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UNIDADE 1 – O ESTUDO DA SOCIEDADE BRASILEIRA.....................................................13 4.2.2 – Industrialização Entre 1945 e 1964.......................................................................................

75

Seção 1.1 – Brasil: Que País é Este? ...............................................................................13 4.2.3 – O Contexto Econômico no Regime Militar ............................................................................78

Seção 1.2 – A Complexidade da Sociedade Brasileira .................................................... 15 Seção 4.3 – Formação e Desenvolvimento do Setor Terciário ...........................................................81

UNIDADE 2 – CARACTERÍSTICAS DO TERRITÓRIO BRASILEIRO.........................................23 Seção 4.4 – A Crise do Modelo e os Esforços pela Estabilização Econômica.......................................82

Seção 2.1 – O Processo de Conquista e Delimitação do Território Brasileiro...................24 4.4.1 – Desafios e Dilemas do Século 21..............................................................................................84

Seção 2.2 – As Características Naturais do Território Brasileiro.......................................29 Seção 4.5 – Globalização, Desafios e Perspectivas para o Século 21.................................................. 92

Seção 2.3 – A Ocupação do Território e as Desigualdades Sociais e Regionais................36 UNIDADE 5 – ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA BRASILEIRA........................................................... 101

Seção 2. 4 – Os Desafios ao Desenvolvimento .................................................................41 Seção 5.1 – Formação do Estado Nacional, Sociedade Civil e Políticas Públicas................................ 101

UNIDADE 3 – A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO..........................................................43 UNIDADE 6 – PROBLEMAS ATUAIS E DESAFIOS DO FUTURO ............................................................ 125

Seção 3.1 – A Contribuição dos Diversos Grupos Étnicos..................................................44 Seção 6.1 – Diagnóstico e perspectiva de desenvolvimento ............................................................. 125

Seção 3.2 – Relações Étnico-Raciais................................................................................... 47

Seção 3.3 – Características Sociais...................................................................................... 50

Seção 3.4 – Indicadores Sociais: Educação, Desigualdade e Saúde.....................................51

3.4.1 – Educação..................................................................................................................52

3.4.2 – Desigualdade........................................................................................................... 54

3.4.3 – A Saúde: o Papel do Sistema Único de Saúde – SUS................................................ 57

UNIDADE 4 – ESTRUTURA ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO...................... 61

Seção 4.1 – A Formação e Desenvolvimento da Agropecuária Brasileira............................ 62

4.1.1 – A Constituição do Modelo Primário-Exportador...................................................... 63

4.1.2 – Agricultura Familiar: Minifúndio, Trabalho Familiar e Policultura............................65

4.1.3 – Modernização da Agricultura ....................................................................................67

Seção 4.2 – Formação e Desenvolvimento da Indústria Brasileira .......................................70

4.2.1 – Getúlio Vargas e a Industrialização – 1930 a 1945 ....................................................73


O ESTUDO DA SOCIEDADE BRASILEIRA sociais pré-capitalistas (escravistas, semifeudais ou
SEÇÃO 1.1 mercantis), desenvolveu relações de produção típicas da
UNIDADE 1 Brasil: Que País é Este? revolução industrial e passou o ter também
OBJETIVOS DESTA UNIDADE características das sociedades pós-industriais.
Trata-se de um país grande e muito
• Tematizar o estudo da sociedade em que vivem os As instituições sociais e as organizações
diversificado. A começar pela extensão de seu
estudantes visando à apropriação de conceitos e públicas e privadas ainda não estão consolidadas
território, a diversidade de suas características naturais,
categorias de análise que lhes permitam entender a como em outros locais do planeta. Mesmo assim, esse
a pluralidade de povos que integram a sua população
realidade brasileira em sua complexidade, posicionar-se início do século 21 está marcado por transformações
e a heterogeneidade das circunstâncias que
criticamente e agir, projetando ações de intervenção no rápidas e aceleradas, significando que devemos estar
condicionaram sua inserção na sociedade brasileira é
desenvolvi- mento do Brasil. pos- sível perceber a amplitude do rol de situações atentos às mudanças em curso para, diante delas, poder

sociais, econômicas e culturais abrangidas. fazer as melhores escolhas. Lembrando que são essas
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Considerando o tamanho absoluto, o Brasil figura pequenas ações que podem fazer a diferença num país
Seção 1.1 – Brasil: Que País é Este? entre os maiores países do mundo em diversos em construção.

Seção 1.2 – A Complexidade da Sociedade Brasileira critérios de análise. A extensão territorial coloca As características de seu processo de
vários desafios em relação a sua organização e desenvolvimento têm raízes his- tóricas profundas.
O Brasil ainda é um país muito jovem, com uma
integração nacional, principal- mente quanto à Muitas delas remontam ao processo de
sociedade em formação. Os cerca de 500 anos
soberania. Quando o olhar se volta para a descobrimento e ocupação do território, enquanto
transcorridos desde o descobrimento oficial deste
homogeneidade o país figura frequentemente entre outras foram forjadas em períodos de exercício do
território pelos portugueses é um tempo
os mais desiguais, mesmo tendo melhorado nas poder por grupos ou segmentos sociais específicos
relativamente curto para a vida de um país e a
últimas décadas. Percebe-se uma dívida social que que conseguiram instituir suas perspectivas de
construção de uma sociedade. O resgate da história
não será resolvida de uma hora para a outra. sociedade.
anterior a 1500 tem sido pouco frutífero em virtude da
escassez de registros representativos e da falta de Sua juventude, seu tamanho e sua diversidade No processo inicial o Brasil estava organizado
interesse dos“civilizadores” por considerar que os povos contribuem decisiva- mente para a configuração de numa lógica e segundo os interesses da Coroa
primitivos destas terras viviam em estágio cultural pouco uma dinâmica de transformação acelerada da Portuguesa, internamente ficou sob a influência das
relevante para seus interesses. sociedade brasileira. Em pouco tempo abrigou relações oligarquias agrárias e já na segunda metade do século
20 ficamos sob poder e organização dos militares. Só século. Não tem assumido postura de forma tão articulação de forças para impulsionar o
mais recentemente avançamos no processo de- subalterna em relação aos demais países. desenvolvimento em determinado sentido.
mocrático, em que políticas sociais de inclusão social, por Por essa razão, somos atingidos de forma Todo esse esforço de leitura da realidade e de
exemplo, colocam-se como necessárias e importantes. positiva ou negativa pelos acontecimentos mundiais. O entendimento da di- nâmica social em que está
Após a Primeira Guerra Mundial, e com maior desafio do Brasil é investir em educação, garantindo, inserido é necessário para todos os brasileiros que
força depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados dessa forma, um maior desenvolvimento científico e desejam exercer sua cidadania. Esse conhecimento
Unidos assumiram a liderança do mundo, levando o tecnológico. torna-se fundamental para os profissionais de todas as
Brasil a se vincular à nova potência hegemônica. O SEÇÃO 1.2 áreas do conhecimento, em especial os que tiveram
primeiro empréstimo bus- cado nos EUA ocorreu em A Complexidade da Sociedade Brasileira acesso ao ensino superior, pois o exercício
1922. O mundo pode ser dividido em antes e após a profissional se dará num contexto cada vez mais
Segunda Guerra Mundial, quando se estabeleceu Estes e outros aspectos caracterizam a
importante para a realização de seus objetivos e a
uma nova ordem mundial, marcado pela guerra fria. complexidade da sociedade bra sileira e a importância
efetividade de seus resultados.
Esse confronto político-ideológico será marcado por uma de estudá-la em profundidade, o que requer grande e
continuado esforço para sua efetivação. É preciso Mais que uma necessidade individual, o
corrida armamentista, mantendo, em razão disso, em
funcionamento o complexo industrial, como também compreender o processo de formação e autoconhecimento é um desa- fio de qualquer

investiu-se na reconstrução da Europa (Plano Marshall) desenvolvimento das estruturas de produção da vida sociedade que pretenda construir uma identidade

e no Japão (Plano Dodge). material, bem como das relações sociais, políticas e cultural e desenvolver uma consciência histórica que
culturais decorrentes. lhe permita decidir sobre os rumos que pretende
Os EUA consolidam sua posição de única
seguir.
superpotência do mundo, com a derrocada da União Assim, torna-se possível identificar possibilidades
Soviética e do socialismo de inspiração marxista, e limites em relação às perspectivas de futuro que se O grande desafio parece situar-se no campo
garan- tindo sua hegemonia em todos os campos da apresentam e visualizar alternativas de ação ou de metodológico. Como se deve proceder para conhecer
sociedade moderna – política, econômica, militar, intervenção no processo em curso. Também é melhor a sociedade em que se vive? Alguns
financeira, cultural, científica, tecnológica, de informação, importante visualizar entre os segmentos que apontamen- tos certamente ajudam nesta perspectiva.
etc. Nesses campos, a presença brasileira é modesta, compõem a sociedade as bases em que definem seus Destaca-se que para compreender a sociedade em sua
com algumas mudanças nas primeira década do interes- ses ou objetivos e as possibilidades de complexidade e dinamicidade torna-se necessário
percebê-la em constante transformação, significando nossos antepassados. A realidade enfrentada pelos garantir os bens necessários para sua população. A
que não é uma questão de transmi- tir um conjunto nossos pais era diferente das questões com as quais estrutura econômica compreende: 1) o processo de
de informações, mas desenvolver a capacidade de estamos nos debatendo no momento atual. É nos produção, 2) de distribuição e 3) de consumo de
pesquisa e análise de temáticas que estão desafiando espaços formais de aprendizagem, portanto, que bens e serviços.
a sociedade brasileira, dando-lhes algum sentido. temos a oportunidade de conhecer e de dialogar sobre A política assume um papel central no
Qual é a nossa leitura sobre o Brasil? É necessário essa complexidade brasileira, no coletivo. processo de organização e funcio- namento da
qualificar ou não essa compreensão? Uma melhor compreensão da sociedade sociedade, não podendo ser confundida pura e
simplesmente com política partidária. Para
Inicialmente é preciso compreender a brasileira pode ser buscada na sua economia política.
compreender a organização política brasileira torna-se
sociedade como algo vivo, em movimento, cuja Na perspectiva do que observa Marx (1983, p. 24),“o
necessário identificar algumas de suas principais
dinâmica é indeterminada. A sociedade está em modo de produção da vida material condiciona o
características. Primeiro aspecto a ser considerado,
constante transformação e o desafio é compreendê-la desenvolvimento da vida social, política e intelectual em
também encontrado na Constituição Brasileira, diz
nessa complexidade, que muda constantemente, de geral”. Diante disso, torna-se necessário a organização
respeito a sua constituição enquanto uma República
forma muito rápida. Assim, torna-se necessário fazer social, econômica, política e cultural.
Federativa, composta por vários Estados (26), Distrito
refle- xões que construam entendimentos sobre as Ao longo dos séculos ocorreram mudanças na federal (Brasília) e municípios (mais de 5 mil). Todos
condições sociais, econômicas, políticas e culturais do sociedade brasileira, na qual várias leituras são estão vinculados à União, tendo como
nosso tempo histórico, como um contexto em possíveis. A definição pode variar, dependendo da visão responsabilidade também garantir a soberania do
constante transformação, fruto de uma construção de mundo do pesquisador, Mesmo assim, ela é país.
histórica. composta, no caso do Brasil, pela diversidade cultural,
Constituído dessa forma, significa que o
Na linha que nos coloca Thompson (1987, p. processo ainda em andamento, como também
Estado não pode ser gerido por uma pessoa, mas por
58),“o conhecimento histórico ajuda-nos a conhecer composta por aspectos econômicos e políticos.
uma estrutura constituída pelos poderes Legislativo, Exe-
quem somos, por que estamos aqui, que A economia atinge diretamente a vida das cutivo e Judiciário. Vale destacar que o poder Legislativo
possibilidades humanas se manifestam, e tudo pessoas, das empresas e do país. Assim sendo, o Brasil é organizado por um sistema bicameral e exercido pelo
quanto saber sobre a lógica e as formas de processo possui uma estrutura de produção grande e complexa, Congresso Nacional, composto por senadores e
social”. Vivemos num determinado lugar e num que evolui e apresenta a cada momento novas deputados. Quem eles representam?
determinado tempo, que é fruto da construção de exigências. Isso porque qual- quer país precisa
No aspecto político a sociedade brasileira tornou- questionamento! Assim, numa democracia, os [...] o planeta Terra não terá possibilidade de fornecer
se uma estrutura com- plexa, lembrando que Estado é membros do Executivo e do Legislativo são eleitos em abundância todos os recursos naturais de que os
diferente de governo. O que entendemos por Estado pela população brasileira, já os membros do Judiciário seres humanos necessitam, se continuarem a viger
e governo? Estado é mais estável e contribui para a são nomeados. por muito tempo ainda os padrões de produção,
organização geral do país. Por exemplo, as estradas são consumo e desperdício atualmente dominantes. Por
A política possibilita, portanto, a organização das
vias públicas, mas imaginem se não fosse: Como fazer outro lado, não há como realizar a aspiração de
relações em sociedade. Assim sendo, as opções de um
para escoar a produção? Assim sendo, ele é enorme e desenvolvimento para todos os povos e para a
podem afetar a vida do outro, sabendo que temos
constituído por diversas instituições como: o governo, humanidade inteira, dentro de tais padrões, altamente
direitos e deveres. No momento atual a política
as Forças Armadas, os órgãos policiais, as Assembleias agressivos contra a natureza.
partidária está desacreditada, pois alguns
Parlamentares, a Constituição, etc. Mesmo assim, percebe-se um aprofundamento
representantes legislam segundo os seus interesses.
O Brasil é uma República. Ressaltando da consciência ecológica e da consciência social, em
Também é importante compreender o
novamente que o poder não se encontra na mão de que são fundamentais as ações do Estado,
desenvolvimento enquanto processo histórico,
uma pessoa, requer também o envolvimento das pressionado e acompanhado pela sociedade. Essa
resultante da interação de múltiplas condicionantes,
pessoas, da sociedade brasileira. Elas assumem um construção está marcada pela busca de um
repleto de conflitos e contradições, que se configuram
papel central no processo de escolha e fiscalização dos desenvolvimento sustentável.
em circunstâncias imprevisíveis. Esse tema entrou no
seus representantes, num período democrático. Na
debate após a Segunda Guerra Mundial, recebendo,
Constitui- ção vamos encontrar a legislação eleitoral, em O desenvolvimento sustentável rejeita o
num primeiro momento, maior atenção dos
que as eleições são diretas e com a possibilidade de desenvolvimento predatório, que visa a resultados
economistas. Nas décadas seguintes recebe também
dois turnos para presidente, governadores e prefeitos econômicos, sem compromisso com a realidade social
atenção de pesquisadores das demais áreas.
em municípios com mais de 200 mil eleitores. e ambiental. Tem como fundamento o respeito ao
Mesmo assim, percebe-se que os países homem e à natureza. Busca uma nova ética,
O voto é obrigatório para brasileiros maiores de
desenvolvidos são os que mais agridem o meio comprometida com a humanidade toda e cada um de
18 anos e facultativo para maiores de 70 anos e jovens
ambiente, como também contribuem com o seus membros e com a natureza e o futuro. Esse novo
entre 16 e 18 anos. Os analfabetos e menores de 18
agravamento da exclusão social. Brum (2006, p. 22-23) padrão de desenvolvimento busca conciliar, nos
anos não podem se candidatar. O que é ser
chega a se referir a uma crise planetária, em que quadros da democracia, a eficiência econômica, justiça
analfabeto? Muito a refletir sobre esse
social, equilíbrio ambiental. É um desafio para a
humanidade e para a sociedade brasileira. É, é fundamental. Ela só se verifica em clima de Portugal não dispunha de muitos recursos
provavelmente, a única saída para a humanidade neste confiança recíproca entre governo e povo. para custear o processo de ocupação, passando a
novo século e novo milênio (Brum, 2006, p. 23). tarefa para a iniciativa privada. A partir dessa
Dessa forma, é necessário estudar a dinâmica de
preocupação várias ações foram encaminhadas para
Nas últimas décadas várias conferências e encontros evolução e transforma- ção da sociedade, no contexto
garantir a posse da terra, questões estas que serão
realizados demons- tram certa preocupação com o em que ela está inserida, identificando e consi- derando
analisadas na próxima Unidade.
desenvolvimento predatório que está ocorrendo, no os distintos fenômenos que atuam no sentido de
Brasil, desde o seu descobrimento oficial. Mudanças acelerar, retardar ou redirecionar os seus movimentos. Na Unidade seguinte estaremos analisando o
são perceptíveis desde a Conferência Ecológica Identificar as correlações de forças (internas ou povo brasileiro, que resulta de um processo de
Internacional – a ECO 92 –, realizada no Rio de Janeiro externas) existentes e as alternativas que surgem ou miscigenação, em que pessoas receberam tratamento
em 1992. Ela contou com a participação de 179 são propostas em cada momento histórico. diferen- ciado. O estudo da constituição desse povo
países, como também Organi zações Não contribuiu para percebamos alguns problemas e
Assim, para contribuir no estudo da sociedade
Governamentais (ONGs), resultando na Agenda 21. contradições, que são fruto de uma construção histórica.
brasileira são apresentados os principais elementos
Outro evento a ser destacado foi a Rio+20,1 que que a compõem e determinam suas especificidades. Estas questões nos darão mais elementos para

refletiu a continuidade do desenvolvimento Questão essas que serão analisadas e retomadas nas compreendermos se é necessário, ou não, a elaboração

sustentável. Quais são as repercussões disso no Brasil? próximas unidades. de políticas públicas ou ações afirmativas, que busquem
garantir uma maior qualidade de vida para as pessoas.
O desenvolvimento nesta perspectiva requer Na Unidade 2 pretende-se problematizar
Vale ressaltar que uma das características do Brasil é a
um envolvimento do cole- tivo, como defende Brum conquista, formação e ocupação do território brasileiro.
diversidade cultural. Essa rica diversidade se transfunde
(2006, p. 24): O Brasil foi “descoberto” no contexto das grandes nave-
em identidade e brasilidade, em momentos de
Um projeto de desenvolvimento é mais do que um gações européias, impulsionado pela busca de
mobilizações sociais, por exemplo a campanha das
problema técnico. Exige participação coletiva. Só se especiarias, o comércio, ou mais precisamente os lucros
“Diretas Já”.
desenvolve o povo que estiver decidido a desenvolver- que ele poderia proporcionar. Os portugueses, como
se. De outra parte, só há desenvolvimento, centrado no não encontraram muita riqueza, se demoraram em Na Unidade 4 estaremos estudando a
ser humano. É ele o agente e o destinatário do nosso país, para dar atenção à “nova” terra. A partir de estrutura econômica brasileira na sua complexidade. O
desenvolvimento. O sujeito e o objeto. Sem o 1530 percebem que tinha chegado o momento de Brasil está organizado na perspectiva capitalista,
engajamento do povo num projeto nacional não defender a colônia dos interesses dos demais países marcado pela busca incessante pelo lucro. Ao analisar
haverá desenvolvimento. A responsabilidade coletiva da Europa. a sua consolidação e expansão percebemos que ora o
Estado intervém mais, ora menos. Mesmo assim, a novas perspectivas políticas são encaminhadas. Os mais características de nosso povo, o ser brasileiro.
análise de alguns indicadores econômicos nos ajudam de cem anos de República foram intercalados por Brum (2006, p. 31) recomenda o [...] exame
para melhor entender o seu desempenho, em épocas períodos autoritários e outros democráticos, em que retrospectivo, o ontem sempre poderia ter sido
diferentes, como o Produto Interno Bruto (PIB). várias Constituições foram aprovadas, visando a melhor. Mas o passado não se muda; só o futuro se
constrói. O primeiro pode ser reinterpre- tado à luz do
Sabemos também que para garantir o seu respaldar as ações dos governantes, mas quando isso
presente e do projeto e desafios para o amanhã. A
avanço necessitamos de recur- sos, que ao longo do não era suficiente recorriam a Atos Institucionais, pluralidade desse contributo é fermento e riqueza – e
decretos, medidas provisórias. Essas questões serão pode ser ainda mais. A atitude mais adequada não é
tempo contribuíram para o nosso endividamento
lamentar ou renegar o passado; conhecê-lo melhor,
externo, logo também, para o endividamento interno. problematizadas e retomadas na Unidade 5.
sim. Principalmente para assumir com mais
Para tanto, torna-se necessário lançar um olhar sobre Certamente, vários são os desafios do consciência e determinação o que somos e construir o
as escolhas realizadas ao longo do século 20, que desenvolvimento brasileiro, que serão analisados na que podemos, devemos e desejamos ser.

atingi- ram a vida das pessoas, das empresas, dos última unidade, quando será necessário retomar Para avançar ainda mais no nosso
agricultores, dos industriais, em que alguns questões debatidas nas unidades anteriores, pois, de entendimento sobre o Brasil vamos nas unidades
conseguiram acompanhar e outras nem tanto. certa forma, em cada uma foram expostos alguns seguintes retomar alguns aspectos da trajetória histórica
Lembrando também que ao longo desse processo desafios, que podem contribuir para pensar um do país, que contribuíram com a definição da realidade
enfrentamos várias crises econômica, próprias de um projeto para o Brasil. Que Brasil estou querendo? brasileira. Para pensar o Projeto de Desenvolvimento
sistema capitalista. Onde buscar os recursos? De quem são as para o Brasil precisamos conhecer a realidade atual
A organização social e política brasileira nesses responsabilidades? do país, como o seu processo histórico, considerando
mais de 500 anos passou por várias transformações. Assim, é verdade que precisamos conquistar os o que disso ainda é válido hoje. Ou mesmo, para não
De forma sucinta pode ser analisada considerando benefícios da civilização material, frutos do propormos o velho achando que é o novo.
três grandes fases. No período colonial foi desenvolvimento da ciência e da tecnologia modernas. UNIDADE 2
dependente de Portugal, governado pelo rei Preci- samos aumentar a renda per capita e a CARACTERÍSTICAS DO TERRITÓRIO BRASILEIRO
português, que detinha o poder, apoiado por uma produção e consumo de bens e serviços, mas
pequena elite interna. Após a Independência (1822) precisamos, também, garantir o acesso efetivo a esses Dilson Trennepohl
transformou-se em Império, sob o comando de um bens e serviços a todos os membros da coletividade
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
imperador (D. Pedro I e depois D. Pedro II). brasileira. Precisamos aprofundar e explicitar a nossa

Já em 1889, com a Proclamação da República, autenticidade histórica, nossa identidade nacional, as • Estudar as principais características do território
brasileiro e refletir sobre as possibilidades e os limites Grande parte das potencialidades permanece caminhos trilhados, as possibilidades que persistem no
que elas representam para o desenvolvimento da inexplorada, mas poderá ser incorporada à dinâmica presente e as alternativas disponíveis para o futuro.
sociedade brasileira. social e econômica no futuro. Em contrapartida, sua Celso Furtado em sua obra clássica, Formação
utilização implica responsabilidade redobrada por se Econômica do Brasil, analisa o processo de ocupação
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE tratar de recursos escassos, inexistentes em outros locais das terras americanas no contexto da expansão
do planeta, como é o caso da Amazônia. comercial europeia da época. Inicialmente considerada
Seção 2.1 – O Processo de Conquista E Delimitação do
Uma comparação superficial do Brasil com o
Território Brasileiro Seção 2.2 – As Características
Uruguai, com o Japão ou com a Rússia já seria
Naturais do Território Brasileiro suficiente para explicitar a importância de características
Seção 2.3 – A Ocupação do Território e as como extensão, localização e diversidade do território
Desigualdades Sociais e Regionais nacional como condicio- nantes das estratégias de
Um dos condicionantes fundamentais do
desenvolvimento possíveis ou necessárias em cada
desenvolvimento de uma so- ciedade é o espaço que
país. Assim sendo, o esforço de estudo sobre as
ela ocupa ou o território em que pode planejar e realizar
características de um território riquíssimo como o
suas ações. A maior parte das condições naturais,
brasileiro representa um desafio a ser realizado e
vantagens e desvantagens, potencialidades e limites,
aprofundado permanentemente. de menor importância, a descoberta deste vasto
está associada às características do território de que se
SEÇÃO 2.1 continente tornou-se relevante com o transcorrer do
dispõe e das formas de sua ocupação ou utilização
tempo.
socioeconômica. O Processo de Conquista
O território brasileiro, a começar por sua vasta O início da ocupação econômica do território
e Delimitação do Território Brasileiro brasileiro é em boa medida uma conseqüência da
dimensão de 8,5 milhões de Km2, sua localização
pressão política exercida sobre Portugal e Espanha
privilegiada, sua diversidade climática, vegetal, animal e A conformação territorial do Brasil é resultado de
pelas demais nações européias. Nestas últimas
mineral, até suas configurações socioeconômicas, longo e complexo pro- cesso de conquista, demarcação
prevalecia o princípio de que espa- nhóis e portugueses
representa enorme potencial de diferenciação do e ocupação realizado ao longo de cinco séculos de
não tinham direito senão àquelas terras que
desenvolvimento nacional em comparação com os História. Refletir sobre essa trajetória é importante para
houvessem efetivamente ocupado. Dessa forma,
demais países do mundo. recuperar elementos que possibilitem entender os
quando, por motivos religiosos, mas com apoio
governamental, os franceses organizam sua primeira estratégia. O desafio de maior importância do primeiro pela necessidade e beneficiados por circunstâncias
expedição para criar uma colônia de povoamento nas século da história americana era de encontrar uma favoráveis, os portugueses tiveram êxito em sua
novas terras – aliás a primeira colônia de povoamento maneira de viabilizar a efetiva ocupação das terras de estratégia.
do continente –, é para a costa setentrional do Brasil escassa ou nenhuma utilização econômica imediata.
que voltam as vistas. Os portugueses acompanhavam Um conjunto de fatores particularmente favoráveis
de perto esses movimentos e até pelo suborno Coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de tornou possível o êxito dessa primeira grande
atuaram na corte francesa para desviar as atenções utilização econômica das terras americanas que não empresa colonial agrícola europeia. Os portugueses
do Brasil. Contudo tornava-se cada dia mais claro que se fosse a fácil extração de metais preciosos. Somente haviam já iniciado há algumas dezenas de anos a
perderiam as terras americanas a menos que fosse assim seria possível cobrir os gastos de defesa dessas produção, em escala relativamente grande, nas ilhas
realizado um esforço de monta para ocupá-las terras. (...) Das medidas políticas que então foram do Atlântico, de uma das especiarias mais apreciadas
permanen- temente. Esse esforço significava desviar tomadas resultou o início da exploração agrícola das no mercado europeu: o açúcar. Essa experiência
recursos de empresas muito mais produtivas no terras brasileiras, acontecimento de enorme importância resultou ser de enorme importância, pois, demais de
Oriente. A miragem do ouro que existia no interior na história americana. De simples empresa espoliativa permitir a solução dos problemas técnicos relacionados
das terras do Brasil – à qual não era estranha a e extrativa – idêntica à que na mesma época estava com a produção do açúcar, fomentou o
pressão crescente dos franceses – pesou seguramente sendo empreendida na costa da África e nas Índias desenvolvimento em Portugal da indústria de
na decisão tomada de realizar um esforço relativamente Orientais – a América passa a constituir parte equipamentos para os engenhos açucareiros. Se se
grande para conservar as terras americanas (Furtado, integrante da economia reprodutiva européia, cuja têm em conta as dificuldades que se enfrentavam na
1987, p. 6). técnica e capitais nela se aplicam para criar de forma época para conhecer qualquer técnica de produção e
permanente um fluxo de bens destinados ao mercado as proibições que havia para exportação de
Figura 1: Mapa sobre o processo de construção do europeu (Furtado, 1987, p. 7) equipamentos, compreende-se facilmente que, sem o
território brasileiro
relativo avanço técnico de Portugal nesse setor, o êxito
No século 16 a exploração econômica dessas
da empresa brasileira teria sido mais difícil ou mais
Enquanto a Espanha optou por concentrar terras era considerada algo completamente inviável.
remoto (Furtado, 1987, p. 9).
seus esforços em manter sob seus domínios os Nenhum produto agrícola era objeto de comércio em

territórios em que encontraram maior disponibilidade grande escala na Europa e o principal deles – o trigo – A experiência portuguesa nas ilhas do Atlântico

de metais preciosos (ouro e prata) e ceder à pressão dos dispunha de produção local. Os fretes eram caríssimos foi importante também no campo comercial.

