barril equivalente, o álcool,
porque eles têm que verificar que um carro a diesel consome... ele consome... ele consegue rodar três vezes
o que consegue rodar um carro a álcool. Até com óleo de dendê, até com óleo marinho.
José Carlos Marão: Só para levantar, o motor, sendo adiabático [impermeável ao calor], ele não soluciona
tudo o que você colocou aí?
Amaral Gurgel: Ele melhora muito a nossa produção aí.
José Carlos Marão: [Falando junto com Gurgel] Inclusive em motores menos nobres e em quantidade em
áreas menores.
Amaral Gurgel: Não, outra coisa, também, que eu acho a maior loucura é a utilização das áreas agrícolas
para produzir comida. Plantar energia hoje, é impossível plantar energia.
Marcelo Bairão: Tem uma história lá em Rio Claro, de um fulano, que tinha um caminhão, que vendia
verdura, não é?
Amaral Gurgel: É,  ele... hoje nós estamos destruindo toda a nossa economia e eu tenho certeza de que
80% dos problemas do Brasil estão no Pró-álcool de hoje.
Augusto Nunes: Que história é essa a que se referiu o Marcelo Bairão, doutor Gurgel?
Amaral Gurgel: Ah, os usineiros... antigamente tinha um amigo meu, ele ia nas fazendas e comprava...
comprava alimento e vendia na cidade. E um dia eu [me] encontrei com ele e disse: "como é que vai o
negócio?". Ele disse: "Vai bem, só que agora eu vou ao Ceasa  de São Paulo [um dos  maiores centros
atacadistas de alimentos do mundo, o Ceasa/SP é administrado pela Ceagesp. Por seus portões passam
diariamente cerca de 10 mil toneladas de frutas, verduras, legumes, pescados e flores, que chegam de 1.300
municípios brasileiros e de outros países] , compro alimentos e levo nas fazendas, e tenho certeza de que
uma parte desses alimentos está vindo da Europa, está vindo dos Estados Unidos, está vindo..." Então nós
estamos importando comida. Quer dizer, um país hoje que não consegue alimentar os seus próprios filhos -
entendeu? -, é um país desacreditado, um país que precisa importar alimentos, e tem que importar alimentos
por bilhões de dólares de alimento, dizendo que tem as melhores terras, que tem uma produção muito
grande.
José Carlos Marão: Como é que um Pró-óleo poderia melhorar a situação em relação ao Pró-álcool nesses
tempos?
Amaral Gurgel: Eu acho o seguinte, eu acho o seguinte viu....
José Carlos Marão: [Interrompendo] Só esclarecendo....
Amaral Gurgel: O melhor substituto hoje do petróleo nacional,  [corrigindo-se] do petróleo importado, é o
petróleo nacional. O Pró-álcool já custou ao país, pelas minhas contas, em prejuízos e deterioração de vida -
e impõe aos brasileiros um preço fantástico de álcool -, mais de vinte bilhões de dólares de prejuízo desse
Pró-álcool. É uma coisa muito triste, entendeu? E essa coisa continua...
Augusto Nunes: Agora, o senhor desculpe, nós temos alguns especialistas aqui, mas os nossos
telespectadores, poderão não saber o que é o Pró-óleo, exatamente.
José Carlos Marão: Não. Foi divulgado recentemente, a [revista] Quatro Rodas divulgou primeiro, a
existência de um motor que pode funcionar com qualquer tipo de óleo, com um óleo que não precisa ser
refinado, um óleo, vamos dizer, em termos de hoje, grosseiro. O próprio Gurgel conheceu esse motor, andou
no carro, foi convidado a ser o fabricante desse motor no Brasil, até onde eu sei ele não aceitou. Mas parece
que esse motor resolveria alguns dos problemas que o Gurgel colocou aqui, que é aquele da energia a ser
produzida com esse próprio motor, enfim, com esse próprio combustível.
Amaral Gurgel: Bom, Marão, eu acho o seguinte: no momento não existe nenhuma possibilidade de se
plantar alimentos economicamente, de plantar...
José Carlos Marão: Combustível.
Amaral Gurgel: ... combustível, economicamente. Nós... se nós tivéssemos investido todo esse dinheiro do
Pró-álcool na Petrobras e [se] não se fizesse a Petrobras quebrar, como ela está quebrando por causa do Pró-
álcool, nós já poderíamos estar auto-suficientes em petróleo hoje no Brasil. E do jeito que vai indo a coisa, a
Petrobras quebra de qualquer maneira, porque é o seguinte: ...
Marcelo Bairão: Doutor Gurgel, por que é que quebra a Petrobras?
Amaral Gurgel: Veja só porque [é] que quebra. Porque hoje a parte mais... o filé mignon hoje do petróleo é
a gasolina, para você vender para as classes mais ricas. É um... ele tem melhor preço de que os outros,
porque você precisa... você precisava de petróleo mais barato para o transporte básico e você pode colocar
um pouco a mais na gasolina; são os carros que são os da classe mais rica. Produzindo 94% de carros a
álcool, logo, logo - você entendeu? - a frota nossa vai estar toda a álcool. Para produzir esse álcool, nós
vamos importar uma quantidade fantástica de petróleo e a Petrobras não tem mais dinheiro para investir
hoje, está sem dinheiro para investir em novas prospecções, está certo? E a Petrobras hoje está aí vendendo
o excesso de gasolina que nós temos por cerca de 23 dólares o barril, ou seja, mais ou menos da ordem de
seis cruzados o litro de gasolina azul. Veja que loucura que nós estamos fazendo: a maior parte dos carros
produzidos no Brasil são a gasolina. A parte fantástica desses carros a gasolina [é que eles] são exportados a
preços especiais para outros países. Nós exportamos táxis [movidos a] diesel para outros países, que não
pagam IPI, não pagam ICM, não pagam e ainda recebem 14% de benefício, e esses outros taxistas dos
outros países recebem esses carros que fazem 18 a vinte quilômetros por litro de óleo diesel; e nós
proibimos o nosso chofer de praça utilizar esse carro dentro do país. O carro bom nós exportamos e a
porcaria fica dentro do país, certo? Eu acho que isso aí é um crime contra o povo brasileiro. Pelas minhas
contas, se nós passássemos hoje a fazer gasolina azul - e agora, nesse caso, Deus foi brasileiro -, nós
podíamos transformar toda essa frota de álcool - porque ela já tem compressão muito alta, de 12 para um -,
com uma pequena junta no cabeçote esses carros podiam ser transformados facilmente para carros a
gasolina azul e a Petrobras está exportando essa gasolina azul a cinco, seis cruzados o litro.
Lídia Goldenstein: Mas, doutor Gurgel, e a nossa dívida externa? A necessidade de gerar dólares é algo
concreto, porque nós estamos... hoje em dia o Brasil...
Amaral Gurgel: [Interrompendo] Se a senhora, se a senhora...
Lídia Goldenstein: ... é um exportador líquido de dólares.
