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teoria dos conjuntos

verdade para proposições em que ocorram des- lidava intuitivamente com os conjuntos,
crições vazias, como a expressa pela frase «O tomando-os como agregados arbitrários de
actual rei de França» em proposições como a elementos (ainda que juntos dum modo intuiti-
expressa pela frase «O actual rei de França é vamente artificial) que tanto podiam ser em
pálido». Uma fórmula na qual ocorre uma des- número finito como infinito. Cada conjunto
crição representa uma asserção falsa quando as constituía um objecto único, bem determinado
condições estipuladas pelas fórmulas de univo- pelos seus elementos (ver AXIOMA DA EXTEN-
cidade não são satisfeitas. SIONALIDADE) e do mesmo género dos seus
A interpretação da fórmula B(ιx Fx) não é constituintes (um conjunto pode, por sua vez,
uma definição explícita da descrição ιx Fx, uma ser um elemento de outro conjunto). O desen-
vez que não há para este símbolo uma expres- volvimento da noção de conjunto veio a reve-
são definidora, mas antes uma especificação lar-se de tal maleabilidade e eficácia que aco-
semântica para as fórmulas em que a descrição modou as construções matemáticas então
ocorre na posição de termo, como uma parte conhecidas e, inclusivamente, providenciou
constituinte da fórmula. Se existe uma deriva- novas construções. Estes feitos vieram natu-
ção das fórmulas de univocidade de Fa então o ralmente ao encontro duma clarificação con-
símbolo ιx Fx, é um termo, justamente o termo ceptual da matemática, já em curso com, por
que representa o objecto único que satisfaz Fa. exemplo, a substituição da noção problemática
O operador iota de Russell é regulado pelo de infinitesimal pela noção rigorosa de limite
que podemos chamar a regra iota com o seguinte devida a Karl Weierstrass. Finalmente, mas não
conteúdo: se as fórmulas de univocidade para Fa menos importante, a teoria dos conjuntos pro-
foram derivadas, então a descrição ιx Fx, é um videnciou um enquadramento para a unificação
termo e a fórmula F(ιx Fx) pode agora ser deri- das várias disciplinas da matemática (álgebra,
vada por meio do esquema seguinte: geometria, análise, etc.). A maleabilidade das
construções da teoria dos conjuntos, o seu con-
∃x Fx tributo para a clarificação conceptual e para a
∀x ∀y ((Fx ∧ Fy) → x = y) unificação da matemática e, por fim, a teoria
∴ Fιx Fx do infinito de Cantor (hoje amplamente aceite,
ou pelo menos admirada) contribuíram para a
A regra da redenominação de variáveis progressiva aceitação da teoria dos conjuntos.
ligadas para os quantificadores é aplicável à A principal maneira de formar um conjunto
variável ligada pelo operador iota. Mas a coli- é através de uma propriedade: esta individua
são entre variáveis ligadas, que é necessário como conjunto o agregado das entidades que a
impedir quando se usam quantificadores, tem têm. É o chamado PRINCÍPIO DA ABSTRACÇÃO.
também que ser impedida na utilização do ope- Na viragem para o séc. XX, descobriu-se que o
rador iota. Ver também OPERADOR, QUANTIFI- uso irrestrito deste princípio origina paradoxos,
CADOR, VARIÁVEL. MSL como é o caso do PARADOXO DE RUSSELL, do
paradoxo de Cantor, ou do paradoxo de Burali-
teoria dos conjuntos A criação da teoria dos Forti. O aparecimento destes paradoxos põe
conjuntos é obra do matemático Georg Cantor fim a uma fase ingénua do desenvolvimento da
e nasceu da tentativa de solucionar um proble- teoria dos conjuntos e dá inicio a uma busca
ma técnico de matemática na teoria das séries dos princípios consistentes que subjazem à
trigonométricas. Essa tentativa levou Cantor a formação dos conjuntos.