invasores em parte das terras que lhe cabiam pelo e somente os produtos manufaturados e as espe- ciarias Inicialmente o açúcar português entrou nos canais

Tratado de Tordesilhas, Portugal teve de adotar outra do Oriente podiam comportá-los, entretanto, premidos tradicionais controlados pelos comerciantes das cidades
italianas, especialmente Veneza, mas muito cedo o rentabilidade do negócio e atraíram os investimentos algum tempo não era atrativa, pois as terras,
governo português procurou outros parceiros de poderosos grupos fi- nanceiros privados amplamente disponíveis, praticamente não tinham valor
comerciais para seu produto. A partir de 1550 a interessados na expansão de seus negócios. Era econômico.
produção de açúcar passa a ser cada vez mais um necessário, porém, solucionar o problema da força de
empreendimento comum entre portugueses e trabalho. Mais uma vez a parceria com os flamengos
Sem embargo, também neste caso uma circunstância
flamengos (principalmente os holandeses). Os foi decisiva.
veio facilitar enorme- mente a solução do problema.
flamengos compravam o produto oriundo das Parte substancial dos capitais requeridos pela empresa
Por essa época os portugueses eram já senhores de
colônias portu- guesas, refinavam e comercializavam- açucareira viera dos Países Baixos. Existem indícios
um completo conhecimento do mercado africano de
no em toda a Europa. Especializados no comércio abundantes de que os capitalistas holandeses não se
escravos. As operações de guerra para captura de
intraeuropeu, os holandeses eram nessa época os limitaram a financiar a refinação e comercialização do
negros pagãos, iniciadas quase um século antes nos
únicos que possuíam suficiente organização comercial produto. Tudo indica que capitais flamengos
tempos de Dom Henrique, haviam evoluído num bem
para criar um mercado de grandes dimensões para um participaram no financiamento das instalações
organizado e lucrativo escambo que abastecia certas
produto novo, como era o açúcar. Foi uma parceria produtivas no Brasil bem como no da importação da
regiões da Europa de mão-de-obra escrava. Mediante
decisiva para viabi- lizar a expansão do mercado do mão-de-obra escrava (Furtado, 1987, p. 11).
recursos suficientes, seria possível ampliar esse negócio
açúcar, o que constitui um fator fundamental do êxito O problema da mão de obra para o cultivo e organizar a transferência para a nova colônia agrícola
da colonização do Brasil (Furtado, 1987, p. 10). da cana e a operação dos engenhos foi algo de da mão-de-obra barata, sem a qual ela seria
A identificação de uma atividade econômica que importância vital. As tentativas de recrutá-la economicamente inviável (Furtado, 1987, p. 11-12).

poderia constituir a base econômica do processo de localmente e contar com os indígenas foram A efetiva ocupação portuguesa do território
conquista e ocupação do território brasileiro era um majoritariamente frustradas. Transportá-la da Europa brasileiro teve início com a criação do regime de
primeiro passo importante, mas não suficiente. Surgiu o era inviável pois, considerando a escassez de oferta de capitanias hereditárias por D. João III, em 1532. Até
desafio de organizar o processo produtivo da cana e de mão de obra que prevalecia em Portugal, seria então, a exploração restringia-se ao litoral, era esparsa e
extração do açúcar, bem como de seu trans- porte necessário um investimento enorme e o pagamen- to de individual, a exemplo da donataria concedida pelo rei D.
para a Europa. salários bem mais elevados para atrair interessados Manuel a Fernando de Noronha visando ao
dessa região, o que tornaria antieconômica toda e arrendamento do comércio de pau-brasil. Foi por meio
A experiência técnica dos portugueses na fase
qualquer empresa. A possibilidade de retribuir com desse sistema de capitanias que os pri- meiros núcleos
produtiva e a capacidade comercial dos holandeses
terras o trabalho que os colonos realizassem durante de ocupação e colonização foram estabelecidos, a
foram importantes para demonstrar o potencial de
exemplo de São Vicente, concedida a Martim Afonso de avançado enormemente na ocupação efetiva da parte promoveu a Holanda, durante esse período, repercutiu
Sousa, em 1532, e de Pernambuco, outorgada a Duarte que lhe coubera (Furtado, 1987, p. 12). profundamente na colônia portuguesa da América. No
Coelho, em 1534. começo do século XVII, os holandeses controlavam
A União Ibérica, que se estendeu de 1580 a
Cada um dos problemas referidos – técnica de praticamente todo o comércio dos países europeus
1640, cumpriu um importante papel na construção do
produção, criação de mercado, financiamento, mão- realizado por mar. Distribuir o açúcar pela Europa sem a
território brasileiro ao se diluir as fronteiras
de-obra – pôde ser resolvido no tempo oportuno, cooperação dos comer- ciantes holandeses
estabelecidas pelo Tratado de Tordesilhas. Permitiu
independentemente da existência de um plano geral evidentemente era impraticável. Por outro lado, estes de
expandir os limites territoriais para o norte, com a nenhuma maneira pretendiam renunciar à parte
preestabelecido. O que importa ter em conta é que
conquista do Maranhão e para o sul, alcançando a região substancial que tinham nesse importante negócio, cujo
houve um conjunto de circunstâncias favoráveis sem o
platina. Teve início nesse período a expansão territorial êxito fora em boa parte obra sua. A luta pelo controle do
qual a empresa não teria conhecido o enorme êxito
para o interior através da organização das primeiras açúcar torna-se, destarte, uma das razões de ser da
que alcançou. . Não há dúvida que por trás de tudo
estavam o desejo e o empenho do governo português expedições dos bandeirantes em São Paulo. Data de guerra sem quartel que promovem os holandeses
de conservar a parte que lhe cabia das terras da América, 1585 a primeira grande bandeira para captura e contra a Espanha. E um dos episódios dessa guerra foi
das quais sempre se esperava que um dia sairia o ouro escravização de índios no sertão dos Carijós, luta que a ocupação pelos batavos, durante um quarto de século,
em grande escala. Sem embargo, esse desejo só levaria à ocupação gradativa do interior do Brasil e ao de grande parte da região produtora de açúcar no Brasil
poderia transformar-se em política atuante se alargamento da faixa litorânea ocupada pelos (Furtado, 1987, p. 17).
encontrasse algo concreto em que se apoiar. Caso a portugueses no início do século 16. São referências
A descoberta do ouro na região de Minas
defesa das novas terras houvesse permanecido por também deste processo a conquista do território da
Gerais, no final do século 17, modificou radicalmente
muito tempo como uma carga financeira para o Paraíba em 1584, os violentos conflitos com os índios
o processo de expansão territorial e a estratégia de
pequeno reino, seria de esperar que tendesse a relaxar- do norte da Bahia em 1589, as primeiras incursões
ocupação dos espaços conquistados. O fluxo de
se. O êxito da grande empresa agrícola do século XVI – dos bandeirantes para Goiás em 1592, Minas Gerais
portugueses intensificou-se e o movimento de
única na época – constituiu, portanto, a razão de ser em 1596 e para a região do baixo Paraná em 1604 com
interiorização de núcleos urbanos alcançou novos
da continuidade da presença dos portugueses em o objetivo de obter força de trabalho escrava.
patamares.
uma grande extensão das terras americanas. No século O quadro político-econômico dentro do qual nasceu e
seguinte, quando se modifica a relação de forças na progrediu de forma surpreendente a empresa agrícola, A necessidade crescente de mão de obra
Europa com o predomínio das nações excluídas da em que assentou a colonização do Brasil, foi (escravos), animais de trabalho (mulas) e de gêneros
América pelo tratado de Tordesilhas, Portugal já havia profundamente modificado pela absorção de Portugal alimentícios para o abastecimento da região das
na Espanha. A guerra que contra este último país minas contribuiu para a expansão do Brasil em
direção ao Rio Grande do Sul, fomen- tando a Espanha (1715) tratou da se- gunda devolução da características conflituosas do processo de conquista do
apreensão de índios, a criação de gado de todo o tipo. Colônia de Sacramento a Portugal. território e da extensão dos limites de fronteira com
O processo de expansão territorial, de conquista de e. O Tratado de Madri (1750) redefiniu as fronteiras diversos países, já não existem mais pendências ou
novas áreas, está repleto de conflitos e atos de violência entre as Américas Portugue- sa e Espanhola, anulando o disputas em relação à demarcação com os vizinhos.
entre os povos nativos e os bandeirantes. Sua SEÇÃO 2.2
estabelecido no Tratado de Tordesilhas: Portugal
consolidação exige a expulsão, submissão ou
garantia o controle da maior parte da Bacia Amazônica, As Características Naturais do Território Brasileiro
eliminação dos primitivos e a concessão de títulos de
enquanto que a Espa- nha controlava a maior parte da
posse ou propriedade aos conquistadores. Localizado no continente americano, o
Bacia do Prata. Nesse Tratado o princípio do usucapião
território brasileiro ocupa a parte centro-oriental da
A expansão das fronteiras do território brasileiro foi (uti possidetis), que quer dizer a terra pertence a quem a
sendo consagrada em diversos tratados, dentre os ocupa, foi levado em consideração pela primeira vez. América do Sul. Com uma área de 8.514.876,599 Km 2,
principais destacam-se: configura-se como o maior país do continente sul-
f. O Tratado de Santo Ildefonso (1777) confirmou o
americano e o quinto maior do mundo, superado
a. O Tratado de Tordesilhas (1494) definiu as áreas Tratado de Madri e devolveu a Portugal a ilha de Santa
somente por Rússia, Canadá, China e Estados Unidos.
de domínio do mundo ex- traeuropeu. Catarina, ficando com a Espanha a Colônia de Sacra-
O território brasileiro possui uma forma triangular, com
b. O Tratado de Lisboa (1681) tratou da devolução mento e a região dos Sete Povos.
sua base voltada para o norte e os pontos extremos,
da Colônia do Sacramento, ocupada pelos espanhóis g. O Tratado de Badajós entre Portugal e Espanha praticamente equidistantes, medem 4.394,7 km no
no ano de sua fundação. O apoio da Inglaterra foi (1801) incorporou definitiva- mente os Sete Povos das sentido Norte-Sul e 4.319,4 km no sentido Leste-
decisivo para Portugal conseguir essa vitória Missões ao Brasil. Oeste. Cerca de 90% de sua área territorial está situada
diplomática. A saída das forças espanholas só se dá na faixa entre as linhas do Equador e do trópico de
h. O Tratado de Petrópolis (1903), negociado pelo
efetivamente em 1683. Capricórnio, nas latitudes mais baixas do globo, o que lhe
Barão do Rio Branco com a Bolívia, incorporou ao
c. O primeiro Tratado de Utrecht entre Portugal e Brasil, como território, a região do Acre. confere as carac- terísticas de país tropical.
França (1713) estabeleceu as fronteiras portuguesas do Seus limites de fronteira totalizam 23.086 Km,
A forma predominante de garantir a ocupação do
norte do Brasil: o Rio Oiapoque foi reconhecido como dos quais 15.719 Km cor- respondem à linha divisória
território foi a concessão de títulos de posse ou
limite natural entre a Guiana e a Capitania do Cabo do em relação a dez países da América do Sul, pois
propriedade de grandes extensões de terras
Norte. apenas o Chile e o Equador não fazem fronteira com o
(capitanias hereditárias, sesmarias, etc.) aos
d. O segundo Tratado de Utrecht entre Portugal e Brasil. O outros 7.367 Km de extensão correspondem à
responsáveis pela sua conquista. Apesar das
costa brasileira banhada pelo Oceano Atlântico numa Figura 2 – Mapa com os principais biomas do Brasil ano. Seu relevo é majoritariamente plano, com solo
linha costeira sem acidentes geográficos de expressão. O Bioma Amazônia compreende uma área de 4 formado pelo sedimento trazido pelos rios. A despeito

Em seu interior o território brasileiro milhões de quilômetros quadrados, em que vivem de seu valor mundial, a floresta sofre com o

apresenta grande diversidade de situações que aproximadamente 2 milhões de espécies animais e desmatamento e o conflito com a pecuária e agricultura.
vegetais. Na floresta amazônica existem cerca de 200 O grande desafio do desenvolvimento neste território é
podem ser visualizadas nos distintos biomas ou
espécies diferentes de ár- vores por hectare e seu de aproveitar as potencialidades oferecidas pela
conjuntos de ecossistemas que funcionam de forma
território corresponde a um terço das florestas tropicais natureza sem destruir seus complexos sistemas de
estável. Um bioma é caracterizado por um tipo
do mundo. Tudo é superlativo nesse vasto espaço, reprodução e renovação das condições existentes.
principal de vegetação, apesar de existirem diversos
tipos de vegetação num mesmo bioma. que constitui a maior área selvagem tropical do O Bioma Mata Atlântica constitui o ambiente em
planeta. A Amazônia ocupa a porção norte do Brasil e que o Brasil começou historicamente. Foi em sua
Os seres vivos de cada bioma interagem com
apesar de ser considerado um bioma único, é porção baiana que a esquadra de Cabral aportou. Foi
as condições existentes na natureza, como
composta por diferentes paisagens. Uma classificação nela que o pau-brasil, árvore que dá nome ao país, foi
temperatura, umidade, frequência e regularidade das
resumida permite dividir a floresta em três grandes explorado. Na zona da mata nordestina a cana-de-
chuvas, ventos, etc., adaptando-se e evoluindo com o
categorias: áreas alagadas pelas águas pretas, os açúcar foi introduzida e na porção mineira desse mesmo
meio. Os biomas brasileiros pos- suem grande
igapós; áreas que se inundam nas cheias com águas bioma o ouro começou a ser extraído. Também foi no
diversidade de animais e vegetais (biodiversidade) e
brancas, as várzeas e áreas constantemente livres de território da Mata Atlântica que o café foi plantado e
podem ser caracterizados como sendo Amazônia,
inundação, a mata de terra firme. Ela tem ainda enclaves desenvolveu todo seu potencial. A Mata Atlântica
Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. de vegetações não florestais, como savanas, campinas e acompanha boa parte do litoral brasileiro, nas
campinaranas. A Amazônia está envolvida na encostas da Serra do Mar. Já chegou a ter 1.200.000
regulação climática de todo o planeta, seja por meio da km² de floresta de grande porte, mas que foram
retenção de carbono atmosférico, seja por meio da sendo reduzidos gradativamente e representam
evapotranspiração e dispersão de chuvas para todo o atualmente cerca de 7% da cobertura original. Sua
continente sul- americano. A floresta acompanha em distribuição original ocupava uma faixa contínua, desde
grande medida os principais rios da Bacia do Amazonas, o Rio Grande do Norte e Ceará, no Nordeste brasileiro,
desde o sopé dos Andes até o Atlântico. O clima até o Rio Grande do Sul. A Mata Atlântica abriga perto
predominante é quente e úmido, com frequentes e de 200 espécies de aves endêmicas, 120 delas
volumosas chuvas que caem pelo menos 130 dias por ameaçadas de extinção. Ela também tem papel
fundamental na estabilização do relevo litorâneo, processo de intensa ocupação, que remonta aos pronunciadamente seco, suscetível a queimadas. O
mantendo no lugar as encostas dos morros e principais ciclos econômicos, desafia as políticas Cerrado possui alta densidade de nascentes que
prevenindo deslizamentos. Seu relevo é acidentado e o públicas a gerar soluções de planejamento urbano e alimentam ao norte a Bacia Amazônica, ao sul a Bacia
solo, raso, frequentemente ocorrendo o afloramento das instituição de infraestruturas de transporte para mo- Platina e a leste a Bacia do São Francisco. É preciso
rochas. Uma floresta tão exuberante é sustentada pela bilidade das pessoas e abastecimento das grandes sensibilidade para se deixar encantar por essa
alta umidade trazida do oceano e deixada na Serra do metrópoles, de saneamento básico e destinação de paisagem brasileira tão diferente de biomas
Mar. Devido à grande variação de altitude e latitude, a resíduos gerados, bem como de ordenamentos celebrados como a Amazônia ou Mata Atlântica, mas
Mata Atlântica expressa-se em diferentes formações e relativos à ocupação de terrenos menos propícios às não menos importante. Devido a sua formação aberta,
paisagens. A mais marcante é a Floresta Ombrófila edificações ou necessários à preser- vação sua topografia propícia à mecanização, o Cerrado foi
Densa, uma luxuriante e biodiversa formação permanente de parcelas da Mata Atlântica. vorazmente incorporado ao processo de expansão do
florística existente próxima ao mar. Mais para o O Bioma Cerrado, também conhecido como a agronegócio brasileiro, tornando-se um grande
interior do país, a floresta apresenta formações que savana brasileira, varia quanto a sua fisionomia em fornecedor de soja, milho, algodão, cana, carne e leite
perdem parcialmente as folhas, a Mata Atlântica de relação à cobertura arbórea, indo desde os campos para o mercado mundial. Conciliar o uso econômico
Planalto. Em adição, nos Estados do sul do país (Paraná, limpos, nos quais só ocorrem gramíneas nativas, até o com a conservação é um desafio notoriamente exposto
Santa Catarina e Rio Grande do Sul) parte da Mata cerradão, formação predo- minantemente arbórea e no Cerrado. Essa ávida ocupação pela agricultura
Atlântica assume a feição de Mata de Araucária. Charles densa. O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, modernizada, altamente consumidora de fertilizantes e
Darwin escreveu após sua visita a esse bioma:“Aqui vi distribuindo-se por todo o Brasil central, com uma agrotóxicos, além das frequentes queimadas propositais
pela primeira vez uma floresta tropical em toda sua área original de 2 milhões de quilômetros quadrados, e da existência de poucas áreas protegidas em
sublime grandiosidade – nada além da realidade pode aproximadamente 20% do território do país. No reservas, fez com que grande parte da vegetação nativa
dar idéia de quão maravilhosa e magnificente é essa Cerrado vive um grande número de espécies que só fosse perdida, levando o Cerrado à lista de hotspots,
cena.” O processo histórico de ocupação do território ocorrem ali, as chamadas espécies endêmicas. Os uma das 25 regiões prioritárias para a conserva- ção
brasileiro fez com que grande parte das atividades Cerrados ocupam áreas elevadas do Planalto Central em todo o mundo. O sucesso econômico do
humanas se desenvolvessem neste espaço. Setenta Brasileiro, sobre solo ácido e rico em alumínio, agronegócio nesta fronteira agrícola estimulou a
por cento da população brasileira concentram-se em considerado de pouca utilidade econômica até meados migração de enormes contingentes populacionais
cidades situadas numa faixa de até 200 km da costa, do século 20. Durante seis meses o Cerrado torna-se para a região e proporcionou o surgimento de
especialmente as capitais dos Estados, e disputam verdejante devido às frequentes chuvas que vão de inúmeros núcleos urbanos e a expansão dos já
espaço com os demais elementos desse bioma. O outubro a abril, e nos meses restantes torna-se existentes. Existem grandes demandas por
infraestrutura de transporte e armazenagem de grãos pobres e pedregosos fazem da Caatinga um bioma com aptidão para alimentação de pecuária. No litoral, o
ou por processamento dos insumos necessários ou frágil. A mineração tem resultado em destruição em banhado do Taim e as lagoas costeiras (como a Lagoa
das matérias-primas produzidas. ritmo tão acelerado quanto ao da Amazônia. dos Patos) formam ambientes salobros, únicos no
A Caatinga é o bioma mais árido do Brasil, palco Historicamente tem sido palco das mais variadas país. Esses banhados e lagoas abrigam espécies
de numerosas histórias peculiares, como a Revolta de políticas públicas com objetivo de combater ou mitigar endêmicas e populações expressivas de aves aquáticas
Canudos e o cangaço. Esse bioma com aproxi- os efeitos da seca ou de atender aos habitantes do ou migratórias. A pecuária extensiva surgiu por
sertão nordestino, como é o caso das ações circunstâncias históricas diretamente sobre os campos,
madamente 840.000 km2, cobre cerca de 10% do
promovidas pela Sudene, por exemplo. Recentemente ricos em gramíneas nativas. Posteriormente, o
território nacional e ocorre no interior do Nordeste
tornou-se foco de um dos maiores e mais polêmicos aperfeiçoamento da atividade exigiu a introdução de
brasileiro. Caatinga em tupi quer dizer “mata branca”,
projetos de desenvolvimento regional e integração novas práticas de manejo do gado, contribuindo para
resultado da vegetação que perde a folhagem e
nacional, que é o Projeto de Transposição de parte que capins de outros países fossem introduzidos para
frequentemente é coberta com a poeira branca do
das águas do Rio São Francisco para a região do servir de alimento ao gado e ali se estabelecessem, ,
solo argiloso e seco levada pelo vento. A Caatinga é o
semiárido com o objetivo de gerar soluções perenes e competindo por espaço com a vegetação nativa. O uso
único bioma exclusivamente incluso em território
alternativas inovado- ras para o desenvolvimento da agrícola, especialmente pelo binômio trigo-soja no
nacional. Apesar do clima semiárido predominante na
população local. planalto e das lavouras de arroz nas várzeas da
região, a paisagem da Caatinga é variada e abriga
O Bioma Pampa compreende grandes depressão central do Rio Grande do Sul, reduziu
formações diversas. A vegetação da região é classificada
extensões de campos suavemente ondulados cobertos consideravelmente a área ocupada por esse bioma e,
como savana estépica e suas plantas desenvolveram
de capim verde, entremeadas por manchas de solo nas manchas de vegetação arbórea foi a exploração da
adaptações únicas para enfrentar a aridez da re- gião. As
mais fértil que sustentam uma vegetação mais alta madeira a principal causa de degradação. As unidades de
árvores decíduas perdem todas as folhas durante a
contendo principalmente espinilho e pés de erva- conservação, em número reduzido no bioma, são o
seca e são comuns as cactáceas e bromélias. Cortada
mate. Esse bioma com visual de estepe ocupa o reduto final da paisagem há décadas cantada pelo
por dois grandes rios caudalosos e perenes (o Parnaíba
extremo sul do país estendendo-se por mais de gaúcho da campanha em seu folclore. A existência de
e o São Francisco) e outros rios menores temporários,
170.000 km². Os Pampas, ou Campos Sulinos, estão projetos de desenvolvimento de grande porte e
grande parte da água usada pelas pessoas que
adaptados ao clima mais frio do Brasil, com impactos relevantes no bioma foi motivo de forte
habitam a Caatinga vem de açudes. Isso é importante
temperaturas eventuais abaixo de zero durante o polêmica nos anos recentes, como é o caso dos
especialmente porque ali chove menos de 600 mm
inverno. Estima-se a existência de 3 mil espécies projetos de reflorestamento para produção de
anuais, em geral nos meses iniciais do ano. Os solos
vegetais, das quais cerca de 400 seriam de gramíneas, celulose.
No Bioma Pantanal é onde fica mais evidente essa água chega ao Pantanal depois de transitar manguezais. Entrando no mar, ocorre uma explosão
que a água é a base para toda a vida. A maior área desde nascentes por toda a sua volta, especialmente as de vida dos recifes de coral, apenas comparável às
continental periodicamente alagável do planeta, com localizadas no Cerrado. Se não houver cuidados em grandes florestas tropicais. Cerca de 130 milhões de
cerca de 140.000 km², estende-se pelo território relação a essas nascentes situadas a quilômetros de brasileiros que vivem na faixa litorânea, de forma
nacional, mas também pela Bolívia e Paraguai. O distância, a contaminação das águas por fertilizantes, permanente ou temporária, contribuem pressionando
Pantanal é um imenso reservatório de água, agrotóxicos, esgotos urbanos, resíduos industriais ou esses ecossistemas. A pesca descontrolada, com seus
passagem obrigatória de grande parte do fluxo que outras formas, colocará em risco todo o ecossistema efeitos deletérios, também têm contribuído para a perda
percorre a Bacia do Prata. O lento ciclo das cheias e do Pantanal. de biodiversidade no litoral brasileiro. A exploração
vazantes, conhecido como pulso de inundação, cria Existem ainda os Ambientes Costeiros. . Esse excessiva dos recursos naturais ou a degradação
um variado mosaico de paisagens. Baías, assim conjunto de paisagens não recebe a designação de ambiental na costa do Brasil têm mobilizado a sociedade
denominadas as lagoas pantaneiras, são os elementos bioma por suas variadas características ecológicas, mas para a preservação de espécies e ecossistemas costeiros,
mais peculiares da região. Elas compõem a paisagem certamente merece atenção. Na faixa brasileira que notadamente com a criação de programas de
com rios tortuosos, campos alagáveis, matas ciliares, acompanha os 8 mil qui- lômetros de litoral existem proteção e unidades de conserva- ção. Sensíveis às
capões de matas, salinas e riachos da planície (corixos), diversas paisagens, compondo os assim chamados belezas naturais dos ambientes costeiros, a população
os quais formam os diferentes hábitats pantaneiros. Ambientes Costeiros, com praias, costões rochosos, brasileira procura desfrutar do bem-estar proporcionado
Toda essa variedade de ambientes dominada pela recifes de coral, falésias, dunas, lagoas costeiras, por um fim de tarde à beira-mar, uma emblemática
água sustenta uma diversificada fauna de peixes, aves estuários, manguezais e ilhas que compõem esses es- manutenção de nosso vínculo primário com o mundo
e mamíferos. O Pantanal também é importante ponto paços. Comportam uma riquíssima biodiversidade que, natural.
de parada de espécies de aves migratórias, como por sua vez, influencia diretamente as atividades Além deste manancial de biodiversidade,
marrecos e maçaricos. Todos os habitantes do Pantanal humanas, seja pela alimentação, potencial pesqueiro ou existem no território brasilei- ro muitas fontes de
têm sua vida marcada pelo eterno ciclo das águas, desde turismo, mas também com fortes repercussões na minerais e recursos fósseis. Dentre os principais
o dourado, um peixe de escamas, até o ribeirinho. cultura e estilo de vida das populações humanas. Sobre minérios encontrados pode-se citar, sobretudo, o
Cheia de outubro a abril e seca no restante do ano as praias arenosas existe o jundu, uma vegetação de minério de ferro (hematita), o estanho (cassiterita), o
forma um ciclo previsível com alto potencial turístico. plantas rasteiras que sobrevive à alta salinidade vinda do alumínio (bauxita), o manganês, o ouro, o nióbio, o
O Pantanal é cercado por uma série de serras, é isso que mar. Na transição entre as praias e a Mata Atlântica
titânio, o urânio, o sal, o calcário, a areia, o níquel, o
o torna um reservatório de água a temperaturas situa-se a restinga e nos estuários dos rios o solo
chumbo, o cobre e o zinco.
quentes, uma concentração de vida, no entanto toda lamacento e inundado frequentemente sustenta os
O país destaca-se principalmente na produção SEÇÃO 2.3 geográficos distantes em léguas ao longo do litoral,
de ferro, bauxita, man- ganês e nióbio. O ferro é o que se estendiam paralelamente rumo ao oeste para o
A Ocupação do Território
principal minério destinado à exportação no Brasil e sua interior, comprometendo-se a explorá-la e protegê-la. As
extração ocorre prioritariamente nos Estados de Minas e as Desigualdades Sociais e Regionais áreas de terra recebidas eram de grande extensão e
Gerais, do Pará e do Mato Grosso do Sul. A produção podiam ser repartidas com colonos que se dispusessem a
anual supera os 200 milhões de toneladas e o país O processo de ocupação do território brasileiro, trabalhar em parceria. Para regular a relação entre
condicionado pelas carac- terísticas naturais dos ambos foram elaborados a carta de doação e o foral,
ocupa o segundo lugar na produção mundial. A
diferentes espaços, efetivado em circunstâncias documento que estipulava os direitos e deveres dos
bauxita é extraída no Pará, Estado que abriga a maior
históricas específicas, consolidou uma gama de colonos.
concentração desse minério no país e a produção
desigualdades sociais e regionais muito importantes. O
anual de 17,4 milhões de toneladas coloca o Brasil como As capitanias, além de serem hereditárias, eram
caráter militar de conquista de parcela significativa do
o terceiro maior produ- tor mundial. Também é extraído também inalienáveis e indivisíveis. Com a morte do pai,
território e as relações sociais de produção que
cerca de 1,3 milhão de tonelada de manganês, volume substituía-o o filho primogênito, do sexo mas- culino. O
fundamentam as atividades econômicas estruturantes
de produção que coloca o país como terceiro maior sistema de capitanias hereditárias fracassou, o que levou
condicionaram as regras de acesso à posse e à
produtor mundial. Os Estados de Minas Gerais e Goiás a Coroa a criar o Governo Geral, em 1548, ficando os
propriedade da terra no país e resultaram na
também respondem por grande parte da produção donatários subordinados juridicamente aos
conformação de uma estrutura fundiária altamente
brasileira de nióbio, cujo volume atinge 38 mil governadores gerais. Iniciava-se, assim, a prática de uma
concentradora e injusta socialmente. As características
lenta política de reincorporação das capitanias ao
toneladas ao ano, o que faz do país o maior produtor naturais e a aptidão eco- nômica potencial de cada
patrimônio régio, concluída em 1759. Foi um processo
mundial. Esse minério tem seu uso difundido na bioma foram decisivas para os movimentos
de centralização do poder na Coroa Portuguesa.
fabricação de equipamentos de tecnologia de ponta. migratórios e as dinâmicas de desenvolvimento
A Lei da Sesmaria foi criada por Portugal em
Também merecem destaque as reservas de regional heterogêneas no país.
1375, com o objetivo de incentivar a produção em
energia fóssil existentes no país, tanto as jazidas de A distribuição de terras no território brasileiro
todas as terras agricultáveis do reino e o propósito de
carvão mineral como poços de petróleo e gás natural, iniciou-se em 1534, me- diante o sistema de capitanias
diminuir as importações, principalmente de trigo. No
cujo potencial ampliou-se significativamente com as hereditárias, abrangendo a faixa litorânea desde
Brasil essa Lei foi instituída durante a criação das
descobertas da camada de pré-sal, em águas profundas, Pernambuco até o Rio da Prata. O donatário recebia
capitanias e continuou durante o Governo Geral. No
ao longo da costa brasileira. certa extensão de terras, de- marcadas por acidentes
início da ocupação as terras eram tomadas por mata e
nunca haviam sido cultivadas; em razão disso o revogada a legislação relativa ao sistema de sesmarias. A Na metade do século 19 aumentava o número
beneficiário tinha um prazo (até 5 anos) para fazer a ausência de legislação abriu caminho para uma corrida de escravos alforriados, avançavam as políticas que
terra produzir ou perderia a concessão. A concessão de desenfreada pela posse de terras. De um lado visavam à libertação dos escravos negros e che-
terras era feita pela Coroa àquele que julgava constituíram-se fazendas de muitas léguas e, de outro, gavam cada vez mais imigrantes ao Brasil. Os grandes
merecedor, que demonstrasse ter interesse e capital pequenos lotes ocupados por negros libertos, caboclos proprietários estavam preocupados em garantir mão
para explorá-las. e bran- cos pobres. A independência brasileira foi de obra para suas imensas lavouras. Para tanto, seria
No Brasil havia abundância de terras e escassez caracterizada como simples arranjo de cúpula, pois se necessário tornar mais restrito o acesso à terra,
de gente. Portugal, por sua vez, também não possuía mantiveram, na essência, as estruturas arcaicas do assegurando a disponibili- dade de trabalhadores. Até
excedentes populacionais. As pessoas, quando vinham passado e da dependência. A população excluída então as terras eram doadas. Nessas circunstâncias,
para o Novo Mundo, queriam enriquecer e voltar. continuou nessa condição, sendo possível encontrar tratou o Império brasileiro, por sua classe dirigente, de
Assim, só viriam se recebessem uma grande extensão algumas pessoas com grandes extensões de terra e legislar sobre o processo de posse da terra. Dom Pedro
de terra. Uma sesmaria de uma légua quadrada equivalia também famílias pobres vagando de lugar em lugar, II promulgou a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850,
a 4.356 hectares, e muitos se apropriavam de várias buscando se estabelecer. criando a primeira Lei de Terras do Império do Brasil.
sesmarias. Nos dois primeiros séculos de colonização a Um grupo político liderado por José Bonifácio Essa lei estabelecia: “Ficam proibidas as aquisições de
lei não estabelecia limites para a propriedade, a não ser de Andrada e Silva defendia uma nova política de terras devolutas por outro título que não seja a
para o donatário (dez léguas). terras, com a retomada de áreas de sesmarias compra”.