Amaral Gurgel: Se a senhora destrói a economia de um país, ela não tem nem mais a capacidade de gerar
dólares. Então é o seguinte, veja o caso do Japão.
Lídia Goldenstein: Eu concordo com o senhor, mas que outros tipos de solução o senhor proporia para o
nosso problema externo?
Amaral Gurgel: Nós temos... o problema externo é um problema interno. Nosso problema externo é um
problema interno. No momento em que nós acertarmos... por exemplo, hoje, a minha solução seria o
seguinte: o Pró-álcool pode... o Pró-álcool... o álcool anidro pode salvar o usineiro, pode salvar o Brasil. O
carro a álcool hidratado destrói o país e eu não dou 360 dias para nós termos uma explosão total da nossa
economia, [de modo a] entregar este país para outros países que vão tomar conta do nosso país. Nós
estamos vendendo o nosso Brasil hoje.
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, a propósito, parece que vários telespectadores se preocupam com a
questão das relações entre a Gurgel e as multinacionais. Um exemplo de perguntas que nos chegam...
exemplos: "Qual é a pressão que o senhor sofreu, ou espera sofrer, das multinacionais?"; "O senhor não tem
medo de que as multinacionais automobilísticas sumam com o senhor e o seu projeto?" - uma preocupação
um pouco mais aguda [risos gerais] -; "Eu gostaria de saber se a indústria automobilística, realmente
nacional, sofre pressão de grupos automobilísticos... de grupos multinacionais.", a questão do
desenvolvimento dos seus projetos e assim por diante. Como é que o senhor se... como é que o senhor
enfrenta a concorrência das multinacionais? E como é que o senhor se relaciona com essas empresas de...
enorme porte?
Amaral Gurgel: O senhor perguntou se...
Joel Silveira Leite: É o seguinte: com relação à redução do imposto do projeto Cena, existe uma pressão
das multinacionais...
Amaral Gurgel: Existe.
Joel Silveira Leite: ... contra... contra o governo ceder?
Amaral Gurgel: Existe, existe. Quanto à questão que você me perguntou, se eu não tenho medo [de] que
elas façam isso, quero dizer o seguinte: eu não tenho medo de nada; eu tenho uma missão a cumprir e acho
que tenho que fazer aquilo que eu acho que tem que ser feito. Se eu tivesse medo, eu não estaria falando
aqui contra o Pró-álcool.
Ciro Dias Reis: O senhor acha que tem a possibilidade de sumirem com o senhor?
[Risos]
Amaral Gurgel: Eu não sei, eu acho que não. Eu acho que não tem a possibilidade. Eu acho difícil, não é?
Ciro Dias Reis: Agora, como essas pressões das multinacionais às quais o senhor se refere - não é? -, como
elas se materializam, como elas se manifestam?
Augusto Nunes: Eu gostaria, doutor Gurgel, até aproveitando a pergunta, que o senhor fosse um pouco
mais explícito sobre como é que elas pressionam, que tipo de pressão efetiva o senhor recebeu, como é que
o senhor reage...
Amaral Gurgel: Bom, é o seguinte: o projeto Cena e a pressão que a gente está sofrendo, e as dificuldades
que estamos tendo significam que o projeto está no caminho certo, porque se o nosso projeto fosse um
projeto errado não teria pressão nenhuma. Deixa explodir de uma vez, certo?
Augusto Nunes: Que tipo de pressão, doutor Gurgel?
Amaral Gurgel: As pressões... as pressões são o seguinte: nós escrevemos à Anfavea .. a primeira vez que
nós escrevemos à Anfavea sobre o nosso projeto, nós recebemos um telex muito...
Augusto Nunes: Anfavea, desculpe, é Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores.
Amaral Gurgel: A Anfavea é a nossa associação, a nossa associação. Só que lá eu sou um estranho no
ninho, certo? Porque a nossa idéia era pedir uma reserva temporária de mercado, para que a Gurgel pudesse
atingir a produtividade, passando seu ponto de equilíbrio. Então, uma vez que passou o ponto de equilíbrio,
então tudo bem, quer dizer, eu queria só um tempo, para poder desenvolver a empresa, e eu acho que a
gente compara uma árvore... por exemplo, você pode ter uma árvore transplantada, já em tamanho muito
grande, ou você pode plantar uma semente, para chegar na mesma árvore, não é? Mas se você, nessa
semente, em volta, não puser um quadradinho em volta dela para ela ser protegida, só durante o tempo
[para] que ela adquira um certo porte, ela vai ser pisada. É justamente esse quadradinho que eu estou
pedindo ao governo, para que não seja pisado.
Augusto Nunes: O senhor estava falando das pressões...
Amaral Gurgel: É, eu continuo dizendo que isso aí é uma loucura, porque se não concordar de maneira
alguma nem em reservas temporárias, isso aí... não é, porque...
Luis Nassif: O senhor desculpe, mas... digamos que eu venho a instalar uma barraca no Ceasa e  [que]
pedisse para associação dos feirantes do Ceasa permitir que só eu comercializasse tal coisa. Isso é contra...
Quer dizer, até que ponto que isso aí é uma defesa natural, digamos, de um setor? Ou é o seguinte: eu queria
que o senhor diferenciasse as pressões indevidas daquelas pressões que são defesas do setor que a entidade
representa.
Amaral Gurgel: Veja só, evidentemente que não vai haver nenhuma pressão ostensiva, direta, porque essas
pressões ostensivas... é mais fácil de você defender. As pressões são pressões e são conversas, são lobbies -
entendeu,? - por baixo do pano, que a gente até...
Augusto Nunes: [Interrompendo] Vai haver falta de componente para os seus produtos de linha?
Amaral Gurgel: Não, não vai, não. Nós temos uma rede de fornecedores bastante boa. Evidentemente que
a Gurgel, da mesma maneira que Henry Ford apareceu com aquele carro lá... mesmo porque, da mesma
maneira que a Honda, lá no Japão, começou a fazer os automóveis com motor de motocicleta de 360 e hoje
é uma ameaça mundial e tem os carros fantásticos; da mesma maneira que a Citroën Deux-Chevaux fez
aquele carrinho que era o patinho feio, uma coisa horrorosa, conquistou o mercado e conquistou lugar de
destaque na indústria francesa, da mesma maneira que a Volkswagen, quando o [...] precisava de apoio
popular e lançou o Fusca, na presença de alguns milhões de pessoas, e o Volkswagen, aquele patinho feio,
ele acabou também sendo... se transformando na maior fábrica de automóveis da Alemanha. Evidentemente
que nós estamos seguindo esse mesmo caminho e se o nosso projeto funcionar nós vamos ameaçar - certo?
-, vamos ameaçar, porque sempre que se começa pelo caminho menor... o Ford começou pelo modelo T e
hoje faz modelos tão lindos quanto os outros carros, e vai subindo na escala. O próprio Volkswagen
abandonou o Fusca o ano passado - é ou não é? -, mas foi a maneira que ele chegou para ...
[Sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: O senhor não vende a Gurgel por preço nenhum? Este programa está sendo gravado.