introduzir a noção de ORDINAL e, mais tarde, a As duas primeiras tentativas sistemáticas de
de CARDINAL. Cantor demonstrou teoremas de axiomatização da teoria dos conjuntos devem-
grande alcance, notavelmente o seu célebre se a Russell e a Zermelo. A tentativa de Russell
teorema (ver TEOREMA DE CANTOR). Cantor baseia-se na suposição de que os paradoxos são

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fruto de violações do PRINCÍPIO DO CÍRCULO com a fórmula ¬π em vez de π). Ao contrário


VICIOSO e que, para as evitar, é mister distin- do princípio da abstracção que leva a contradi-
guir-se duma forma sistemática vários tipos ções, o Aussouderungaxiom evita as contradi-
lógicos (ver TEORIA DOS TIPOS). Deve, no ções conhecidas ao limitar a priori por um con-
entanto, apontar-se que a teoria dos tipos de junto dado w o tamanho do conjunto y a for-
Russell não é, literalmente, uma teoria dos con- mar. É claro que o axioma da separação só é
juntos: é antes uma teoria lógica de FUNÇÕES eficaz se houver muitos destes conjuntos w
PROPOSICIONAIS. A ideia da teoria de Zermelo é para começar, ou seja, só temos realmente uma
totalmente diferente: é a de que os paradoxos teoria dos conjuntos digna desse nome se asse-
surgem porque se admitem agregados dema- gurarmos a existência dum suprimento razoá-
siado grandes (uma ideia similar também ocor- vel de conjuntos à partida. É esse o papel dos
reu a Russell em 1906). Modernamente, a teo- chamados axiomas de existência de ZF. São
ria de Zermelo formula-se na linguagem do eles os seguintes:
CÁLCULO DE PREDICADOS com igualdade muni-
da de um símbolo relacional binário não lógico 3. Axioma dos Pares: ∀x ∀y ∃z (x ∈ z ∧ y ∈ z);
∈ (o símbolo de pertença), cuja interpretação 4. Axioma da União: ∀x ∃y ∀z (∃w (w ∈ x ∧ z ∈ w)
intuitiva é «ser elemento de». A teoria de Zer- → z ∈ y);
melo-Fraenkel (ZF) é hoje amplamente aceite 5. Axioma das Partes: ∀x ∃y ∀z (z ¡ x → z ∈ y);
pelos especialistas da teoria dos conjuntos. 6. Axioma do Infinito: ∃x (š ∈ x ∧ ∀y (y ∈ x → y œ
Antes de passar a descrever com um certo por- {y} ∈ x)).
menor esta teoria (e outras a ela associadas),
queremos brevemente mencionar a existência de Os axiomas 1 e 2, conspícuos pela sua
mais quatro teorias dos conjuntos. Duas delas, ausência, são respectivamente o axioma de
NBG e MK, são extensões de ZF especialmente extensionalidade e o Aussouderungaxiom. Em
fabricadas para admitir colecções grandes — as alguns desenvolvimentos formais também se
CLASSES. As outras duas, devidas a Quine, não considera um axioma 0, de existência de con-
são extensões de ZF e, na raiz, baseiam-se ainda juntos: o axioma ∃x (x = x). Não obstante, este
na intuição original de Russell no que diz respei- axioma é consequência de formulações usuais
to ao papel do princípio do círculo vicioso. do cálculo de predicados com igualdade e, por
Sobre estas duas últimas teorias, NF e ML (ver isso, omitimo-lo. A leitura dos axiomas 3, 4, e
NEW FOUNDATIONS), aplica-se exemplarmente o 5 é simples: eles permitem-nos, respectivamen-
seguinte comentário de Russell: «nem o mais te, formar (com a ajuda do axioma da separa-
inteligente dos lógicos teria pensado nelas se ção) os conjuntos {x, y}, œx e P(x). O AXIOMA
não soubesse das contradições». DO INFINITO permite-nos formar o conjunto ω
A pedra de toque da axiomática de Zermelo dos números naturais.
