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ANÁLISE REAL

Funções e limites
Cristiane da Silva

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Descrever o conceito formal de função.


>> Identificar a definição formal de limite.
>> Reconhecer as propriedades de limites.

Introdução
Um dos conceitos muito estudados pela matemática é o de função, visto que
todos os seus tipos (afim, quadrática, trigonométrica, logarítmica, etc.) têm vasta
aplicação prática. Por exemplo, podemos ter interesse em analisar, considerando
a relação entre espaço e tempo, o desempenho de um atleta da natação que treina
para uma competição e cujo treinador o observa e faz anotações sobre o tempo
(em minutos) e a distância percorrida (em metros). Nesse caso, cada instante
corresponde a uma única distância. Dizemos, então, que a distância percorrida
pelo atleta é uma função do tempo gasto em seu treinamento.
O conhecimento de funções nos permite avançar para o estudo de limite,
cujo objetivo é determinar o comportamento de uma função à medida que ela
se aproxima de alguns valores. Os limites são usados no cálculo diferencial e na
análise matemática para definir derivadas e a continuidade de funções.
Neste capítulo, apresentaremos o conceito formal de função, retomando a
noção de conjuntos e lançando mão de exemplos de aplicação desses concei-
tos. Além disso, você poderá compreender os três tipos de função (sobrejetora,
injetora e bijetora), bem como a relação entre continuidade e limite, que será
definido formalmente a partir de uma análise intuitiva. Por fim, descreveremos
as propriedades e os tipos de limite.
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Introdução a funções
Para compreendermos o que é uma função, antes devemos entender o que é
um conjunto, conceito relativamente simples que é fundamental na matemá-
tica. Um conjunto, de acordo com Neri e Cabral (2011, p. 1) “[...] é constituído
de objetos chamados elementos. Usamos a notação (lê-se x pertence
a A) para dizer que x é um elemento do conjunto A. Se x não é um elemento
de A, então escrevemos (lê-se x não pertence a A)”.
Em outras palavras, um conjunto é uma coleção qualquer de objetos,
como, por exemplo:

„„ conjunto dos números primos: A = {2, 3, 5, 7, 11, 13, …};


„„ conjunto das instituições de ensino: B = {públicas, privadas,
comunitárias,…}.

Os conjuntos são representados por letras maiúsculas, ao passo que seus


elementos (itens dentro do conjunto) são dispostos entre chaves, separados
por vírgula ou ponto e vírgula. Quanto aos subconjuntos, diz-se, por exem-
plo, que o conjunto dos números naturais é subconjunto do conjunto dos
números inteiros se e somente se todos os elementos do conjunto são
também elementos do conjunto . Então, pode-se dizer que ℕ está condido
em ℤ (Figura 1). Para expressar simbolicamente essa relação, usam-se (está
contido), (contém) ou (não está contido) (FRIEDRICH; MANZINI, 2015).

Figura 1. Representação de

Os números são uma invenção humana. Na Antiguidade, o crescimento


da população e o consequente aumento da complexidade das sociedades,
cujo comércio foi se tornando cada vez mais intenso, motivaram a criação de
formas para representar as quantidades. Foi então que surgiram os números
naturais, que mais tarde seriam acompanhados pelos demais conjuntos
numéricos: inteiros, racionais, irracionais, reais, complexos, etc. (FRIEDRICH;
MANZINI, 2015).
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Em nosso cotidiano, relacionamos diferentes grandezas duas a duas.


Por exemplo, quando fazemos compras, relacionamos o produto com o seu
preço; quando extraímos o extrato de uma conta, relacionamos o saldo com
a data em que o extrato foi gerado; quando analisamos uma conta de energia
elétrica, relacionamos o valor com a quantidade de kWh/hora consumido em
um mês; etc. Essas relações podem ser expressas por diagramas.
Como exemplo, vamos supor que, ao fazer compras na padaria, o preço pago
pelo presunto dependa da quantidade de gramas comprada e que ele tenha
sido modelado por uma função afim do tipo Algumas quantidades
estão representadas no diagrama da Figura 2, em que há os conjuntos A e B,
chamados, respectivamente, “conjunto de partida” e “conjunto de chegada”.

Figura 2. Diagrama.