[Risos]
Amaral Gurgel: Não.
Augusto Nunes: Não vende?
Amaral Gurgel: Não vendo.
Lídia Goldenstein: O senhor, da mesma forma que eu, concordando com o senhor, acho que o senhor
precisa de um... como uma sementinha, de um engradado em volta para se proteger de um mercado que é
oligapolizado e muito forte, eu acho que a população em geral precisa dessa defesa que é feita através do
CIP, do Conselho Interministerial dos Preços, que eventualmente pode ter atuado de maneira errada, com
políticas erradas, mas que como idéia, como maneira de defesa da população, para evitar processos
inflacionários, e para evitar inclusive que os oligopólios façam uma política de manutenção de margem de
lucros e se defendam através dos preços em um momento de aceleração, a única defesa que a população tem
é com o Conselho Interministerial dos Preços, o qual o senhor condena veementemente.
Amaral Gurgel: [Interrompendo] Não, não, não.
Lídia Goldenstein: Não seria um tratamento um pouco desigual?
Amaral Gurgel: Eu não posso...
Lídia Goldenstein: O senhor quer defesa, mas a população, com [...] ...
Amaral Gurgel: [Interrompendo] Não, não. Eu não sou... não é bem assim... O CIP tem provado já várias
vezes neste país que está sempre contra a população. Eu não chamo... o CIP [a meu ver] é [a sigla de]
comissão de incremento de preços, está certo? Porque ele nunca baixou o preço de nada, ele simplesmente...
a não ser quando ele não aprovou ainda, mas, do momento em que você "cipa" [do verbo "cipar",
neologismo] alguma coisa, do momento em que você faz a empresa privada perder dinheiro, produzindo, a
empresa se descapitaliza, a empresa brasileira, a empresa deixa de ter interesse em um determinado produto
e o preço do produto - entendeu? -...  o produto é escasso, e quando não tem o tal produto na praça, os
preços vão pelos ágio, está certo? Então, o que aconteceu? O governo "cipou" a indústria automobilística o
ano passado, o meu amigo Dilson Funaro, e, no dia 28 de fevereiro, a indústria estava trinta por cento
defasada de preços. Ele disse que o preço do carro era inflacionário, eu não concordei com ele, porque
apenas meio por cento do [povo] brasileiro pode comprar um carro, um automóvel, meio por cento, e 99,5%
da população que não pode comprar um automóvel, portanto, foi "cipar" um preço de uma coisa que não
tinha nada que ver com a inflação.
Ciro Dias Reis: [Interrompendo] Agora, doutor Gurgel, ...
Amaral Gurgel: Só terminando só, então é o seguinte: o que aconteceu? "Cipou" a... congelou o preço de
tudo, a poupança foi para 0,5% ao mês de juros, está certo? E os preços abaixo... e o CIP abaixo... e os
carros abaixo do preço, todo mundo correu em cima dos automóveis, todo mundo correu que nem louco
para comprar alguma coisa de valor, porque achava que aquilo lá não ia funcionar muito tempo, como não
funcionou. O que aconteceu? Os preços foram lá para cima - entendeu? -, dando ágio, e o governo achava
que ele podia passar a mão nesse dinheiro, porque o governo tem um déficit público muito grande e precisa
desse dinheiro, achava que esse ágio ele podia pôr no bolso. De que maneira? Ele colocou 30% de
compulsório em cima do veículo, alguns IPIs passaram de 30%, para 107%, os preços dos carros
quintuplicaram em pouco tempo e o CIP se foi. Isso aí depois que o governo pensa, sabe? Antigamente já
estava "cipado", mas depois que o governo, ele... ele resolveu o problema e legalizou a situação do preço do
carro... se o governo tivesse deixado os ágios.... a minha empresa, por exemplo, estaria com dois anos, três
anos de firma.
Ciro Dias Reis: Mas, por exemplo, o CIP...
Marcelo Bairão: [Interrompendo] Não é importante, só... só para entrar aí...
Ciro Dias Reis: É importante o valor do CIP, porque... anterior ao Plano Cruzado, acho que é importante,
que muita gente não sabe, o senhor, por decisão própria, resolveu não obedecer o tabelamento do carro do
CIP, não é? O senhor passou a registrar os seus veículos pelas então ORTNs [Obrigações Reajustáveis do
Tesouro Nacional, título público federal criado pelo Tesouro Nacional, à época do Plano Cruzado, com a
finalidade de reajustar as remunerações pelo índice inflacionário].
Amaral Gurgel: E o salário também, dos nossos funcionários.
Ciro Dias Reis: É, eu acho que é uma... é uma colocação que talvez o senhor pudesse fazer. O senhor falou
que sofreu, eventualmente o senhor [ainda] sofre, pressões das multinacionais. O senhor não sofreu pressões
do governo, quando o senhor decidiu, unilateralmente, não obedecer o CIP e fazer aumentos mensais?
Marcelo Bairão: Eu queria que, se o senhor me permite...
Augusto Nunes: Marcelo, desculpe, só para dar a resposta, e depois o senhor poderia fazer a pergunta.
Amaral Gurgel: É o seguinte, a Gurgel... a Gurgel nunca, nunca aceitou o CIP, porque se eu tivesse
aceitado o CIP, eu não estaria hoje nesta cadeira falando sobre o carro econômico nacional. Nós achamos
que a deterioração do salário, todo ano, todo mês, não era justa para os funcionários. Então, nós, em 1985...
nós decidimos pagar ao nosso funcionário em ORTN, que era uma moeda mais estável, para que pudesse
manter um padrão. E também os nossos preços,  [o preço de] nossos carros, eram dados em ORTN, e, pela
primeira vez na vida, nós tivemos uma relação do preço de custo de mão-de-obra com o preço de venda do
carro. Antigamente era assim: o preço da mão-de-obra ia caindo, caindo, caindo... [mostra o sentido de
queda com a mão] e os preços  dos materiais subindo [faz o gesto de elevação], e depois, de repente, subiam
novamente, 100% do salário do trabalhador... ele já estava devendo [o equivalente] a tudo o que ele ia
ganhar no futuro, nos bares, nos supermercados etc. Então, [n]o ano passado, o que salvou a Gurgel foi que,
no dia 28 de fevereiro, eu estava com meus preços atualizados, enquanto a automobilística estava com 35%,
mais ou menos, fora de preço, certo? Isso permitiu a nossa empresa viver o ano passado ainda com lucro -
não é? - e terminar até o fim do ano. Se eu não tivesse tomado essa decisão, a minha empresa [a] esta hora
talvez estivesse fechada, porque a Volkswagen, com esse problema do CIP, ela amargou um prejuízo, que
você deve saber, de quase dois bilhões de dólares,  [corrigindo-se] dois bilhões de cruzados, e se a Gurgel
tivesse qualquer coisa parecida - não, não dessa proporção -, nós estaríamos fechados. E eu acho o seguinte:
que a função de um empresário é preservar a sua empresa, você entendeu? Desde que qualquer lei ameace a
vida da empresa, ela tem que ser rejeitada, porque ela é ilegal. A Constituição não pode permitir que um,
que uma pessoa do CIP, coloque no meu carro o preço do CIP e deixe eu quebrar, você entendeu? Pelo CIP.