de 1908 é o axioma de separação (Aussoude- Em 1922 e independentemente, Thoralf
rungaxiom). Este axioma é, na formulação Skolem e Abraham Fraenkel propuseram um
moderna, um axioma-esquema, ∀w ∃y ∀x (x ∈ novo axioma-esquema, denominado «axioma-
y ↔ (πx ∧ x ∈ w)), onde πx é uma fórmula da esquema da substituição». Dada uma fórmula
linguagem na qual a variável y não ocorre H(x, y) da linguagem da teoria dos conjuntos e
livre. Este esquema de axiomas (um para cada um conjunto w, dizemos que a fórmula H(x, y)
fórmula π) diz-nos que dado um conjunto w e tem carácter funcional em w se, para qualquer
uma fórmula π, é possível separar os elementos elemento x ∈ w, existir um e um só elemento y
de w em dois conjuntos — no conjunto dos tal que H(x, y) vale. O axioma da substituição
elementos de w que satisfazem π e no conjunto diz-nos que, neste caso, podemos constituir
dos elementos de w que não satisfazem π (esta como conjunto a colecção dos elementos y para
última parte obtém-se da formulação anterior os quais existe x∈w tal que H(x, y) vale. Simbo-

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licamente, para cada fórmula H(x, y) da lingua- En das entidades formadas até à etapa n. A
gem da teoria dos conjuntos, tem-se o seguinte: seguir a todas as etapas indexadas nos números
naturais, define-se a etapa Eω que consiste na
2'. Axioma da Substituição: ∀x ∃!y Φ(x, y) → ∀w ∃z reunião de todas estas etapas, isto é, Eω = œn
∀y (y ∈ z ↔ ∃x (x ∈ w ∧ Φ(x, y))) En. E continuamos, definindo-se a etapa Eω+1
como aquela cujos elementos são os da etapa
Tanto Skolem como Fraenkel observaram anterior (a etapa Eω) em reunião com todos os
que, sem este axioma, não se pode demonstrar seus subconjuntos; depois vêm as etapas Eω+2,
a existência dum conjunto de cardinalidade Eω+3, etc., Eω+ω, Eω+ω+1,… Vamos tentar ser um
ℵω. Mais tarde, von Neumann (1928) desen- pouco mais sistemáticos. Além da etapa inicial
volveu a teoria dos ordinais usando à saciedade (a dos proto-elementos) há dois princípios
o axioma da substituição (sem este axioma não geradores de etapas. O primeiro diz que existe
é possível construir o ordinal von Neumann ω uma etapa imediatamente a seguir a uma dada
+ ω, nem é possível mostrar que toda a BOA etapa e que esta última se obtém da precedente
ORDEM é isomorfa a um ordinal von Neu- juntando aos seus elementos os conjuntos que
mann). Finalmente, na presença do axioma da se podem formar com esses elementos. O
substituição, o Aussouderungaxiom é redun- segundo princípio permite passar dum segmen-
dante (isto não acontece com certas formula- to inicial de etapas sem máximo, previamente
ções alternativas do axioma da substituição). formado, para a etapa que lhe vem imediata-
A axiomática da teoria dos conjuntos ZF (de mente a seguir — a qual consiste na união de
Zermelo-Fraenkel) consiste nos axiomas 1, 2', todas as etapas anteriores.
