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RETBATO§ DO BR,ASIL OCTAVIO IANNI

uolunxe Lg

(No Íim do volume se encontrará a relação


completa dos títulos publícados nesta coleção.)

II\DUSTRIALTZLÇÃO
E DESEI\VOLVIMEI\TO SOCIAL
I

NO BRASIL

EDITÔRA CIVIIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.


RIO DE JANEIRO

ü .*!
Y

OBRAS DO AUTOR

As Metamorloses do Escrauo (Apogeu e crise da escravatura no


Brasil Meridional), Difusáo Européia do Livro, Sáo Paulo, 1962'
EM coLABoRAçÃo cou FERNAND0 HENRTQUE CARDoso:

Homem e Sociedcíde (Leituras lrásicas cle sociologia geral), Çom-


panhia Editôra Nacional, Sáo Paulo, 1961,
Côr e Mobitid.ad.e Social em Florianópctlis, Companhia Editôra
Nacional, Sáo Paulo, 1960"
EM PITEPARO:

Raças e Classes Sociais no Bro,sil'


O Estad,o e o Desenuolaimento Econômico do Brasil.

Exemptar ,Ità 0 B i;9


.

direitos desta ediçáo reservados à


Enrrône Crvrr,rzeçÃo Bnesrr,nrne S. A
Rt+a 7 de Setembro, 97
RIO DE JANEIRO A
I
Constanttno lanní
e
1963
Impresso nos Estados Unido§ do Erasil
Enio Silaeira
Printed, tn th.e United States DÍ Brdail

)
proiundas, cu.ios {eitos criadores nêm sempre sáo predo-
minanl.cs ou tendem a prevalecer. É o que se verifica, em
llalticullrr, no âmbito do ensino. A maneira pela qual êsse
r:ornllorrr,rr1.e cio sistema social se encontra inserido no todo
rl iÍicull.l a sua completa renovação. Em conseqüência das
rrrrr<larrq:a5; s«rciais verificadas na sociedade global, tem-se
vcri Í'icado uma espantosa acentuação da resistência dos
CAPITULO XIV 1, iricais tradicionais de ensino, em contraposição às exigên-
r:ias nascentes com a industrializaçáo e a democratização
da sociedade nacional. Essa situaçáo, no entanto, náo deve
ser encarada como "anormal" ou "indesejáve1", abrstrata-
EDUCAÇÃO E MUDANÇAS SOCIAIS (x) mente, ainda que ela seja nociva ao desenvolvimento de
certas tendências possíveis da sociedade. Em verdade, o
revigoramento de determinadas tradições educacionais
1. Introdução não é simplesmente uffr fenômeno vinculado ao conservan-
tismo de grupos sociais ligados à civilização agrária pre-
dominante anteriormente, mas um efeito itnevitável da
A sociedade brasileira presentemente redefine os seus reorganização do sistema social, onde se constituem novas
principais segmentos institúcionais, procurando adaptá-Ios e mais complexas formas de dominação e onde, necessá-
às condições mínimas requeridas pelas mudanças que se riamente, as instituições que cristalizam ou preservam
verificam em seu interior. Em graus diversos, as transf,or- privilégios precisam ser mantidas, redefinidas ou criadas.
mações se manifestam em tôdas as esferas do sistema so- E a escola se encontra nêsse caso. Como instituição ligada
cial (econômica, política, jurídica, educacional etc.), rea- às possibilidades e limites da socializaçáo, ela não poderia
iizando uma subversáo completa das bases tradicionais ou deixar de ser reformulada, ao constituir-se a estrutura so-
produzindo tensões entre as formas geradas pela civiliza- sietária de classes, nos moldes das relações de dominaçáo-
ção agrário-comercial e aquelas emergentes com a civili- subordinaçáo de tipo racional.
zação industrial. Enquanto em determinados setôres a so- Assirn se explicam alguns aspectos importantes do
ttdilema" edulcacional brasileiro. Nesses têrmos, a escola,
ciedade consegue reformular amplamente as bases da
organização das atividades humanas, produzindo-se am- que poderia parecer, a uma anáIise menos exigente, como
plas inovações ou verdadeira subversão das práticas tra- algo com potencialidades democráticas, se apresenta or-
ganizada de conformidade com requisitos que não permi-
dicionais, em outros, no entanto, ela náo consegue senáo
tem a realização de ideais efetivamente democráticos. Ou
escassos resultados, criando-se dilemas graves para o con-
junto do sistema. Nestas esferas emergem tensões às vêzes melhor, ainda que ela seja uma instituiçáo com amplas
virtualidades naquele sentido, em realidade se encontra
(") Neste altigo estão reunidas as reflexões desenvolvidas pelo estruturada de acôrdo com valôres predorninantes em uma
âutor nas comunicações apresentadâs no Seminú,rio sôbre ReÍofind Uni- sociedade estratificada em classes, onde, portanto, a de-
uersitdria, promovido pela Uniáo Estaduâl dos Estudantes, em Sáo mocratização encontra limites estruturais intransponíveis.
Paulo, a 30 de abril de 1961, e no f.o Sem.inálio Naciono,t d,e R'eÍorrnd' Essa situaçã,r pode ser exarninada a partir de elementos
Unioersitdria, realizado pela Uniáo Nacional dos Estudantes, em Sal-
vadox, a 24 de maio de 1961. A Lei 4.024, que fixa as Diretrizes e vários, oferecidos pelo próprio sistema de ensino em vigor.
Bases da Educaçáo Naeional, aprovada em dezembro de 1961, em nada A maneira pela qual estâo abêrtas as oportünidades de
afeta o significado destas considerações. escolarização aos jovens interessados no ensino superior,