E, depois, o que acontece? O governo do CIP não ajudou nada, não ajudou ninguém, legalizou o ágio, só
que o ágio para ele... o governo legalizou o ágio para ele, o governo. E o que aconteceu com o consumidor?
Aconteceu que, numa defesa, eu disse isso ao Dilson [Funaro]: "ô Dilson, mas por que você está fazendo
isso?", [e ele respondeu:] "Porque o governo precisa receber a curto prazo 160 bilhões de cruzados, porque
nós temos contas a pagar.".
Marcelo Bairão: [Interrompendo] Por quê? Está fazendo o quê?
Amaral Gurgel: Eu perguntei a ele por que que ele tinha aumentado tanto o preço em cima dos
automóveis, 30% de compulsório e alguns impostos a 107%, e ele disse: "Gurgel, porque eu preciso desse
dinheiro rapidamente, porque nós estamos com uma situação muito difícil de caixa e eu preciso de 160
bilhões de cruzados a curto prazo.". Eu disse a ele: "você não vai receber esse dinheiro, por dois motivos:
primeiro, porque as vendas vão parar; segundo, porque, na defesa, as multinacionais vão exportar tudo o
que puderem - você entendeu? -, e você não vai ver o IPI e o ICM e ainda vai ter que pagar 14%; e você vai
criar um desemprego, no ano que vem; e você vai criar uma inflação violenta, que você não vai poder
controlar e pode até perigar o seu cargo como ministro.". Então, foi justamente o que aconteceu. Acertei em
tudo.
[Sobreposição de vozes]
Amaral Gurgel: Mas é fato, mas era matemático, não precisava fazer muito cálculo para se saber isso. A
empresa multinacional não está aqui para perder dinheiro. Eu acho que ela... ela vem aqui para colaborar
com o Brasil, e essa empresa não vem aqui para perder dinheiro. Se eu fosse... no Paraguai, por exemplo, se
eles chegassem e falassem: "Olha, tem que vender o carro por "tanto".", e eu, durante um ano, dois anos,
perdesse dinheiro, eu pegava as minhas malas e saia de lá. Eu não tenho condições. A empresa tem que ter
lucro para poder crescer, e ela crescendo, ela pode ter... gerar mais emprego. Então ela, gerando mais
emprego, se houvesse mais empregos, o próprio emprego, a própria geração de empregos maiores e a
procura por novos funcionários é que vai dar o padrão, que vai elevar o padrão do nosso salário do povo
brasileiro.
Marcelo Bairão: [Interrompendo] O senhor esta falando, quer dizer, levantando uma tese, que muitos
empresários vêm levantado ultimamente, que é a seguinte: liberdade de mercado. Eu gostaria de voltar um
pouco ao que a Lídia disse, que, de fato, talvez o senhor precise daquela cerquinha etc e tal, mas o governo
tem que zelar também, olhando alguns setores que são oligopolizados. Por exemplo, eu não sei nem se o
senhor é consumidor desses produtos, mas um dos últimos superintendentes do CIP, que foi exonerado do
cargo, ele denunciou que ele saiu porque ele não conseguiu controlar, por exemplo, o setor de alumínio no
Brasil, que é altamente oligopolizado. E, de repente, quer dizer, esse setor é um insumo para a sua
fabricação. Então, [eu] queria saber... eu queria que o senhor falasse um pouco sobre essa liberdade de
mercado, o que é, um pouco...
Amaral Gurgel: Eu acho que a liberdade de mercado...
Marcelo Bairão: ... como é que fica...?
Amaral Gurgel: ... é aquilo que pode salvar, aquilo que fala a verdade, certo? Então, naturalmente, se uma
empresa está ganhando muito dinheiro em um produto, aparece concorrência. Os Estados Unidos, por
exemplo, provaram isso durante todo esse... todo um tempo - não é? - e cresceram muito através da
liberdade de mercado. O governo americano não pode dizer se a Coca-Cola pode aumentar uns centavos ou
não, a Coca-Cola não vai nem consultar o mercado. No Brasil, nós passamos em um extremo, que foi...
foi...outro dia eu fui ao Ceará e estava, assim: sorvete de duas bolas, três cruzados; sorvete de três bolas,
cinco cruzados. Como é que o governo pode determinar a quantidade de... daquela bola, o diâmetro da bola,
a densidade da bola e o material que terá dentro da bola, para fixar o preço dela?
Lídia Goldenstein: Tanto o senhor sabe que é inviável a liberdade de mercado que o senhor está pedindo a
sua cerquinha, com isenção de impostos, que é uma transferência de recursos.
Amaral Gurgel: [Interrompendo] Eu não... eu não estou... eu não estou...
Lídia Goldenstein: Na medida [em] que o governo deixa de arrecadar impostos, isso é um subsídio.
Amaral Gurgel: Eu não estou pedindo reserva de mercado, nenhuma reserva de mercado.
Lídia Goldenstein: Não, mas é a isenção de impostos, de uma forma, é um subsídio.
Amaral Gurgel: Eu pedi...
[Sobreposição de vozes]
Lídia Goldenstein: Isso é uma defesa, eu acho legítimo. Deixa eu só dizer...
Amaral Gurgel: [Interrompendo] Isenção de impostos, não... Não, eu não estou pedindo isenção de
impostos. Hoje...
Lídia Goldenstein: Mas o senhor está pedindo um tratamento diferenciado de uma ação que [...].
Amaral Gurgel: Muito bem, quanto é que paga um carro a álcool de imposto hoje?
Augusto Nunes: [Interrompendo] Doutor Gurgel... doutor Gurgel, o que é que o senhor está pedindo?
Amaral Gurgel: Você sabe, ou não?
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, ...
Amaral Gurgel: Você sabe quanto paga [de imposto] um carro a álcool?
Lídia Goldenstein: Veja bem, doutor Gurgel, eu concordo com o senhor que é preciso proteger certos
setores, eu concordo com o senhor... acho que [...]
Amaral Gurgel: [Interrompendo] Mas o setor que eu estou pedindo... o setor que eu estou pedindo...
Augusto Nunes: Senhor Gurgel, o que é que o senhor está pedindo exatamente? Só para o telespectador
entender, exatamente.
Amaral Gurgel: Eu estou pedindo ao governo que seja criada uma categoria de veículos econômicos de
alto interesse nacional.
Lídia Goldenstein: [Interrompendo] Perfeito. Eu concordo com o senhor...
Amaral Gurgel: [Interrompendo] E essa categoria tem suas leis, certo? E só isso!
Lídia Goldenstein: Mas isso é uma forma de ir contra o livre mercado.
Amaral Gurgel: Não é. Não é, porque...
Lídia Goldenstein: [Interrompendo] Eu estou falando para o senhor o seguinte: ...
Amaral Gurgel: Não é, porque...