3, 4, 5, 6 e no seguinte axioma 7, denominado A concepção iterativa dos conjuntos, em
de AXIOMA DA FUNDAÇÃO (Fundierungsaxiom): que estes são as colecções que aparecem, mais
∀x (x  š → ∃y (y ∈ x ∧ ¬∃z (z ∈ x ∧ z ∈ y))). cedo ou mais tarde, numa das etapas descritas,
Este axioma aparece num trabalho de Zer- é menos simples que a concepção ingénua,
melo de 1930 e baseia-se em ideias anteriores ligada ao uso irrestrito do princípio da abstrac-
de von Neumann (1928) e Mirimanoff (1917). ção, mas, ao contrário desta, evita os paradoxos
O axioma da fundação espelha fielmente a conhecidos. A concepção iterativa pode espe-
concepção iterativa dos conjuntos (ou concep- lhar-se formalmente na teoria ZF: nesta forma-
ção cumulativa dos conjuntos, se quisermos lização, os índices das etapas são os números
utilizar uma metáfora espacial ao invés duma ordinais e as etapas (denotadas frequentemente
temporal). De acordo com esta concepção, um por Rα) definem-se por RECORRÊNCIA TRANSFI-
conjunto é uma colecção que aparece nalguma NITA: 1. R0 = ∅; 2. Rα+1 = P(Rα); 3. Dado α um
das seguintes etapas. A etapa 0 é formada pelo ordinal limite, Rα = œλ∈α Rλ. (Demonstra-se
conjunto dos átomos ou PROTO-ELEMENTOS que Rα ¡ Rα+1 e que, portanto, esta hierarquia é
(Urelemente) e a etapa 1 contém os proto- cumulativa.) O Fundierungsaxiom é, na pre-
elementos (as etapas acumulam) e todos os sença dos restantes axiomas de ZF, equivalente
conjuntos de proto-elementos. Por exemplo, se a dizer que todo o conjunto está nalgum Rα,
houver dois proto-elementos a e b, a etapa 0 é para algum ordinal α. Simbolicamente: ∀x ∃α
o conjunto {a, b} e a etapa 1 é o conjunto {a, (x ∈ Rα).
b, š, {a}, {b}, {a, b}}. Se não houver proto- A teoria ZF é uma teoria pura de conjuntos,
elementos, a etapa 0 reduz-se ao conjunto ao passo que a axiomática de Zermelo de 1908
vazio e a etapa 1 ao conjunto {š}. A etapa 2 é permitia a existência de proto-elementos. Por
constituída pelos elementos da etapa 1 e por outro lado, Zermelo também incluiu outro
todos os conjuntos formados com estes ele- axioma de existência na sua axiomática. o
mentos. E assim sucessivamente. Para cada denominado AXIOMA DA ESCOLHA. A existência
números natural temos definido um conjunto ou não de proto-elementos não levanta proble-

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mas conceptuais de maior, ao contrário do hipótese do contínuo) nunca poderia providen-


axioma da escolha que é polémico pelo seu ciar uma demonstração da independência rela-
carácter não construtivista. Modernamente, se tiva da hipótese do contínuo. Em 1963, um bri-
quisermos incluir o axioma da escolha numa lhante novo método foi inventado por Paul
teoria dos conjuntos é costume notacional juntar Cohen, um novato em teoria dos conjuntos. Ao
à sua sigla a letra «C» (de «choice»): a teoria contrário do método dos modelos internos que
ZFC é a teoria ZF com o axioma da escolha. restringe o universo, o novo método de forcing
Em 1938 Kurt Gödel demonstra a consis- expande o universo. Esta «expansão» merece
tência relativa do axioma da escolha e da HIPÓ- ser comentada, pois põe-se o problema concep-
TESE DO CONTÍNUO (HC). Gödel define, por tual de expandir o universo de todos os conjun-
recorrência transfinita, a denominada hierar- tos. Há várias maneiras de tornear esta dificul-
quia dos conjuntos construtíveis: 1. L0 = š; 2. dade. Por exemplo, o que o método de forcing
Lα+1 = D(Lα); 3. Dado α um ordinal limite, Lα = produz são expansões de modelos de conjuntos
œN∈C LN. Onde D(X) é uma noção técnica de finitos de axiomas de ZF (a teoria ZF não
definibilidade: grosseiramente, D(X) é o con- demonstra a existência de modelos de todos os
junto dos subconjuntos de X que são definíveis axiomas de ZF a menos que seja inconsistente,
com parâmetros em X por uma fórmula da lin- pois tal implicaria que ZF demonstraria a sua
guagem da teoria dos conjuntos. A classe L= própria consistência, o que contradiz o TEORE-
œC LC denomina-se universo dos conjuntos MA DA INCOMPLETUDE DE GÖDEL). Ora, para se
construtíveis. Gödel mostrou que L é um obterem resultados de independência basta tra-
modelo (denominado, tecnicamente, de inter- balhar com subconjuntos finitos arbitrários da
no) da teoria dos conjuntos. Mais precisamen- axiomática, pois se uma frase é consequência
te, Gödel mostrou que as relativizações dos dum conjunto de axiomas, então é consequên-
axiomas da teoria dos conjuntos ZF a L são cia duma parte finita desse conjunto.