192 193

t
por exempl.o, é uma excelente amostra de eo no a escola
tende a preservar-se como privilégio de classe; ou seja, Sómente nos últimos anos é que parcelas mais am-
como um dos instrumentos de manutençáo da sociedade plirs da sociedade brasileira vêm adquirindo a consciência
de classes. Nêsse sentido, a democratizaçá,o plena do ensi- rlcssa questão. Do amplo debate em tôrno da reforma do
no se torna antes um ideal abstrato que uma possibilida- sisl,cma educacional brasileiro, iniciado eom a revoluçáo
, de real. Conscientes dessas limitações concretás, contudo, rlc 1930 e revigorado depois de 1945, apenas nos anos re*
lutar pelo progresso da democr atizaçáo da escoia é 1utar clcntes é que se começaram a colocar de modo claro certos
pela destruição ou redução de alguns dos obstáculos ao pL'oblemas econômico-sociais subjacentes ao problema.
progresso tla democratizaçáo da sociedade global. É que Isto se deve, de üm lado, à Íormaçáo e difusão da consci-
a escola não é apenas uma das vias de acesso de pessóas ôncia democrática em setôres cada vez mais extens'os das
a determinadas posições sociais; ela pode, também, ser classes média e proletária brasileiras; e, por outro, ao au*
transformada num instrumento de progresso da sociedade mento numérico dos membros dessas mesmas classes, eu-
global. jos jovens sáo levados a desejar mais instruçáo. À medida
que se dilatam as áreas da sociedade nacional alcançadas
Nos têrmos em que está colocada a questão, pois, as pela urbanizaçáo e Índustrializaçáo, crescem as exigências
tendências desejáveis de renovação educacional seráo fo- de escolarizaçáo e aumentam os contingentes que selecio-
calizadas em conexão e como expressão das possibilidades nam a educação como técnica de profissionalizaçáo e via
e limites da democratizaçáo da vida social brasileira, en- de ascensáo social.
tendendo-se êste processo como manifestação significativa
de mudanças sociais positivas. Assim, as transformações Como vemos, as condições econômico-sociais do estu-
possíveis da escola seráo vistas à luz das expansões pro-
,
dante universitário sómente se tornam um problema po--
que a sociedade é um sistema de, classes, isto é, uma so-
váveis da democracia no País.
ciedade em que os homens se apropriam diferencialmente
do produto do trabalho social. Ern outras palavras, os pro-
blemas econômicos e sociais de certa parte da juventude
2. Educagão e privilégios de classe se colocam corno tais porque se torna cada vez mais dese-
jada a expansão das oportunidades de escolarizaçáo, pre-
Alguns dos princÍpais obstáculos ao ingresso nos cur- cisamente por grupos sociais que náo possuem as condi-
sos superiores ou à carreira do estudante universitário se ções econômicas mínimas, que thes permitam freqüentar
ligam às limitações do sistema público de ensino, que, da escolas. A democratizaçáo do ensino, pois, além dos obstá-
mesma forma que o privado, também é seletivo, pois que culos opostos pelas condições internas ao sistema escolar,
não está organizado para atender às condições econômi- esbama com as possibilidades econômicas restritas ou nu-
cas dos jovens de certas camadas sociais. Precisamente las das classes médias e operárias. Em suma, excluidas a
neste ponto-é que se encontra um dos principais empeci- burguesia, cujos filhos podem freqüentar estabelecimentos
lhos à verdadeira democratização dêsse segmento insti- privados, e uma parte da classe média, cujos membros não
tucio_nal, porquanto as possibilidades de escolarizaçáo ofe- podem matricular-se senáo nas escolas públicas, porque
recidas pelo sistema de ensino flLperior ainda nãb estão gratúitas, ficam fora da escola os jovens de grande parte
orientadas no sentido de resolver as limitações econôrni- da classe média e de todo o proletariado, que não possuem
cas das famíIias "pobres", cujos jovens são dotados inte- as condições econômicas mínimas para cursar sequer a
lectualrnente para o magistério, a pesquisa científica ou escola pública.
Essa situação é devida à relutância do poder público,
outras atividades que exigem formação universitária.
vinculado a grupos dominantes conservantistas, em ex-
194
195
pândir as opol:tunidades escolares a setôres mais amplos va; ()t.r nao voll,am aos exames, se não podem enfrentar
da população. Veja-se, por exemplo, o que ocorre em âli cr.rvolrrirlrs; peln reinício cia preparacão reque-
rlc"rip<-':;rrs;
alguns râmos do ensino superior, cujos vestibula.res reve- rldir para as osur.lisas vagas.
lam uma alta discrepância entre o contingente de candi' 1'rlr isso a expansáo quantitativa da rêde escolar, mes-
dos quais com preparo satisfatório para mo quc I'ôsse levada a efeito em escala mais ampla, náo
datos
- muitos
ingressar nas faculdades e o coeficiente de aprovaçáo poclcliir trtcndcr às verdadeiras exigências da democrati-
ró que nos revelam os -
daclos da tabela seguinte. za(:ilo, l,ois ficariam à margem os jovens cujas Íamílias
L* ni-ro [)ossr.rcm recursos senáo para a própria manutenção.
OPORTUNIDADES DE EDUCAÇÃ'O SUPEII,IOFT (1) Nadrr, otr muito pouco, se tem feito para trazet para as
univcrsiclades os jovens da ciasse média e do proletariado,
nnasrr,, 1959
quc precisam, se náo participar do orçamento doméstico
com seus vencimentos, ao menos devem trabalhar para
o/o de aproaaÇdo nranter'-se, pois que as suas famílias já não podem produ-
Ranlos de Ensi.no no§ eÍanxes 'zir cl suficiente para mantê-los "improdutivos". E assim
aestibulares
ampios contigentes da juventude ficam à margem da es-
t:ola, sern poder alcançar nível maÍs elevado de profissio-
Agronomia 40,3 nalizaçáo e dar, à sociedade e a si, uma contribuiçáo mais
Veterinária 39,9 Iecunda.
Arquitetura 21,0
23,6
Mas essa questão se torna ainda mais séria quando a
Engenharia
Farmácia 49,9 ligamos a outras "variáveis'', além da situação de classe
.Medicina 15,9 acima caracterizada. Quando a focalizamos em têrmos da
Odontologia 43,5 distribuição desigual da renda nacional pelas regiões e se-
Ciências Econômicas, Contábeis e 58,5
gundo a concentração das oportunidades escolares em
"Atuariais 42,5 áreas privilegiadas, entáo os problemas econômico-sociais
Direito
Filosofia, Ciências e Letras 60,4 do estudante universitário se tornam ainda mais graves.
Em certas regiões do País, pelo que se pode avaliar ao
TOTAL 36,5 exame dos coeficientes apresentados na tabela abaixo, as
oportunidades educacionais de nível superior são restri-
tas e provàvelmente apenas podem ser desfrutadas pelos
Em poucas palavras, conseguiram aprovaçáo-em 1959
jovens cujas condições de vida lhes possibilitem o lazer
apenas 3-6,5 dos-candidatos inscritos nos vestibulares dos
suficiente para se preparâr para as escassas vagas dispo-
.ü"tot superiores; ou seja, êsse é o coeficiente necessário níveis. Em 1950, nos estados nordestinos, por exemplo, on-
para preôncher a maior parte das vagas- disponíveis na de está localizada cêrca de 24% da população nacional, a
época. Dêsse modo, anualmente milhares de jovens -
po-
matrícula geral nas escolas de nível superior concentra-se
dãriam formar-se nos anos seguintes ficam fora
das
escolas, à espera de outras -
oportunidades, quando possuem em tôrno de 17% do total do País. Por outro lado, nos es-
tados do centro-sul, onde se encontra 36/o da populaçáo
alguns'r"cuisos para arcar õom os ônus da nova tentati- brasileira, os estudantes trniversitários reunem B1o/, da
(1) Cf. AntÉnrco BARBosa DE oLTVEIBA e JosÊ ZacÁnrÃs SÁ Crn- matrícula nacional.
vALEo, Á Formo,çdo d,e Pessaol d,e Níuel Superior e o Desmaol:ttlmento i
Econônlieo, ediçáo da Ca,mpanha Nâcional de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível §uperior, Rio, 1960, pág' 34.