Lídia Goldenstein: ... o livre mercado não possui benefício.
Amaral Gurgel: Eu não estou pedindo reservas desse mercado.
Lídia Goldenstein: Mas é uma forma de o senhor competir com...
Amaral Gurgel: Evidentemente que pode...
Lídia Goldenstein: Doutor Gurgel, ...
Marcelo Bairão: Mas de que forma vai participar, então?
Amaral Gurgel: Evidentemente, ...
Lídia Goldenstein: Mas é uma forma de competir com vantagens; o senhor está tendo um privilégio.
Amaral Gurgel: Não, deixa eu lhe dizer uma coisa.
Lídia Goldenstein: [Interrompendo] Eu concordo, eu acho que o senhor deve ter.
Amaral Gurgel: Você conhece os IPIs dos automóveis, ou não?
Lídia Goldenstein: Veja bem, doutor Gurgel, o senhor não... o que eu estou querendo dizer...
Amaral Gurgel: Sabe quanto paga um jipe? [O imposto de um jipe é de] 12%, porque é um mercado que é
voltado para certos tipos de trabalho que interessam ao país. Não é para mim. Eu estou dizendo que precisa
fazer... não é para ninguém, eu não estou pedindo reserva de mercado para mim não, eu quero que o
governo [faça] o seguinte: se um carro paga 30 ou 40% na classe rica, paga 30, 40% de IPI, [...] por
exemplo, um pick-up Fiat, até pouco tempo a álcool, pagava 10% de IPI, certo? O governo criou esse...
todas as pick-ups a álcool pagam 10% de IPI, toda pick-up a gasolina paga 16% de IPI, certo? Um veículo
que tenha [capacidade para] mais de 15 pessoas paga zero de IPI, um trator paga tanto de IPI. O que eu
quero que o governo diga é que uma categoria de veículos de alto interesse nacional, que consome pouco
combustível e tudo, que vai consumir menos combustível, menos matéria-prima, [que vai gerar] menos
poluição industrial e vai gerar... e vai abrir uma nova faixa de mercado de empregos para este país, em
termos de um buraco que não existe hoje ninguém nesse mercado, se cria então... como no Japão, [onde] foi
criada uma categoria de veículos de dois cilindros e 550 cilindradas ...
Lídia Goldenstein: [Interrompendo] O que eu estou concordando com o senhor...
Amaral Gurgel: ... e tem toda a proteção do governo e entra quem quer.
Lídia Goldenstein: Mas o que eu estou concordando com o senhor é o seguinte: é preciso definir, através
da política industrial que o país não tem, quais os setores que o país quer, quais... para onde nós vamos
crescer, nós não temos política industrial desde o II PND [Plano Nacional de Desenvolvimento, que tinha
por objetivo aumentar a produção de alimentos e de energia e incrementar o setor de meios de produção],
que acabou, e que foi implementado no governo Geisel [Ernesto Beckmann Geisel (1908-1996), o quarto
presidente do regime instaurado pelo golpe militar de 1964. Governou o Brasil de 1974 a 1979] em [19]74.
Amaral Gurgel: Certo.
Lídia Goldenstein: Sem política industrial nós não vamos conseguir, jamais, voltar a crescer de forma
sustentada. Bom, uma vez que nós definamos qual é a política industrial, quais são os setores prioritários
para o país, nós precisamos dar recursos para esses setores, subsidiá-los - por que não? -, porque são de
interesse nacional. Porém, defini-los de maneira a que o país como um todo participe dessa decisão, e, em
segundo lugar, fazer um determinado tipo de proteção a esses setores. O que eu estou dizendo para o senhor
é o seguinte: eu concordo com o senhor, mas estou mostrando para o senhor que a utopia de livre mercado
não existe em um sistema altamente concentrado ou oligopolizado como é a economia brasileira, que o
discurso dos empresários a favor do livre mercado não é real.
Amarla Gurgel: Mas o meu é, porque é o seguinte...
Luis Nassif: Eu poderia colocar, você pediu uma prioridade do carro econômico, doutor Gurgel, quer dizer,
o bolo... quando se fala em déficit público, sabe que o bolo é pequeno hoje. Esse carro que o senhor quer
colocar como prioritário vai pegar basicamente um consumidor de carro que ainda não é consumidor de
carro, é uma faixa de mercado que...
Amaral Gurgel: Ou já é.
Luis Nassif: Ele não consome carro.
[...]: Pode ser um consumidor de carro usado?
Luis Nassif: Seja de carro usado... mas, de qualquer maneira, vai ampliar os automóveis a uma faixa maior
de população, e nesse momento em que a economia tem um furo tão pequeno e que, por exemplo,
transportes urbanos hoje, que representam um caos enorme por falta de recursos, falta de vontade política
do governo de investir... será que esse seu setor, na medida em que o senhor solicita um incentivo, porque o
senhor precisa de dinheiro, do país, para investir nesse setor, será que o setor de transportes urbanos, essa
sua prioridade não vai colidir com a prioridade dos transportes urbanos?
Amaral Gurgel: Ô Nassif, nós temos que acabar no país com os programas que destroem o país - certo? -,
esses programas que destroem o país, o Pró-álcool, o programa atômico, que já está sendo modificado...
Luis Nassif: [Interrompendo] [...] ajudou a fazer.
Amaral Gurgel: Ajudou a fazer. Então, o que acontece? O país... o Brasil, hoje, ele tem que produzir mais,
certo? Nós temos uma ridícula frota de quase 14 milhões de automóveis neste país, incluindo tratores e
caminhões etc; o Japão já está com quase 40 milhões de automóveis e os Estados Unidos têm 147 milhões
de automóveis.
Luis Nassif: Mas ônibus também entram nessa pesquisa?
Amaral Gurgel: Os ônibus... os ônibus já pagam IPI zero, já têm todo um incentivo do governo, já têm
incentivo zero. Então, o Brasil precisa incentivar todos os setores da economia, e ele não pode incentivar os
setores da economia indo para o buraco que nós estamos, pelo Pró-álcool. Por quê? Hoje nós... hoje o povo
brasileiro... o governo suga do povo brasileiro cerca de 350 bilhões de cruzados por ano, pelo excesso de
preço que nós estamos pagando pelos combustíveis. E o combustível é o sangue do país, aquele que circula
nas suas artérias. Os Estados Unidos conseguiram baixar a sua inflação e retomar o crescimento baixando o
preço do combustível, de 1,40 dólar o galão para 80 centavos. Hoje, o americano paga 80 centavos o galão
de gasolina e foi isso que deu a retomada do crescimento dos Estados Unidos. O governo, se mexesse na
política de combustível, não precisava fazer mais nada.
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, ...
Amaral Gurgel: Então, só terminando... então o que acontece? Hoje nós estamos pagando já quase 30
cruzados o litro de gasolina, não sei o quanto está hoje.
[...]: ... a gasolina...
Amaral Gurgel :... então isso dá mais ou menos quanto? 120... 120 cruzeiros o quase um galão.