No final de 1695 uma carta régia estipulou o concedidas e que não estavam sendo cultivadas, Daí em diante as terras só poderiam ser
limite máximo de uma sesmaria de cinco léguas, integração dos índios à sociedade por meio da compradas em praça pública e à vista. Para sua
reduzidas para três, dois anos mais tarde. Em geral o educação e do acesso aos mesmos direitos dos legalização, os proprietários tinham despesas com a
latifúndio não era dividido por herança, cabendo por brancos – inclusive à terra –, extinção do tráfico medição e a selagem das escrituras. Aqueles que haviam
inteiro ao filho primogênito do sexo masculino. Dessa negreiro e investimentos em estradas para viabilizar recebido sesmarias, ou se atribuído a posse delas,
forma, a grande propriedade foi a base quase exclu- projetos de colonização com europeus, índios, mulatos, regularizaram suas posses e transformaram-nas em
siva da ocupação do território e da economia negros alforriados e outros. Na prática era uma proposta propriedade privada. A Lei consagrou e fortaleceu o
brasileira ao longo dos primeiros quatro séculos. de reforma agrária. Esse grupo foi afastado do poder e latifúndio no Brasil e impediu o acesso à propriedade da

suas propostas não foram acolhidas. terra aos pobres (índios, negros, mestiços e brancos).
Em 1822, com a emancipação política, foi
Libertou-se o trabalhador, porém aprisionou-se a terra. Este novo segmento da sociedade agrária no mercado. Exerciam, também, o papel de

Ao longo do século 19 ocorre um processo brasileira, alicerçado na pequena propriedade familiar, abastecedores das comunidades, com produtos como

intenso de chegada de imi- grantes europeus não enfrentou inúmeras dificuldades para viabilizar sua sal, açúcar, café, roupas, remédios, querosene,

ibéricos. Especialmente os italianos, ao chegarem em consti- tuição e reprodução econômica e social. ferramentas, etc., bem como de agente monetário e

São Paulo eram enviados para as grandes fazendas de Localizadas em áreas de difícil acesso, em virtude das financeiro local. Estes proprietários das casas de

café, nas quais substituíam o trabalho escravo, na distâncias e da inexistência de caminhos, as colônias negócios constituíram-se, em muitos casos, como

condição de assalariados ou em regime de colonato, adotavam a estratégia de diversificação de culturas importantes lideranças políticas nos movimentos

sendo- lhes vedado o acesso à propriedade da terra para garantir o consumo local das comunidades e a emancipatórios das comunidades e na conquista de

antes de decorridos três anos da sua entrada no Brasil. comercialização de excedentes com potencial de investimentos públicos como estradas, escolas, hospitais,

Já nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, demanda nos mercados. Além do cultivo de milho, trigo, etc.

Paraná e Espírito Santo os imigrantes europeus de feijão, arroz, mandioca, abóbora, cana-de-açúcar,
A agricultura familiar baseou-se inicialmente
várias nacionalidades colonizaram as áreas de centeio, aveia, fumo, etc., dedicavam-se à criação de
na fertilidade natural do solo, incorporando as
florestas, preteridas pelos latifundiários interessados aves, suínos, bovinos e equinos para a produção de
práticas de cultivo dos povos nativos (índios e
na pecuária extensiva. Com base na pequena carne, ovos, leite e seus derivados, além de força de
caboclos) de queimada da vegetação, plantio durante
propriedade e no trabalho familiar, forte senso de tração para a preparação da terra, transporte e lazer.
alguns anos e pousio das áreas desgastadas. Os
economia e apoio governamental foram construindo A economia da agricultura familiar estimulou o processos de trabalho usavam basicamente a força
relativa prosperidade em diversas regiões. surgimento do comércio local para o escoamento dos humana (membros da família), a tração animal, a
Nos primeiros tempos as propriedades eram excedentes da produção para os centros consu- energia das quedas d’água e do vento. Parcela dos
doadas, e, a partir de 1875, deviam ser compradas, midores e a obtenção de ingredientes do consumo imigrantes foi assumindo atividades complementares,
geralmente com cinco anos de prazo para completar o que podiam ser produzidos localmente. Os como as agroindústrias, as ferrarias e pequenas
pagamento. Inicialmente o tamanho da propriedade era comerciantes, em algumas regiões conhecidos indústrias de ferramentas, equipamentos e máquinas
de 77 hectares, depois reduzido para 48 hectares e, como“bolicheiros”, exerciam um papel importante de agrícolas, o artesanato, o comércio e serviços
finalmente, de 1875 em diante, a colônia passou a ter comercialização dos produtos coloniais (queijo, necessários ao aten- dimento de uma população cada
25 hectares, mas o imigrante que tivesse recursos manteiga, banha, torresmo, carnes, embutidos, ovos, vez mais numerosa nos centros urbanos que foram
podia adquirir mais de uma colônia. frutas, sucos, grãos, fumo, etc.), indicando aos surgindo por todas as partes.
agricultores quais deles apresentavam maior demanda
Nas primeiras décadas do século 20 longo processo de ocupação do território gerou-se O território brasileiro, por suas especificidades,
começaram a ocorrer dificuldades crescentes nas uma estrutura fundiária de grande concentração da representa um conjunto de desafios que condicionam
regiões de colonização. O esgotamento da fertilidade propriedade, de enormes desi- gualdades sociais e o processo de desenvolvimento da sociedade. A sua
natural do solo, devido ao uso intensivo e a regionais. extensão de 8,5 milhões de Km2 mostra inúmeras
redução das possibilidades de pousio, combinado No que se refere à estrutura fundiária, os possibilidades de uso do espaço e das condições nele
com a proliferação de pragas e doenças, resultou na dados dos Censos Agropecu- ários do IBGE permitem existentes, mas também significa um desafio
diminuição da produtividade das lavouras. O sistema visualizar o elevado grau de concentração das terras permanente de vencer grandes distâncias para a
de partilha por herança das colônias em famílias nos grandes estabelecimentos. Enquanto o estrato movimentação de pessoas ou mercadorias e garantir a
numerosas implicou a multiplicação dos minifúndios e dos pequenos estabele- cimentos agropecuários, com cobertura dos serviços públicos essenciais (saúde,
a impossibilida- de de reprodução endógena dos área inferior a cem hectares, compreende 4,45 educação, segurança, etc.).
sistemas de produção locais. Houve intensa migração milhões de unidades e representa praticamente A diversidade dos ecossistemas amplia as
de famílias, especialmente as recém-constituídas, rumo 90% do total de 5 milhões existentes no Brasil, potencialidades de seu apro- veitamento para o bem-
às novas fron- teiras agrícolas disponíveis, fundando detém apenas cerca de 20% (70 milhões de hectares) viver das pessoas, mas exige grande esforço para a
novas colônias e reproduzindo a mesma dinâmica da área total de 335 milhões de hectares de todos os compreensão de suas características e a preservação
socioeconômica. estabelecimentos. No outro extremo, o estrato dos de sua capacidade de reprodução. Garantir a
Importa registrar que apesar das inúmeras grandes estabelecimentos, com área superior a mil sustentabilidade dos processos de desenvolvimento
propostas e tentativas de reor- denamento fundiário hectares, compreende 48 mil unidades e representa em espaços complexos com os distintos biomas
feitas ao longo da História, em nenhum momento cerca de 1% do total, mas detém 45% da área total brasileiros é tarefa das mais complexas e

foram postas em prática ações ou políticas que (mais de 150 milhões de hectares). Por dedução, o desafiadoras.

possibilitassem a efetiva democratização do acesso à estrato intermediário, com área entre cem e mil A extensão das áreas costeiras e das fronteiras
terra no Brasil. Por ocasião da Independência, os hectares, corresponde a 9% do número de unidades com diversos países da América do Sul permite
projetos de José Bonifácio foram derrotados; no final do (424 mil estabelecimentos) e 35% da área total inúmeras atividades de integração política, econômica e
Império, a Abolição da Escravatura e a Proclamação da ocupada (112 milhões de hectares). cultural com os povos vizinhos, mas potencializa os riscos
República também não possibilitaram alternativas de SEÇÃO 2. 4 do tráfico interna- cional de armas, drogas e outros
acesso aos escravos libertos um caminho de inclusão ilícitos que precisam do controle e repressão dos
Os Desafios ao Desenvolvimento
social via propriedade da terra. Como resultado desse Estados Nacionais.
UNIDADE 3 africanos, imigrantes europeus e asiáticos. Hoje é finalmente, brasileiras – sempre tiveram medo – e
praticamente unânime a teoria de que não há no ainda têm – da emergência das camadas oprimidas”.
A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO
mundo nenhum grupamento humano totalmente De qualquer modo, as diversas etnias tiveram suas
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
isolado e que todos os grupos são pertencentes a uma contribuições na constituição do povo brasileiro e no
única raça: a raça humana. As diferenças na aparência desenvolvimento econômico (Brum, 2011, p. 133).
• Estudar o processo de formação da sociedade brasileira, não implicam, portanto, diferença genética. SEÇÃO 3.1
considerando a formação do povo brasileiro pela No Brasil esse processo teve início praticamente 1
contribuição dos povos indíge- nas, portugueses e A Contribuição dos Diversos grupos Étnicos
com o“descobrimento”do país e dos povos indígenas,
africanos em sua composição básica, bem como a que na época eram pelo menos 5 milhões de pessoas Os indígenas brasileiros pertencem aos grupos
participação dos demais grupos étnicos, na e, por volta de 1950, não chegavam a cem mil. Do chamados paleoamerín- dios. Estavam no estágio
construção de uma sociedade plural e diversificada entrecruzamento entre tais grupos sociais resultou um cultural neolítico (pedra polida). Agrupam-se em quatro
étnica e culturalmente. “povo novo” – o povo brasileiro (Ribeiro, 2006, p. 17). A troncos linguísticos principais: o tupi ou tupi-guarani
miscigenação, em graus muito variáveis, deu origem a (Litoral), macro-jê ou tapuia (Planalto Central), o caraíba
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE três tipos fundamentais de mestiços, hoje também já ou karib e o aruaque ou nu-aruaque (Amazônia). Os
marcados por novas miscigenações: caboclo (branco portugueses, nos primeiros tempos, em sua grande
Seção 3.1 – A Contribuição dos Diversos Grupos
+ índio), mulato (negro + branco) e cafuzo (índio + maioria, eram homens que vinham sozinhos em busca
Étnicos Seção 3.2 – Relações Étnico-Raciais negro).
de aventura e riqueza, razão por que tomavam várias
Seção 3.3 – Características Sociais Para avançar no entendimento sobre a
moças índias como esposas.
realidade do povo brasileiro torna- se necessário um
Seção 3.4 – Indicadores Sociais: Educação, Desigualdade O legado indígena começou com a
e Saúde olhar retrospectivo, fazendo uma pequena
caracterização das diversas etnias que contribuíram para inspiração para a construção das primeiras casas

a constituição do povo brasileiro, sempre lembrando portuguesas, seguindo com a rede para dormir, o banho

que tal miscigenação não ocorreu de forma pacífica, de rio, o uso da mandioca na alimentação, cestos de
A formação do povo brasileiro é resultante de
pois os diversos grupos sociais foram tratados de forma fibras vegetais e um numeroso vo- cabulário nativo,
um intenso processo de miscigenação em razão da
diferenciada. Isso em virtude de que “as elites dirigentes principalmente tupi, associado às coisas da terra: na
mistura de diversos grupos humanos que ocorreu no
– primeiro portuguesas, depois luso-brasileiras e, toponímia (nome dos lugares), nos vegetais e na fauna.
país. Os principais grupos foram os povos indígenas,
No início da colonização ocorreram dois tipos civilização ocidental. Deles vem também a religião Mesmo que os portugueses tenham
de sujeição dos índios: a escravidão e a catequese. Para católica, com seus anjos e santos, depois contribuído em demasia para que a língua portuguesa
Brum (2011, p. 136), “aos colonos portugueses simbioticamente unidos a entidades de religiões africa- se tornasse oficial em todo o território brasileiro, esse foi
interessava a escravidão pura e simples, enquanto as nas. Segundo Brum (2006, p. 27), no Brasil, nos primeiros um processo complexo. Para Sodré (2003, p.18), no
ordens religiosas buscavam catequizá-los. A catequese séculos, a influência portuguesa predominou,“de tal século 16 a classe dominante, nes- se caso a
consistia no esforço de transformar os índios em“bons modo que se pode afirmar que é lusitana a base portuguesa, era pouco numerosa, por isso foi
cristãos”, isto é, levá-los a seus rituais, valores, usos e fundamental da nossa cultura”. instituído o bilinguismo, em boa medida assumido
costumes e incorporar os que lhes eram impostos, O número de portugueses que vieram para o pelos religiosos. Segundo o autor, existia uma“língua,
embora geralmente sem entendê-los”. A escravidão Brasil era reduzido. Até porque Portugal era “um país dita ‘geral’, que era a do índio – e só isso comprova a
indígena marcou o século 16, sendo depois substituída pequeno e pobre, com reduzida população (cerca de força de sua contribuição cultural – ao lado da língua
pela escravidão africana. 1,2 milhão de habitantes)”, precisando utilizar-se de oficial, o português”. Esse fator fez com que a classe

muitas estratégias para garantir a ocupação da extensa dominante aceitasse o idioma indígena, num primeiro
Atualmente, conforme a Fundação Nacional do
colônia. A maioria de portugueses que vinham para o momento, numa clara estratégia de “indiamzar-se”
Índio (Funai), há 672 terras indígenas no país e estas são
Brasil eram homens, levando-os a buscar enquanto, em contrapartida, impunha aos povos sua
as principais etnias e respectiva população: Ticuna
relacionamento sexual com as índias. Os portugueses “europeização” e, depois, “abrasileiramento”.
(35.000), Guarani (30.000), Caingangue (25.000), Macuxi
se aproveitaram da “instituição social indígena (o cunha- Os africanos, que ainda não haviam superado
(20.000), Terena (16.000),
dismo)”. Nessa instituição, o trabalho escravo que desaparecera da Europa na
Guajajara (14.000), Xavante (12.000), Ianomâmi (12.000),
Idade Média, foram utilizados pelos portugueses na
Pataxó (9.700), Potiguara (7.700) (Brum, 2011, p.141). De
[...] o branco era visto como um ser superior, e era montagem de uma rede de comércio negreiro, nas
acordo com dados do Censo 2010 (IBGE), o Brasil
considerado honroso, tanto para a mulher índia como plantações de cana-de-açúcar nas ilhas do Atlântico
possuía, em 2010, 896.917 indígenas.
pela própria tribo, acasalar-se e ter filhos com eles. Por (Açores e Madeira). Depois, sustentaram a economia
Os portugueses provinham de um complexo outro lado, era uso entre os nativos que o estranho do Brasil colonial, que se assentou sobre três pilares: a
caldeamento secular e variado, no qual se destacam que recebesse uma moça índia como esposa grande propriedade territorial, na qual se desenvolvia
contribuições dos fenícios, gregos, romanos, ju- deus, estabelecesse laços de parentesco com todos os um empreendimento comercial destinado a fornecer
árabes, visigodos, mouros, celtas e africanos. É deles o membros do grupo. Podia, então, usar o trabalho dos à metrópole gêneros alimentícios (em particular a
idioma português, principal veículo da cultura brasileira parentes e as mulheres para gozo sexual (Brum, 2011,
cana-de-açúcar) e os metais preciosos, em que se
e, por extensão, da cultura greco-romana, marco da p. 133).
utilizava essencialmente a mão de obra escrava. religiosas, alimentação (azeite-de-dendê, pimenta, a escravidão, agora dirigida preferencialmente aos

De acordo com Boris Fausto, “costuma-se dividir os feijoada, etc.) e vestimentas. negros da África, objeto primeiro da expansão

povos africanos em dois grandes ramos étnicos: os O povo africano foi trazido à força para o Brasil e européia e mão-de-obra em toda a área mediterrânea

sudaneses, predominantes na África Ocidental, Sudão na condição de escravo. Para garantir o controle sobre e das ilhas do Atlântico”. De igual modo, “os

egípcio e na costa do Golfo da Guiné, e os bantos, da eles, foram separados, dificultando a comunicação e a argumentos jurídicos conferiam ao negro estatuto de

África Equatorial e Tropical, de parte do Golfo da fuga. Mesmo assim, tornaram-se a principal força de coisa, incapaz de atos culturais, políticos e fundantes

Guiné, do Congo, Angola e Moçambique. Essa grande trabalho no Brasil, con- tribuindo para o de instituições”.

divisão não nos deve levar a esquecer de que os desenvolvimento da economia brasileira durante os Em meados do século 19 intensificaram-se os
negros escravizados no Brasil provinham de muitas primeiros séculos. movimentos de resistên- cia, acompanhados por várias
tribos ou reinos, com suas culturas próprias. Por Carvalho (2005, p. 50) recorre a José Bonifácio leis, que culminaram na Abolição da Escravatura em
exemplo: os iorubás, jejes, tapas, hauças, entre os para ressaltar que a escra- vidão foi“obstáculo à 1888. Finalmente conquistaram a liberdade, o que não
sudaneses; e os angolas, ben- galas, monjolos e formação de uma verdadeira nação, pois mantinha teria ocorrido sem a luta dos próprios escravos. Após
moçambiques entre os bantos” (2000, p. 51). parcela da população subjugada a outra parcela, como esse processo foi-lhes negado o direito de se constituir

Os negros resistiram em quilombos e mesmo inimigos entre si”. Para além de se tornarem mão de como sujeito histórico. “Tal negação funda um arraigado

nas senzalas desenvolveram uma arte marcial – a obra escrava, no olhar dos comerciantes portugueses, preconceito contra os negros, que, facilmente, se

capoeira – para ser usada contra os senhores de eram um bem a ser comercializado. De outro lado, os converte em racismo. O racismo é, assim, um

engenho, hoje patrimônio artístico-cultural do país. portugueses necessitavam de mão de obra para desdobramento da escravidão” (Belato, 2000, p.109).