196 197
I

POPT1LAÇÃO E OPORTUNIDADE§ NO ENSINO §UPERIOR, lução parece válida. Todavia, quando encaramos a questão
BRASTL, 1950
com vistas mais largas, começam a surgir as dúvidas e os
seus aspectos negativos se manifestam. Deixando-se de
PoptLlacíío total (2\ Matrícula Eera.l (3) Iado as alterações do níve1 do ensino nos cllrsos diurno e
Regiões Fret1. ctbsoluta % Íreq. obsolutu % noturno, vejamos como o jovem se ttbeneficia" com aulas
ministradas à noite. De fato, agora êle poderá freqüentar
Norte 1 . 844. 655 4 668 2 uma escola superior, após o seu trabalho diário, que o
Nordeste t2.494.477 24 4 447 11 provê dos recursos para a própria manutenção. Abriu-se-
Leste 18.893.007 36 2 080 6
the uma oportunidade inexistente há alguns anos. Mas,
Centro-Sul 18.712.258 36 30 194 B1
qual é o rendimento de um ensino recebido nessas condi-
ções? Como aproveita, à pessoa que trabalhou oito horas,
TOTAL 51 .944.397 100 3?.584 ' 100 o ensino ministrado à noite, durante quatro horas segui-
das? É inegáve1 que, nessas condições, é reduzido o ren-
dimento do aprendizado. Há uma falsa democratizaçáo por
Essa é a situação geral em face da qual se acha o es- trás do ensino ministrado a êsses trabal,hador,es-estudsn-
tudante universitário, para a quai não se tem aventado úes. Apesar ,úo esfôrço que eada um pode desenvolver, e
solução. A única alternativa que âs autoridades oferece- realmente tem interêsse em desenvolver, no sentido de
ram até agora, para os jovens das classes média e operá- associar o trabalho diário : muitas vêzes física e intelec-
ria, sáo os czrp'sos noturnos inaugurados há poucos anos. tualmente cansativo com a freqüência noturna à esco-
Essa é'a forma pela qual se pretende pôr à disposição da- la, náo se pode negar- que o que se está fazendo é uma
quela parte da juventude vagas nos cursos superiores. espoliaçáo disfarçada do jovem. Depois de vender a sua
Dêsse modo "democratiza-se" o ensino. Mas, será esta fôrça de trabalho durante horas seguidas na emprêsa, a
uma maneira realmente correta de reconhecer-se o pro- sociedade lhe oferece a "oportunidade" de frequentar uma
blema, resolvendo-o? Em têrmos do poder público, sim, escola noturna, que nem sempre pode ser encarada co no
pois que com as mesmas instalaçóes, os mesmos corpo do- uma conquista democrática, pois que the exige um esfôrço
cente e pessoal administrativo, acrescidas algumas despe- suplementar, acima do que é socialmente admitido' para
sas suplementares, duplicam-se aritméticamente as opor- jovens de outras camadas.
tunidades de escolarizaçáo. Visto da perspectiva contábil,
que é, aquela em que se colocam os administradores, a so- Em linhas gerais, êsses sáo alguns aspectos das con-
dições econômico-sociais de grande parte dos que preten-
(2, Cf . Anud,rio Estatístico iln Brasil, 195?, ediçáo do rscp, Rio dem tornar-se ou sáo estudantes universitários no Brasil.
de Janeiro, 195?, pág. 31. As regiões brasileiras estáo assim constituÍ- De um lado, a situação de classe lhes tolhe a possibilida-
das: Norte: Rondônia, Acre, Amazonas, Rio Branco, Pará e Amapâ; de de freqüentarem âs universidades. De outro, abrem-se-
Nordeste: Maranháo, PiauÍ, Ceará, Itio GÍande do Norte, Paraíba, thes os cursos noturnos, como uma forma "democrática"
Pernambuco, Alagoas e Fernando de Noronha; Leste: Sergipe, Bahia,
Minas Gerais, EspÍrito Santo, Rio de Janeiro e Guanabara; Cenfuo- de escolarizaçá,o. E assim se cria o trabalhador-estudante,
Sul; Sáo Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato que deverá desenvolver um esfôrço redobrado para rece-
Grosso e Goiás. ber um dipioma.
(3) Cf. Fr,onrsraN FERNANDEs, "Dados Sôbre a Situação do En-
sino", -Rcoi§ra Brasilietuse, Sáo Paulo, 1960, N.o 30, páss. 67-138, qua- Diante de rúna situação como essa, absolutamente in-
dro II. satisfatória, as condições presentes da sociedade brasileira
Í98 199
parecem permitir âpenas soluções parciais. Partinclo-.qe 3. Oufros l"imites à dernocratização do eusino
dos fundamentos econômicos da situaçáo descrita, sómen-
te resta. a curto prazo) a ampla distribuição de bôIsos de Entrada em nova fase a partir de 1945, a democrati-
estud,o aos jovens intelectualmente dotados. Com os recur- zação do País tem arrostado impedimentos em diversas
sos financeiros que os poderes públicos dispendem para esferas da realidade nacional, pois persistem velhas estru-
manter cllÍsos financeiros que os poderes públicos dispen- turas oirstaculizando a difusão das concluistas democráti-
dem para manter cursos noturnos, com aquêles que sáo cas em setôres econômicos, na administraçáo púbIica, nas
desviados, anti-democráticamente, para as escolas priva- atividades poiíticas, nas organizações sindicais etc. Espe-
das, e com outras fontes, que podem ser abertas no mes- cialmente o contínuo e acelerado crescimento econômico,
mo sentido, seliam numerosâs as bô1sas de estudo que se revelado em particular na po1ítica de eliminaçáo dos porr-
poderiam distribuir aos jovens sem posses, depois de suh- tos de estrangulamento da estrutura capitaiista em ins-
metidos e aprovados em exames de suficiência. Dessa ma- tauração e no incentivo à expansão da produçáo indus-
neira verificar-se-ia uma democratização menos falsa do tria1, tem criado exigências novas, que as instituições es-
ensino, nas condições presentes. truturadas em moldes tradicionais náo têm possibilidades
Naturalmente outras soluções, independentes our as- de atender. Ao contrário, a sobr,evivência de padrões de'
sociadas a essa podem ser aventadas, o que ampliará as organização da vida produzidos num mundo essencialmen-
oportunidades a candidatos do proletariado e da classe mé- te agrícola, co1onia1, náo é compatível com a estrutura eco-
dia. O incentivo à construção d.e casas de estudantes, e <; nômico-social capitatista em formaçáo. O sistema brasilei-
emprêgo cle jovens nos serviços administrativos das facul- ro de ensino se encontra nessa situaçáo: incapaz de aten-
dades, de institutos de ensino superior ou em outros ór- der aos reclamos da expansáo das condições urbano-indus-
gãos púbiicos, poderiam colaborar no sentido de aumentar triais de existência, no estado em que se encontra trans-
as possibilidades de escolarização de uma parte da popu- Íormou-se num obstácuio institucional grâve, tanto ao
lação que con.segue freqüentar os cursos médios e não tem crescimento como à democratizaçáo, dois fenômenos con-
jugados na atualidade nacional. Por isso é que a questão
condições econômicas para continuar os estudos.
educacional se converteu nu-m dos grandes temas do pre-
Em face da situaçáo presente da sociedàde brasileira, sente, oca.sionando o apârecimento de um vigoroso movi-
da estrutura anacrônica do ensino superior e das condi- mento de opinião pública nos principais centros culturais
ções econômicas limitadas de jovens que poderiam candi- do País.
datar-se às faculdades, essas nos parecem as poucas so- As transformações econômico-sociais e a democratíza-
luções possíveis. Num sistema social em que os grupos ção do ensino náo se ligam apenâs na mentalidade dos de-
humanos são inevitávelmente distribuidos em classes so- fensores da escola pública, gratúita e obrigatória para
ciais, cujos membros desfrutam diferencialmente da ri- todos, como se fôsse um ideal a ser alcançado em função
queza produzida, a democratização do ensino sómente po- de interêsses grupais transitórios. Ao contrário, êsses fe-
de verificar-se com a adoção de medidas parciais, que ape- nômenos se relacionam no próprio processo de Íormaçáo
nas alcançam resultados limitados. Todavia, enquanto se cle uma civilização urbano-industrial, o que ocorre no Bra-
trata de democratizar instituições básicas da sociedade, sil contemporâneo; um e outro se ligam intrinsecamente,
como as educacionais, pode-se sempre aguardar efeitos so- como momãntos e faces de uma mesma sociedade ern for-
ciais reÍlexos e dinâmicos, que levaráo ainda mais longe mação. A democratização das relações sociais, em tôdas as
a própria democracia, alcançando-se o que agora seria pre- áreas do comportarnento humano, não é senão uma resul-
maturo formular. tante necessár'ia do novo ciclo em que está ingressando o