Poderíamos estar interessados em representar essa relação em um plano


cartesiano. Ou seja, com os pares ordenados (valores de x e de y) marcar o
ponto no gráfico e traçar a curva que expresse essa relação (Figura 3).
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10

8
Preço

0
0 100 200 300 400 500

Quantidade de gramas

Figura 3. Representação gráfica dos pares ordenados (x, y).

Relações binárias como as que acabamos de mencionar foram descobertas


na Antiguidade. Pitágoras, por exemplo, descobriu as relações aritméticas
das notas musicais, e Galileu Galilei, a relação entre a distância percorrida
por um objeto e o intervalo de tempo. Hoje, nas mais diversas áreas anali-
samos fenômenos em que são estabelecidas relações que evidenciam como
a variação de uma grandeza depende da variação de outra. Por exemplo, o
número de leitos disponíveis em um hospital depende da demanda por leitos,
o gasto de combustível depende da quantidade de quilômetros rodados, os
níveis de poluição dependem da degradação da natureza, etc. (FRIEDRICH;
MANZINI, 2015).
No exemplo do preço pago pelo presunto, deduzimos que existe uma
relação entre o peso x do presunto que será comprado (em gramas) e o valor
y a ser pago (expresso em reais). Mais especificamente, a relação é:

Isso significa que, se quisermos comprar 350 gramas de presunto, pagare-


mos A equação dada descreve como o preço
depende do peso do presunto. Nessa equação, a variável x é denominada
“variável independente”, e y é chamada “variável dependente”, uma vez que
seu valor é obtido a partir de x. A regra que permite obter o valor da variável
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dependente a partir da variável independente é denominada função (GOMES,


2018).
Gomes (2018, p. 256) define função da seguinte forma: “Uma função f é uma
relação que associa a cada elemento x de um conjunto D, chamado domínio,
um único elemento ou y de um conjunto C, denominado contradomínio”.
Sabendo disso, vejamos algumas propriedades que caracterizam uma função,
estudando os seus três tipos: sobrejetora, injetora e bijetora.

Função sobrejetora

Uma função será sobrejetora quando o conjunto imagem for igual ao con-
tradomínio. Em outras palavras, ela será sobrejetora quando não sobrarem
elementos no conjunto C sem receber flechas (Figura 4).

Figura 4. Diagrama de uma função sobrejetora.

Função injetora

Uma função será injetora quando elementos distintos do domínio (D) tiverem
imagens (C) distintas, isto é, quando dois elementos não tiverem a mesma
imagem. Sendo assim, não pode haver nenhum elemento do conjunto C que
receba duas flechas (Figura 5).
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Figura 5. Diagrama de uma função injetora.

Função bijetora

Uma função será bijetora quando for, ao mesmo tempo, sobrejetora e injetora.
Ou seja, ela será bijetora quando os elementos de C forem flechados uma só
vez (o que a caracterizaria como injetora) e não houver elementos sobrando
em C sem receber flechas, o que a caracterizaria como sobrejetora (Figura 6).

Figura 6. Diagrama de uma função bijetora.

Nesta seção, lançamos mão de exemplos do cotidiano para definir con-


junto e apresentar a sua representação, de modo a facilitar o entendimento
sobre as relações binárias e o conceito de função. A partir disso, você pôde
compreender a definição formal, a notação e os tipos de função: injetora,
sobrejetora e bijetora.

Continuidade e limite
Iniciaremos o estudo de limite com uma noção intuitiva, de modo a tornar
mais evidente o que ele representa. Neri e Cabral (2011) explicam que muitas
das funções encontradas em Análise são contínuas e que a noção de “estar
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próximo”, usada cotidianamente, é subjetiva, pois o que é longe para uns é


perto para outros e vice-versa. No entanto, as ideias intuitivas e subjetivas
nos ajudam a tornar mais palpáveis os conceitos abstratos. Na matemática,
porém, as definições e demonstrações envolvem rigor. Então, para evitar
subjetividade no conceito de proximidade, utiliza-se o verbo “tender”. Por
exemplo, à medida que x se aproxima de 2, x + 4 se aproxima de 6, ou, se x
tende a 2, então x + 4 tende a 6. Aqui, temos a ideia de limite. Os conceitos
de proximidade e limite estão relacionados.
Também é preciso lembrar o que significa uma função contínua: aquela
em que, considerando um ponto x = p, com p fazendo parte do domínio da
função, o seu gráfico não deverá apresentar um salto (na vertical) em x = p
(GUIDORIZZI, 2010). Para ficar mais claro, observe a Figura 7.