demonstráveis em ZF. Adicionalmente, as rela- O método inventado por Cohen revelou-se
tivizações do axioma da escolha e da hipótese muito fecundo, pois não só permitiu mostrar a
generalizada do contínuo também se demons- independência relativa da hipótese do contínuo,
tram em ZF. É este o cerne das demonstrações como também permitiu responder a uma série
de consistência de Gödel. de outras questões de independência. Se nos
A construção de Gödel mostra, mais forte- colocarmos numa perspectiva meramente
mente, que o seguinte axioma da construtibili- dedutivista («if-thenism»), um resultado de
dade (abreviado pela sigla V = L), ∀x ∃C (x ∈ independência relativa duma frase diz o
LC) é consistente relativamente a ZF. Poucos seguinte: é uma questão de gosto ou arbítrio
autores (e, certamente, não o próprio Gödel) adicionar essa frase à teoria, ou adicionar a
vêem neste axioma algo mais do que um ins- negação dessa frase. Assim, (à parte questões
trumento de estudo matemático. de gosto) seria arbitrário trabalhar na teoria
Se bem que investigações em teoria dos Cantoriana ZFC + HC ou na teoria não Canto-
cardinais inacessíveis (ver CARDINAL) e do riana ZFC + ¬HC. Porém, já no final da década
universo construtível de Gödel tenham obtido de quarenta Gödel insurgia-se contra esta posi-
alguns resultados matemáticos interessantes, o ção. Segundo Gödel, a independência relativa
trabalho em teoria dos conjuntos esteve num da hipótese do contínuo mostra que a axiomá-
impasse desde os resultados de Gödel até 1963. tica ZFC não descreve completamente a reali-
Uma ilustração desse impasse é a descoberta dade do universo dos conjuntos. Esta posição
por Sheperdson, no início da década de cin- realista (ou platonista) de Gödel tem moldado a
quenta, de que o método dos modelos internos investigação em teoria dos conjuntos nas últi-
(usado por Gödel para demonstrar as consis- mas três décadas, nomeadamente na considera-
tências relativas do axioma da escolha e da ção cuidadosa de novos candidatos a axiomas

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para a teoria dos conjuntos. O próprio Gödel ver em X. Caso contrário ganha II. Há uma
tinha em mente um determinado tipo de axio- maneira formal de definir estratégia ganhadora
mas: os axiomas que postulam a existência de para I e estratégia ganhadora para II que segue
cardinais inacessíveis. os traços intuitivos do caso finito. Observe-se,
Mais recentemente surgiu um tipo de axio- no entanto, que no caso infinito não se pode
mas que também tem desempenhado um papel formular o conceito de estratégia ganhadora
central em teoria dos conjuntos. São os axio- através duma sequência alternada de quantifi-
mas de determinação. Este género de axiomas cações existenciais e universais, pois tal
foi introduzido em 1962 por Jan Mycielsky e sequência é infinita e, portanto, não constitui
Hugo Steinhaus. Para melhor motivar os axio- uma fórmula da linguagem da teoria dos con-
mas da determinação fixemos um número natu- juntos. Em particular, não se pode argumentar
ral n e consideremos X um conjunto de como no caso finito para mostrar que ou I tem
sequências binárias (isto é, de 0 e 1) de com- uma estratégia vencedora ou II tem. Nesta con-
primento n. Vamos descrever um jogo Gx entre formidade, o conjunto X é determinado se no
dois jogadores I e II: os jogadores escolhem jogo Gx algum dos jogadores tem uma estraté-
alternadamente 0 ou 1 e a iniciativa pertence ao gia vencedora.