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País. A constituição de uma ordem econômico-social fun- sociedade, ao lado da transformaçáo das outras Ínstitui-
dada. na reproduçáo capitalista impõe a instauração de ções, é urgente que se reforme uma das suas Ínstituições
requisitos estruturais e funcionais que produzem, dentre básicas. É preciso que se destruam ideais da antiga civi-
outros efeitds sociais notáveis, a - democratízaçáo, que Lizaçáo agrário-comercial, onde se precr:nizava a formação
alcança a maioria da populaçáo. Uma ampla democratila- falsamente humanística, apoiada numa cultura geral esté-
ção do sistema social é uma condição imprescindível à ril, deconativa, que sómente servia à preparação dos Iíde-
plena formação do trabaihador livre no sistêma eapitalis- res e ideólogos dos grupos dominantes. A cátedra vitalí-
ta, pois êste trabalhador sómente é livre na medida emi cia, a farsa da cultura geral, o bacharel"ismo retórico, a
que dispõe dos atributos mínimos de uma personalidade preservação e ampliaçáo do ensino privado (leigo e con-
realmente democrática. fessional), os currículos inadequados à formaçáo de pro-
fissionais e pesquisadores competentes são alguns
Mas o processo de expansão da democracia brasileira.
_- visto como parte das mudançs sociais globais tem evo-
- êssesorientado
dos remanescentes de um ensino tradicional no
luído de forma desigual, de conformidade com- a contex- sentido de formar "elites" divorciadas das "massas", às
turra interna das instituições herdadas do passado e as co- quais nada ou muito pouco se dá.
nexões destas com a estrutura societáriá de classes em É esta situação que náo deve perdurar, sob pena de
emergência. No quadro dessas transformações, os sistemas prejudicar-se, entre outras coisâs, a expansão de alguns
escolares brasileiros (público e privado) têm sido atingi- benefícios do siistema urb,ano-industriatr de oqganização
dos de modo diÍerente, pois que êIes se encontram intê- da vida social. É preciso que o ensino seja transformado
grados diversamente à sociedade global, além de se acha- substancialmente, em todos os seus níveis e ramos, para
rern estrutulados segundo requisitos singulares, caracte- que atenda, no que the cabe: (1) às exigências crescentes
rísticos de alvos distintos. Nas escolas públicas e particu- do desenvolvimento econômico-social, formando, com um
laresi a educação se orienta em sentidos muitas vêzes di- mínimo de recursos materiais e humanos, os profissionais
versos, às vêzes divergentes, denotando uma insuficiente das diversas categorias exigidos pela sociedade; e (2) às
integração às condições de democtatizaçáo da sociedade. exigências de formação de personalidades democráticas,
Por isso, ao ingressar numa nova etapa das suas transfor- para que as pessoas em posições de mando ou subordina-
mações básicas, o País exige, entre outras alterações ur- das, estejam em condições de ajustar-se de conformidade
gentes, a reorganização e a expansáo quantitativa e qua- com os interêsses da coletividade e as possibilidades de
litativa do sistema nacional de ensino, para que a escola alteração dos tipos de relações sociais. De par em par,
se torne um dos núcleos fundamentais de elaboração da êsses dois processos estão numa relaçáo de interdependên-
personalidade democrática. cia, conduzindo a uma ordem social de caráter democrá-
A estrutura tradicional dêsse sistema, em sua organi- tico, onde o indivíduo não é um simples joguête dos inte-
zaçáo e substância, não pode mais ser preservada, sob rêsses grupais, mas um cidadão com possibilidades _de
pena de sacrificarrnos a expansáo possível dos benefícios adquirir plena consciência de sua condiçáo presente e das
da democracia. Produzido em épocas em quea sociedade perspectivas futuras da sociedade em que se encontra.
brasileira ainda se achava organizada com fundamento É êsse o objetivo que deve orientar a reforma do en-
em uma economia agrário-colonial, o ensino vigente está sino nacional, em todos os níveis. Manipulando a estru-
incapacitado de atender às exigências da ordemiocial que tura e a organização das instituições escolares, essa refor-
emerge no presente. Numa época em que o universo urba- ma precisa instaurar as condições de funcionamento ade-
no-industrial se expande, alcançando, envolvendo e incor- quadas às novas tendências das transformações sociais do
porando sucessivamente áreas cada vez mais amplas da País. A constituição de um sistema democrático de ensino,