Figura 7. Compreendendo continuidade.


Fonte: Adaptada de Guidorizzi (2010).

Guidorizzi (2010) destaca que g(x) é descontínua somente no ponto x = 1,


quando ela apresenta um salto (na vertical); nos demais pontos, ela é contí-
nua. Dito isso, em uma função contínua, quando x se aproxima de p, ou tende
a p, o valor da função se aproxima cada vez mais da função naquele ponto.
Simbolicamente, isso pode ser expresso por:
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Em palavras, isso pode ser enunciado como “o limite de f(x), quando x tende
a p, é f(p)”. A representação gráfica de limite pode ser observada na Figura 8.

Figura 8. Representação gráfica de limite.


Fonte: Adaptada de Guidorizzi (2010).

Vejamos um exemplo, agora por meio da análise de uma tabela.

Considere a função f(x) = x + 4. Qual será o limite no ponto x = 2?

Pensando no gráfico dessa função, constatamos que se trata de


uma reta. Logo, ele não apresentará salto em nenhum ponto, e, sendo assim,
f(x) será contínua. Observe a Figura 9.

Figura 9. Gráfico de f(x) = x + 4.


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Perceba que os valores de x estão se aproximando cada vez mais de x = 2,


tanto pela direita quanto pela esquerda, e que os valores da função estão se
aproximando cada vez mais da função naquele ponto por ambos os lados, ou
seja, f(2) = 6. Isso também pode ser observado no Quadro 1.

Quadro 1. Tabela de f(x) = x + 4

Pela esquerda: x < 2 1 1,5 1,9 1,95 1,99 1,999

f(x) = x + 4 5 5,5 5,9 5,95 5,99 5,999

Pela direita: x > 2 3 2,5 2,1 2,05 2,01 2,001

f(x) = x + 4 7 6,5 6,1 6,05 6,01 6,001

Isso nos permite dizer que, quando a função f(x) tende a 2, tanto pela di-
reita quanto pela esquerda, o seu limite no ponto indicado x = 2 é igual a 6.
Matematicamente:

ou seja:

Compreendidos esses conceitos, vejamos a definição formal de limite


apresentada por Anton, Bivens e Davis (2014, p. 101):

Seja f(x) definida em todo x de algum intervalo aberto que contenha o número a,
com a possível exceção de que f(x) não precisa estar definida em a. Escrevemos
se, dado qualquer número , pudermos encontrar um número
tal que se .

Ou seja, o que dizíamos informalmente “tão próximo quanto de L” se


tratava de uma atribuição de sentido quantitativo ao escolher de maneira
arbitrária um número positivo , e a expressão “suficientemente próximo
de a” é quantificada pelo número positivo na definição formal de limite
(ANTON; BIVENS; DAVIS, 2014). Vamos usar a definição formal de limite para
provar o que fizemos intuitivamente no exemplo anterior, ou seja, para provar
que
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Dado qualquer número positivo , podemos encontrar um número positivo


tal que:

Primeiramente, vamos descobrir um valor de que sustente a afirmação


e, depois, provar que ela é válida para aquele .
Vamos iniciar simplificando a equação apresentada:

Perceba que essa afirmação está assegurada quando


Agora, vamos provar que se é válida
para qualquer escolha de . Essa afirmativa é equivalente a
se  que, por sua vez, se verifica com  Portanto,
se também se verifica com Isso prova
que

Nesta seção, apresentamos a definição informal de limite, iniciando pelo


estudo de função contínua e descontínua. Em seguida, conhecemos repre-
sentações de funções por meio de gráficos e tabelas, de modo a visualizar
a noção de limite e, por fim, compreender sua definição formal. Na próxima
seção, aprofundaremos esse estudo apresentando as propriedades de limites.