Além da capoeira, que já é comum em várias executar o seu projeto de desenvolvimento. Esses três grupos sociais, analisados

partes do Brasil, mais en- faticamente no Estado da Até final do século 18 não se encontravam, anteriormente, formaram o povo brasileiro, que

segundo Belato (2000, p.105- 107), “documentos, contou, no século 19, também com os imigrantes
Bahia, os africanos contribuíram significativamente
europeus. Mesmo assim, vale destacar a leitura de
para o desenvolvimento populacional e econômico do declarações ou justificativas que defendessem os negros
Gilberto Freyre sobre esse processo. Que leituras são
Brasil. Os escravos e/ou libertos africanos participaram contra a escravidão”. E, ainda, segundo o autor,
possíveis?
de toda a formação humana e cultural do Brasil com mediante o uso do argumento religioso, “recomendando
Ainda no período colonial, tivemos algumas
técnicas de trabalho, música e danças, práticas aos escravos obediência, paciência e mansidão, fun- dam
influências dos povos fran- ceses, holandeses e ingleses.
Várias foram os legados durante as tentativas de se com cerca de 230 mil e outros contingentes menores diferenciado e encontram-se em situações diversas,
estabelecer em nosso país, no campo da educação, no também migraram para o Brasil, em especial os eslavos, tornando-se necessária a construção de ações
cultivo de flores e no futebol, respectivamente, entre os anos de 1886 e 1930 (Ribeiro, 2006, p. 221). afirmativas ou políticas públicas, que visam a garantir a
porém muito restrito na contribuição étnica, Os “povos novos” não só contribuíram para a sua inserção na sociedade brasileira.
destacando-se os holandeses, em especial no Nordeste, exploração de novas terras como exerceram as Em diversos municípios do país vamos
inclusive com a estratégia de “aportuguesarem” seus primeiras jornadas de trabalho em ambiente fabril. encontrar pessoas com origens étnicas bastante
nomes/sobrenomes. Diante dessa diversidade de etnias, o resultado só diferenciadas, hoje miscigenadas. A integração é um
Do século 16 ao 18, consolidou-se a estrutura poderia ser uma imensa riqueza cultural, manifestada, ingre- diente fundamental para a constituição da
genética da população brasi- leira, porém não está em especial: pelos italianos, na culinária, na herança re- identidade nacional, da brasilidade e acredita-se que“os
finalizada a miscigenação, a contribuição das muitas ligiosa, musical e recreativa; alemães, nas atividades preconceitos ainda existentes, abertos ou velados,
etnias continua num processo constante de mistura. A industriais, na agricultura e no cooperativismo; tendem a ser denunciados e superados. Cada vez mais
consciência de ser brasileiro é predominante. Trazemos japoneses, na introdução do cultivo da soja e a cultura e
pessoas agem nessa direção. Essa integração é um
a marca histórica da integração, não da segregação, o uso de legumes e verduras (As contribuições dos
componente fundamental da identidade nacional, da
apesar do distanciamento social entre as classes imigrantes serão retomadas na Unidade 4 – sociedade
brasilida- de, a ser cada vez mais testemunhado pelos
dominantes e as subordinadas (Ribeiro, 2006, p. 21). agrária).
brasileiros” (Brum, 2006, p. 14).
SEÇÃO 3.2
Nos séculos 19 e 20 vieram outras várias etnias, Diante dessa realidade brasileira, várias ações
que se estabeleceram prio- ritariamente nas regiões Relações Étnico-Raciais
afirmativas, de diversas naturezas, foram construídas
Sudeste e Sul do Brasil, totalizando aproximadamente Diversos estudos, entre eles os realizados pelo professor com o propósito de combater as desigualdades
um contingente de 5 milhões de pessoas. Os Argemiro Jacob Brum, mostram que hoje é bem raciais, melhorando dessa forma a vida de uma
principais grupos de imigrantes desse período são os reduzida a parcela de habitantes do país com traços parcela dos brasileiros que ao longo do processo
portugueses, com 1,7 milhão de pessoas, que se exclusivos de uma única origem étnica. Percebe-se que histórico não tiveram as mesmas oportunidades, ou,
uniram aos povoadores lusitanos dos primeiros séculos, aproximadamente 80% da atual população brasileira mesmo, foram excluídos.
tornando-se, portanto, predo- minantes na união com resultam de algum grau de mestiçagem, já com
A primeira medida que propunha a
os povos indígenas e negros. Seguem-se, em ordem participação de elementos de origem europeia, índice
igualdade humana, dos direitos fundamentais de
decrescente, os italianos com 1,6 milhão; os espanhóis que passa para cerca de 90% do total da população
todos e de cada ser humano, foi a Declaração
com 700 mil; os alemães com 250 mil; os japoneses brasileira. Essas pessoas receberam tratamento
Universal dos Direitos Humanos, votada pela
Assembleia Geral da ONU em 1948. Essas preo- realizada de 31 de agosto a 7 de setembro de 2001, milhares de judeus, ciganos, etc., como também nos
cupações também se colocaram em décadas refletiram-se no Brasil. Essa Lei não tinha contemplado a séculos anteriores, as atrocidades cometidas contra
seguintes quando a Unesco/ONU patrocinou algumas questão indígena, corrigida com a Lei 11.645/2008, após milhões de índios da América e milhões de negros, que
conferências mundiais, por exemplo, em 1978, 1983, as reclamações das comunidades indígenas brasileiras. se tornaram escravos.
2001 e 2009, com o objetivo de estabelecer Assim, a Lei não é imposição do presidente da O antropólogo Darcy Ribeiro trata a questão
propósitos, resoluções e propostas que visavam à República ou de seu ministro da Educação, mas do processo de colonização aqui no Brasil, nos
eliminação do “racismo, discriminação racial, xenofobia e imposição de uma política mundial de combate ao primeiros séculos da ocupação europeia, como a
formas cor- relatas de intolerância”. Por exemplo, na racismo e à discriminação com base étnica, deliberada “criação” de uma massa de nativos sem consciência de
África do Sul, na cidade de Durban, em 2001, ocorreu a nos fóruns mundiais das Nações Unidas. Dessa forma, a si, uma “ninguendade”. Essa transfiguração étnica,
Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, Lei deverá ser cumprida, se desobedecidas as denominada, pelo antropólogo, como “desindianização”
Discriminação, Xenofobia e Intolerância Correlatas. deliberações, as punições ficam sob a responsabilidade coagida dos índios e pela “desafricanização” do negro,
Essa Conferência contribuiu para que o de milhares de delegados do mundo inteiro. associadas a portugue- ses “deseuropeizados”, que levou
governo brasileiro criasse a Se- cretaria de Políticas de A educação tem um papel central no a um processo forçado e conflituoso e a uma nova
estabelecimento da Lei, pois as diversas instituições identidade étnico-nacional. Devemos considerar,
Promoção da Igualdade Racial (Seppir 2), que tem como
formais deverão debater, analisar e conhecer bem a entretanto, que, apesar de cometidos pela fusão de
objetivo elaborar políticas para a promoção da igualdade
reali- dade brasileira, tornando esses ambientes mais várias matrizes, na atualidade os brasileiros são um dos
racial. No Brasil, um passo importante nessa perspectiva
acolhedores, tendo, desta forma, condições de povos mais homogêneos linguística e culturalmente,
foi dado com a Constituição Federal de 1988, no caput
reconhecer, valorizar e respeitar as diferenças. assim como integrados socialmente do mundo. “Falam
do artigo 5º, que estabelece que todos são iguais
Ressaltamos que isso está instigando o nosso debate uma mesma língua, sem dialetos. Não abrigam nenhum
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
na universidade, pois, como pessoas e futuros contingente reivindicativo de autonomia, nem se
consagrando o Princípio da Igualdade.
profissionais, estarão vivenciando essa diversidade em apegam a nenhum passado. Estamos abertos é para o
As conferências ocorridas mundialmente
diferentes ambientes – escolares e de trabalho. futuro” (Ribeiro, 2006, p. 410).
desencadearam debates regionais (continentais) e
A luta mundial contra o racismo e a A luta contra o racismo, portanto, é contra a
nacionais, que contribuíram para a criação da Lei
discriminação racial iniciaram-se após a Segunda Guerra guerra e a favor da paz, a favor da educação, a favor
10.639/2003.3 Assim sendo, as deliberações da Mundial, período marcado por perseguições, por da promoção do desenvolvimento. Deste modo, não
Conferência Mundial de Durban (África do Sul) razões étnicas e políticas, que ocorreram em relação a foi só um processo buscado pelo povo brasileiro, mas
também por muitos outros povos, em especial pelos Por que deixar que se convertam em causa de divisão – alimentação, vestimentas, moradia e de ter acesso à
sul-africanos, que tiveram vários líderes, como o ativista e violência? Estaremos degradando nossa escola, à saúde, ou seja, aos bens que garantam a sua
político Nelson Mandela, herói e símbolo da luta pela humanidade comum se permitirmos que isso ocorra qualidade de vida. Qual é o número da população
(Fragmento de discurso do ativista Nelson Mandela brasileira? Qual é o seu perfil?
igualdade racial.
em Nova Délhi – Índia – em 31 de janeiro de 2004).
O Censo de 2010 indicou 190.732.694 pessoas
Chamado de Madiba pelo seu povo, Mandela para o
Em relação ao Brasil, essas questões possibilitam para a população brasileira. Em número populacional
mundo, foi membro desde 1942 do Congresso
uma inserção positiva da sociedade brasileira no mundo somos o quinto maior país do mundo (China 1,3
Nacional Africano (CNA) – Organização do movimento
globalizado. Para tanto, torna-se necessário enfren- tar bilhão; Índia 1,1 bilhão; EUA 300 milhões; Indonésia 230
negro fundada em 1912. Antes de ser um pacificador, foi
problemas históricos que dificultam a ascensão social de milhões). Certamente muitos exportadores,
um militante da opo- sição contra o regime do apartheid.
uma parcela significa- tiva da população. Uma empresários ou investidores olham o Brasil como um
Essa postura mais radical lhe “rendeu” uma condenação
construção, que atravessará o século 21, caminhando na potencial em mercado consumidor.
à prisão perpétua em 1964. Por meio do movimento
perspectiva de uma cidadania mundial. Por conseguinte, A população continua crescendo? A população
internacional “Libertem Nelson Mandela” em 1990 o
líder popular foi solto. Antes de ser eleito, em 1994, convém prestar atenção e atuar em prol do fim dos está crescendo, mas a taxa de crescimento anual está
conflitos e guerras em todos os continentes. em declínio. Isso significa dizer que ela cresce, mas não
presidente da África do Sul, nas primeiras eleições
multirraciais do seu país, Madiba recebeu em 1993 o Ao analisar o Brasil no momento atual mais na mesma velocidade que ocorreu durante o
Prêmio Nobel da Paz. Assim como o pacifista indiano percebemos que ainda existem sérios problemas, que século 20. Entre 1970 e 1980 a taxa de crescimento
Mahatma Gandhi e o ativista político estadunidense são históricos, mas nas últimas décadas houve a melhora ficou em 2,4% ao ano; já depois de 1991 e no início do
Martin Luther King, sua principal luta não foi para na realidade do povo. Que realidade é está? Que século 21 baixou para algo em torno de 1,5% ao ano.
chegar ao governo, mas para mudar a consciência social problemas são estes? Esse declínio também é percebido em outros países
das pessoas e dos governantes. do mundo. Quantos filhos a sua avó teve? Quantos
A paz não é simplesmente a ausência de conflito, a paz é SEÇÃO 3.3 filhos a sua mãe teve? E você, quantos pretender ter? O
criação de um entor- no em que todos possam Características Sociais que acha das políticas de incentivo à natalidade?
prosperar, independentemente de raça, cor, credo,
A população brasileira foi definindo novos
religião, sexo, classe, casta ou qualquer outra A sociedade brasileira é constituída por diversos contornos. Houve ou não mu- dança no perfil
característica social que nos distinga. A religião, as grupos sociais, com certos objetivos e interesses
populacional? Conforme a análise dos dados
características étnicas, o idioma e as práticas sociais e comuns. Ao longo dos tempos isso foi mudando.
apresentados an- teriormente, a população brasileira
culturais são elementos que enriquecem a civilização Nesse sentido a população tem determinadas
humana, que se somam à riqueza de nossa diversidade. continua crescendo, embora em ritmo menor. Qual é a
demandas que precisam ser atendidas
faixa etária da população que mais cresce? Os dados das favelas e a carência de serviços básicos para a desigualdade de renda e saúde. Mesmo o país tendo
mostram também que a população de idosos tem população (água, esgoto...). avançado no seu processo de estabilização
crescido em patamares bem significativos. econômica, ainda há sérios problemas sociais, muitos
Essa urbanização foi resultado do avanço da
Dois fatores foram fundamentais para essa industrialização, que atraiu trabalhadores. E a deles históricos, que deverão ser enfrentados mediante
mudança: o aumento na ex- pectativa de vida e a modernização da agricultura no Centro-Sul, em razão do um compromisso, do Estado, instituições e pessoas –
queda das taxas de fecundidade e de natalidade. Em avan- ço tecnológico, liberou mão de obra. Houve no individual e no coletivo. A seguir vamos analisar
1940 a expectativa de vida dos brasileiros era de 41 também a expansão de fronteiras agrícolas esses três problemas.
anos, mudando para 73 anos em 2010. Isso significa (nordestinos e gaúchos). Núcleos urbanos foram se
que as pessoas estão vivendo mais e as taxas de 3.4.1 – EDUCAÇÃO
criando próximos aos principais eixos rodoviários,
fecundidade vêm diminuindo, pois em 1970 era de 5,8 entretanto hoje constatamos que um movimento No Brasil, com a passagem de um sistema de
filhos, em média, por mulher, e hoje está em menos de 2 contrário está se iniciando e algumas pessoas estão ensino de elite para uma maior inclusão das pessoas,
filhos por mulher. saindo dos grandes centros e retornando às cidades os sistemas educacionais estão tendo problemas para
O aumento da população de idosos impõe menores, buscando com isso melhorar a sua garantir o acesso, a qualidade e a permanência do
vários desafios para o poder público e para a qualidade de vida. Com o mesmo propósito alguns aluno na escola, o que tem contribuído para a evasão,
sociedade. Que políticas públicas e ações o poder aposentados estão migrando para as cidades do repetência e um ensino de baixa qualidade. Também as
público e a sociedade deve pensar/programar? Como litoral. E ainda, segundo dados do IBGE de 2010, mudanças na sociedade ampliaram o papel da escola
isso se reflete nas nossas vidas? A constituição de 1988 alguns municípios tiveram sua população reduzida.
num contexto sempre mutante, em que o cidadão
já reflete a preocupação com o idoso, levando à Qual é a realidade do teu município? Ao dimi- nuir a
precisa estar capacitado para atuar numa realidade cada
elaboração do Estatuto do Idoso, aprovado em 2003. população de um município os recursos repassados
vez mais complexa, desafiando os professores.
pelo governo federal sofrem alterações – diminuem.
As pessoas se deslocam no espaço e A educação é um dos problemas históricos não
O que faz a diferença nesses países ou regiões para a
percebemos que hoje elas estão concentradas nos resolvidos, ou seja, não foi vista como prioritária nas
permanência das pessoas?
centros urbanos. De que forma isso aconteceu? Que políticas governamentais brasileiras. As taxas de
SEÇÃO 3.4
desafios isso trouxe ao poder público? O êxodo rural analfabetismo no Brasil ainda são bastante elevadas,
ocorrido, especialmente a partir da década de 70, Indicadores Sociais: Educação, Desigualdade e Saúde
porém esse índice vem melhorando, pois aumentaram
provocou um crescimento repentino e desorganizado O desenvolvimento do Brasil passa por enfrentar com as possibilidades de acesso aos bancos escolares em
das cidades, e teve como consequência o surgimento ousadia os três problemas sociais básicos: educação, todos os níveis de ensino. Ainda assim esse processo
está ocorrendo de forma lenta. Ressaltamos que o devemos melhorar a qualidade do ensino, pois não é fabetos funcionais os maiores de 15 anos que não
percentual de analfabetos é maior entre as faixas etárias uma questão de quantidade, mas de qualidade, sabem ler nem escrever e os maiores de 20 anos com
mais elevadas. Segundo o Pnad, em 2012 o índice diminuindo a repetência e a evasão escolar. Os menos de quatro anos de escolaridade formal e que
entre pessoas com mais de 40 anos ficava em 34,2%. programas sociais (bol- sa escola, bolsa família e outros) não consigam usar a leitura e a escrita em atividades
Em pleno século 21 estamos travando uma luta podem contribuir para mudar essa realidade. cotidianas ou para a sua autopromoção cultural. Da
contra o analfabetismo. No século passado era Ao analisarmos o analfabetismo entre brasileiros população adulta brasileira 29,4% eram analfabetos
considerado alfabetizado quem sabia escrever o acima de 15 anos per- cebemos que caiu de 13,6% em funcionais em 1999 (em outros países, o conceito de
próprio nome. Hoje a exigência é maior, pois é 2000 para 9,6% em 2010. Ressaltamos que dos analfabetismo funcional é diferente. No Canadá, por
necessário saber ler e expressar as ideias com um 13.933.173 pessoas que não sabem ler e escrever, exemplo, a expressão refere-se a todo adulto com
mínimo de coerência. Além disso, tomaram forma 39,2% são idosos, chegando em alguns municípios a menos de oito anos de escolaridade)” (Brum, 2006, p.
outros tipos de analfabetos, como: o analfabeto digital girar em torno de 60%. As diversas políticas 50).
ou tecnológico, o analfabeto político, entre outros. destinadas à alfabetização de jovens e adultos têm
Para calcular o analfabetismo funcional, o IBGE
A primeira constatação que podemos fazer é de contribuído para melhorar esse índice. Na época do
considera analfabetos funcionais aquelas pessoas
que a taxa de analfabetis- mo vem caindo. Em relação Mobral (1970) visava-se somente a aprender a
escrever o próprio nome, enquanto atualmente com menos de quatro anos de estudo. Nessa condi-
ao índice geral, no início do século 20 quase 80% da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o Ensino ção, em 2011, encontravam-se 30,5 milhões de
população era analfabeta. Para uma melhor
Supletivo têm como objetivo a inserção social e brasileiros. Esse índice varia de região para região, no
compreensão sobre essa realidade torna-as necessário
econômica das pessoas que não tiveram Norte – 25,3% e Nordeste 30,9% da população. Na
considerar as diversas faixas etárias. Ao analisar o
oportunidade de estudar na infância ou por algum região Sudeste esse quadro melhora, passa para
analfabe- tismo entre crianças de 7 e 14 anos percebe-se
uma diminuição significativa nas últimas décadas, pois outro motivo abandonaram a escola. Ressaltamos que 14,9% de analfabetos, seguida pela Sul (15,7%) e

dos 14% registrados no final da década de 80, não é uma escolaridade compensatória, mas a inclusão, Centro-Oeste (18,2%). Percebe-se a necessidade de
recuamos para um índice próximo a 2%, que pode garantindo o atendimento de demandas de políticas públicas que atendam a essa parcela da
variar dependendo da região. aprendizagem de diversos grupos. população.

O desafio da sociedade e do poder público é Para além dos analfabetos convencionais No Brasil aumentou o número de alunos
garantir que as crianças e jovens concluam pelo temos ainda os analfabetos funcionais. O que é o matriculados nos três níveis de ensino. Mesmo assim,
menos os Ensino Fundamental e Médio. E ainda analfabetismo funcional? “No Brasil, consideram-se anal- as diversas instituições formais de ensino – escolas e
universidades – precisam preparar o jovem para um a mais pessoas busquem a sua qualificação. Conforme a colocação de Betinho (Souza, 2002), “A fome
sociedade em constante transformação. Se isto não é exclusão. Da terra, do emprego, do salário, da
Esta Tabela expressa que os países
acontecer, logo teremos uma educação que repõe o educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando
desenvolvidos têm um percentual expressivo de
problema do analfabetismo, apenas em outro uma pessoa chega a não ter o que comer é porque
cientistas atuando em empresas. Além disso, o atraso
patamar, o que demonstra a importância de se formar tudo o mais já lhe foi negado”. Essas questões
educacio- nal reflete-se em outras áreas, levando ao
pessoas qualificadas para responderem aos desafios baixo desenvolvimento científico e tecnológico do contrastam num país – Brasil – que tem abundância
do seu tempo. Brasil, por exemplo. Essas questões também refletem- recursos naturais, porém marcado por acentuado

se nas exportações, pois exportamos muitos produtos desequilíbrio social e regional. A excessiva riqueza, a
Num mundo globalizado, com avanços dos
in natura e ainda importamos tecnologia. O desafio é ostentação e o desperdício da minoria contrastam com a
meios de comunicação, da tecnologia, somos
investirmos mais nesse setor e possibilitar o acesso às pobreza e a miséria de muitos (BRUM, 2011).
inundados por informações e o desafio é saber
pessoas, melhorando a sua qualidade de vida. A exposição dos autores reflete um pouco a
selecioná-las e organizá-las, dando-lhes significado. O
As autoridades precisam perceber que o realidade social brasileira. Diante disso, faz-se o
povo brasileiro precisa ser alimentado de saber, de
dinheiro aplicado em educação não pode ser seguinte questionamento: Como está a distribuição
conhecimento, de cultura, questões essas que irão
considerado como gastos/despesas, mas como de renda do Brasil? Os dados do Censo do IBGE de
repercutir em outros setores, garantindo uma maior
investimento. E a sociedade deve ter clareza de que os 2010 revelam que ocorreram al- guns avanços sociais
qualidade de vida aos brasileiros.
reflexos desse investimento também ocor- rem a longo nos últimos anos. Segundo os dados do portal do
No ensino superior os índices também estão prazo. “A educação é a essência de qualquer sociedade
Governo,4 “a renda domiciliar melhorou especialmente
melhorando de forma sig- nificativa, mas ao civilizada. Cidadãos civilizados, isto é, cidadãos que têm
no Nordeste, com crescimento de 25,5% entre 2000 e
compararmos com os outros países percebemos que um comportamento cívico, não são produtos do acaso,
2010. A Região Norte ficou em terceiro lugar, com
temos ainda um longo caminho a percorrer. Neste mas sim de um processo educativo” (Carvalho, 2006, p.
aumento de 21,6%, atrás somente do Centro-Oeste,
sentido o Prouni certamente pode contribuir para 71).
com aumento de 23,4%”. Esses dados podem ser
reverter esse quadro, bem como o aumento da oferta de
A baixa escolarização dificulta a inserção comparados com a realidade do Brasil na década de
cursos na modalidade Educação a Distância (EAD), que
social. A seguir analisaremos alguns dados sobre a 90.
possibilita o estudo em tempos e locais diversos. Assim
realidade social brasileira.
sendo, as políticas governamentais, acompanhadas da Ao analisar os dados do Quadro, constata-se
redução do valores de mensalidades, permitem que
3.4.2 –
DESIgUALDADE que nesse período o Brasil era um dos países que
apresentava grande disparidade de renda do mundo. – política previdenciária – o que beneficiou inúmeros trabalhadores, garantindo a sua ascensão social. Mesmo
Na primeira década do século 21 o Brasil é a sexta idosos, aumentando a renda das famílias. Em alguns assim, não poderiam ser identificados como classe
economia mundial, percebendo-se algumas mudanças municípios, quando o aposentado recebe seus média.
considerando que no período anterior chegou a ser recursos, percebe-se um aumento das vendas no Nessa mesma linha, podemos também recorrer a
décima terceira economia mundial. comércio local.“Em dezembro de 2009, 18,7 milhões de Marilena Chauí, que considera não ter havido o
benefícios tinham valor de até um salário mínimo, surgimento de uma nova classe média, mas a ampliação
Quantos problemas! Quantos contrastes! Essa
correspondendo a 69% dos benefícios pagos pelo INSS.” da classe trabalhadora. Dessa forma, foi mediante a
desigualdade de renda percebe-se não apenas entre
[...] É importante observar que, até o final de 2009, inclusão dessas camadas sociais trabalha- doras, que
pobres e ricos, mas entre homens e mulheres e 46,6% dos benefícios pagos na área urbana tinham valor estavam fora das relações de produção e consumo
também devido à origem étnica. Um país rico não é de até um salário mínimo, correspondendo a um capitalistas nacionais, que temos hoje um maior
apenas aquele que gera um grande PIB, mas aquele que contingente de 7,2 milhões de beneficiários diretos consumo de bens não duráveis e um razoável
distribui da melhor forma possível essa riqueza (Mercadante, 2010, p. 296-267). incremento no turismo interno, entre outras melhorias
produzida entre a população. – políticas de saúde pública – olhar em saúde; (pronunciamento da filósofa Marilena Chauí em
As análises divulgados pelo Programa das – política de valorização do salário mínimo; Goiânia/GO, na edição do“Café com Ideias” em 13 de
Nações Unidas para o Desen- volvimento (PNUD), novembro 2013).
– programas sociais – Bolsa família.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Na questão social, vale ressaltar também, como
Fundação João Pinheiro (FJP) demonstram a realidade do Na realidade social brasileira houve algumas diz a música dos Titãs “A gente não quer só comida, a
Brasil em relação ao seu Desen- volvimento Humano melhoras nas últimas dé- cadas, mas ainda temos um gente quer comida, diversão e arte...”. Sem dúvida, a
em 2013. longo caminho pela frente. No momento atual educação é o ingrediente para a inclusão social,
intensificam-se os debates sobre a“nova” classe média. econômica e política. Por intermédio dela vamos ter
Os índices da distribuição na renda
Que classe média é essa? De onde surgem os grupos cidadãos brasileiros preparados, que busquem e
melhoraram nas últimas décadas. Percebe-se que o
sociais que conhecemos? O economista Márcio Poch- garantam os seus direitos.
fator que mais contribuiu para essa mudança foi a
mann (2001), em seu livro O emprego na globalização: a
educação. O que contribuiu para a melhora desses 3.4.3 – A SAÚDE: O PAPEL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE –
nova divisão internacional do trabalho e os caminhos SUS
índices? Houve ou não uma melhora na qualidade de
que o Brasil escolheu, destaca que, mesmo com baixa
vida das pessoas? Que fatores contribuíram para Nos últimas décadas do século 20 alguns
escolarização e experiência profissional, as novas
diminuir a pobreza no Brasil na última década? Entre passos importantes foram dados para melhorar a
ocupações estão absorvendo um número significativo de
eles, podemos destacar:
saúde do povo brasileiro. No final da década de 70, num Médica da Previdência Social (Inamps/74 – resultante Art. 18. O produto da arrecadação da contribuição de
contexto de abertura política, a população dos grandes do INPS, hoje INSS), mas usufruíam somente aqueles que trata esta Lei será destinado integralmente ao
centros começa a se mobilizar para melhorar a sua empregados que contribuíssem com a Previdência Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das
qualidade de vida. Social. ações e serviços de saúde, sendo que sua entrega
obedecerá aos prazos e condições estabelecidos para
Nesse período foram criados os Conselhos Os princípios do SUS constam na Lei Orgânica
as transferências de que trata o art. 159 da
Populares de Saúde, preocu- pando-se com o de Saúde, de 1990, e estão embasados no artigo 198
Constituição Federal (Lei nº 9311, de 24 de outubro de
saneamento básico, criação de hospitais e centros de da Constituição Federal de 1988. Podemos destacar os
1996).
saúde, e os profissionais da saúde se organizaram princípios da universalidade, integralidade e da
para defender a sua profissão e os direitos dos seus equidade, além dos princípios da descentralização, da Com a CPMF o governo busca recursos para melhorar
pacientes. Criam a Associação Brasileira de Pós- regionalização e da hierarquização da sua organização. a saúde do país. Ela passou a vigorar a partir de 1997
Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro No portal de Saúde do Governo Federal6 consta que com uma alíquota de 0,2% sobre as operações
Brasileiro de Educação da Saúde (Cebes), momento financeiras. Em julho de 1999 foi prorrogada até 2002
“O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores
em que elaboram um documento intitulado “Pelo com uma alíquota de 0,38%, quando parte do recurso
sistemas públicos de saúde do mundo. Ele abrange
direito universal à saúde”, quando destacam a também era usada para financiar a Previdência. Em 2007
desde o simples atendimento ambulatorial até o
importância do acesso à assistência médica-sanitária o governo Lula não conseguiu prorrogar a cobrança.
transplante de órgãos, garantindo acesso integral,
como direito do cidadão e dever do Estado. Nos últimos anos ocorreram debates e
universal e gratuito para toda a população do país.”
A mobilização da sociedade brasileira repercutiu encaminhamentos que visavam a implantar a
Em meados da década de 90 o problema da
nos trabalhos da Assem- bleia Constituinte, pois a Contribuição Social para a Saúde (CSS), em que as
saúde ainda estava bem presente na realidade
Constituição promulgada em 1988 vai contemplar, em movimentações financeiras seriam tributadas em 0,2%
brasileira, levando, em 1995, o médico Adib Jatene,
boa medida, as reivindicações da sociedade e dos sobre todas as transações financeiras acima de R$ 4
então ministro da Saúde, a propor a criação de
especialistas, tornando-a um direito de todos. Foi, então, mil e o recurso seria todo destinado para a saúde. Essas
imposto especial sobre o movimento bancário de
criado o Sistema Único de Saúde (SUS), encarregado de questões foram debatidas em 2013, e tudo indica que
todos os cidadãos, buscando, desta forma, os recursos
organizar, no plano regional, as ações do Ministério da serão retomadas em 2014.
para melhorar a saúde.
Saúde, em que toda a população será beneficiada. No
período anterior o órgão responsável pela saúde do
De acordo com a Lei criada em 1996 sobre a CPMF: Nesses mais de 20 anos o SUS7