202 203

t
i
que é Llma jnlposiqão do momento attral, sómente será ai-
c1o combate ao instituto da cátedra vitalícia, da elimina-
eançada_s.e partimos rlessa er"rmpreetsáo prolimin;rr. do prn-
]-rlema. Srimentc cnlão c que se pocleráoiomar as mi:clidas ção do ensino religioso nas escolas leigas (privadas ou pú-
blicas) etc., aquelas sáo algumas das principais medidas
adequa"das àqueles alvos e condizentes coflr as possibili- a ser tomadas num progrâma de reforma. Segundo acre-
dades cios recu-rsos disponíveis. Neste sentido, ás provi- ditamos, elas podem operar no sentido da renovação do
dências destinadas a propiciar essa alteração básiãa do sistema de ensino, de conformidade com as exigências das
ensino d-evem concentrar-,se nos seguintes pontos: transÍormações econômico-sociais do presente e da forma-
- (a)e Expansão
alteração
do sistema púbtico de ensino, com a rc-
dos currículos anacrônicos ou iandequa-
ção de personalidades democráticas. Sómente dêsse modo
{"çãg o cidadáo poderá alcançar uma formaçáo profissional sa-
dos à forrnaçáo de profisslonais das diversas categoiias, tisfatória e uma consciência social adequada, que lhe dá
restringindo-se ao minirno o desgaste de recursos mate- o discernimento sôbre a sua situacáo histórica.
riais e humanos necessários à formaçáo da pessoa. Em
outros _têrmos, expansão quantitativa e qualitaiiva do en-
sino-público, gratúito e obrigatório. Assim, por exemplo,
em lugar de formar-se t1nr "doutor', ern engenharia, -em
4, Considerações finais
5 anos, pode-se preparâl. um engenheiro cornpetente ern
4 anos. Estas reflexões se fundam no princípio de que âs
(b) ReÍorma progressiva transformações desiguais das esferas do sistema social ge-
clo sistema privado de ensi-
no, impondo-lhe normas destinadas a retirar-lhe o cará- ram tensões e dilemas, tanto no âmbito da sociedade glo-
ter seletivo e classista inerente à sua estrutura e ao modo bal como no dos próprios segmentos. Mas os, fenômenos
pelo qrfal se acha iigado a grupos sociais restr.itos (leigos que se manifestam nas partes não são compreensíveis se-
e confessionais). Como sabemos, o contrôle ideológico náo quando examinados à luz do que se observa na tota-
exercido em certas escolas privadas é absolutamentJin- lidade. Por isso o ensino nacional tem sido Íocalizado im-
compatível com as exigências da formação do ciciadão nãcr produtivamente como problema. Quando êIe é encarado
alienado intelectualmente. isoladamente, tôdas as abordagens se tornam simples abs-
(c) Transformaçáo total da substância do ensino em trações, sem possibilidades de concretizaçáo. Se náo se
geral, em esp-ecial de têm em conta as conexões reais da escola presente com
disciplinas, que não cumprem os mecanismos de socialização, com as técnicas de contrô-
-certas
a função de dar ao educando umã ctrlturã geral útil,'con- le e dominação de pessoas e grupos sociais, com os esfor-
dizente corn as ,ecessidades de formação dipersor"iidadu
democrática. I{á disciplinas, em todos os nívêis do ensino. ços de preservação das Íormas sociais atuais etc., não se
consegue alcançar a compreensão completa dos seus sig-
que precisam ser rninistradas não sómente com vistas ao
nificados e, muito menos, a inteligibilidade das suas even-
aumento da informação da pessoa, mas, principalmente, tuais tendências de modificaçáo. Inserida numa sociedade
almejando-se o desenvolvimento de uma õonsciência so_ Íundada em classes sociais, a âtual escola brasileira sà-
cial não deformada. E preciso que se abandone, por exem. rnente pode ser modificada em consonância com as exigên-
pIo, no ensino de história, a oiientaçáo tradicidnal, para-
cias e possibilidades dessa mesma sociedad.e. Qualquer
cientíÍica, que apênas retém a cronológia dos eventos san_ projeto que transcenda às tendências concretas da socie-
cionados pelos governantes transitórios, falsificando as dade presente se torna inútil, a náo ser que se projete, re-
significações dos fatos, ao retirá-Ios dos seus contextos estruturada, também a sociedade como um todo. Assim, os
econômico-socii:.js e culturais reais e complexos. Ern su_ limites da democratizaçã,o da escola coincidem com as li-
mâ, ao laclo da liberdade de discussão de idéias e teorias, mitações da democracia na sociedade de classes.
404 205
I

Como não poderia d.eixar de ocorrer, essas transÍor-


maçóes provocáram desajustamentos entre algumas es-fe-
ras-da cütura, chegando, em ceítos casos, a criar situações
que podem ser definidas em têrmos de proü-emos socilois.
Óesajustamentos dêste tipo foram enfrenJados pelas na-
ções que sofreram o processo de desenvolvimento econô-
mico tapitalista modelno, e muitos dêles puderam-resoI-
ver-se através de reações espontâneas do próprio s-istema
u^1,Í'l'tÍ1,0 xv social, sem que houvesse interferências deliberadas no
sentido de coÀtrolar suas causas ou seus efeitos. Entretan-
to, o desenvolvimento econômico dos países subdesenvol-
EXIGÊNCIAS EDUCACiONAIS DO PROCESSO viclos apoia-se atualmente, por um lado,- num progresso
DE iNDUSTRIALIZAÇÃO (*) tecnoló§ico compl.exo e acentuad!, (obtido naturalmente
,ros palses altaáente desenvolvidos), e, por outro lado,
realiia-se numa coniunturta econômica internacional fa-
vorável, sob certos aápectos, havendo, dessa forma, condi-
L. A inadequagão do sistema de ensino ções que possibilitam, quando nã9 91igqm,
que-o processo
áe crôscimento econômico seja rápido. Diante desta situa-
o contrôle deliberado e racional dos problemas que
O processo de industrialização do Brasil é recente e 4l ção,
à".or""* do desenvolvimento econômico, particularmente
não apresenta um desenvolvimento uniforme. Até 1940
mais ou menos êste processo caraeterizou-se por um cres- aquêles criados pelo crescimento industtial nas nações -de
cimento descontínuo, que se evidenciou nos diversos "sur- báse tradicionalinente agrícola, impõe-se como uma das
condições essenciais ao próprio desenvolvimento.