jogador I. No caso de n ser ímpar o jogo tem o O axioma da determinação é a asserção de
seguinte aspecto: que todo o conjunto X de sucessões binárias é
determinado. Este axioma tem consequências
I escolhe s0 s2 … sn-2 muito fortes e estruturantes no estudo dos sub-
II escolhe s1 s3 … sn-1 conjuntos do contínuo real (a disciplina que
estuda estes assuntos intitula-se teoria descriti-
I ganha o jogo Gx se a sequência s0, s1, s2, va dos conjuntos). Sabe-se, no entanto, que o
s3,…, sn-2, sn-1 estiver em X. Caso contrário, é o axioma da determinação é incompatível com o
jogador II que ganha. O jogador I tem uma axioma da escolha. No entanto, certas formas
estratégia vencedora para o jogo Gx se há x0 (0 enfraquecidas do axioma da determinação
ou 1) tal que para qualquer escolha x1 de II, há x3 (cujas formulações exigem um apetrecho téc-
tal que para qualquer escolha x4 de II,…, etc. a nico que não cabe neste artigo) poderão ser
sequência x0, x1, x3, x4,…, xn-1 está em X; isto é, compatíveis com o axioma da escolha e, ainda
se 1) ∃x0 ∀x1 ∃x2 ∀x3 … ∃xn-2 ∀xn-1 (xk)k<n ∈ X. assim, ter muitas das consequências desejadas.
Analogamente, o jogador II tem uma estra- Donald Martin, uma figura proeminente na
tégia vencedora para o jogo Gx se 2) ∀x0 ∃x1 investigação em teoria dos conjuntos nas últimas
∀x2 ∃x3 … ∀xn-2∃xn-1 (xk)k<n ∉ X. três décadas, escreveu em 1978 as seguintes
Observe-se que as frases 1 e 2 são a nega- linhas (referindo-se pela sigla PD a uma forma
ção uma da outra. Conclusão: ou o jogador I enfraquecida do axioma da determinação): «É
tem uma estratégia vencedora para o jogo Gx, PD verdadeiro? Não é, certamente, auto-
ou o jogador II tem uma estratégia vencedora evidente. Alguns investigadores de teoria dos
para o jogo Gx. conjuntos consideram os axiomas dos cardinais
Seja agora X um conjunto de sucessões inacessíveis auto-evidentes, ou que pelo menos
(«sequências infinitas») binárias. Neste caso o se seguem de princípios a priori que são conse-
jogo Gx tem um número infinito de jogadas: quência do conceito de conjunto. Formas fracas
de PD […] são consequência de certos axiomas
I escolhe s0 s2 … sn-2 … de cardinais inacessíveis. É mesmo possível que
II escolhe s1 s3 … sn-1 … PD seja consequência de cardinais inacessíveis,
mas isso ainda não foi demonstrado».
De maneira análoga ao caso finito, I ganha O autor considera PD uma hipótese com
se a sucessão alternada de jogadas (sk)k∈Y esti- estatuto similar às hipóteses teóricas da física.

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Têm-se produzido três tipos de indícios quase the Theory of Transfinite Numbers. Trad. P. Jour-
empíricos a favor de PD: 1) O mero facto de dain. Nova Iorque: Dover Publications, 1955.
ainda não se ter refutado uma asserção tão Cohen, P. 1966. Teoria dos Conjuntos e a Hipótese
poderosa constitui algum indício da sua verda- do Contínuo. Trad. M. S. Lourenço, in O Teorema
de; 2) Alguns casos particulares de PD foram de Gödel e a Hipótese do Contínuo. Lisboa: Gul-
verificados. 3) As consequências de PD no benkian, 1979.
domínio da teoria descritiva dos conjuntos são Ferreira, F. 1998. Teoria dos Conjuntos: Uma Vista.
tão plausíveis e coerentes que elas dão plausi- Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática
bilidade ao princípio que as implica. 38: 29–47.