povo brasileiro era o Instituto Nacional de Assistência desempenhou/desempenha um papel relevante para
a população brasileira, porém vários problemas – Farmácia popular9 – 2004 – distribuição de • Analisar o processo de estruturação da economia
precisam ser enfrentados. O Conselho Nacional de medicamentos. brasileira, os movi- mentos de expansão, modernização,
Secretários de Saúde (Conass) juntamente com o transformação e desenvolvimen- to, detectando
– Saúde do Homem – 2009 – Política Nacional de Saúde
Ministério da Saúde produziram o livro SUS 20 anos, do Homem. contradições e estabelecendo relações significativas
no qual várias temáti- cas são analisadas, identificando entre as bases econômicas e as condições sociais e
– Saúde da Mulher – 2003 – Política Nacional de
problemas e perspectivas de futuro. Apontam como o políticas em que vive a população brasileira.
Atenção Integral à Saúde da Mulher.
maior problema a questão da desorganização, AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Alguns passos importantes foram dados nestes
também reforçado pelo Banco Mundial. E, ainda,
últimos anos, mas torna- se necessário encontrar Seção 4.1 – A Formação e Desenvolvimento da
destacam que 65% são pequenas unidades, com
alternativas para a consolidação desses programas, Agropecuária Brasileira Seção 4.2 – Formação e
menos de 50 leitos, quando deveriam ser acima de cem
incorporando-os numa política de longo prazo. A
leitos. Desenvolvimento da Indústria Brasileira
humanização da saúde deve contribuir com o povo
No momento várias ações estão sendo brasileiro. Para tanto é necessário envolver as várias Seção 4.3 – Formação e Desenvolvimento do Setor
Terciário
desenvolvidas que de certa forma mantêm sob facções – sociedade e os diversos profissionais que
controle alguns problemas de saúde que estão se atuam na área. Em relação ao trabalhador comenta o Seção 4.4 – A Crise do Modelo e os Esforços Pela

recolocando. O que significa a dengue? E a luta contra coordenador nacional da Política de Humanização da Estabilização Econômica Seção 4.5 – Globalização,
a tuberculose? Como combater a questão do fumo? O Saúde do Ministério de Saúde, Dario Frederico Pasche:
Desafios e Perspectivas Para o Século 21
que fazer para conter o avanço das drogas? Quantas “Não é humano jornadas de trabalho inacabáveis e
questões estão se tornando problemas de saúde salários baixos, isso reflete principalmente no

pública? Para amenizar esta realidade foram atendimento aos pacientes, que não merecem a
insegurança que sentem”, no 4º Seminário de O Brasil possui uma economia enorme, com
encaminhados alguns programas de atenção à saúde,
Administração na Saúde (SAS). uma estrutura produtiva complexa e diversificada. Seu
como:
Produto Interno Bruto – PIB (indicador utilizado para
Unidade 4
– Saúde da família – 1994 – caráter preventivo. medir o tamanho das economias e seu ritmo de
ESTRUTURA ECONÔMICA
crescimento) alcançou os US$ 2,1 trilhões em 2012,
– Samu8 – 2003 – atendimento pré-hospitalar móvel.
E O DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO índice que colocou o país no sexto lugar do ranking
– Upas – 2009 – Unidades de Pronto-Atendimento 24 das maiores economias do mundo. A renda média per
OBJETIVO DESTA UNIDADE
horas
capita (divisão do PIB pela população total) cresceu diversidade de produção e consumo de mercadorias e competência.
significativamente nas últimas décadas, embora a sua as expectativas de qualidade de vida da população SEÇÃO 4.1
distribuição seja das piores do mundo. brasileira colocam desafios cada vez maiores para as A Formação e Desenvolvimento da Agropecuária Brasileira
A agropecuária brasileira destaca-se empresas públicas e privadas do setor terciário.
A formação e o desenvolvimento da
internacionalmente pelo volume de produção alcançado Assim, o objetivo desta Unidade é apresentar e
agropecuária está marcada por várias características.
e, especialmente, pelo potencial de crescimento que analisar elementos que permitam e desafiem os
Ela assume um papel central no Brasil, pois fornece
ainda possui. Além dos produtos históricos, como cana- estudantes a refletir sobre o processo de formação e
alimentos para a população e matéria-prima para as
de-açúcar e café, o Brasil está entre os maiores desenvolvimento dessa estrutura econômica, bem
indústrias, como também assume impor- tância pelo seu
produtores de grãos (soja, milho, arroz), carnes (bovino, como sobre os desafios, as possibilidades e os limites
potencial como mercado consumidor. Para Brum e
suíno e aves) leite e outras proteínas animais e vegetais, que representa para o futuro da sociedade.
Trennepohl (2004, p. 50), “a agricultura foi,
com capacidade para atender seu consumo interno e a Muitas são as potencialidades de um país tradicionalmente, até os anos de 1970, a principal fonte
crescente demanda mundial dessas mercadorias. jovem e promissor como o Brasil. Muitos são também geradora de divisas do país (açúcar, café...). Se, de um
A indústria brasileira, apesar de ter iniciado os obstáculos que precisam ser superados para lado, é verdade que o produto agrícola in natura
seu desenvolvimento com atraso, já se estruturou alcançar os objetivos do desenvolvimento. Parcela geralmente tem preço baixo no mercado, tanto in- terno
fortemente em diversos ramos e atingiu capacidade significativa das potencialidades e dos obstáculos como externo, de outro lado, é também verdade que a
com- petitiva para atuar numa economia aberta e resulta do processo histórico de formação e agricultura ocupa o centro de um conjunto de
integrada ao mercado global. Além das vantagens desenvolvimento da sociedade brasileira. atividades que vêm tendo crescente expressão na
competitivas naturais existentes no Brasil, foram Refletir sobre esta trajetória histórica é economia do país”.
desenvolvidas novas vantagens de caráter tecnológico, fundamental para compreender melhor a dinâmica do
O agronegócio (agribusiness, em inglês) é o setor
gerencial ou econômico. desenvolvimento, a natureza dos problemas, as causas
mais dinâmico da eco- nomia brasileira. Ele compreende
O setor terciário da economia brasileira, dos fenômenos, as razões das escolhas e as
um conjunto variado de atividades.
incluindo comércio e serviços, expandiu-se velozmente possibilidades alternativas que se apre- sentam. Não se
trata, portanto, de estudar novamente os A seguir busca-se analisar alguns aspectos do
nas últimas décadas e já alcançou dimensões de gran-
fatos/acontecimentos da História do Brasil, mas de processo agropecuário brasileiro.
de escala e complexidade nas comparações
internacionais. O tamanho do país em extensão retomar o processo histórico para compreender
territorial, em população residente, em volume e melhor o presente e projetar o futuro com mais 4.1.1 – A CONSTITUIÇÃO DO MODELO PRIMÁRIO-
ExPORTADOR
A constituição do “Modelo” Primário-Exportador última análise, na exploração das riquezas da terra e mundial. Essa relação comercial garantiu a
no Brasil ocorreu em perfeita sintonia com a expansão na sua remessa aos mercados europeus”. acumulação, contribuindo para o desenvolvimento do
do sistema global do comércio, marcado pela divisão A sociedade brasileira foi organizada tendo capitalismo dos países europeus, pode-se dizer, em
internacional do trabalho. Num primeiro momento os como objetivo atender às necessidades das potências espe- cial, de Portugal. Boa parte dessa riqueza,
países da Amé- rica, entre eles o hoje Brasil, forneceram europeias, não foi estruturada para atender às entretanto, foi para outros países da Europa, como a
matérias-primas, riquezas minerais e alimentos para o necessidades locais. Para Brum (2011, p.118), “a Inglaterra, que investiu no processo industrial.
fortalecimento dos Estados nacionais europeus e a sociedade não se organizou; foi organizada. E essa Nos quatro primeiros séculos a estrutura
expansão do mercantilismo. No século 18, contribuiu organização se fez predominantemente em função econômica, dependente, re- pousava em cinco pilares
também para a acumulação primitiva do capital que das ne- cessidades, dos interesses e das ações dos básicos, os quais, conforme Brum (2011, p. 153), eram:
financiou a Revolução Industrial na Inglaterra. Então, outros. E ainda hoje temos dificuldade de gerar formas “produção primária, destinada à exportação, realizada
durante quatro séculos o Brasil permaneceu como próprias de organização, de renová-las e adequá-las à no latifúndio, por mão de obra escrava ou assalariados
colônia de países da Europa. realidade mutante, ou de fazê-las funcionar a contento”. mal pagos, e com características de monocultura. À
O descobrimento oficial do que viria a ser o margem ou com função complementar, as pequenas
A dominação externa foi possível devido ao
Brasil ocorreu no processo de expansão marítima lavouras de subsistência da ampla maioria de
apoio interno. A monopo- lização do comércio com a
portuguesa, que vai organizar a colônia para atender as deserdados”. Assim, o Brasil tornou-se um grande
colônia (Brasil) internamente foi realizada pelos
suas necessidades, permanecendo dessa forma por fornecedor de matérias-primas, como: o açúcar, o café e
comerciantes e grupos econômicos “autorizados” pela
mais de 300 anos. O Brasil não tinha destino próprio, os metais preciosos.
Coroa Portuguesa. Eles cobravam impostos, definiam
produziu e forneceu à metrópole o que interessava a os preços dos produtos exportados e dos impor- Grandes ciclos e subciclos marcaram a
ela e ao mercado europeu. Durante 3 séculos tados (geralmente os produtos importados tinham os produção econômica nesse período, buscando, em boa
estabeleceu relação de dependência com Portugal, preços mais elevados). Essa elite, que representava medida, atender às necessidades externas. Essa
tornando-se uma colônia oficial e organizada na cerca de 2% da população, controlava a sociedade, produção foi realizada em grandes propriedades, com
perspectiva do capitalismo mercantil. O reproduzindo internamente a dominação de poucos trabalho realizado por mão de obra escrava.
mercantilismo, mesmo assumindo características sobre muitos. Um dos grandes ciclos econômicos foi o do
diferentes, garantiu exclusividade da metrópole no
O sistema colonial brasileiro, como colônia de açúcar, que contribuiu para a formação da sociedade
comércio com sua colônia. Conforme Brum (2011, p.
exploração, garantiu um processo de produção em agrária brasileira, que foi marcada pelo engenho do
118), “A preocupação central de Portugal consistia, em
larga escala de produtos necessários no mercado açúcar, com sua organização patriarcal, escravocrata e
latifundiária. A vila ou cidade foi um prolongamento do quebraram-se as velhas tradições patriarcais, os velhos Essa dicotomia é destacada por Prado Júnior
engenho, vivendo sob a influência deste. Daí o sentido hábitos sociais, os velhos usos e costumes. (1949, p. 52), em que, de um lado, havia a grande
rural da vida social nos primeiros séculos. Introduziram-se elementos novos, como o lavoura como “abastança, prosperidade e grande

Para Brum e Trennepohl (2004, p. 9), “A distanciamento social e a valorização do trabalho atividade econômica”; de outro a “satisfação da mais

denominação engenho de açú- car, com o tempo, especializado. Acentuou-se o desequilíbrio social” (Brum; elementar necessidade da grande maioria da população

passou a designar não só as instalações propriamente Trennepohl, 2004, p. 12). – a fome”.

ditas destinadas à moagem da cana e ao fabrico do O século 19 foi marcado por acontecimentos que O setor da economia de subsistência
açúcar, mas se estendeu para o conjunto de toda a contribuíram para a redefinição dos rumos da colônia, apresentava variadas formas e tipos de organização,
grande propriedade rural com tudo o que nela havia”. que não beneficiou a todos da mesma forma, sendo que segundo Brum e Trennepohl (2004, p. 20-22), são:
Prado Júnior também destaca: “A grande propriedade possível destacar: Emancipação Política, Abolição da – a produção de gêneros de consumo realizada na
açucareira é (foi) um verdadeiro mundo em miniatura Escravatura e a Pro- clamação da República. Mesmo grande propriedade rural, e destinada à alimentação
em que se concentra(va) e resume(ia) a vida toda de assim, a ruptura com o passado colonial assume dos membros da família senhorial e dos que nela
uma pequena parcela da humanidade” (1949, p. 46). proporções mais consistentes somente no início do trabalhavam.
O engenho de açúcar era considerado uma século 20. Nesse período o Brasil avançou no seu
– o abastecimento de vilas, centros urbanos, que se
empresa agroindustrial, pois tinha aparelhos mecânicos processo industrial e, posteriormente, na
ocupavam principalmente da administração, do
como a moenda, a caldeira e a casa de purgar. Aliás, o modernização da agricultura.
comércio e serviços. O abastecimento era um problema.
maior e mais complexo empreendimento econômico 4.1.2 – AgRICULTURA FAMILIAR: Para atender a essa necessidade, surgem unidades
existente no mundo, na época. No interior dele poderia Minifúndio, Trabalho Familiar e Policultura produtivas de pequeno porte, trabalhadas pelo
ter germinado a diversificação de atividades e também a próprio proprietário e sua família, às vezes com a
A produção para a exportação,
manufatura, não fosse a mentalidade escravocrata ajuda de algum escravo. Em parte esse abastecimento
historicamente, assumiu um papel de destaque, mas
(Brum; Trennepohl, 2004). contou também com a participação dos índios.
tem também relativa importância na “economia de
A substituição do engenho tradicional pelas subsistência, isto é, atividades acessórias destinadas ao – na região aurífera a população foi atraída pelo ouro.
modernas usinas de açúcar ocorre no século 19, com consumo interno e a garantir o fun- cionamento da Desenvolveu-se também ali atividade subsidiária, a
uma estrutura mais complexa e com a introdução de re- economia de exportação” (Brum; Trennepohl, 2004, p. economia de subsistência, por meio do cultivo de
lações sociais capitalistas entre proprietários e 20). gêneros alimentícios em pequenas propriedades, e,
trabalhadores.“Transformaram-se os tipos humanos, em propriedades maio- res, a pecuária,
complementada pela produção de derivados de leite No setor da economia de subsistência inclui-se consequentemente no RS?
(queijo, principalmente), de caráter artesanal/industrial, também a pecuária – uma atividade de relativa A seguir será dado ênfase ao papel dos
o que fez de Minas Gerais, há muitas décadas, o Estado expressão, mas acessória dos ciclos econômicos imigrantes no avanço da agricultura familiar.
possuidor do maior rebanho bovino do país, bem principais, pela sua importância na alimentação e no
como destacado produtor de lacticínios. transporte, principalmente. O gado era criado à solta Imigrantes
– os imigrantes – que se estabeleceram principalmente por pernambucanos, baianos, paulistas e gaúchos. A
Os imigrantes contribuíram na produção e
em São Paulo, Minas Gerais e no Rio de Janeiro (Vale do instalação de uma fazenda de gado não exigia grandes
constituição da economia de subsistência. Ao
Paraíba), acompanharam o ciclo do café, contribuindo recursos. Com o tempo as fazendas foram melhorando
chegarem em São Paulo, eles eram enviados para as
com mão de obra e na produção de alimentos. Esses sua estrutura e o trabalho era, em geral, livre. A criação
grandes fazendas de café, onde substituíam como
imigrantes e seus descendentes vão atuar no de gado foi também a primeira atividade econômica, nos
assalariados ou pelo regime de colo- nato os escravos,
comércio, na indústria e na agricultura (adquirem primeiros séculos da colo- nização, a promover a
sendo-lhes vedado o acesso à propriedade da terra
áreas de terra). E, ainda no RS, as áreas de mata foram ascensão social de homens oriundos das camadas
antes de decorridos três anos da sua entrada no Brasil.
colonizadas por imigrantes europeus, que se pobres da população. As charqueadas assumiram um
Já nos Estados do Sul (RS, SC e PR), as áreas de mata
organizaram em pequenas propriedades familiares. papel, num primeiro momento, no processo de
foram colonizadas por imigrantes europeus de várias
A Coroa Portuguesa, nos três primeiros transformação da carne – produção de charque.
naciona- lidades, com base na pequena propriedade
séculos, também se preocupou com a produção de No Brasil foram instalados, no início do século 20, familiar. Com trabalho duro e forte senso de economia,
alimentos, devido ao problema da fome. A produção alguns frigoríficos, que tornaram o setor mais dinâmico. iam adquirindo relativa prosperidade.
de gêneros alimentícios deveria gerar um excedente Em boa medida, isso foi realizado por empresas
Na pequena propriedade familiar, vencidas
para abastecer os núcleos urbanos, mas os grandes multinacionais americanas (Wilson, Swift e Armour) e
inúmeras dificuldades, so- bretudo nos primeiros anos
proprietários rurais sempre resistiram ao cumprimento inglesas (Anglo). No RS, por exemplo, a Armour
dedicavam-se à policultura (milho, trigo, feijão, arroz,
das determinações da Coroa. Para eles a grande lavoura, adquiriu uma charqueada em Santana do Livramento,
mandioca, abóbora, cana-de-açúcar, centeio, aveia, etc.)
a que eram destinadas as melhores terras, era muito em 1917. E, aos poucos foram entrando outros
produzida para o consumo da família e para venda no
mais rentável, não lhes interessando outras culturas, grupos no Estado, com presença crescente de
mercado. A par da lavoura, havia a criação de aves e
para além do atendimento às necessidades do próprio empresas nacionais. Assim, algumas empresas
animais domésticos e para o trabalho, como galinhas,
engenho ou fazendas. estrangeiras deixa- ram o país, entre as décadas de 70 e
suínos, gado vacum e cavalar, que forneciam ovos,
90. Quais foram os impactos disso no Brasil, e
carne, leite, queijo, nata e manteiga para a mesa, 2) a ampliação dos minifúndios – devido à partilha de ção, impulsionadas pela modernização da agricultura.
geralmente farta, além de energia para a preparação da herança; Desta forma, ocorreu a introdução do capitalismo no
terra, transporte e lazer. 3) a migração, principalmente de famílias recém- campo, que, por sua vez, levou à reorganização e à
constituídas, rumo às novas fronteiras agrícolas ainda emergência de novos interesses. A produção capitalista
Os produtos produzidos pelos imigrantes eram
disponíveis, fundando novas colônias, nas quais se destina-se antes de tudo ao mercado, buscando cada vez
vendidos em “bolichos”, pois os colonos não
reproduzia mais ou menos o mesmo processo. Nessas mais o lucro e a acumulação de capital, e não mais a
produziam tudo o que necessitavam. Eles vendiam o
condições, na Região Sul ocorre a opção por um novo simples satisfação das necessidades do produtor rural e
seu produto e já de imediato adquiriam produtos que
modelo, batizado de “modernização conservadora da de sua família.
não produziam, como sal, açúcar, enxada, etc. Os
agricultura”, por não ter contemplado a reforma agrária.
proprietários das casas de negócios, por sua vez, enca- A modernização da agricultura foi também impulsionada
minhavam os produtos aos comerciantes maiores ou 4.1.1 – MODERNIzAÇÃO DA AgRICULTURA pela industria- lização brasileira, que intensificou a
atacadistas nos principais centros urbanos. urbanização e aumentou a demanda por produtos
A modernização da agricultura ocorrida em
A agricultura familiar utilizava os recursos e a agrícolas. Dessa forma, constitui-se um crescente
meados do século 20 modifi- cou profundamente a
mercado interno para os produtos agrícolas e
fertilidade natural do solo brasileiro. Para a produção e a organização agrícola brasileira. Ela aconteceu em
transformação de alguns produtos usavam energia agroindustriais, ampliou-se o mercado de trabalho
sintonia perfeita com a expansão do capitalismo
para aqueles que eram“expulsos” ou mesmo por
humana, animal, da água e do vento. O trabalho era mundial, pois com o término da Segunda Guerra
árduo e envolvia todos os membros da família. Alguns opção saíam do campo. De um lado, no campo produz-
Mundial e após a reconstrução da Europa, com o
se o que esse mercado necessitava, de outro, tornou-se
imigrantes vão aos poucos assumindo atividades nos Plano Marshall, os países capitalistas buscaram
centros urbanos, como: no comércio, na produção de um importante mercado para máquinas e insumos
ampliar seus investimentos e para isso os países em
modernos produzidos pela indústria. Percebe-se uma
artesanato e na pe- quena e média indústria, de- senvolvimento eram atraentes. Atendia também às
atendendo às necessidades da população cada vez crescente interdependência entre o setor agrícola e o
expectativas e necessidades da realidade local, pois a
industrial brasileiro.
mais numerosa. agricultura tradicional enfrentava sérias dificuldades,
Mesmo assim, os sistemas de produção tornando-se uma possibilidade diante do declínio da Esse processo foi habilmente induzido pelos

adotados até aquele momento apresentam sérias produção agrícola. grandes grupos econômicos norte-americanos (e

dificuldades, como: 1) o esgotamento da fertilidade mundiais). Por meio da chamada “Revolução Verde”,
Assim sendo, a partir da década de 40, com
natural do solo, com diminuição da produtividade, mes- mo tendo garantida a ampliação da produção,
crescente expansão nos anos seguintes, significativas
combinado com a proliferação das pragas (formigas); possibilitou a sua presença em vários países, entre eles
mudanças aconteceram nas relações sociais de produ-
o Brasil. Ela propunha o aumento da produção agrícola fechavam o círculo de domi- nação, pois emprestavam forma exagerada e não foram obedecidos os critérios
mediante o desenvolvimento de sementes adequadas aos governos o dinheiro que era usado pelos agricul- dos países ricos. E, ainda, provocou o aumento do
para os diferentes solos e climas e resistentes às tores para adquirir os maquinários e insumos número de pragas, de novas espécies. O uso intenso de
doenças e pragas, bem como o uso de técnicas agrícolas modernos, em sua grande maioria produzidos por suas praguicida atacou os inimigos naturais, levando a um
mais modernas e eficientes. próprias empresas multinacionais. E, ainda, controlavam desequilíbrio do agroecossistema (Ehlers, 1996, p. 42).
Essa imagem humanitária ocultava os a comercialização internacional dos grãos.
E, ainda, outro grupo de inovações foram as
interesses de grandes grupos econômicos, que As profundas transformações na base técnica ou
alterações biológicas, em que inúmeras variedades de
buscavam ampliar no mundo a venda de insumos o “Pacote tecnológico” instituído no Brasil foi
sementes e de animais foram criadas e difundidas. Por
agrícolas modernos: máquinas, equipamentos, desenvolvido cientificamente nos grandes centros de
exemplo, o milho híbrido, altamente produtivo e
implementos, fertilizantes, defensivos, pesticidas, pes- quisa do exterior. O primeiro grupo de tecnologia a
geralmente mais precoce que as variedades comuns. O
como também a comercialização e o financiamento ser destacado diz respeito a um grupo sofisticado de
Estado teve uma participação na produção de
aos países que aderissem ao processo de máquinas, de alto valor, como: tratores, colheitadeiras
tecnologia por meio da Embrapa, que concentrou
modernização. automotrizes, plantadeiras, ordenhadeiras mecânicas,
etc. Essas máquinas e equipamentos eram, em sua seus esforços na geração de inovações biológicas –
No Brasil percebe-se uma crescente presença
grande maioria, produzidos por multinacionais, mas por exemplo, o milho híbrido.
internacional. Por exemplo, em 1943, Nelson
Rockefeller, um dos chefes do poderoso grupo também por fábricas nacionais. A utilização do “pacote tecnológico” contribuiu
econômico (Fundação Rockefeller), visitou o país, Outra mudança foram as inovações físico-químicas, com com a recuperação ou transformação de terras antes
fundou três empresas vinculadas ao grupo: a Cargill, a incorporação dos fertilizantes industriais, agrotóxicos, tidas como imprestáveis, em produtivas. Ao longo desse
ligada principalmente à comercialização internacional de produtos veterinários, etc. O sistema de rotação de processo a terra deixou de ser um recurso natural
cereais e à fabricação de ração; a Agroceres, destinada a culturas, adubação orgânica e descanso de terras foram disponível, pois, com as mudanças tecnológicas da
pesquisas genéticas com o milho e à produção de substituídas pelo uso de novos insumos químicos. As agropecuária, ela passou a ser usada como garantia
sementes de milho híbrido, e a EMA na obtenção do crédito rural subsidiado, tornando-se um
inovação físico-químicas ocorreram com o uso intenso
(Empreendimentos Agrícolas), voltada à fabricação de bem altamente valori- zado. Além da renda natural
de fertilizantes, agrotóxicos e produtos veterinários. Um
equipamentos para a lavoura (Brum; Trennepohl, 2004). obtida pela exploração extensiva de grandes áreas, os
grave pro- blema foi gerado pelo uso desordenado
As mudanças se intensificaram pós-1965.
desses produtos. Os agrotóxicos foram aplicados de proprietários puderam contar com o arrendamento.
Os grupos econômicos (Rockefeller e outros)
Para a incorporação de todo essa aparato grandes bancos internacionais. O financiamento só naquele ano. Elas primeiro buscaram atender à
tecnológico foram necessários mais recursos. Quem contemplava os mais diversos produtos, mas nem expansão do trigo, logo também à soja. A possibilidade
financiou a modernização da agricultura? Certamente, todas as culturas foram beneficiadas da mesma forma. de duas safras anuais, na mesma área de terra,
impulsionou ainda mais o moderno cooperativismo, que
não vai ser mais o vizinho! Neste sentido, o Estado
Os investimentos financiavam o agricultor que assumiu um caráter acentuadamente empresarial, com
brasileiro assumiu um papel central até 1980, chamado adquiriu máquinas e insu- mos, como também as atuação cada vez mais ampla, diversificada e complexa.
até de“Estado Generoso”, pois forneceu crédito rural, indústrias que transformavam a matéria-prima fornecida
Essas cooperativas, armazenavam,
ofereceu incentivos fiscais e subsídios, investiu em pelo campo. Logo, esses forneciam produtos para o
comercializavam e transportavam a produção, como,
pesquisa, em extensão rural, definiu o preço mínimo e o campo. A clientela era o produtor modernizado ou
também, criaram uma estrutura comercial para
modernizável. Para acompanhar a modernização o
seguro agrícola. Um dos órgãos criados foi o Sistema fornecimento de insumos para a lavoura e de consumo
agricultor necessitava de mais recursos para adquirir
Nacional de Crédito Rural (SNCR), em 1965, que em geral, por intermédio de supermer- cados. Criaram
o“pacote tecnológico”. Esse período é marcado por
proporcionou uma oferta ilimitada de crédito para a também indústrias de esmagamento de grãos (soja),
uma farta disponibilidade de recursos, mas nem
agricultura, aliada à compra estatal e ao seguro total produzindo óleo, farelo, rações e intermediaram os
sempre tudo foi investido no setor agrícola. Nesse
financiamentos agrícolas oficiais (repas- ses). Algumas
(Proagro), expandindo a produção de novas culturas, período ocorreram muitos desvios. Você já ouviu falar
chegaram a prestar serviços nas áreas da saúde e da
mas, de outro lado, subordinou o agricultor à do “trigo papel”, “adubo papel”, “calcário papel”,
educação. Desta forma, ocorre a inviabilização das casas
fiscalização e à assistência técnica. “semente papel”? Que tal você buscar informações
comerciais, vendas ou “bolichos”.
sobre isso?
Podemos destacar o papel assumido pela O setor agrícola será também abalado pela crise
A“modernização da agricultura” contribuiu
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária mundial do capitalismo de 1980, momento que o
com o aumento da produção brasileira de grãos, mas
(Embrapa), criada em 1973, que desempenhou um Estado não recebeu mais o mesmo volume de capital
para tanto foi necessário desembolsar recursos,
papel central na pesquisa, e, ainda a Empresa de para investir no setor agrícola, levando a um
melhorar as rodovias, portos, transportes, armazéns,
Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), redirecionamento das políticas agrícolas, sendo
etc., e, também, criar instituições que assumiram um
também atingido pelos primeiros tropeços da soja em
contribuindo a orientando agricultores sobre a papel fundamental, como as cooperativas, os bancos,
1978 e 1979, quando duas estiagens seguidas reduziram
tecnologia. agroindús- trias, empresas de comercialização, entre
a colheita.
outras.
Para os agricultores foi fundamental o incentivo O avanço do capitalismo na produção agrícola
Para responder a essa demanda foram criadas
do Estado, mas à custa do que isso aconteceu? O teve como consequência um processo de exclusão – o
várias cooperativas no RS a partir de 1957, das quais 20
governo brasileiro buscou os recursos junto aos êxodo rural. A agricultura mecanizada absorvia pou-
quíssima força de trabalho e, por isso, foi responsável econômica. Essas mudanças repercutem nos centros Mesmo assim, muitos produtores, com seus
por grande parte do êxodo rural, que se deu pela urbanos e no campo. Até meados da década de 70 ganhos garantidos, continu- aram ampliando a
expulsão dessas terras dos trabalhadores assalariados, várias políticas socioeconômicas foram planejadas e produção, dificultando ainda mais a situação. Esse
dos agregados e dos pequenos proprietários rurais e instituídas no Brasil, contribuindo para construir o país processo de mudança se intensifica após 1930, quando
suas famílias. que temos no momento atual, e que precisam ser o Estado brasileiro apoia de forma crescente o setor
As inovações ocorreram de forma impositiva e estudadas para compreendermos melhor a realidade e industrial.
as pessoas não estavam su- ficientemente preparadas desafios que enfrentamos na atualidade. As mudanças ocorridas no Brasil são também
para usar todo esse aparato tecnológico, acontecendo
Durante a Primeira República, mesmo o poder reflexos de transformações que ocorriam no mundo.
acidentes de trabalho e envenenamentos pelo uso
político estando na mão dos cafeicultores, cujo Para tanto, vamos considerar três fatores. Outros tam-
inadequado dos agrotóxicos. E, ainda, foram causados
danos ao meio ambiente, por meio do desmatamento, interesse era incentivar a produção do café, ocorre o bém influíram e são importantes, mas não serão
do envenenamento das águas, e muitos pássaros e avanço industrial, quando, aos poucos, surgiram as estudadas nesse momento.
peixes desapareceram, rios e arroios tiveram diminuído fábricas. Essas mudanças são impulsionadas nos O primeiro aspecto a ser considerado é a
seu fluxo de água. primeiros anos do século 20, quando o café, principal Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), cujo resultado
produto de exportação do Brasil, enfrentou uma crise de principal foi uma redefinição das relações de poder no
superprodução, o que provocou a queda de seu preço. mundo com o deslocamento da hegemonia da Europa
SEÇÃO 4.2
No início desse século foi elaborado o Acordo para os Estados Unidos da América. A partir de então
Formação e Desenvolvimento da Indústria Brasileira
de Taubaté (1906), que visava garantir os ganhos dos o Brasil se aproximou dos EUA, realizando o seu