tos de industrialização" pelos quais o País passou. Tanto
a emergência dêstes períodos de intensificação da indus- No Brasil um dos mais sérios problemas resultantes
tríalização, como a própria instabilidade do processo de do creseimento industrial rápido, e que estâ exigindo me-
crescimento industrial foram condicionados e se explicam didas racionais e práticas pára a sua solução, é o da ina-
pela especificidade da estrutura econômica brasileira, tal clequação do sisteina educácional à nova ordem econômi-
como ela se articulava com a eeonornia capitalista inter- ca e social emerigente.
nacional, isto é, como uma economia exportadora de pro- Acompanhando as transformações da estrutura sócio-
dutos primários. As flutuações no ritmo de expansão da cconômica brasileira, o sistema de ensino tem sofrido mo-
economia interna dependiam da conjuntura econômica in- dificações contínuas. Entretanto, apesar do esfôrço de
ternacional de maneira direta. A partir da segunda gran- ajustamento desenvolvido pelos reformadores que se- ocu-
param do assunto, ainda hoje não conseguimos elaborar
de guerra mundial, o processo de industrializaçá.o, por mo-
c, principalmente, executar uma polítiea educacional ca-
tivos que náo cabe discutir aqui, acentuou-se, e já agora pai de atender às necessidades de uma sociedade em pro-
começam a existir condições, criadas pela própria dinâmi- ccsso de industrialização. Isto não significa que náo te-
ca interna do sistema econômico do País, capazes de esti- nham sido feitos esfoiços com o objetivo de atender às
mular o desenvolvimento industrial de forma contínua e nccessidades do País. Significa que, ao lado de reformas
crescente. rurlativamente parciais ou inadequadas às nossas condições
rcais, as transformações sofridas pela estrutura sócio-eeo-
(.) Redigido por OcÍAvlo Iewxr e FEBNANDo IIssnrQus Cenooso.
247
206
nômÍca têrn sido táo rápidas e profundas que um hiato cada patrin.ror-riairj, com padrões de comportamento e valôres
vez mais iargo se manifesta entre o sistema educacisnal, (lLtc nascclam c têm sentido apenas nas civiiizações in-
cie um lado, e as condições de existência social, de outro. rlrrs{-r'irris e urbanas.
Não é fácil, entretanto, elaborar uma po)ítica educa- Lembremos um fenômeno que ilustra muito bem, e a
cional que atenda às necessidades do processo de indus- propósito, o grau em que devem ser levados em conta de-
trializaçáo de uma sociedade como a nossa. Para usarmos tcrminadas Sbbreviúências de sltuações histórico-sociais
um lugâr-comllm, nosso País é Íormado por um arquipé- passadas. Referimo-nos ao preconceito contra o trabalho
lago sócio-cultural composto de ilhas cuja base econômi- braçal, que nos foi legado diretamente pela sociedade es-
ca encontra-se em estágios diversos de desenvoh'imento, cravocrâta. Táo profundo e generalizado se encontra na
clesde o capitalismo industrial e financeiro moderno até sociedade brasiieira, que Roger Bastide classificou-o como
a economiá de subsistência. Isto significa também que o complero da mão branca. Náo podemos deixar de reco.
o Brasil, pelas próprias condições de sua formação, tem nhecer que, ainda hoje, essa é uma das limitações mais
na demora cultural um dado fundamental constante, que sérias à aceitação de um sistema educacional adequado
deve ser levado em conta pelos que pretendem equacio- às nossas necessidades: persiste o preconceito contra as
nar os problemas educacionais do País. profissões não liberais, valorizando-se o bacharelismo re-
tórico do século XIX e a concepçáo "racionalista" da ciên-
A diversidade do ritmo de transformação das múIti- cia, tal como a viam os pensadores do século XVI[.
pl.as áreas sócio-econômicas do Brasil, e mesmo nessas Entretanto, apesar da heterogeneidade e da décalage
áreas, que reflete a precariedade da penetração capitafs- existente entre as diversas regiões do País e as várias es-
ta, cria, por um lado, necessidades econômicas bastafite I'eras da cultura, a sociedade brasiieira está sofrendo pre-
diversificadâs, que precisam ser atendidas pelo sistema sentemente transformações profundas e rápidas em todos
educacional. Essa situaçáo exige, naturalmente, uma orga- os seus níveis. Encontra-se em emergência o que os eco-
nizaçáo educacional flexível, quantitativa e qualitativa- nomistas chamam de economíq, nacxonal. Depois de cente-
mente. nas de anos em que a nação estêve organizada para expor-
tar produtos tropicais, na base de uma economta colomíal,
Por outro lado, a economia industrial entre nós desen- verificam-se modificações fundamentais, que estáo reorga-
volve*se num País onde a agricultura, de organizaçáo ca- nizando a estrutura econômica brasileira em têrmos da
pitalista muito precária, ainaa é a-atividade que utiliza a cconomia capitalista-industrial.
maior parte da fôrça de trabalho disponíveI, fornece a
rnaior parte da renda nacional, e, há menos de um século,
organizava-se na base do trabalho escravo. A eclosáo do 2. O papel da fôrça de trabalho
processo do desenvolvimento econômico capitalista entre oo desenvolvimento econômico-social
nós significa tarnbém, pois, a realização plena do processo
de transformação de ttma sociedade de castas nurna so- Estas rápidas consideraçóes sôbre algumas das prin-
ciedade organizada em classes '(abertas". Mas ainda esta- «'ipais características da nossa sociedade e da nossa econo-
roos muito longe dêste desiderato, e, até hoje, coexistem rnia são suficientes para evidenciar certas implicações ge-
na soeiedade brasileira, padrões de comportamento e valô- nris que o educador precisa ponderar nas suas tentativas
res que se originaram e têm sentido apenâs numa socie- rlr'liberadas de controlar racionalmente o processo de
d.ade rigidameRte hierarquizada, onde a eoncepção do IrrrnsÍormação do sistema educacional para reajustá-lo às
mundo das camadas dominantes inspirava-se em valôres t'orrl,ínuas modificações que se operam na sociedade.