Propriedades e tipos de limite


As propriedades dos limites são muito úteis, pois nos permitem resolver
problemas mais facilmente, sem precisar fazer uso da definição de limite, que
pode ser uma tarefa um tanto complicada. Por isso, a seguir vamos apresentar
caminhos e métodos mais fáceis para encontrar os limites das funções.
Supondo que c seja uma constante e os limites e existam,
então as propriedades são (STEWART, 2016):

1. que pode ser enunciada como


“o limite de uma soma é a soma dos limites”;
2. que pode ser enunciada como
“o limite de uma diferença é a diferença dos limites”;
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3. que pode ser enunciada como “o limite de uma


constante multiplicando uma função é a constante multiplicando o
limite dessa função”;
4. que pode ser enunciada como “o
limite de um produto é o produto dos limites”;
5. que pode ser enunciada como “o

limite de um quociente é o quociente dos limites, desde que o limite


do denominador não seja zero”;
6. onde n é um inteiro positivo, que pode ser
enunciada como “o limite de uma função elevada a n é equivalente ao
limite elevado a n dessa função”;
7. que pode ser enunciada como “o limite de uma constante é
a própria constante”.
8. que pode ser enunciada como “o limite de uma função será
equivalente ao valor de que o x se aproxima, que, nesse caso, é a”;
9. onde n é um inteiro positivo;

10. onde n é um inteiro positivo. De modo mais geral, temos

que pode ser enunciada como “o limite da raiz

enésima de uma função é equivalente à raiz enésima do limite dessa


função”.

Vejamos alguns exemplos aplicados a cada uma dessas propriedades.

1) Propriedade da soma:

2) Propriedade da diferença:
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3) Propriedade da multiplicação por constante:

4) Propriedade do produto:

5) Propriedade do quociente:

6) Propriedade da potência:

7) Propriedade da constante:

8) Propriedade do limite de x:

9) Propriedade do limite de xn:

10) Propriedade da raiz enésima de uma função:


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Além dessas propriedades, é importante conhecermos os tipos de limite


com os quais podemos nos deparar. Os 15 tipos de limite são apresentados
no Quadro 2.

Quadro 2. Os 15 tipos de limite

Fonte: Adaptado de Neri e Cabral (2011).

O Quadro 3 apresenta o significado dos limites iguais a (que


correspondem, cada um deles, a uma coluna do Quadro 2), bem como o
que representam os símbolos que
correspondem às linhas do Quadro 2.

Quadro 3. Significado de alguns limites e símbolos

Significa que, por menor que seja podemos concluir


que desde que x verifique certa condição.

Significa que, por maior que seja podemos concluir


que desde que x verifique certa condição.

Significa que, por maior que seja podemos concluir


que desde que x verifique certa condição.

Significa que a condição sobre x é para


suficientemente pequeno.

Lê-se x tende a x0 pela direita. Significa que a condição


sobre x é para suficientemente pequeno.

Lê-se x tende a x0 pela esquerda. Significa que a condição


sobre x é para suficientemente pequeno.

(Continua)
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(Continuação)

Lê-se x tende a mais infinito. Significa que a condição sobre


xé para N suficientemente grande.

Lê-se x tende a menos infinito. Significa que a condição


sobre x é para N suficientemente grande.

Fonte: Adaptado de Neri e Cabral (2011).

Você pode saber mais sobre as propriedades dos limites consultando


o capítulo 7 da obra Curso de Análise Real, de Neri e Cabral (2011).

Nesta seção, você pôde conhecer as propriedades de limites e os 15 tipos


de limite com os quais podemos trabalhar, bem como exemplos envolvendo
tais propriedades. Ademais, neste capítulo, você pôde compreender o conceito
formal de função e a sua representação, assim como a definição formal de
limite.

Referências
ANTON, H.; BIVENS, I.; DAVIS, S. Cálculo. 10. ed. Porto Alegre: Bookman, 2014. v. 1.
FRIEDRICH, M. A.; MANZINI, N. Matemática aplicada: administração e ciências contábeis.
2 ed. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2015.
GOMES, F. M. Pré-cálculo: operações, equações, funções e sequências. São Paulo:
Cengage Learning, 2018.
GUIDORIZZI, H. L. Matemática para administração. Rio de Janeiro: LTC, 2010.
NERI, C.; CABRAL, M. Curso de análise real. 2. ed. Rio de Janeiro: Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: https://www.labma.ufrj.br/~mcabral/livros/
livro-analise/curso-analise-real-a4.pdf. Acesso em: 11 abr. 2021.
STEWART, J. Cálculo. São Paulo: Cengage Learning, 2016. v. 1.

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