Após vários séculos de uma economia primária produtores rurais, buscando, de alguma forma, primeiro empréstimo junto a essa potência, em 1922.

exportadora, marcada pela exportação de produtos garantir a recuperação do setor. A execução dessa Esse conflito mundial teve reflexos positivos no Brasil,

tropicais, o Brasil ingressa na industrialização, via política foi possível devido à utilização de “recursos pois o bloqueio econômico dificultou as relações

substitutiva de importações, modernizando aos poucos a públicos, provenientes do orçamento, de emissões e até comerciais – as exportações e as importações. Sendo

sua estrutura produtiva. de empréstimos externos. Com tais recursos, o governo assim, intensifica-se a pro- dução para atender à
adquiria e armaze- nava os excedentes da produção demanda interna. E o Brasil, que antes exportava
O principal produto de exportação brasileiro foi abalado
anual de café sem colocação no mercado. Em algodão para a Alemanha, por exemplo, podia usar essa
pela crise do capitalismo mundial, contribuindo para
contrapartida, os produtores comprometiam-se a não matéria-prima para intensificar a produção têxtil
que o país repensasse o seu processo de organização
expandir suas lavouras” (Brum, 2011, p. 158). internamente.
Nesse sentido os imigrantes podiam contribuir Novas ideias passam a receber atenção e ampliar industrialização. As forças que assumiram o poder
com sua experiência, seu capital e, principalmente, sua influência na defini- ção dos rumos da humanidade. optaram por um modelo de desenvolvimento baseado
como mercado consumidor. Por exemplo,“Keynes advogava o fim da liberdade num Estado forte e numa política de industrialização

O segundo fator foi a vitória da Revolução Socialista, na absoluta do mercado (laissez-faire) e a necessidade de por substituição de importações, em que o país

Rússia, em 1917. Até esse momento intervenção do Estado na ordem econômica, passou a produzir internamente o que antes vinha

socialismo/comunismo era um sistema que constava garantindo o pleno emprego, contendo a ganância do exterior.

em livros e na cabeça de algumas pessoas, mas tinha dos capitalistas e promovendo o equilíbrio social” (Brum, O processo de industrialização brasileira
chegado o momento de colocá-lo em prática, logo, 2011, p. 174). ocorreu de forma evolutiva. Partiu-se de produtos
com possibilidades de se expandir para o mundo. Isso No plano interno, além da crise do principal mais simples e menos exigentes, como os bens de
influiu na reestruturação capitalista, levando-o a rever o produto de exportação do Brasil, a Revolução de 1930 con- sumo não duráveis, até atingir os mais
seu processo de exploração, pois havia aumentado une os descontentes, em um primeiro movimento de complexos e sofisticados, que exigiam mais capital e
muito o número de trabalhadores, sendo necessário âmbito nacional, levando a uma nova fase na evolução tecnologia, como os bens de consumo duráveis e,
fazer algumas concessões, evitando assim mudanças histórica brasileira. Mesmo assim, foi um movimento especialmente, os bens de capital.
mais profundas. liderado por políticos tradicionais, que não visavam a
Essa política econômica exigia presença constante e
E o terceiro aspecto está relacionado com a mudanças estruturais profundas. Uma parcela da elite
crescente do capital. Segundo Ianni, (1996, p. 109), as
primeira crise de superpro- dução. O mundo foi abalado se antecipou, conforme o que escreveu o presidente
mudanças em curso na estrutura produtiva está
por uma profunda crise econômica, caracterizada pelo de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, para
subordinada “aos movimentos do capital nacional e
excesso de produção e pela falta de mercado para os Getúlio Vargas. “Façamos nós a Revolução antes que o
estrangeiro (...). O pla- nejamento governamental e o
produtos, cujo sinal mais evidente foi a quebra da povo a faça”.
engajamento do poder público nas atividades
Bolsa de Nova York em outubro de 1929, o que abalou Os fatores internos e externos contribuíram no
produtivas permitem dinamizar a reprodução ampliada
o capitalismo mundial. A crise do capitalismo e a ameaça repensar da política econô- mica brasileira, inviabilizando
do capital”. Até final da década de 70 entrou no país um
de um sistema alternativo (o socialismo soviético) o“modelo”de desenvolvimento vigente no período.
percentual significativo de recursos externos, que
levaram a uma reestruturação econômica e exigiram Diante disso, a Revolução de 1930 tornou-se um marco
contribuiu para intensificar a industrialização e
uma maior intervenção do Estado na economia, para a História brasileira, pois a partir dela o Estado
garantir a infraestrutura necessária para as mudanças.
regulando e direcio- nando investimentos. passou a assumir uma posição claramente favorável à
Nesse sentido, o Estado brasileiro cumpriu um
papel central para a sua concretização, atuando em pois as políticas públicas ficaram relegadas a um Brum (2011), denominá-lo como um “Modelo de
áreas que a iniciativa privada não tinha condições ou segundo plano. Para Brum (2011), o Estado foi Desenvolvimento Nacional e Autônomo”. Buscava,
não queria assumir. No entendimento de Brum apropriado por uma reduzida classe economicamente porém, superar o subdesenvolvimento e transformar
(2011), os governantes consi- deravam que a sociedade dominante e colocado a serviço de interesses o país em uma “potência autônoma”. Para isso,

brasileira não estava suficientemente organizada para privados ou corporativos, primeiro pelos latifundiários os nacionalistas sustentavam a necessidade de
assumir essa responsabilidade e que necessitava de um e mais recentemente pelos pro- prietários do capital. controle pelo Estado da infra-estrutura (transportes,
Estado forte, interventor, que conduzisse o processo de As políticas socioeconômicas instituídas entre comunicações, energia) e da indústria básica, ficando as
desenvolvimento capitalista no país. 1930 e 1980, na efetivação da industrialização via outras áreas da atividade econômica nas mãos da

A industrialização brasileira contou com o substituição de importação, são marcadas por aspectos empresa privada nacional. Sem chegar a recusar em
princípio o capital estrangeiro, insistiam na necessidade
apoio do Estado, pois foi ne- cessário elevado volume comuns. O Estado, porém, modificou
de só aceitá-lo com muitas restrições, seja quanto à área
de capital e de demorado retorno. É o caso dos inves- significativamente sua forma de atuar, em
dos investimentos, seja quanto aos limites à remessa de
timentos em infraestrutura (transporte, energia, conformidade com os ideais dos ocupantes do poder
lucros no exterior (Fausto, 2000, p. 426).
comunicações...) e na produção de insumos básicos e as circunstâncias econômicas e políticas vigentes.
(ferro, aço, petróleo...). Então, a partir de 1940 várias Assim sendo, torna-se necessário identificar e analisar Essa política nacionalista repercutiu no processo
empresas estatais são criadas, como: a Companhia algumas características, considerando para isso três de modernização, tanto do setor agrícola quanto do

Siderúrgica Nacional, a Usina de Volta Redonda, a recortes: a) Getúlio Vargas e a industrialização – 1930 a industrial. Vargas continuou dando atenção à agri-

Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), a 1945; b) industrialização, entre 1945 e 1964; cultura, mas apoiou fortemente o setor industrial,

Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce, entre c) Regime Militar e crescimento econômico. baseado na empresa nacional, que deveria liderar o
processo de acumulação de capital e ampliar as
outras.
atividades produtivas. Percebe-se uma crescente
Além de atuar como empresário, o Estado 4.2.1 – gETÚLIO VARgAS E A INDUSTRIALIzAÇÃO – 1930 A
1945 expansão do setor industrial, voltado ao mercado
estimulou a industrialização brasileira por meio de
O governo de Getúlio Vargas, que intensificou o processo interno. Para tanto, foi necessário e importante a
créditos, subsídios, isenção e incentivos fiscais, de industriali- zação do Brasil, seguiu uma linha de progressiva melhoria dos salários, ampliando desta
tornando- se o principal agente para o avanço capitalista atuação coerente com o contexto mundial da época, forma o mercado consumidor. Nesse incremento
no Brasil. Mesmo assim, trouxe alguns prejuízos sociais, cujas características fundamentais permitem, segundo contribuíram os imigrantes, tanto com suas
experiências utilizadas no avanço industrial quanto reivindicatórios foram proibidos e severamente mão de obra para trabalhar nas indústrias, no que
como consumidores. reprimidos. contribuíram os cursos oferecidos pelo Serviço Nacional
O desenvolvimento nacionalista de Vargas Baseados em seu populismo Vargas aliciou as de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de
concedeu favores aos empre- sários, dando-lhes camadas sociais de menor poder aquisitivo por meio Aprendizagem Comercial (Senac) e de linhas
proteção diante da concorrência externa, incentivos e de uma prática política paternalista, clientelista e assistencialistas, como: Sesi, Sesc e LBA.
créditos subsidiados, tornando os ricos mais ricos, cartorial, em que o Estado exercia a tutela da Nas décadas seguintes mudanças ocorrem,
sendo chamado em virtude disso de “mãe dos ricos”. A sociedade, sindicatos e demais organizações sociais. pois o fim da Segunda Guerra Mundial inviabilizou a
política de Vargas, durante o Estado Novo, não Ele se apresentava como defensor dos pobres e dos política econômica adotada por Vargas, por isso
contemplava a democracia, ocorrendo crescimento oprimi- dos. Fez algumas concessões, para não realizar chamada de “Tentativa de Desenvolvimento Nacional e
econômico e justiça sem democracia. mudanças na estrutura de poder dominante. E os
Autônomo”. Após o conflito a de- mocracia passa ser
O governo, que assumiu em 1930, precisou sindicatos ficaram atrelados ao Estado, com o governo,
algo central e buscado por todos os governantes,
criar alguns mecanismos para manter sob controle em alguns momentos, se antecipando às reivindicações
atingindo o governo brasileiro, que governava o país
esse proletariado. A política trabalhista buscou da classe trabalhadora.
de forma autoritária. Diante disso, Vargas até buscou
“reprimir os esforços organizatórios da classe Essa classe trabalhadora cresceu muito nas primeiras fazer a transição para a sociedade mais democrática,
trabalhadora urbana fora do controle do Estado e décadas do século 20, o que levou o governo de Vargas a mas não obteve sucesso. Foi para o exílio, e mesmo
atraí-la para o apoio difuso do governo” (Fausto, 2000, p. decretar um arsenal de leis protetoras: jornada de oito assim, acaba elegendo o candidato que contava com
335). Nessa época a função dos sindicatos era de horas, concessão de férias, salário mínimo, repouso seu apoio, Gaspar Dutra. Mudanças mais expressivas,
“colaborar com os poderes públicos na conciliação dos semanal remunerado, previdência social, entre outras, contudo, ocorrem durante o governo de Juscelino
conflitos trabalhistas”, atrelados ao Ministério do que foram reunidas, em 1943, na Consolidação das Leis Kubitscheck, que numa viagem ao exterior constata
Trabalho, Indús- tria e Comércio (11/1930), que do Trabalho (CLT). Em virtude da política trabalhista foi que o Brasil precisaria avançar economicamente.
intermediou as relações entre capital e trabalho.
chamado também de “pai dos pobres”.
Segundo Brum (2011), o Estado considerava que nem 4.2.1 – INDUSTRIALIzAÇÃO ENTRE 1945 E 1964
Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e
os empresários e nem os trabalhadores estavam Entre 1945 e 1964 ocorre um impulso no
da Saúde e em 1931 o Esta- tuto das Universidades
suficientemente organizados para dispensarem sua processo de industrialização brasileira. Superados os
Brasileiras. Também tornava-se necessário qualificar
tutela. Nesse período, greves e outros movimentos horrores da guerra e parte de seus traumas,
reconstruídos os principais parques produtivos não dispunha nem de um, nem de outro” (Brum, Segundo Brum (2011), as empresas
europeus (por meio do Plano Marshal), ampliou- se a 2011, p. 202). multinacionais assumiram os setores mais dinâmicos e
velocidade do crescimento econômico e surgem rentáveis da economia brasileira, principalmente aqueles
Então, para colocar o país num“novo” patamar
múltiplas possibilidades de avanços produtivos em que estavam voltados a produzir os bens de consumo
de desenvolvimento eram necessários altos
diversas áreas. Após a reconstrução dos países da duráveis (veículos, eletrodo- mésticos,
investimentos. O que contribuiu para avançar no
eletroeletrônicos), tendo destaque nas indústrias
Europa sobraram recursos no mundo e o Brasil passa processo de abertura ao capital estrangeiro, iniciado
químicas, nas farma- cêuticas, no setor naval e de
a ser visto como um país interessante para se investir, durante o governo de Gaspar Dutra, mas intensificado
equipamento elétricos. Percebe-se a sua presença
até porque muitas indústrias internacionais busca- vam no governo de Juscelino Kubitscheck, 1 que abriu as crescente na produção de bens duráveis e na de bens de
recuperar um mercado que antes era delas, pois antes portas para o capital externo e as empresas capital.
dos dois conflitos o país importava muitos produtos multinacionais, viabilizando o lançamento do seu
O processo de modernização do Brasil exigiu
que vinham da Europa e dos EUA. Plano de Metas, com o slogan de avançar “50 anos
maior atenção à questão do combustível básico: o
A partir desse momento percebe-se que esses em 5”. No governo de JK percebe-se uma postura
petróleo. Quanto mais avançávamos na produção de
distinta da de Vargas, pois, “além de ampliar a ativida-
grupos econômicos, além de emprestar o capital bens de consumo duráveis, com a crescente expansão
de do Estado na área econômica, assumiu uma
instalavam subsidiárias nos mais diversos países, do setor automobilístico, mais essa questão passa a ser
posição francamente favorável à entrada de capitais
entre eles o Brasil. Desta forma, aproveitaram a matéria- central. Durante o governo de Vargas (agora eleito dire-
estrangeiros, concedendo-lhes estímulos e
prima, a mão de obra barata e os incentivos do governo tamente) ocorreu a campanha“O Petróleo é Nosso”,
facilidades” (Brum, 2011, p. 208).
brasileiro. impedindo que as empresas estrangeiras explorassem a
A nova estratégia do capital internacional não extração deste combustível. A política nacionalista foi
No Brasil, em 1950, estava praticamente
favorecia o desenvolvi- mento independente, pois completada em outubro de 1953 com a criação da
superada a etapa da substituição de importações de grandes grupos econômicos investiram no setor Petrobras.
bens de consumo não duráveis e chegara a hora de produtivo, forçando a abertura das economias
O seu mandato foi marcado por uma política
“avançar para um novo patamar de industrialização: nacionais aos investimentos de risco estrangeiros.
popular e nacionalista, beneficiando tanto
indústria de bens de consumo durá- veis, insumos Além disso, continuaram concedendo créditos para o
trabalhadores quanto as empresas nacionais. Por
básicos e bens de capital. Para tanto, havia necessidade setor público investir em infraestrutura, necessária para
exemplo, em relação aos trabalhadores aumentou o
de grande volume de capital e alta tecnologia. E o país o impulso industrial.
salário mínimo em 100% no dia 1º de maio de 1954.
Nessa trajetória arrumou muito problemas, levando-o a foram beneficiados, tanto através da geração de 2011).
cometer suicídio naquele ano. novos empregos como pelo aumento dos salários
reais, inclusive do poder aquisitivo do salário As vantagens, as isenções e os privilégios concedidos
O governo de JK, para financiar o seu ousado
mínimo” (Brum, 2011, p. 223). às empresas estrangei- ras chegavam a permitir que
projeto de desenvolvimento, reunido no seu Plano de
elas importassem do exterior, de suas matrizes,
Metas e na construção de Brasília, “optou pelo O capital externo entrou no Brasil em grande
máquinas e equipamentos obsoletos, valorizando-os
caminho mais fácil: recursos externos e emissões escala, tanto sob a forma de investimentos diretos
como se novos fossem, sem restrição de qualquer
inflacionárias” (Brum, 2011, p. 213). Essa política quanto de empréstimos ao setor público. Os emprés- espécie quanto aos similares de fabricação nacio- nal. A
contribuiu para desencadear um processo inflacionário timos externos foram usados principalmente para empresa General Motors S.A., por exemplo, transferiu
que trouxe con- sequências negativas para a sociedade, financiar a construção de obras públicas. “No período para o Brasil uma fábrica de veículos há cinco anos
como “corrosão do poder aquisitivo dos salários, de 1955 a 1961 entraram no Brasil US$ 2,18 bilhões, desativada na cidade de Detroit, nos EUA. A Volkwagen
aguçamento das reivindicações, tensões sociais, sendo que mais de 95% desses recursos foram aproveitou o dinheiro da venda de cinco mil carros ao
desequilíbrio nos preços relativos, distorção de aplicados nas áreas prioritárias do governo” (Brum, Brasil para iniciar aqui a sua hoje poderosa indústria
investimentos, impossibilidade e planejamento e 2011, p. 217). Isso explica o aumento considerável da montadora de veículos. Aliava-se a vontade política
previsão empresarial, desestímulo à poupança privada, dívida externa brasileira, que atingiu US$ 3,9 bilhões no interna de um crescimento econômico acelerado aos
etc.” (Brum, 2011, p. 213). final de 1960. inte- resses do capital estrangeiro em instalar-se no país
Durante a década de 50 o Brasil deu um salto (p. 219).
As subsidiárias de multinacionais tornaram-se
econômico quantitativo e qualitativo, pois em 1956 a
grandes investidoras no Brasil. No período As multinacionais procuravam manter em suas
indústria passa a superar a agricultura, em termos de
“desenvolvimentista”, por exemplo, o Banco Nacional matrizes os laboratórios, tendo o controle sobre os
riqueza produzida, mas marcado por desequilíbrios
de Desenvolvimento Econômico (atual BNDES) bens de capital, tecnologia e o domínio do capital. Em
regionais, pois o Sudeste (principalmente São Paulo)
concedeu mais empréstimos às companhias 1960 o progresso industrial era uma realidade, mas a
tornou-se o Estado cada vez mais industrializado.
estrangeiras (6,9 bilhões de cruzeiros) do que à indústria inflação também. O Brasil continuou sendo um país
Acreditava-se que era possível desenvolver o país a
nacional (6,5 bilhões de cruzeiros). Essas companhias dependente. Segue-se a isso uma profunda crise
partir de um centro econômi- co forte, e em função
estrangeiras, além de usarem os recursos nacionais econômica, social e política que será provocada pelo
disso, os investimentos de infraestrutura foram
buscavam com frequência empréstimos no exterior, governo seguinte, de Jânio Quadros, que sequer
canalizados para esses grandes centros (capitais). Em
junto as suas matrizes ou ao sistema financeiro (Brum, completou um ano de mandato, renunciando em
razão do crescimento econômico “os trabalhadores
1961. Logo, em 1964, um golpe de estado derrubou João deveria interferir no planejamento econômico e social, A expansão econômica foi também financiada
Goulart. Justamente foi contra a sua proposta de direcionar investimentos que, em boa medida, vinham pela expropriação salarial dos trabalhadores. Neste
Reformas de Base que ocorreu o levante conservador do exterior. A intervenção do Estado na economia sentido, foi adotada uma política de contração dos
que instituiu o regime militar no Brasil, por longos 21 ocorreu também por meio do controle salarial e de salários, exceto dos salários mais altos de
anos. preços e na indexação da economia. E a estatização, profissionais com ensino superior, administradores e
criticada por eles no governo anterior, passou a ser um executivos de empresas e os altos funcionários das
4.2.1 – O CONTExTO
ECONÔMICO NO REgIME MILITAR instrumento bastante usado, pois no início do Regime estatais. Igualmente beneficiaram o segmento das
Militar foram criadas várias empresas do governo, pois chamadas profissões liberais. Isso se refletiu de forma
Entre 1964 e 1985 o Brasil foi governo por
isso favorecia o capital e a expansão industrial. Eles eram positiva na classe média alta, que teve o seu poder de
militares, que centralizaram o poder político,
favoráveis ao capitalismo, mas não acreditavam no compra aumentado, contribuindo para a retomada do
militarizaram o aparelho estatal, mantendo sob
capitalismo liberal. crescimento econômico. A maioria dos trabalhadores,
controle as organizações populares. Eles tinham
Segundo Brum (2011, p. 264), “sustentavam a porém, teve seus salários achatados, pois os reajustes
entusiasmo pelo crescimento econômico, pois
necessidade de um Estado forte e eficiente, com eram sempre inferiores às taxas da inflação. Como os
pretendiam aumentar a expressão do Brasil como
participação efetiva no planejamento e na regulamenta- sindicatos estavam impedidos de qualquer
“potência mundial” por meio do fortalecimento do
ção da economia, de modo a aproveitar as vantagens reivindicação, impediu-se a maioria dos assalariados de
poder nacional, o que deveria vir acompanhado pela
e evitar os problemas do capitalismo”. usufruir do crescimento econômico (Brum, 2011).
incorporação do avanço tecnológico, com um Estado
Brum (p. 265) cita Alves para acrescentar que, Para analisar a política socioeconômica dos
forte, eficiente e interventor. Por outro lado, relegaram
em síntese, os militares de- fendiam“um modelo de militares, estaremos orga- nizando essa apresentação
para um segundo plano as políticas sociais, a questão era
desenvolvimento capitalista baseado numa aliança em quatro períodos, marcados por baixo, médio e
crescer economicamente sem grandes preocupações
entre capitais do Estado, multinacionais e locais. A grande crescimento econômico. O primeiro período
de como isso seria distribuído entre a população.
ideologia nacionalista era bastante difundida nos meios terá sérios problemas a enfrentar, como: inflação alta,
Desta forma, consolidaram o desenvolvimento
militares, estabelecia forte vinculação entre estagnação econômica, déficit crônico na balança de
industrial via substituição de importações.
nacionalismo e estatização (dos setores básicos)”, mas pagamento, déficit público, perda do poder aquisitivo,
Nesse período o Brasil cresceu e se
percebe-se uma crescente participação de investidores baixa credibilidade externa. Esse quadro levou o
modernizou. O Estado teve um papel importante para
internacionais. governo, nos primeiros quatro anos do ciclo militar
a viabilização do projeto elaborado pelos militares, pois
(1964-1967) a adotar uma política econômica que agricultura apresentou um ritmo médio menor, de militares conseguiram realizar um crescimento
reverte esse baixo crescimento econômico, momento 3,4% ao ano. acelerado, acima das reais possi- bilidades do país, ao
que contou com pouco capital de risco oriundo do longo de vários anos consecutivos? Quais foram as
Nessa época muitos empregos foram gerados,
exterior, pois o Brasil estava com pouca credibilidade fontes de financiamento? Por que não foi possível
a arrecadação de impos- tos aumentou, melhorando a
externa. Esse fator contribuiu para um modesto manter o ritmo da expansão econômica na década de
vida de uma parcela da sociedade, mesmo não
crescimento econômico, com taxas médias anuais de 1980?” Perguntaria ainda: O que mudou na década de
atingindo todos da mesma forma. O avanço de um
4,3%. 80?
parque industrial moderno contrastava cada vez mais
Em 1968, por meio do Ato Institucional com a pobreza de grande parcela da população. Uma Já no quarto e último período, ocorrido pós
número 5 o governo garantiu o controle sobre as declaração do presidente Médici reflete bem esta 1980, o mundo foi atingido pela crise mundial do
agitações sociais, levando ao retorno do capital realidade:“A economia vai bem, mas o povo vai mal”. Os capitalismo, ocasião em que o Brasil avança no seu
internacional nos anos seguintes. No segundo período salários e as políticas públicas são formas importantes processo de abertura política. Uma coisa era governar o
(1968-1973) percebe-se mudanças, pois com a para a distribuição de renda. Houve um processo país quando havia um alto índice de crescimento
credibilidade externa recuperada retornam, de forma intenso de achatamento sala- rial, ou seja, o econômico, outra coisa era quando essa realidade
intensa, os investimentos externos, marcados pelo muda levando a sociedade a questionar o modelo
trabalhador teve seu poder de compra diminuído, porém
crescimento econômico chamado de “Milagre vigente. Esse período é chamado de“Década Perdida”,
algumas pessoas nem se deram conta desse processo,
Brasileiro”. Segundo Brum (2011, p. 284), devido a um crescimento econômico próximo a zero.
pois em muitas situações o poder de compra das
famílias melhorou, em razão de que a esposa e/ou os A crise do final da década de 70 (e início de
[...] o crescimento econômico foi catapultado para um 1980) levou a classe traba- lhadora a se organizar e
filhos também tinham seu emprego, pois a economia
patamar altamente expressivo, registrando a taxa buscar melhorias salariais. Achatamento salarial num
estava em expansão.
anual média de 11,1% – um extraordinário de- período de grande crescimento não era tão
sempenho que representou quase dobrar o tamanho O terceiro período vai de 1974 a 1980. Segundo
problemático como num período de crise, pois a
da economia brasileira em apenas seis anos. Esse Brum (2011, p. 284), o Brasil apresentou taxa anual
expansão industrial, que ocorreu durante os períodos
crescimento foi puxado, sobretudo, pela expansão média de crescimento de 7%, ainda bastante expressiva,
anteriores, contribuiu para que mais pessoas
industrial e de serviços, com taxas médias anuais de porém em declínio. No final dos anos 70 percebe-se buscassem uma colocação no mercado de trabalho,
13,5% e 11,7%, respec- tivamente, enquanto a uma economia estagnada, em recessão, levando o ampliando a renda total das famílias.
autor a fazer os seguintes questionamentos: “Como os
Muitos“sonham”, ainda hoje, com o retorno Nesses 21 anos de Regime Militar houve um ‘choque do capitalismo’. O Estado reduz sua presença e
do período de“vacas gordas”, que mudou processo intenso de moderni- zação, mas os militares sua proteção, deixando as empresas mais expostas às
substancialmente a vida de todos durante as décadas não conseguiram tornar o Brasil uma grande potência. leis de mercado e da concorrência” (Brum, 2011, p. 393).
de 80 e 90. Diante do declínio do crescimento Para Brum (2011, p. 390), durante o período militar Segundo Ianni (1996, p. 112), ocorre um
econômico a população, mediante a organi- zação processo de modernização da economia e do aparelho
sindical, exige o fim do Regime Militar. Os [...] a economia expandiu-se. O país industrializou-se.
estatal, como também“a mesma sociedade que fabrica a
movimentos iniciados no ABC paulista Multinacionais prospe- raram. Grandes grupos
prosperidade econômica fabrica as desigualdades que
desencadearam uma mentalidade mais aberta e uma econômicos nacionais de formaram. Várias fortunas
constituem a questão social”. Assim sendo, os
consciência mais crítica em torno da realidade sindical. consolidaram-se. Mas o Estado endividou-se, externa
processos de industrialização e de modernização da
e internamente. Sua situação financeira deteriorou-
Nesse período ocorreram inúmeras greves em São Paulo agropecuária no Brasil produziram uma série de
se. Perdeu a capacidade de poupança e in-
e no Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul ocorreu mudanças nas características da sociedade
vestimento. E diminuiu a possibilidade de conceder
uma grande mobilização dos professores estaduais, brasileira.
subsídios e incentivos fiscais ao setor privado.
que buscavam melhorias salariais e qualidade no
Endividado e tecnicamente falido, o Estado perdeu as Ao analisar a globalização e o contexto atual
ensino.
condições de continuar a ser o principal agente Celso Furtado (1999, p. 26) observa que:“Em nenhum
Como vimos, a política econômica e social no condutor e financiador do desenvolvimento brasileiro. momento de nossa história foi tão grande a distância
período militar foi perversa, o que poderia ter sido entre o que somos e o que esperávamos ser. (...) Se
A partir de 1980 tornou-se necessário um processo de
amenizado com serviços públicos eficientes. Não foi isso, prosseguirmos no caminho que estamos trilhando
redefinição do papel do Estado, pois este encontrava-
porém, que aconteceu, pois os investimentos em desde 1994, buscando a saída fácil do endividamento
se com sérias dificuldades e precisava encontrar meios
educação, saúde, habitação e alimentação foram externo e do setor público interno (...) o sonho de
para equilibrar as contas públicas internas, ou seja, só
relegados para segundo plano. Algumas ações foram construir um país tropical capaz de influir no destino da
gastar o que arrecadasse. O que se constata é que o
postas em prática, porém não nas proporções que humanidade ter-se-á desvanecido”.
Brasil, a partir de 1990, passou a fazer parte do circuito
eram necessárias. Mesmo sendo a década de 80 SEÇÃO 4.3
internacional de valorização do capital financeiro,
chamada de “Década Perdida”, em razão do baixo
adotando o modelo de desenvolvimento neoliberal, Formação e Desenvolvimento do Setor Terciário
crescimento eco- nômico, é também chamada
avançando o processo de privatizações, abertura
de“Década Ganha”, devido à melhoria na qualidade de Nas primeiras décadas do século 20 o setor
econômica e desregulamentação. “O país, a economia e
vida e à expansão de políticas sociais. terciário, no contexto de uma industrialização via
os agentes econômicos foram sendo submetidos a um
substituição de importações, apresentava um peso entre outros. Por outro lado, foi quando a sociedade brasileira
econô- mico pouco representativo na geração de fez a transição pacífica do regime autoritário para o
Neste contexto, ao analisar o processo de
emprego e renda. O quadro começa a se modificar regime democrático, avançou no fortalecimento de
urbanização no Brasil, destaca- se o papel da atividade
somente nas décadas de 50/60, em especial pela suas organizações e a democracia colocou-se como
secundária, enquanto indutora de desenvolvimento e
expansão propor- cionada pela formação de um valor a ser recuperado, preservado e vivenciado. O
incorporadora de mão de obra, via êxodo rural.
mercado nacional de produtos manufaturados, à luz último governo militar, conduzido pelo presidente
Precisa-se, todavia, destacar que na fase inicial isso até
do processo intenso de modernização/automatização Figueiredo, buscou administrar a crise e viabilizar o
ocorreu, mas logo se difundiu para o setor terciário da
no setor industrial e do êxodo rural. As economias processo de abertura política. Nessa fase o Brasil foi
economia, a ponto de alguns historiadores
locais, até então autossuficientes, se incorporam ao administrado em razão da dívida externa e dos
sinalizarem que as pessoas ao saírem do campo
dinamismo nacional, passando a consumir produtos interesses dos credores internacionais. Segundo Brum
encontravam espaço mais facilmente no comércio e
de massa, o que abre espaço para a ampliação do (2011), duas foram as principais ra- zões da crise
serviços, pois exigiam menos qualificação.
comércio e serviços. No período de 1950 a 1960 a econômica brasileira entre 1980 e 1990: o esgotamento
mão de obra industrial aumentou em torno de 25%, SEÇÃO 4.4 do projeto de desenvolvimento estabelecido em 1930 e
enquanto a mão de obra de serviços teve um a falta de um novo projeto.
A Crise do Modelo e os Esforços Pela Estabilização Econômica
incremento de 67%. O período foi marcado principalmente pelas
Este processo amplia-se nas décadas de 60/70, Findos os anos 70 e ao longo da década de 80, crises do petróleo (1973 e 1979), o combustível básico
quando se constata um maior avanço no com a maioria da popula- ção já urbana, o Brasil viveu que movimentava o mundo. Na primeira, os preços
desenvolvimento tecnológico, puxado pela efetiva uma fase de redução do seu ritmo de crescimento quadruplicaram (de US$ 3 para US$ 12 por barril) e na
integração do mercado nacional, em resposta às econômico, ou melhor, vivenciou longos anos de segunda dobraram (de US$ 16 para mais de US$ 30
novas estruturas no setor de transporte e meios de estagnação a ponto de chamar a década de 80 por barril). Isso levou a um aumento nos custos de
comunicação. Assim, esse processo além de de“Década Perdida”. Nesse período ficou evidente o produção, pois o petróleo era a fonte energética que
incrementar o cresci- mento industrial, pari passu esgotamento do modelo de desenvolvimento movia os maquinários in- troduzidos com a
forçou a expansão do setor terciário, ampliando as capitalista centrado na industrialização por subs- modernização. E mais: criou problemas na balança
atividades no comércio de bens e nos serviços em tituição de importações, tendo o Estado como indutor, comercial e, por consequência, na balança de
geral: pessoais, finanças, transportes, comunicações, financiador e investidor, e o capital internacional como pagamentos brasileira, pois importávamos cerca de 50%
saúde, educação, reparos de produtos manufatura- dos, principal agente privado. desse combustível.
A década de 80 também foi marcada pela crise que deviam destinar-se basicamente à execução da especulação financeira, em função da dívida pública,
da dívida externa dos países emergentes e dos política monetária. Em consequência, o governo e o país interna e externa. Com isso, desvirtuou-se também a
subdesenvolvidos. Diante do forte endividamento da cami- nharam rápido para o torvelinho da chamada função básica do sistema bancário brasileiro: captar a
maioria desses países e do processo recessivo ciranda financeira, desviando recursos substanciais do poupança disponível na sociedade e aplicá-la no
generalizado, os grandes bancos internacionais, que investimento produtivo para a especulação (Brum, financiamento do setor produtivo (Brum, 2011, p. 368).
antes emprestavam dinheiro com facilidade, 2011, p. 290).
Ainda segundo Brum (2011), o colapso financeiro
suspenderam o crédito e elevaram as taxas de juros, o
Isso se refletiu nas condições efetivas de ocorreu, sobretudo, na esfera federal, mas rapidamente
que provocou extremas dificuldades aos endividados,
financiamento do Estado, apro- fundando suas se estendeu para os Estados e municípios, com raras
como era o caso do Brasil. Os países capitalistas
dificuldades. A crise foi agravada pela queda na receita exceções. O Estado perdeu sua capacidade de investir e
desenvolvidos também foram atingidos pela crise do
tributária, pagamento de altas taxas de juros e foi obrigado a buscar alternativas para a situação de
capitalismo no final da década de 70, e tiveram de
aumento dos gastos com o setor público, entre outros. descontrole das finanças públicas e da inflação.
buscar alternativas para diminuir ao máximo o impacto
em suas eco- nomias. A partir de então mudaram No período anterior foram criadas inúmeras estatais, A inflação abalou de forma significativa as
completamente as políticas de financiamento e fundamentais para garantir o processo de atividades econômicas e as políticas de preços e
investimento no Brasil. industrialização, mas o seu papel era o de oferecer salários, trazendo sérias dificuldades para a sociedade
produtos e serviços a preços subsidiados, muitas vezes bra- sileira. Em 1983 ela ultrapassava os 200% ao ano
Para compensar a falta de recursos externos o
inferiores aos custos de produção. Uma das alternativas
governo brasileiro usou o endividamento interno, a e em 1990 estava em 1.476,5% ao ano. Nesses dois
adotadas para enfrentar os problemas financeiros do anos a taxa anual de crescimento do Produto Interno
partir do final dos anos 70, para financiar o seu proje- to
Estado foi a venda do patrimônio público – a
de desenvolvimento. A situação era complicada, pois Bruto (PIB) ficou abaixo de zero.
privatização.
os países só vendiam petróleo ao Brasil com
O Estado brasileiro, devido às dificuldades financeiras, Diante do processo inflacionário galopante os agentes
pagamento no ato – à vista. Assim,
tornou-se econômicos empenharam-se mais em defender-se da
através do lançamento de mais e mais títulos públicos, o principal captador de recursos privados para o inflação e buscar ganhos sem risco através da
captava a poupança privada e financiava a execução especulação financeira do que em modernizar seus
financiamento do elevado déficit público e a rolagem
dos projetos em andamento, o pagamento de juros e da volumosa dívida pública interna. Quase a tota- lidade empreendimentos econômicos, incorporar novas
outras despesas. Acabou desvirtuando, assim, a tecnologias, reduzir custos e aumentar a produtividade e
dos recursos financeiros disponíveis no mercado
finalidade da dívida mobiliária pública e dos seus títulos, a competitividade (p. 370).
passou a ser desviada do setor produtivo para a
Menos postos de trabalhos foram gerados, que mesmo no período da expansão econômica não se marcar os movimentos na economia nacional,
perdas enormes ocorreram no poder de compra dos avançou em termos de equidade social e que passa a apresenta-se alguns pontos de destaque em cada
salários e, ainda, segundo Brum (2011), contribuindo ser agudizado pelo impacto da inflação. plano de combate à inflação instaurado no país ao
também com a transferência de renda do trabalho para Assim, a inflação assume a posição de vilã dos longo das décadas de 80 e 90.
o capital. problemas econômicos brasileiros. Na essência, ela Plano Cruzado I
4.4.1 – OS ESFORÇOS PELA ESTABILIzAÇÃO ECONÔMICA representa a perda de poder aquisitivo da moeda ou, em
Os anos 80, portanto, conformaram um outras palavras, é um desequilíbrio econômico Elaborado em 1985, porém efetivado em
período importante na história sociopolítica e causado pela elevação dos preços dos bens e serviços, fevereiro de 1986 pelo então ministro da Fazenda,
econômica brasileira. A transição para a democracia, de forma sistemática e continuada. Para ilustrar seu Dilson Funaro, no governo do presidente José Sarney,
apesar do eufórico avanço nas áreas política e social, impacto nos preços,2 em 1985 a inflação segundo o caracterizou-se pelo congelamento de preços, salários e
também influenciou em muito a eco- nomia, em IPC-Fipe foi de 228,22% ao ano, o que significa que, em câmbio e pela introdução de uma nova moeda, o
especial pela passagem das estratégias de tese, um bem que custava Cr$ 1.000,00 no início do ano,
cruzado, que substituiu a então moeda oficial, o cruzeiro,
planejamento de longo prazo para um período com ao final valia Cr$ 3.282,20; em 1993, quando foi de
na proporção de 1:1000 (1 cruzado = 1.000 cruzeiros).
diversos planos de ajustes econômicos, centrados no 2.490,99% no ano, um bem de Cr$ 1.000,00 passa para
combate à inflação. $25.909,90, respectivamente. Com forte apoio popular na sua instituição, pela
A crise econômica nesse período, conformada Para combater a inflação, diversos planos estabilização inicial dos preços, via congelamento,
por um cenário global também em crise, econômicos se sucederam, ini- ciando em 1985 com o acelerou o consumo interno das famílias a ponto de
especialmente pela elevação das taxas de juros no Plano Cruzado, até o Plano Real, de 1994, que sustenta
provocar em curto período o desabastecimento, pela
mundo, agravou nosso endividamento externo, que sua base até hoje, por sua efetividade. Nesse período, no
maior demanda em relação à oferta de bens e serviços,
passou de US$ 55,8 bilhões em 1979 para US$ 105 entanto,“o Brasil teve quatro moedas, cinco
chegando a provocar a prática de ágio, um
bilhões em 1985. O crescimento econômico anual, congelamentos de preços, nove planos de estabilização,
onze índices para medir a inflação, 16 políticas salariais “sobrepreço”que os consumidores se dispunham a
representado pelo aumento do Produto Interno Bruto
diferentes, 21 propostas de pagamento da dívida externa pagar para garantir suas com- pras. Muitos cidadãos se
– PIB – que gravitou em torno de 10%, no período do
“milagre brasileiro” (1969-1974), baixou para menos e 54 mudanças na política de preços.” transformam voluntariamente em “Fiscais do Sarney”,
de 3% ao ano no início dos anos 80. A desigualdade enquanto vigias da estabilização dos preços.
O Gráfico permite visualizar o período
social, centrada na concentração de renda, se
conturbado de desequilíbrio eco- nômico com a As dívidas a pagar passaram a ter fatores de
apresentava em um cenário a ser enfrentado, uma vez
acelerada perda de poder aquisitivo da moeda. Para correção para baixo na con- versão cruzeiro-cruzado, de
acordo com o vencimento, o que popularmente ficou de 30%. Até novembro daquele ano, mês de eleições governo Sarney a decretar a moratória da dívida externa,
conhecido como “tablita” e que, na prática, representava estaduais, os impulsos da demanda foram ignorados com o cancelamento do pagamento da taxa de juros
a redução por inflação “embutida” na compra. pelo governo federal. da dívida.

Na prática, o Plano Cruzado empoderou Os salários chegam ao patamar fixado para seu
Plano Cruzado II
financeiramente as famílias, posto que os salários, que “gatilho”, mecanismo utilizado para reajuste quando a

foram ajustados e congelados pelo valor médio dos Em 21 de novembro de 1986, seis dias após as inflação chegasse a 20%. O descontentamento

eleições e com o referendo das urnas, visto que a público, contudo, se agrava, os preços se aceleram e,
últimos seis meses antes do plano mais um abono de
base governista venceu em 22 dos 26 Estados, o em maio de 1987 cai o ministro Dilson Funaro, o que,
8%, também tiveram uma elevação relativa no poder
definitivamente, decreta o fim do cruzado.
de compra, primeiro porque os preços foram fixados governo lança mão de um plano de ajustes pontuais,
sem prévio aviso, o que não permitiu que os produtos conhecido como Cruzado II, que, na essência,
Plano Bresser
fossem reajustados preventivamente, e, segundo, objetivava reduzir o déficit fiscal do governo com
aumento da arrecada- ção tributária. Nessa ocasião Em junho de 1987 o então ministro da Fazenda,
porque a inflação deixou de desvalorizá-los, em
Luiz Carlos Bresser-Pereira, anuncia novo plano
especial para as classes menos favorecidas. divulga uma liberação parcial do congelamento de
econômico, alicerçado novamente na política de
preços, como dos automóveis, dos combustíveis, das
Ainda no campo macroeconômico, os gastos congela- mento de preços e salários, agora pelo prazo
tarifas públicas de telefonia e energia elétrica, de
públicos eram superiores às receitas, o congelamento de três meses.
tributos em cigarro e bebidas.
da taxa de câmbio comprimiu as exportações e
Entre as medidas anunciadas está a contenção
estimulou as importações, o que foi reduzindo Além da liberação dos preços o governo altera o
do déficit público, com aumento de tributos, fim dos
consideravelmente as reservas de moeda cálculo da inflação, ado- tando índice que mede os
gatilhos salariais, corte nos subsídios do trigo e
estrangeira. gastos das famílias com renda de até cinco salários
adiamento dos investimentos públicos em obras de
mínimos, libera os reajustes dos aluguéis para grande porte, para além da suspensão da moratória
A equação demanda maior que a oferta, que
negociação entre proprietários e inquilinos, o que da dívida externa para retomada das relações com o
desencadeou um potencial desenfreado no consumo,
também fomenta o fogo da inflação. Fundo Monetário Internacional (FMI). Foi instituída a
levou o governo, no mês de julho, a ajustar parcial-
mente alguns preços, como os dos automóveis e dos No início de 1987 o quadro se agudiza com o Unidade de Referência de Preços (URP) como o

combustíveis, introduzindo um depósito compulsório esgotamento das reservas cambiais, o que leva o indexador de preços e salários.
Mais uma vez o congelamento artificial dos são cortados da moeda nacional, que passa a se 1989 ultrapassava a casa dos 50%, mensais, a ponto
preços não se sustenta no combate ao desequilíbrio denominar de cruzado novo (1.000 cruzados = 1 de atingir, segundo IPC-Fipe, a variação apoteótica de
econômico, a ponto de a inflação acumulada em 1987, cruzado novo). 1.636,61% no ano de 1989 que, por si só, expressou
segundo o IPC-Fipe, atingir o patamar de 367,12%, Capitaneado pelo ministro Maílson da didaticamente o insucesso do plano.
levando à substituição, em janeiro de 1988, do ministro Nóbrega, o Plano mais uma vez se traduziu em um Plano Collor I
Bresser-Pereira por Maílson da Nóbrega. congelamento de preços, salários e câmbio. A elevada A posse do presidente Fernando Collor de
Nóbrega anuncia a retomada das negociações inflação e a intuição empresarial de mais um Mello, em março de 1990, abre uma das passagens
da dívida externa e uma política econômica“feijão com congelamento desta vez fixou os preços em um mais marcantes da sociedade brasileira. Eleito com a
arroz”, sem a adoção de pacote econômico hete- rodoxo, patamar superior e não garantiu reposições salariais pompa de“caçador de marajás”, com referência ao
mas sim com intervenções pontuais para evitar a efetivas. enfrentamento contra os altos salários nos cargos
inflação galopante. públicos, Collor entrou na história política do país com
Para enfrentar o déficit público foi proposto,
Se for considerado que as negociações para além do aumento da tributação, a privatização de um mandato pouco duradouro, visto sua renúncia, em
externas somente seriam levadas a termo em agosto algumas estatais e cortes nos gastos públicos, com a dezembro de 1992, motivada pelo desenrolar de um
de 1988, com um acordo não unânime com o FMI e exoneração dos funcionários públicos contratados nos processo de impeachment por denúncias de
que a inflação de 1988 atingiu o estratosférico últimos cinco anos, o que não foi aprovado pelo corrupção em seu governo.
patamar, de acordo com o IPC-Fipe, de 891,67%, Congresso Nacional. Talvez esteja no campo econômico, porém, sua
pode-se inferir que também as promessas iniciais não Outra marca do Plano foi a extinção da correção maior marca. Ao longo de seu mandato foram lançados
foram cum- pridas, muito pelo contrário, em janeiro de monetária, alicerçada na Obrigação do Tesouro três planos na tentativa de estabilização da econo- mia
1989 já era anunciado novo pacote econômico Nacional (OTN), o que na prática promoveu desajustes brasileira: Plano Collor I e II e Plano Marcílio. O
heterodoxo. no sistema financeiro, em especial nas Cadernetas de primeiro, lançado oficialmente no 1.º dia após a posse,
Poupança, com perdas estima- das em 20,37%, o que como Plano Brasil Novo, logo assumiu a denominação
Plano Verão de Plano Collor, pelo lado carismático do jovem
provocou uma enxurrada de ações na Justiça que se
O ano de 1989 se descortina no Brasil com o esten- dem até nossos dias, ou seja, mais de 20 anos presidente da República.
anúncio pelo governo de mais um novo plano sem uma solução definitiva. Sob a responsabilidade da equipe econômica
econômico, o quarto e último plano no mandato do De outro modo, a inflação de dezembro de capitaneada pela ministra da Fazenda Zélia Cardoso
presidente José Sarney: o Plano Verão. Mais três zeros de Mello, o Plano Collor I foi inovador e abrangente,
em especial se comparado aos infrutíferos planos a remonetizar a economia por artifícios de Em março de 1991 passa a vigorar o Código de
anteriores. A medida mais radical e impactante na descongelamento e a inflação, que havia arrefecido de Defesa do Consumidor e também é assinado o
sociedade brasileira foi o inédito enxugamento mo- início, volta a se agigantar, a ponto de fechar o ano de Tratado de Assunção, que cria o Mercosul. No mês de
netário, pelo confisco das contas correntes, da 1990 em 1.639,08%, segundo IPC-Fipe. maio daquele ano a ministra Zélia Cardoso de Mello
deixa o governo, sendo substituída por Marcílio
poupança e demais aplicações financeiras,3 com o Entre as críticas do insucesso do Plano, a
principal reside na forma de descongelamento dos Marques Moreira, até então embaixador do Brasil em
propósito de contrair a demanda pela simples
ativos monetários, que permitiram rapidamente a Washington.
insuficiência de instrumentos monetários.
recons- tituição do fluxo monetário por liberações
Entre o pacote de medidas ainda vale destacar a Plano Marcílio
legais. Na mesma direção, seguem sobre a ineficiência
substituição da moeda oficial, o cruzado novo para o
no ajuste fiscal pelo lado das despesas, em especial Embora chamado de Plano Marcílio, na
cruzeiro, na proporção de 1 : 1 (NCz$ 1,00 = Cr$ 1,00);
pela estabilidade do funcionário público, alicerçada na realidade não foi instituído ne- nhum plano mais
congelamento de preços e salários, reajustados
Constituição de 1988. elaborado, pelo contrário, o ministro Marcílio
posteriormente pela infla- ção esperada; criação do
Marques Moreira se utilizou de políticas ortodoxas para
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), inclusive
Plano Collor II regular a economia, com a liberalização do controle de
transações com ações e ouro; indexação das taxas e
Em janeiro de 1991, na tentativa de reverter o preços.
aumento dos preços públicos como energia, gás,
correios; adoção do câmbio flutuante e gradual momento da economia, foi lançado o Plano Collor II, Em suma, as medidas se resumiam a políticas
abertura da economia brasileira; eliminação de que consistiu em novo congelamento de preços e monetárias e fiscais de combate à inflação. Pelo lado
incentivos fiscais; extinção de institutos públicos e salários, desindexação da economia e elevação do IOF monetário, objetivou a contração da atividade
promessa de demissão de 360 mil funcionários para operações financeiras, o que ajudou a elevar as econômica pelas taxas de juros elevadas e, pelo lado
públicos. taxas de juros. fiscal, uma política também restritiva com contenção de
Para aguçar a concorrência e melhorar a gastos e elevação tributária, que culminaram em uma
O congelamento dos ativos monetários conduz
produtividade dos produtos bra- sileiros, e para conter forte recessão econômica, sem, contudo, vencer
a economia brasileira para um quadro de recessão,
a elevação dos preços, foram reduzidas as taxas de o“dragão” da inflação que, em 1992, atinge, de acordo
com redução da atividade econômica no comércio e
importa- ção. No conjunto da obra, os preços foram com o IPC-Fipe, 1.129,45%.
na produção industrial. As empresas passam a demitir
funcionários, levando ao aumento nas taxas de um pouco refreados, contudo, mesmo assim, a inflação A política de governo também foi marcada por
desemprego e muitas delas fecham. O governo passa de 1991 fechou em 458,61%, de acordo com o IPC-Fipe. um acordo com o Fundo Monetário Internacional, que
garantiria um empréstimo de US$ 2 bilhões, a serem lançado em 1994, e foi instituído em três etapas: O Plano Real foi efetivado na prática em julho de 1994,
liberados em seis parcelas, para recompor as reservas. primeiro a busca do equilíbrio fiscal do governo, com a troca de- finitiva da moeda, da URV para o real.
No pactuado, em contra- partida, mais medidas procurando eliminar de vez o histórico déficit público; Muito mais do que um simples plano de estabilização,
restritivas na economia para combater a hiperinflação. segundo a criação da Unidade Real de Valor (URV), o Plano Real fazia parte de um projeto maior, já iniciado
No final de dezembro, contudo o Congresso se instituída como uma nova moeda brasileira; e, em nos pilares do Plano Collor e à luz do “Consenso de
reuniu para aprovar o impeachment de Fernando terceiro lugar, conversão da URV em real, a moeda que Washington”, que se traduzia em um conjunto de
Collor de Mello, que renuncia momentos antes de o perdura até nossos dias. medidas neoliberais, assumido e imposto pelo FMI
Senado fechar a votação. Ele perdeu o mandato e teve Neste prisma, o Plano FHC atingiu seus objetivos desde 1990, para ajustamento macroeconômico em
seus direitos políticos suspensos por oito anos. de preparar a sociedade brasileira e a sua economia para países em desenvolvimento. Na essência, o consenso
recepção do Plano Real, o último e bem-sucedido de objetivava a liberalização das economias, com a redução
Plano FHC uma sequência de praticamente três décadas de da intervenção do Estado, ajuste fiscal, privatização de
intervenções na busca da estabilização da economia. empresas públicas e abertura externa, em especial para
Após o impeachment de Collor, seu vice, Itamar
Vale registrar ainda que, no ano de 1993, a inflação os fluxos de capitais.
Augusto Cautiero Fran- co, foi conduzido interinamente
como chefe de Estado e chefe de Governo em brasileira atingiu o patamar mais alto da história, com Assim, entrou em vigor o real, moeda vinculada
2/11/1992 e como presidente da República dia elevação dos preços em 2.490,99%, segundo o IPC-Fipe. ao dólar cuja emissão de novas quantidades estava
29/12/1992. No Ministério da Fazenda, sucedeu-se Em 28 de fevereiro de 1994, entra então em vigor a URV, condicionada ao volume de dólares existentes nos
uma verdadeira rotação após a saída de Marcílio na relação 1 URV cofres do Banco Central do Brasil. Inicialmente o real se