208 209
Em primeiro lugar, é preciso considerar a industria- c:orrs.unriclora, cujo volume é o determinante para a apre-
lização dentro do quadro da estrutura econômica geral do ciar;iio do bem-estar, e a população ativa, quê represônta
País, como um aspecto do processo de crescimento econô- irnportante papel na capacidade produtiva de umá Econo-
mico. Êste, por sua vez, depende e acarreta mudanças pro- tnitt" (;r) .
fundas na organização da sociedade. O problema que se O1g, lanlo o padrão de consumo ou a qualidade e a
coloca ao educador não é, pois, o de elaborar e organizar qu^antidade da população ativa, por um iado] como o tipo
um sistema de ensino que sirva à industrializaçáo isola- clc conhecimento e seu grau de aproveitamento na ati,ii_
damente, como um setor independente da economia e da dade produtiva, por outro lado, dependem de maneira d.i-
sociedade, mas projetar um tipo de educaçáo que sirva à reta do-tipo de organizaçáo social, vigente num país. Suas
industrialização enquanto processo integrado noutro mais alterações dependem, portanto, de müdanças soãiais mais
geral: o de transformação de tôda uma estrutura social ou menos profundas.
econômica. ,

Á interdependência dêsses processos já tem sido acen-


Nos países subdesenvolvidos, como o Brasil, êstes dois tuada para o caso brasileiro. Como dissemos, o processo
aspectos do problema aparecem claramente interrelacio- de crescimento industrial significará, entre nós, ã tranr-
nados e mütuamente dependentes. Com efeito, se tomar- formação de uma economia de base agrâria, que se assen-
mos qualquer esquema de análise do crescimento econô- tava no latifúndio organizado em moldes patriarcais, e
mÍco, como o de Alain Barrêre, por exemplo. veremos que visava diretarnente a exportação de produios primários
o crescimento seria, por um lado, uma função da popula- para o mercado internacional, numa economia nacional d.e
ção ati,ua de um país e de seu progresso técnico e, por base capitalista que se desenv,olve purrla sociedade de
outro, do capitnl dísponíuel. No processo de crescimento classes, onde a indústria torna-se, ao lado da agricultura,
distinguem-se "três elementos fundamentais: o volume da um componente essencial do mecanismo econômico. Ao
população e o progresso técnico, que sáo variáveis autô- rnesmo tempo, pois, êsse processo dependerá e resuitará
nomas, e o volume de capital, que é uma variável deri- na transformação da antiga sociedade patriarcal, estrati-
vada" (1). ficada em camadas rígidas, na sociedade democrática de
Não considerando o problema da forrnaçáo de capitais, classes abertas. É em função desta transformação mais
que escape inteiramente ao tema proposto, tanto o pro- geral, e tendo consciência da importância do creicimento
gresso técnico quanto o volume da população (que Bar- industrial parâ que ela se efetue, que o educador precisa
ràre considera variáveis independentes no processo de pensar nas reformas edutsacionais.
crescimento) são fatôres que dependem diretamente dc Em segundo lugar, levando-se em conta o atual está-
padrão organizatório da sociedade onde se processa o de- gio do porcesso de mudança social, não seria descabido in-
senvolvimento econômico, isto é, que dependem do que sistir na necessidade da democratr,zação do sistema educa-
os economistas chamam de condtções institucíonais' "O cional. Fora de dúvida, o sistema de ensino primário vi-
progresso técnico, diz Barrôre, resulta do níve1 existente gcnte, dado seu caráter seletivo, representa um fator de
do conhecimento e de seu grau de aplicaçáo à descoberta i
dernora cultur,al, em face das atuais condições de desen-
rle métodos de trabalho mais produtivos"(e). E a popula- volvimento econômico e social.
cão pode ser considerada sob dois aspectos: "a população Não há necessidade de insistir neste estudo na aná-
lise do sistema educacional brasileiro como um todo. Êste
(1) Ar,arN BenRinE, "A Teoria do Crescimento e do Desenvolvi- sistcma, se no passado já apresentava deficiências quan-
mento Econômrco", Reuista Brasileir1, de Econornia,, Ano ?, N.o 2, Flio
de Janeiro, junho de 1959, pág. 11. t,o à sua capacidade para atender os reclamos de umà so-
(» AlarN BannÀRn, op. cit., péLe. 12. (B) ÂLArN BARRÀRa, op. cit., págs. 11-12
2L0
211
ciedade que se urbanizava e industrializava, no funda- transformação do espírito do ensino fundamental, que de-
mental orientava-se no sentido de preparar a juventude verá tencler a homogeneizat os valôres que seráo partilha-
brasileira para desempenhar os papéis sociais que no fu- dos pelo cducando, e enfatizar a igualdade fundamentâI
turo lhes estavam reseryados. Numa sociedade onde a do trabalho como realização humana, seja êle manual,
formação das classes sociais era incipiente, a educaçáo or- intelcctual ou artístico.
ganizava-se de tal forma que preparava uma elite de Ie-
trados, deixando fora de suas malhas a maior parte do Sua sigriificaçáo, do ponto de vista de u,rna sociedade
povo e um grande grupo de indivíduos intelectualmente clue tende à integraçáo nacional da economia, na base da
alienados, como contrapartida da alienação social e eco- organização racional (industrial) da produçáo, pode ser
nômica em que viviam. Educação seletr.ua, como diz Aní- exemplificáda pela seguinte análise de Myrdal: "O ele-
sio Teixeira, que ainda na reforma de 1931 era consagra- mento isolado mais importante em um programa de inte-
da: "longe de refletir qualquer ideal democrático, [a re- gração nacional talvez seja a ::eforma educacional e, a
forma de 31] consolida o espírito de nossa organizaçáo meu juízo, o elemento isolado mais importante da reforma
dualista de privilegiados e desfavorecidos''1+;. educacional é uma vontade decidida de alfabetizaçáo. 1...1
A anáIise do sistema educacional brasileiro, em face Algo de importância fundamenta,I para esta integração es-
das necessidades de mão-de-obra adestrada que a expan- piritual na naçáo e no mundo ocorre ao camponês quando
sáo industrial do País exige e a sociedade urtana mdd"r-
* êIe é capaz de ler os nomes das ruas quando visita a ci-
na necessita, (de operários, mestres, técnicos e pessoal dade e quando começa a soletrar as sílabas do jornal 1o-
de nível superior) evidenciará a inadequação do padráo cal, particularmente se o processo ganha impulso e o cam-
tradicional da educaçáo brasileira, de acôrdo com o qual ponês obtém acesso fácii ao material de leitura cuja com-
ainda hoje está organizado nosso ensino, para atender às preensão é de seu primordial interêsse. Qualquer outra
solicitações de uma sociedade que se transforma rápida- educação no govêrno, em matéria de higiene, de méto-
nrente. dos racionais- de produção etc. converte-se em uma im-
Está claro que, como dissemos acima, a educação para possibilidade relativa sem esta- condição fundamental da
um país que se industrializa deve ser democráttca. fi)ste alfabetização. Iniciar um programa de desenvolvimento
aspecto do problema já foi ampla e sôlidamente discutido nacional, enquanto os habitantes permanecem analfabetos,
por Anísio Teixeira (5) e as soluçõe5 preconizadas por êste resulta, na minha opinião, fútiI. O desejo de alfabetiza-
autor como as mais urgentes (reforma do ensino elemen- ção como tôda reforma educacional, se esta tiver algum
tar) encontram-se formalizadas no projeto de "Ordena- valor - introduzirâ indiscutivelmente um novo complexo d--
çáo do Ensino Primário" elaborado por Roberto Moreira. tensões em um país atrasado, e fortalecerá todos os de-
O que significa "democratizaçáo" da educação e quais mais fatôres que modificam os costumes de uma comuni-
âs suas conseqüências sôbre o processo inclusivo de mu- dade imol:ilizada. Entretanto, esta comunidade já estará
dança social? Em primeiro Iugar, essa democratizaçáo sob a influência dos demais fatôres que tendern a tornar
consiste na extensão a úodos da educação primária, que mais flexíveis as atitudes e instituiçóes existentes; e nesta
deverá ser pública, universal, gratuita e obrigatória, para corrente dinâmica todos os demais elementos da política
perder seu caráter seletivo. Em segundo lu§ar, consiste na c'le integração nacional, e náo só o desejo de alfabetizaçáo,
constituem influências adicionais de mudança. As influên-
(4) ArvÍsro Trrxrrad, Educação nd,o é Pritsilégío, F.ío de Janeiro, t:iirs políticas deveráo esforçar-se, na medida do possível,
1957,pás. 104. lror cstabelecer um novo e sólido sistema de relações so-
(5) ANÍsro TErxEne', Educaçdo nd,o é Pri»ilégio, A Escola e a cirris. A característica pecufliar da alfabetizaçáo é que ela
Estabilidade Social etc.

212 213
rn

aumenta a capacidade dos indivíduos para procurar e cstr-utural (como a impossibilidade de se estender rápida-
obter um ajustamento racional às mudanças ocorridas,, (o). mente a rêde e a matrícula de ensino), a reforma do ensi-
Através destas considerações percebe-se claramente a no médio e do ensino superior é, do ponto de vista de
importância da extensão do ensino primário a tôda a popu- quem deseja o crescimento industrial do País, tão urgen-
Iação, como condiçáo para o desenvolvimento daqueles l,e corno a reforma do ensino primário, embora de conse-
dois processos que consideramos correlatos: o de mudança qüências muito mais restritas sôbre o processo geral de
econômica (industrializaçáo, racionalização) e de mudan- mudança social. À êsse respeito, a opiniáo de Myrdal é
ça social (democratização, formação de classes aberf,as). semelhante: "41ém do incremento da alfabetização neces-
Em telceiro lugar, a reforma de ensino de que o País sita-se de uma reforma radical da instrução secundária.
necessita precisa estender-se, para permitir o desenvoLvi- Não penso tanto no níve1 da educaçáo superior na maio-
mento econômÍco (e o crescimento industrial), ao níveI ria dos países subdesenvolvidos por baixo que possa
médio e ao superior de instruçáo. Nestes, àbviamente, o -
caráter seletivo da educação encontra estímulos muito tam é de uma crescente produçáo de administradores, mé-
maiores parb manter-se. Náo só porque as possibil,idades I
dicos, engenheiros, agrônomos, e tôda sorte de pessoas
financeiras do País náo permitem a ampliação, em escala técnicamente treinadas em diferentes carreiras, da mes-
apreciável, do ensino médio (técnico ou não) e superior, rna forma que de professôres de escola primária.
como porqLle, por condições engendradas pela própria so- "Entretantor eüâsê sem exceção, sua educaçáo supe-
ciedade, apenas as camadas privilegiadas têm possibilida- rior propõe-se a incutir nos jovens o ensino de direito, fi-
des de lazer para o estudo, isto é, seus membros não pre- losofia, idiomas e literatura, ideal do mundo ocidental do
cisam, descie cedo trabalhar para o próprio sustento, como )