Luis Nassif: Para ajudar [...] Pró-álcool.
Amaral Gurgel: Para [...] o Pró-álcool, mas o povo está pagando hoje 350 bilhões de cruzados por ano, que
é quase uma parte dos juros que nós temos para pagar essa dívida, destruindo todo o nosso sistema de
circulação. Então, é isso aí que o governo tem que ver. O Japão, por exemplo, não tem um pingo de
petróleo. [...]
Luis Nassif: Nós não podemos confundir combustível com transporte urbano.
Amaral Gurgel: Não é isso. Não é isso, pelo seguinte: porque o transporte urbano é caro também, ele é
caro e ele... e ele também precisa nas cidades. O automóvel é um grande gerador de riqueza, e [é] por isso
que o governo precisa entender que o automóvel é um grande gerador de riqueza, porque ele vai de ponto a
ponto, certo? O senhor veio aqui de ônibus? [aponta para um dos entrevistadores, provavelmente Luis
Nassif]
[Sobreposição de vozes]
Luis Nassif: Não, mas ainda hoje.
Augusto Nunes: Senhores, por favor.
Amaral Gurgel: Eu gostaria de saber quem chegou aqui neste programa de ônibus, hoje.
Luis Nassif: Todos os trabalhadores, que [...] hoje, vão de ônibus para o trabalho, doutor Gurgel.
Amaral Gurgel: Não, nem todos...
[Sobreposição de vozes]
Amaral Gurgel: Talvez no futuro não seja tão ruim assim.
Eduardo Souza Ramos: O automóvel é um dos únicos bens que existem na economia e continuam
arrecadando após [a] venda; ele arrecada muito para o governo depois que ele foi vendido, porque ele paga
imposto todo ano, pelo licenciamento, ele paga imposto no combustível.
Luis Nassif: Se fosse assim, o cigarro seria uma grande fonte [...].
[Nassif, Eduardo e Gurgel falam simultaneamente]
Eduardo Souza Ramos: O cigarro você fuma uma vez e acabou.
Amaral Gurgel: O cigarro não produz nada.
Eduardo Souza Ramos: O cigarro não produz nada, o automóvel não...
Luis Nassif: O automóvel produz.
Eduardo Souza Ramos: O automóvel, [ ... ]
[Sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Eduardo e Nassif, por favor.
Eduardo Souza Ramos: A vida dele... ele continua arrecadando para o governo, de uma maneira terrível.
Augusto Nunes: Por favor, doutor Gurgel. Não, é que alguns telespectadores, com razão, se queixam de
que, em função do nosso entusiasmo a gente acaba interrompendo o senhor e o senhor deixa de responder,
por culpa nossa, insisto, algumas perguntas, [o senhor deixa de] responder por completo. Então, eu só
queria interromper a nossa conversa por alguns minutos para que o senhor completasse as respostas que os
telespectadores continuam cobrando. Então, por exemplo, qual é o máximo de velocidade alcançado pelo
Cena e quantos quilômetros ele faz por litro?
Amaral Gurgel: Nós, antes de fazermos o carro, nós fizemos uma pesquisa no mundo desses tipos de
carro. Nós não estamos inventando um tipo de carro novo, não. Nós estamos fazendo uma coisa que já foi
pesquisada. E no mundo inteiro esses carros têm geralmente dois cilindros, têm o máximo de oitocentos
centímetros cúbicos e atingem a velocidade máxima de 110 quilômetros por hora - não é? -, e o
comprimento dele não passa de 3,20 metros. Portanto, o nosso carro está dentro dessa faixa, nós tivemos a
satisfação de verificar agora nos testes, na prova da pista de freios Vargas, que o nosso carro está entre os
melhores do mundo nesse setor, e podia estar muito melhor, se não fosse a qualidade da nossa gasolina. Se
nós passarmos hoje... se o Brasil, por exemplo, passar a fazer gasolina azul, essa que estão exportando a seis
cruzeiros, e oferecer ao povo brasileiro, eu tenho certeza que a nossa frota vai economizar trinta por cento a 
quarenta por cento de combustível. Isso é muito mais do que todo o Pró-álcool, só a economia de
combustível.
Augusto Nunes: O senhor, o senhor continua tocando o projeto do carro elétrico? É outra pergunta do
telespectador.
Amaral Gurgel: Continuamos, nós verificamos que tinham que melhorar as baterias, naturalmente,
naquela... lá em [19]73, nós começamos entusiasmados com o carro elétrico, pensando que o petróleo ia
acabar. As últimas... as últimas informações que eu tenho dos Estados Unidos [são de] que o petróleo não
está acabando. Nós estamos começando a entrar na era do petróleo e temos petróleo para mais de cem anos,
agora, de novo, porque à medida que vai subindo o preço do petróleo, ele vai se tornando... vai se tornando
possível furar em outros lugares. O Brasil só passou de 150 mil barris de petróleo por dia para 650 mil
barris, e pode ficar auto-suficiente, se o governo separar o Pró-álcool da Petrobras, se nós formos auto-
suficientes... só ficamos auto-suficientes, porque o petróleo, furado no mar, custa da ordem de 15, 16
dólares. Portanto, se o mundo mantivesse o petróleo a três dólares, todos os poços da Petrobras, no mar,
seriam deficitários. Portanto, na medida [em] que vai subindo o preço do petróleo, o petróleo vai
aparecendo e eles calculam que o petróleo vai... quando chegar a trinta dólares, o grande substituto do
petróleo vai ser o carvão, e através do carvão se pode produzir combustível na base de trinta dólares, [o]
equivalente a 28 dólares o barril equivalente.
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, dois últimos esclarecimentos, após o que a palavra é livre.
Luis Nassif: Eu queria depois que o senhor pedisse um tempo de resposta, Augusto, e anotasse as perguntas
de todo mundo, para a gente não atrapalhar o doutor Gurgel também.
Augusto Nunes: Como assim?
Luis Nassif: Que você definisse que as pessoas que levantassem a mão, que você marcasse as perguntas
para cada um.
Augusto Nunes: Tá perfeito.
Luis Nassif: Para que não houvesse competição.
Augusto Nunes: Tá perfeito.
Luis Nassif: Para que a gente não fique atrapalhando.
Augusto Nunes: É, sobre o Pró-álcool. Primeiro, o telespectador pergunta: "Por que o senhor, então,
continua produzindo alguns veículos a álcool?"; segundo: "O que é que o senhor faria com esse Pró-álcool?
O senhor simplesmente extinguiria o programa?".
Amaral Gurgel: Bom, então eu vou fazer hoje aqui uma... um anúncio bastante dramático. Aliás, é uma
decisão que já foi tomada sobre o tal assunto: a Gurgel, a partir de hoje, nunca mais vai fabricar um carro a
álcool, porque a Gurgel não quer compactuar com esse crime monstro que está sendo praticado contra o
povo brasileiro. Essa é a [resposta à] primeira pergunta, e é por isso que o Cena também nunca vai ter motor
a álcool. Qual foi a outra pergunta, foi mais o quê?