Moreira, visto que seu substituto, Gustavo Krause, = CR$ 2.750,00, que, por sua vez, cede espaço para o valorizou, suplantando as expectativas do governo e do
respondeu pela pasta no período de outubro a Real, em julho de 1994 na relação de 1 : 1 (1 URV = R$ mercado, a ponto de que cada dólar valia 90 centavos

dezembro daquele ano, cedendo lugar para Paulo 1,00). O ministro Fernando Henrique Cardoso entrega o de real. Em período curto retomou a programação
Roberto Haddad, que ficou até março/1993, quando Ministério da Fazenda em março de 1994 para Rubens inicial de que um dólar valeria um real.

assumiu Elizeu Rezende, que, por sua vez, já em maio Ricupero, contudo recebe a alcunha de “Pai do Plano Rapidamente o plano começou a produzir seus
daquele ano é sucedido no Ministério por Fernando Real”, o que lhe rendeu a eleição para a Presidência da efeitos na economia, pela efetividade das políticas
Henrique Cardoso. República, na qual foi empossado em 1º de janeiro de fiscal – geração de superávits públicos, monetária –
1995. controle da oferta de moeda e taxas reais de juros e
Na realidade, o Plano FHC se constituiu em um
conjunto de medidas para preparação do Plano Real, cambial/comercial – âncora cambial e abertura comercial
Plano Real
e financeira. A inflação passa a ser controlada, o real se e bancários, com forte participação do BNDES e do sucessões na Presidência da República.
fortalece, posto que ocorre um fluxo positivo de capital internacional. SEÇÃO 4.5
capitais estrangeiros, em especial pelos juros reais De outra forma, o governo sofreu com diversas globalização, Desafios e Perspectivas para o Século 21
acima dos praticados no mercado mundial e maior crises internacionais, mexi- cana em 1995, asiática em
abertura às importações, que, além de ajudar a segurar 1997, russa em 1998, o que provocou fugas de capitais, Embora o termo globalização tenha sido
os preços internos, força a indústria nacional a se levando o governo a expandir ainda mais os juros utilizado como um novo processo de abertura das
modernizar, para aumentar sua produtividade e ser reais internos, bem como a buscar mais um acordo economias a partir dos anos 90 do século passado, na
mais competitiva. com o FMI, com efeitos contra acionistas na atividade realidade as relações internacionais são mais alargadas
Neste cenário, o Plano Real avança em 1995, sob econômica e que foram insuficientes para conter o no tempo. Os registros históricos trazem relatos de
a batuta do presidente Fernando Henrique Cardoso: colapso cambial de janeiro de 1999, que força a intercâmbio cultural e comercial de alguns milênios a.C.,
ocorre redução acentuada dos níveis de inflação mudança do sistema cambial, com o abandono como a Rota das Sedas, que ligava Ásia, África e Europa.
(fecha o ano em 23,17%), ampliação da atividade definitivo da âncora cambial e a adoção do sistema Na última década do século passado o que se
econômica, com geração de empregos e a flutuante do câmbio. vivenciou foi um aprofunda- mento da integração
consequente redução do desemprego, crescimento internacional proporcionado pela expansão do
Apesar dos percalços, o Plano Real conseguiu conter a
da renda, redução da pobreza (por exemplo, o salário capitalismo na busca de novos mercados, estimulado
inflação e, desta forma, garantir um segundo mandato
mínimo recebe um incremento real, passando dos R$ pelo barateamento dos transportes e comunicações.
presidencial para Fernando Henrique Cardoso, então
70,00 para R$ 100,00, em maio daquele ano). Para frisar, o capitalismo é um sistema econômico que se
com a condução econômica, por meio de políticas
Em linhas mais abrangentes, o sistema macroeconômicas de curto prazo: monetária – regime ca- racteriza pela propriedade privada dos fatores de
bancário sofre com as mudanças a ponto de o Banco de metas de inflação; fiscal – metas de superávit produção, ou seja, os fatores utilizados na produção e
Central intervir em diversas instituições, forçando a primário; e cambial – sistema de flutuação suja, em que distribuição de bens e serviços são de propriedade
criação do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao o câmbio é livre, contudo com intervenções pontuais do dos indivíduos, das famílias.
Fortalecimento do Sistema Fi- nanceiro Nacional (Proer) Banco Central. Como a produção de bens e serviços ocorre
para evitar um colapso sistêmico. Ao mesmo tempo, o para atender às necessidades das pessoas, se
Esta forma de o governo intervir na economia,
governo passa a preparar um abrangente programa de descortina o palco para reflexão sobre o estágio de
com políticas efetivas de ajuste de curto prazo, sem,
privatizações de empresas estatais, especialmente nos desenvolvi- mento da sociedade contemporânea: para
contudo, um planejamento mais articulado de médio e
setores de energia, minérios, siderurgia, comunica- ções os grandes investidores, os países são vistos apenas
longo prazos, se sustenta até nossos dias, apesar das
como oportunidades de fazer bons negócios – ou de meios de produção à simples acumu- lação de capital. mundializa os mercados e a produção. Segundo
não fazê-los. Não se preocupam com o país em si – Neste contexto, o capital se reproduz onde melhor o Gonçalves,
sua soberania, sua história, o seu povo ou sua cultura. remunera, quer no mercado de ações e demais
Veem-no apenas sob a ótica do lucro (Brum, 2011). produtos financeiros, quer no financiamento de até o final dos anos 1980, havia fortes restrições, e
Estados Nacionais, via mercado de títulos e mercado de até mesmo proibições, quanto à importação de bens
Adam Smith, autor da obra A Riqueza das
câmbio. (por exemplo, automóveis) e serviços (por exemplo,
Nações, de 1776, que o tornou conhecido como o “Pai
turismo). Havia, também, limitações relativas à captação
da Economia”, já afirmava que “o consumo é a única A globalização e a regionalização operam
de recursos externos (por exemplo, não era permitido
finalidade e o único propósito de toda a produção”. dentro das regras da Organi- zação Mundial do
capital estrangeiro nas bolsas de valores brasileiras) e a
Assim, precisamos refletir: Por que dizem que o Comércio (OMC), da economia de livre-comércio,
investimentos de brasileiros no exterior. Ainda que a
sistema se mantém pelo consumismo? Por que será atendem às exigências da expansão capitalista e buscam indústria brasileira fosse uma das mais
que somos bombardeados, a todo momento, para trocar ampliar seus lucros e mercados. A crítica recorrente aos internacionalizadas do mundo, com expressiva
de celular, de computador, de televisor, de automóvel? avanços neoliberais aponta que vão se aprofundar as presença de empresas transnacionais, havia restrições
Qual o papel da moda na cadeia de produção do desigualdades sociais com o alargamento do abismo quanto à entrada de capital estrangeiro em diversos
vestuário? entre ricos e pobres, sejam indivíduos, regiões ou setores (bancos, energia elétrica, petróleo,
nações. telecomunicações, etc.) (2003, p. 91-92).
Necessário se faz uma reflexão sobre quais
realmente são as necessidades humanas. O sistema Os blocos econômicos são uma face da
atualmente nos conduz para a condição de “trabalhar globalização, pois, para a inser- ção na competição Assim, a abertura do mercado brasileiro, que se
para viver”, mas será que não está ocorrendo uma internacional, são necessários volumosos intensificou a partir de 1990, possibilitou o ingresso de
inversão e estamos na condição de “viver para investimentos em pesquisa, propaganda e tecnologia, bens de consumo e de produção, viabilizado pela
trabalhar”? Será que atualmente também não se tornando-se o mercado um fator decisivo. Os redução dos impostos de importação. A entrada de
avançou na de- pendência do sistema pela questão mercados nacionais tornaram-se pequenos demais máquinas e equipamentos industriais de última
financeira? diante dos investimentos necessários para a geração favoreceu a modernização do parque
competição globalizada. industrial brasileiro, aumentando a sua capacidade
A globalização entrou neste jogo como um
Neste contexto da globalização, o Brasil competitiva, mas de outro lado elevou os índices do
fenômeno do capitalismo, que assumiu a roupagem
acentuou a sua participação a partir da década de 90, desemprego estrutural. Além disso, contribuiu para a
de“financeiro”, visto que a centralidade do sistema se
em que avança o seu processo de abertura econômica, falência de algumas indústrias nacionais, que tiveram
afas- tou da produção, ou melhor, subordinou os
dificuldade de incorporar tecnologia e fazer frente a Asiáticos nos anos 90, até culminar na grande crise apresenta a evolução na balança comercial brasileira,
este novo cenário. Certamente esse quadro seria imo- biliária americana de 2008, que ainda se reflete em em temos de exportações e importações de bens no
diferente se o Brasil estivesse produzindo os crises de Estado, em especial na Grécia e em outros período 1989-2012, com destaque especial para o
equipamentos importados, mas para tanto seria países europeus. crescimento do agronegócio exportador brasileiro, para
necessário ter investido antes em educação e pesquisa. marcar a importância econômica destas atividades
Emerge o chamado Brics, composto por países
Neste contexto, como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que primárias. Resta registrar, todavia, o avanço de outros

muito avançou no seu processo de desenvolvimento. produtos exportados, em especial manufaturados, e


as relações internacionais são marcadas por interesses,
O mundo move-se em oposição ao unilateralismo. Os representados pela diferença gráfica entre a coluna das
em função dos objeti- vos nacionais de cada país. Outra
países participantes do Brics enfrentaram bem a crise exportações totais e a linha do agronegócio.
marca cada vez mais evidente no mundo de hoje é a
interdependência. Há que se distinguir, no entanto, de 2008/2009 e, pela crise no Primeiro Mundo Os indicadores permitem facilmente observar a
entre interdependência vertical e interdependência começam a ser vistos como alavancas do crescimento ampliação do comércio internacional (exportações +
horizontal. A interdependência vertical é inaceitável, se econômico mundial. Talvez essa crise financeira de importações) que no ano de 1989 não somavam 50
funda na desigualdade e implica subordinação, que 2008/2009 seja um indício do processo de deterioração bilhões de dólares americanos e que, em 2012,
impede o efetivo desenvolvimento e a participação da economia norte-americana, o que, se confirmado, ultrapassaram a casa de 450 bilhões de dólares, o que
igualitária nos processos decisórios de caráter geral. É deve promover alterações importantes nas relações representa um expressivo aumento de mais de 800%
preciso atuar no sentido de substituir a interdependência internacionais. em apenas duas décadas.
vertical, onde ela existir, por uma interdependência
De forma mais específica, vale lembrar que o Da mesma forma, como já destacado, a
horizontal, baseada na cooperação e em
Brasil entrou neste contexto à luz do Consenso de globalização trouxe para o cená- rio internacional outros
oportunidades econômicas e culturais equitativas, e
Washington, no início dos anos 90, com a abertura do atores, produtores e consumidores, que influenciaram
que supõe a igualdade e parte da independência (Brum,
Plano Collor e se integrou definitivamente com a decisivamente no comportamento da economia
2006, p. 85).
instituição do Plano Real, liberalizando sua economia, mundial, em especial de países asiáticos. Nesta linha, o
A lógica da abertura das economias nacionais privatizando empresas públicas e promovendo a gráfico também permite visualizar que as exportações do
ao mercado mundial e da financeirização da economia, abertura externa, em especial para os fluxos de capitais. agronegócio brasileiro contribuíram fortemente na
no fim da guerra fria e ascensão do unilateralismo, alavancagem do comércio externo brasileiro, em
O Gráfico a seguir dá ideia dos resultados
produziu diversas crises mundo afora nas últimas especial pela entrada forte da China no mercado, como
desta inserção internacional do Brasil, uma vez que
duas décadas, desde as do México, Rússia e Tigres grande comprador de commodities agrícolas. Em
contrapartida, somos bombar- deados diariamente com internacional, considerando que o sistema cambial indicar que o contexto recente aponta para outros
a oferta de produtos chineses manufaturados e, com brasileiro está livre, determinado pelo mercado desde indicadores consistentes, que pavimentam o futuro do
epígrafe, “muito baratos”. 1999, que o comércio internacional cresceu país, como o indicativo de que os três setores
O peso das importações de manufaturados substancialmente nas duas últimas duas décadas e que econômicos – primário, secun- dário e terciário –
verifica-se pela diferença entre a coluna de importações o volume de reservas supera a dívida externa, não se conformam uma diversidade de atividades
totais e as importações do agronegócio. Em um pode negar que o país, na ótica das contas externas, econômicas que garantem certa maturidade produtiva
recorte específico, os dados também permitem resultou beneficiado pela libera- lização econômica ao país em todas as áreas.
visualizar que, retiradas as exportações e importações processada a partir do início dos anos 90. Em Em simplificação para fins didáticos e a
de produtos primários, o país importa um contingente contraponto, o incremento nominal da dívida externa e exemplo do uso pelo Censo Agro- pecuário de 2006,
importante de produtos manufaturados, em especial o ingresso de capitais no setor produtivo são fortes pode-se caracterizar o setor primário pela estratificação
se comparados com os equivalentes exportados. desagregadores de rendas na balança de serviços, via em dois grandes recortes: agricultura familiar e
juros e lucros, fatores que agudizam a histórica estrutura agricultura não familiar. A primeira, de pequeno porte,
Por outro lado, o endividamento externo, que foi
brasileira de dependência externa. diversificada, de produção intensiva geralmente voltada
centro de debates acalorados no passado recente,
4.4.1 – DESAFIOS E DILEMAS DO SÉCULO 21 para o mercado interno, trabalha na lógica da
como uma das vulnerabilidades da economia
brasileira, para surpresa geral evoluiu positivamente. Em outra dimensão, com olhos voltados para a reprodução das famílias, enquanto que a segunda, de
De acordo com os dados do Banco Central, as reservas economia interna, pode-se indicar que o “dragão” da alta produção e produtividade, em amplas áreas,
internacionais, no conceito de liquidez, totalizaram US$ inflação, figura ilustrativa que é utilizada para geralmente vol- tadas para o mercado externo, opera na
376,90 bilhões em outubro de 2013, ante um estoque caracterizá-la, está de certa forma “domado”. Vale essa lógica da reprodução capitalista.
da dívida externa de US$ 311 bilhões no mesmo mês, referência para ressaltar a eficiência da política de metas Os avanços introduzidos com a modernização da
o que permite sinalizar certa robustez diante do de inflação, apesar do “duro remédio” de centrar na agricultura iniciada em 1950 continuam. Prova disso é
cenário internacional. A crítica recorrente é que esse taxa de juros para controlar a demanda por bens e que entre 1990 e 2004 a área plantada com grãos
desempenho das reservas não se deu pelo comércio de serviços, o que nos conduz à prática das mais elevadas aumentou 24% e a produção teve um crescimento de
mercadorias, mas, sim, pelo ingresso maciço de taxas de juros reais no mundo e limita uma maior 108%. Isso tornou- se possível devido à incorporação
capitais financeiros, via balança de capitais. expansão econômica. de máquinas sofisticadas e novas técnicas de
Em suma, apesar das conturbações no cenário Na mesma linha, “apesar dos pesares” pode-se produção, que contribuíram para a redução do
desperdício e para o aumento da produtividade. Até na Ao analisar a balança comercial do fruto da Engenharia Genética, que permite
pecuária podemos constatar o reflexo da agronegócio, constatamos que o Brasil ainda é redesenhar organismos animais e vegetais e colocá-los
modernização, pois se reduziu pela metade o tempo dependente do exterior, seja em bens de capital – à disposição da agricultura e da sociedade.
de abate do gado bovino e aumentou máquinas e imple- mentos –, seja em produtos
Além desses, temos outros desafios a serem
significativamente a capacidade de produção das intermediários – fertilizantes e defensivos –, todavia é enfrentados, como o pro- blema ambiental, uma vez
vacas de leite, além de ter diminuído de 60 para 42 superavitário nos demais setores, ou seja, nos produtos que os agrotóxicos aplicados em doses exageradas
dias o tempo de abate dos frangos. da agropecuária e da agroindústria. contribuem para o desequilíbrio do agroecossistema
O agronegócio está voltado prioritariamente Nesse sentido, o agronegócio brasileiro mostra- com o surgimento de novas espécies de pragas, devido
para os interesses da gran- de propriedade, em boa se com forte competitivi- dade internacional, à extinção de inimigos naturais. Por exemplo, o Brasil
medida àquela que consegue incorporar os avanços basicamente devido ao progresso técnico e à está sendo considerado líder no ranking mundial em
tecnológicos, muitos deles importados, e que se volta observância das exigências sanitárias impostas pelo recolhimento de embala- gens vazias de agrotóxicos.

principalmente para a exportação. Nesse propósito é mercado externo. Isso requer a identificação e Segundo o Instituto Nacional de Embalagens Vazias

importante ampliar o mercado consumidor desses rotulagem dos produtos agropecuários, de modo a (Inpev) os Estados com maior índice de recolhimento são

possibilitar o rastreamento e a comprovação de sua Bahia, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Maranhão e
produtos. A China, por exemplo, será por um bom
Rio Grande do Sul. Ainda de acordo com o Inpev, o
tempo o destino dos produtos brasileiros, pois a origem. Esses fatos exigem um novo perfil de produ-
índice de retirada de embalagens vazias de
metade da população daquele país ainda não está tores, principalmente com novos conhecimentos na
agrotóxicos do meio ambiente é de 50% do total
incluída na dinâmica do consumo ocidental. produção, na gestão e na informação de mercado.
comercializado no Brasil, enquanto nos EUA é de
Além dos produtos tradicionais, outros vêm Como garantir isso ao agricultor?
cerca de 25%.
sendo incorporados à pro- dução agrícola brasileira e Quantas mudanças provocadas pelo avanço da
Na mesma direção, é primordial a continuidade
alguns deles, antes destinados à subsistência, são tecnologia! Estaria mesmo acontecendo a segunda
de políticas públicas com vistas à viabilidade da
cultivados empresarialmente, visando ao mercado tanto Revolução Verde, conforme defendem Brum e
agricultura familiar. Em número de estabelecimentos
interno quanto externo. Entre as possibilidades de Trennepohl (2004, p. 68)? A segunda“Revolução Verde”,
agrícolas ela é a mais expressiva, garante o sustento de
diversificação se destacam: as frutas frescas, a floricul- que ora estaria em curso segundo os autores,
um contingente elevado de famílias, distribui renda e
tura, a piscicultura e a pecuária. caracteriza-se pela possibilidade de criar e produzir
gera postos de trabalho, mostrando-se de grande
novos produtos com base em inovações tecnológicas,
importância para um país como o Brasil, que precisa preços. terciário foi influenciado pelo novo padrão de
incluir pessoas. A abertura comercial e a valorização da moeda consumo, de técnicas de produção e orga- nização

Ninguém ousa negar que o país avançou na nacional abateu parte da indústria brasileira, em especial econômica, de uma sociedade urbanizada e cada vez

produção agropecuária nos últimos anos, consolidou-se aquelas atividades intensivas em mão de obra. É mais globalizada.

como um celeiro agrícola amplamente diversifica- do, inegável, entretanto, a modernização do parque fabril Por exemplo, em 1980, no setor bancário o número
que o debate sobre reforma agrária arrefeceu, que o brasileiro com o avanço na produtividade da indústria de agências e postos de atendimento avançou de
êxodo rural não é mais tão intenso e que é inegável nacional na maioria dos setores. A crítica recorrente 21.500 para 42.000 no início do século 21; já o número
que o avanço da tecnologia disponível e utilizada recai, em especial, nos limites energéticos e de de bancários passou de 765.000 para 400.000.
resultou em ganhos de produtividade em todas as infraestrutura, no montante do capital estrangeiro no Ainda para ilustrar, a partir de 1995
culturas. Programas estatais de financiamento e o setor manufatureiro, na falta de investimentos para a intensificaram-se as transações ban- cárias pela Internet,
comportamento dos preços das commodities ampliação do parque fabril e na insuficiência de recursos passando de um volume, em reais, de 38,7 milhões para
agrícolas beneficiaram o setor. Os aspectos centrais investidos em pesquisa para o desenvolvimento de 6,2 bilhões, somente entre os anos de 1998 e 2006.
do contraponto crítico recaem no excesso de novas tecnologias. A crise econômica iniciada em 2008 também
tratamento químico na produção e na conformação Já o setor terciário, representado pelas garantiu maior relevância ao setor de serviços, pois foi
genética das sementes. atividades do comércio e dos ser- viços, foi o que mais beneficiado pelo aquecimento do mercado interno. Um
A indústria brasileira, por sua vez, diversificou-se cresceu relativamente nas últimas décadas, o que pode estudo coordenado pelo economista Fabio Berte
tanto na produção de bens duráveis quanto de não ser considerado um avanço na maturidade (2013), produzido pela Confe- deração Nacional do
duráveis, embora espacialmente ainda continue muito socioeconômica do país, haja vista sua importância na Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), destaca que
concentrada na região Centro-Sul. O setor é responsável geração e distribuição de renda e riqueza, de alocação de antes da crise 72,6% dos trabalhadores brasileiros
pela transforma- ção de matérias-primas em produtos mão de obra e, por consequência, na elevação do encontravam-se empregados no setor terciário; já em

industrializados, possui forte capacidade de agregação padrão de vida da população, pelo acesso a bens e 2013 se avançou para 76,1% dos postos de trabalho.

de valor, entretanto é caracterizado pela presença serviços diversificados. Assim sendo, esta ascensão do setor terciário
importante de multinacionais, que operam em uma ajudou a esculpir nos úl- timos anos a conjuntura
De início, as atividades terciárias de
estrutura essencialmente oligopolizada, o que confere econômica brasileira, em especial pela comprovação
desenvolvimento atendiam funções complementares,
“poder” de manipulação do quantum de produção e dos de que o setor foi o principal responsável pelo recorde
bastante heterogêneas. Com o passar dos anos, o setor
histórico de geração de empregos formais, com reflexos
na geração e distribuição de emprego e renda. Este Por fim, em termos macroeconômicos, três
desempenho, todavia, esteve também alicerçado em boa Já a queda brasileira se dá nos anos 2000. Após 30 temas sempre foram recor- rentes na economia
parte por políticas públicas, como a valorização do anos de alta desigualdade inercial, o Gini começa a brasileira: inflação, desempenho das contas externas
salário mínimo nacional e a eficiência econômica dos cair em 2001, passando de 0,61 a 0,539 em 2009. e crescimento econômico. Na conjuntura econômica
programas sociais de transferências de renda, que Ambos os valores são muito próximos dos níveis atual, para o país avançar no seu processo de
garantiram ganhos reais de poder de compra. observados no mundo perto daquelas datas. A escala desenvolvimento, esse último se apresenta como o
das distâncias internas entre brasileiros é como uma
Na mesma direção, a expansão do crédito nos “tema de casa” que continua “em aberto”.
maquete, similar àquelas observadas entre diferentes
últimos anos foi outra vari- ável econômica importante,
nações do mundo. Se o ponto de partida e o desfecho
que se refletiu diretamente no consumo das famílias e, da desigualdade brasileira e mundial se equivalem, o
por consequência, no dimensionamento do PIB. O Brasil não é apenas a foto, mas foi também o filme do
crédito se expandiu em praticamente todos os mundo na alvorada do novo milênio. A saga dos
setores, desde bens de consumo até financiamentos chineses e indianos rumo a melho- res condições de
de imóveis, dinamizando as atividades econômicas e vida é a similar de analfabetos, negros e nordestinos
contribuindo na mobilidade social positiva. (Ipea, 2001-2011, p. 4).
Apesar dos avanços na área econômica, no
Para se avançar nestes processos de inclusão,
entanto, estamos ainda dis- tantes do mundo
todavia, necessário se faz aumentar a potencialidade
desenvolvido, principalmente em termos de equidade
da economia em produzir bens e serviços, pois de
social. O livro Atlas de Exclusão Social – Os ricos no
nada adianta distribuir renda sem ter uma oferta
Brasil (Campos et al., 2004) indicava que “somente 5 mil
equivalente de bens e serviços disponíveis aos “novos
clãs apropriam-se de 45% de toda a riqueza e renda
compradores”. Em outras palavras, o desafio é distribuir
nacional, embora o país tenha mais de 51 milhões de
renda e aumentar a produção.
famílias”.
Na atualidade propagam-se como obstáculos
A concentração de rendas no país continua
ao crescimento econômico, como limites ao avanço da
uma das mais perversas do mundo, todavia o índice de
produção, em especial a infraestrutura, a capacidade
Gini, que mede concentração, segundo estudos, está
produtiva instalada, a qualificação da mão de obra e os
timidamente cedendo:
investimentos em ciência, tecnologia e inovação.

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