De facto, num culminar dum esforço de Gödel, K. 1990. Collected Works, vol. II. Org. S.
investigação, foi demonstrado em meados da Feferman et al. Oxford: Oxford University Press.
década de oitenta que PD é consequência da Hallett, M. 1984. Cantorian Set Theory and Limita-
existência dum certo cardinal inacessível! tion of Size. Oxford: Claredon Press.
Mais recentemente (1994), W. Hugh Woo- Kunen, K. 1980. Set Theory. An Introduction to In-
din escreveu: dependence Proofs. Amesterdão: North-Holland.
Maddy, P. 1988a. Believing the Axioms I. Journal of
«Há escassos indícios a priori de que PD é um Symbolic Logic 53: 481–511.
axioma plausível ou mesmo de que é consistente. Maddy, P. 1988b. Believing the Axioms II. Journal
No entanto, a teoria que se segue de PD é tão rica of Symbolic Logic 53: 736–764.
que, a posteriori, o axioma é consistente e verda- Maddy, P. 1990. Realism in Mathematics. Oxford:
deiro. Esta é uma importante lição. Os axiomas não Clarendon Press, Cap. 4.
necessitam ser verdadeiros a priori.» van Dalen, D. 1972. Set Theory from Cantor to
Cohen. In Sets and Integration. Groningen: Wolt-
Termino, no entanto, com uma nota baixa. ers-Noordhoff.
Ao contrário do que Gödel esperava, estas Zermelo, E. 1908. Investigations in the Foundations
investigações ainda não lançaram uma luz of Set Theory I. In J. van Heijenoort, org., From
definitiva sobre a hipótese do contínuo. Com Frege to Gödel. Cambridge, MA: Harvard Univer-
efeito, sabe-se que os axiomas até agora pro- sity Press, 1967.
postos nem demonstram nem refutam essa
hipótese. Ver também TEOREMA DE CANTOR, teoria dos modelos Ver MODELOS, TEORIA DOS.
AXIOMA DA EXTENSIONALIDADE, PRINCÍPIO DA
ABSTRACÇÃO, PARADOXO DE RUSSELL, PRINCÍ- teoria dos tipos No artigo em que expôs pela
PIO DO CÍRCULO VICIOSO, TEORIA DOS TIPOS, primeira vez a teoria dos tipos (Russell 1908),
CÁLCULO DE PREDICADOS, QUANTIFICADOR, Russell define o PRINCÍPIO DO CÍRCULO VICIOSO,
CLASSE, NEW FOUNDATIONS, AXIOMA DO INFINI- que estipula que nenhuma totalidade pode con-
TO, AXIOMA DA ESCOLHA, AXIOMA DA FUNDA- ter elementos definidos em termos de si pró-
ÇÃO, PROTO-ELEMENTO, CARDINAL, ORDINAL, pria. A teoria simples dos tipos procura resol-
BOA ORDEM, RECORRÊNCIA TRANSFINITA, HIPÓ- ver os problemas levantados por uma das for-
TESE DO CONTÍNUO, TEOREMA DA INCOMPLETU- mas possíveis de violação deste princípio.
DE DE GÖDEL. FF Segundo Russell, uma função denota
«ambiguamente» uma certa totalidade, a dos
Boolos, G. 1971. The Iterative Conception of a Set. valores que pode assumir (e portanto também a
Journal of Philosophy 68: 215–232. Reimpresso dos seus argumentos), pelo que não é bem
in Philosophy of Mathematics. Putnam, H. e Ben- definida se estes valores não estiverem previa-
acerraf, P., orgs. Cambridge: Cambridge Univer- mente bem definidos (Russell e Whitehead
sity Press, 1983. 1962). Ou seja, é a função que pressupõe os
Cantor, G. 1896. Contributions to the Founding of seus valores e não o contrário, pelo que a tota-

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