Augusto Nunes: Por que o senhor produz carros a álcool e o que o senhor faria com o Pró-álcool? O senhor
simplesmente extinguiria?
Amaral Gurgel: O Pró-álcool pode ser feito da seguinte maneira, [melhor dizendo] o Pró-álcool pode ser
salvo da seguinte maneira: o governo... Em primeiro lugar, eu gostaria de dar uma explicação um
pouquinho... voltar um pouquinho, só para que os telespectadores possam entender. Existe no Brasil um tipo
de pessoa que é muito mais pernicioso ao país do que todos os corruptos que existem aqui. São, na minha
opinião, os falsificadores de fundações. Eu já vou dar o exemplo: suponha que você vai construir um prédio,
você é construtor e você contrata uma fundação para esse prédio... fazer uma fundação. Você acredita
naquela fundação, você chama todos os seus amigos para investir nesse prédio. O prédio vai ter 12 andares,
vai ter quatro apartamentos por andar, vão morar ali 48 pessoas felizes, famílias felizes. Quando chega no
sétimo andar, você verifica que o prédio está trincando. Então, a primeira coisa que você tem que fazer é
chamar as pessoas que calcularam a fundação desse prédio e verificar se houve crime nas fundações, nos
dados desse... que está... processar a empresa que fez a fundação, chamar todos os compradores do prédio e
falar a verdade: o edifício vai cair e nós vamos processar, tentar ressarcir o dinheiro. E a maneira melhor,
talvez, para resolver esse problema seria a implosão do edifício, para que ele não caia em cima de alguém
que não tem nada que ver com isso. Portanto, o Pró-álcool hoje é um edifício que está no sétimo andar, está
balançando e alguns políticos pretendem manter esse Pró-álcool por mais alguns anos - entendeu? -, para
não ferirem a sua própria condição de candidatos, talvez, à Presidência da República. Então, hoje em dia é
preciso sinceridade... é preciso sinceridade no problema do Pró-álcool, como é preciso sinceridade também
no problema atômico da usina de Angra [primeira usina nuclear brasileira, Angra I, situada em Angra dos
Reis/RJ, foi construída no âmbito do programa nuclear de geração de energia e entrou em funcionamento
comercial em 1985], que pode também explodir, pode criar um problema ao nosso país, muito maior do que
é hoje. Mas o Pró-álcool pode ser salvo agora. Se o governo tivesse uma... a solução seria o seguinte: pagar
muito bem ao usineiro pelo álcool anidro, que não precisa de subsídios e é altamente competitivo [...];
deixar... Então, nós poderíamos hoje... o usineiro só precisaria de 1/4 da área da fazenda dele para poder
produzir esse álcool anidro. Nós liberaríamos a partir de amanhã... nós estamos no corte de cana agora, nós
liberaríamos 3/4 de cada usina para a produção de comida, porque isso é o mais importante, colocar comida
barata nos nossos supermercados, alimentar o povo brasileiro, porque dar preferência à alimentação do
automóvel é um crime que nenhum país pode fazer em detrimento da alimentação da população e fazer com
que a população passe o vexame de ter [de] comer comida [vinda de] Chernobyl [cidade ao norte da
Ucrânia onde foi construída uma usina nuclear, cujo reator explodiu, em 1986, espalhando poeira radioativa
que contaminou pessoas e o meio ambiente de uma vasta extensão da Europa] - entendeu? -, arroz... arroz
estragado da Malásia, milho dos Estados Unidos. Então, que país somos nós, que não conseguimos
alimentar o nosso povo? Então é preciso que... agora, como é que esses 3/4 de terra em cada usina poderiam
dar um trabalho permanente hoje ao bóia-fria, que já está ficando um problema muito grave, está criando
uma tensão social muito alta... Inclusive em um programa da rádio... da Rádio Cultura, cerca de uns quatro
anos atrás, um dos bóias-frias falou que o programa não criou nenhum emprego para ele.  E nós poderíamos
passar todos os carros hoje a álcool, em curtíssimo prazo, a carros movidos a gasolina azul. E esses carros,
em vez de estarem fazendo de sete a oito quilômetros o litro de álcool, vão fazer 16 quilômetros por litro de
gasolina azul. Eu calculo hoje que essa gasolina poderia ser vendida da ordem dos 14, 15 cruzados, com um
grande lucro para se trabalhar. Portanto, se nós mexermos hoje nos preços de combustível, baixarmos os
custos dos combustíveis, este país será outro, dentro de um ano. Se isso não for feito, o ano... o ano, dentro
de 360 dias, nós estaríamos com a nossa economia totalmente destruída e talvez nenhum país compre a
nossa dívida total lá fora, com deságio, e passe a ser o síndico da nossa massa falida. Nós estamos
destruindo o futuro do país. Nós estamos destruindo a nossa nação, por uma burrice que não tem
comparação... comparação no mundo hoje.
Augusto Nunes: Ciro.
Ciro Dias Reis: Eu tenho duas perguntas. Uma é a seguinte, voltando um pouco ao que o senhor falou, que
não vende a Gurgel por dinheiro nenhum, então eu pergunto: o senhor, anulada essa hipótese, o senhor
admite a hipótese de vir a se associar com uma outra empresa, ainda que não venda?
Amaral Gurgel: [Interrompendo] Desde que a associação, desde que a empresa mantenha aquilo que é o
mais importante: continuar desenvolvendo tecnologia nacional. Vender a empresa para uma empresa
multinacional, para que eles venham produzir esses produtos projetados nos seus países, não existe
possibilidade nenhuma, na minha opinião. Mas, por exemplo, uma empresa nacional de grande porte, ou
várias empresas - entendeu? -, se juntarem e se... se for necessário isso, essa conjugação de esforços, eu
acho que nós precisamos de qualquer maneira. Então, está acima da minha vontade de ser proprietário da
minha empresa; mesmo porque, quando eu abri, com dez mil sócios na empresa, a minha porcentagem
dentro da empresa, ela ficava da ordem de sete a oito por cento. Mas eu gostaria de garantir que essa
empresa continue desenvolvendo tecnologia e fazendo os nossos próprios carros. Não faço um contrato...
inclusive a bobagem que eu ia fazer com a Citroën, de importar a tecnologia de motor, eu estava fazendo
errado, uma coisa errada, mas percebi a tempo.
Ciro Dias Reis: Agora, a outra questão é a seguinte: o senhor tem uma posição muito particular em relação
a várias coisas, o carro elétrico... o senhor tem uma posição definida contra o Pró-álcool, defende a idéia do
carro popular. Em função dessas suas colocações, há quem diga: "Mas o Gurgel é um sonhador.". Como é
que o senhor responde a esse tipo de colocação?
Amaral Gurgel: Eu acho que eu sou um sonhador e me orgulho muito disso, porque se não houvesse
sonhadores neste mundo, nós não progrediríamos; é dos sonhos daquelas pessoas que acreditam em alguma
coisa e tentam fazer. O Ford foi um sonhador. No começo, quebrou duas vezes, mas continuou sendo um
sonhador. Várias pessoas, como o Santos Dumont, foram sonhadores. O Citroën foi um sonhador.
Várias.pessoas são sonhadoras. Mas eu tenho provado durante a minha vida que o meu sonho também tem
base, não é? Eu não sonho com coisas loucas. Então, o nosso projeto, ele tem defesa, ele tem base, ele tem
uma fundação sólida, certo? Então, eu acho que, nesse caso, eu fui um empresário durante praticamente ...
hoje, ontem, no dia primeiro de setembro, completando hoje 18 anos de vida, viver competindo com
multinacionais no Brasil e tendo lucro, tendo sobrevivência, e passando de quatro funcionários para 750, e
agora, se Deus quiser, vamos chegar aos dez mil funcionários, é preciso que... também analisar que este
sonhador tem alguma coisa de concreto. Então, se eu trabalho das seis [da manhã] às seis da tarde -
entendeu? -, no pesado, dentro daquilo que é uma direção de uma empresa, e os meus sonhos são de seis às
seis da tarde, entendeu? -, e depois, de noite. Então, enquanto nós estamos produzindo veículos hoje, de
Carajás [modelo de jipe da Gurgel], que são grandes carros, que estamos exportando e têm boa qualidade, e
temos mantido a fábrica funcionando e crescendo com esses carros, nós temos o nosso sonho paralelo -
você entendeu? - sustentado pela própria fábrica. E esse sonho, se Deus quiser, vai se concretizar, e a hora
em que o sonho se torna realidade ele deixa de ser um sonho.
Ciro Dias Reis: Como vai ser a Gurgel daqui vinte ou trinta anos?
Amaral Gurgel: A gente não pode saber. A empresa... a empresa de automóveis, ela tem uma característica
muito diferente de todas as empresas mundiais. Se você faz um fábrica, por exemplo, de papel, e vai fazer
trezentas toneladas de papel por dia, você sabe quanto de área você precisa, a máquina que você precisa e
você sabe também quanto de eucalipto, talvez, você vai ter que plantar para essa área... É impossível
triplicar uma fábrica de papel sem um grande investimento ou sem multiplicar tudo. A empresa... a empresa
brasileira, a empresa de automóveis, ela tem uma característica especial: ela é uma montadora e ela pode se
horizontalizar, certo? Então...
Luis Nassif: O senhor já foi convidado para exercer algum cargo público?
Amaral Gurgel: Não, e nem aceito.
Joel Silveira Leite: Doutor Gurgel, apesar da sua postura contra o Pró-álcool, o senhor não acha que não
produzir o 280M a álcool não seria até um desrespeito ao consumidor, uma vez que o álcool hoje, querendo
ou não, ele é um combustível aprovado e preferido pelo consumidor interno? O senhor deu dados da
produção automobilística... que 50% vão para o exterior, a gasolina... mas o que fica aqui, no mercado
interno, mais de 90% são motores produzidos a álcool. Eu pergunto: não seria um desrespeito, ou mais do
que isso, se o consumidor do 280M não aprovar, não aprová-lo a gasolina, o senhor  não produziria a
álcool?
Amaral Gurgel: Eu acho que...
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, ...
Amaral Gurgel: ... o desrespeito ao consumidor...
Augusto Nunes: Doutor Gurgel, desculpe, eu só lembro ao senhor e aos nossos companheiros que esta é...
nós não temos mais tempo, então esta é a sua última resposta neste programa Roda Viva.
Amaral Gurgel: Está bom. Eu acho que o desrespeito ao consumidor é induzi-lo a fazer uma coisa que ele
pensa que está certa, está acreditando que as fundações estão certas, e ele compra o carro a álcool sem
analisar, nessa compra, a destruição da família dele, a destruição do futuro dele, a destruição do próprio
país. Então não existe... eu tenho um respeito total ao consumidor, e evidentemente que é... mas ele,
comprando um carro a álcool, ele está ajudando a mais brasileiros passarem fome, ele vai acabar se
destruindo, o próprio usineiro vai se destruir, a Petrobras vai se destruir, e o Brasil ficar em uma situação,
depois do Pró-álcool... uma situação muito triste, na qual nós não teremos nem dinheiro para pagar os juros
da nossa dívida. As negociações estão ficando muito difíceis, e em 1984 eu publiquei [Gurgel saca uma
pasta com vários papéis e mostra o texto ao qual se refere] nos jornais de São Paulo "O Brasil ao caminho
da auto destruição", [em] que eu comparava o álcool a uma bomba atômica de efeito altamente explosivo e
que em poucos anos ia deixar a economia do Brasil nessa situação. E, hoje, nós estamos chegando nisso.
Até quando nós vamos levar isso assim? Até quando nós vamos continuar destruindo o Brasil e o nosso
futuro? Então, é um respeito ao consumidor dizer a ele "não compre um carro a álcool, você vai pagar muito
caro por isso.", porque o carro dele a álcool - entendeu? -, para ele pagar o carro a álcool, ele tem que... o
governo tem que colocar... porque [com] a ineficiência do carro a álcool o governo tem que subir
barbaramente o preço da gasolina, pagando o preço do álcool. Subindo os preços do combustível, gera[-se]
inflação, essa inflação está logo, logo, no produtor de álcool, [que] vai pedir novo aumento. Nós mantemos
aí uma roda viva, aí, da inflação. Então, o respeito por este país é fazer que ele entenda que nós precisamos
progredir, nós precisamos ir para a frente e nós precisamos gerar coisas; não é gerar emprego a qualquer
custo, nós temos que gerar... nós temos que fazer este país produzir, nós temos que pegar exemplos de
países que deram certo, como o Japão, como os Estados Unidos, como a Alemanha, como a França. São
países de Primeiro Mundo. Nós não podemos inventar coisas aqui que são contra a própria população, e,
através de lobbies, manter programas que nem esse, que é uma loucura total.
Augusto Nunes: E aqui termina o Roda Viva com o doutor João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, que
é o diretor-presidente da Gurgel, fabricante de vários veículos, entre os quais [o] Cena, que desfilou hoje
nas comemorações no Dia da Independência, em Brasília. Nossos agradecimentos ao doutor Gurgel, a quem
desejamos bastante sucesso, meus agradecimentos também aos nossos entrevistadores, aos convidados da
produção. O programa Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às 9h25 da noite.
[A Gurgel pediu concordata em junho de 1993, em virtude da grande quantidade de dívidas
contraídas e da perda de mercado ante à concorrência das multinacionais.  A última tentativa de
salvar a fábrica aconteceu em 1994, quando a empresa pediu um financiamento de US$ 20 milhões ao
governo federal , que negou o pedido. A Gurgel fechou no final daquele ano. João Amaral Gurgel
morreu em 30 de janeiro de 2009, aos 82 anos, em São Paulo]
Memória Roda Viva
http://www.rodaviva.fapesp.br

Realização:
Fundação Padre Anchieta - Labjor/Unicamp - Nepp/Unicamp

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