sóculo XVIII, que se converteu em perigosa demora cul-


a imensa maioria da população. Além disso, a mudança de tural. Mesmo dentre as chamadas profissões úteis, os estu-
orientação do ensino médio e do superior encontrará for- dantes dos países subd'esenvolvidos escol.hem quase sem-
te resistência por parte de Alguns dos grupos dominantes llre os râmos mais esotéricos e menos práticos. [...] O mais
da sociedade que ainda hoje têm seus interêsses vincula- grave defeito do sistema atual encontra-se na sua incapa-
dos à antiga ordem social, sem que se mencione que as cidade para produzir os técnicos de que se precisa urgen-
ideologias dominantes na nossa sociedade continuam a ser tcmente" (8).
as elaboradas no passado. Tais obstáculos parecem ser Não foi outro o ponto de vista dos técnicos da Missão
gerais aos países subdesenvolvidos, pois, como diz Mgrdat: Ciroke sôbre a necessidade de reformas no ensino técnico
"uma reforma no terreno da educáçáo superior noi paí- c "cle engenharia", consideradbs essenciais, para o desen-
ses subdesenvolvidos tem que superar muitas preten§ões volvimento da indústria no Brasil.
culturais e lutar contra muitos interêsses criados. As pre- Queremos, finalmente, apontar duas questões que nos
tensões, da mesma maneira que os interêsses, domiÃam parecem importantes numa reflexão sôbre a açáo do edu-
freqüentemente náo só os mestres como as autoridades cador numa sociedade em mudança que tende para a in-
nacionais em matéria de educaçáo; estas têm suas câusas dustrialização de seu processo produtivo. A primeira ques-
mais profundas na estrutura de castas e classes sociais tão diz respeito às relações entre o sistema escolar e a
herdadas do passado"(7). Apesar dêstes obstáculos, alguns sociedade. A escola faz parte do sistema social inclusivo.
dos quais insuperáveis a curto [)razo, porque de ord"em Este truísmo freqüentemente é esquecido. Sua significa-
r.'iro está em que, se é verdade que podemos manipul,ar a
(6) Gursen MYRDAL, Soliddrieddd o Desintegrd,ciór,, Fondo de cducação como utrna técnica social de interferência na rea-
Cultura Economica, México, 1956, pâe. 247.
«) Gurvwan MYRDAL, op. cit., págs. 248-249. (B) GunrwRn MvRDAL, op. cit., péLg. 248.
214 215

i
L
17

lidade, não é menos verdade que ela faz parte desta mes- bem que relativamente Ílexíveis, superpóem-se. Através
ma realidade e, por isso, está submetida aos processos ge- da extensão da educaçáo fundamental poderemos, por
rais que regulam o funcionamento da sociedade, seja isso, acelerar o processo de mudança da antiga sociedade
aquêles que atuam como fatôres de preservaçáo da ordem estratificada em camadas rígidas noutra cujas camadas
social, seja os sue provocam transformações, Portanto, ao sejam mais permeáveis. Não se conseguirá, porém, alterar
realizar seus projetos de reforma, o educador náo terá o caráter fundamental do sistema de estratificação: a su-
grande sucesso se partir de premissas e objetivos que não perposição de camadas, a existência de possuidores e nãtr
se inspiram e não se apoiam na realidade. Isto náo signi- i
possuidores.
fica que a educação deva ser planejada para a manuten- Essas considerações náo signifigam, entretanto, que o
çáo do status quo, ov que, por existirem mecanismos de educador deva conceber o sistema educacional como um
ajustamento do sistema educacional à sociedade que agem componente estático ou meramente passivo da sociedade.
independentemente da consciência ou da interferência do Até certo ponto, a extensáo do ensino primário à maioria
educador,'êste deva limitar-se a controlar os efeitos dis- da população pode ser também um fator de mudança so-
nômicos provocados no sistema educacional pelo ritmo ciaf giobal, como se evidencia na análise de Myrdal, que
mais intenso de transformaçáo de certos setores da socie- citamos acima. .4.1ém disso, as limitações que a nossa so-
dade. Significa, apenas, qure os resultados e os limites da ciedade impõe à extensão e à modificaçáo do ensino mé-
capacidaãe de modificaçáo da realidade dos sistemas edu- dio e superior náo precisam ser tomadas como alvos a se-
cacionais náo são regulados pela sociedade inclusiva. O rem respeitados pelo sistema educacional. Cabe ao edu-
educador para não sór um utopista, saberá, partindo de cador selecionar os meios possíveis, dentro das condições
valôres criados pela própria sociedade, escolher meios que, que a sociedade já oferece, para âcelerar o procesgo d9
manipulados racionalrnente, permitam atingir fins social- democratização também nestes níveis do ensino, de tal
mente possíveis e desejados. Íorma que al oportunidades educacionais que já podemos
Como decorrência do que apontamos acima, o educa- oferecer sejam aproveitadas mais amplamente.
dor precisa esforçar-se por deixar de conceber nos seus Chegamos, dêsse modo, à última questáo que queria-
projetos a escola e o sistema educacional na sociedade mos abordar: as possibilidades que o educador tem de
moderna como o único, ou mesmo o prtncipal, agente de interferir racionalmente na realidade.
preservação ou de transformação da ordem social. A esta- Nos países subdesenvolvidos, onde coexistem segmen-
bilidade ou a mudança dependem, sem dúvida, da escola. tos estruturais que se organizam a partir de situações de
Mas esta se insere na ordem social mais ampla e sofre vida e princípios organizatórios diversos, o educador deve
seus influxos. A educaçáo inspirada em valôres não demo- optar por valôres que permitam intensificar o processo de
cráticos (como é a nossa) é impotente para conter o pro- rnuclança econômica e social. Visando objetivos inspirados
cesso de democratização desencadeado por outros setores l or êstes valôres, é possível organizar o sistema educacio*
da nossa sociedade, e, fatalmente, com ou sem o propósito nal de tal forma que sejam utilizados os meios mais ade-
deliberado de ajustamento, o sistema educacional tenderá rluados para â obtenção daquelas metas (isto é, no nosso
a modificar-se, acompanhando as transformações da so- caso: educação democrática e técnica), a partir de uma
ciedade inclusiva. estratégia que, considerando o atraso econôrnico e cultural
Por outro lado, a democratizaçáo do ensino encontra, cxistente, procure diminuí-lo, sem contudo propor-se fins
:
naturalmente, os limites de sua possibilidade e da exten- quc estejeiÍn muito além das necessidades e das condições
são de seus efeitos na própria sociedade. A sociedade in- ro;ris de existência da sociedade. Dessa forma o sistema
I
I dustrial moderna organiza-se em estratos sociais que, se rrlucacional poderá também ser organizado de tal maneira

216 217

l.
I
que se torne, âo mesmo tempo, um fator de transforma- Não será possível um exame dos problemas educacio-
çáo e de regulamentação social, impedindo que irrompam nais da industrialização se não tivermos conhecimento
os eÍeitos menos desejáveis que a mudança rápida pode adequado do componente demográfico dêsse processo.
acarretar nos sistemas sociais. Conforme verificamos anteriormente, o volume da popu-
Iaçáo é uma das variáveis independentes do crescimento
econômico. Vimos também que ela pode ser considerada,
3" Possibilidades e tendências do ensino segundo Alain Barrêre, sob dois aspectos distintos: a po-
pulação consumidora e a populaçáo ativa, sendo quE esta
Feitas as considerações acima, procuraremos apresen- representa papel decisivo na capacidade produtiva de uma
tar, no presente artigo, alguns dados sôbre as exigências economia. Em outras palavras, o exame das exigências
educacionais impostas pelo processo de industrializaçáo e educacionais da industrializaçáo liga-se diretamente à
a capacidade do nosso sistema de ensino para supri-}as. qualidade e à quantidade da população ativa empregada
Esta análise comprovará empiricamente as afirmações que nêsse setor da economia do País. Esquematizando o nosso
fizemos no início do trabal,tro sôbre a déc,alage existente problema central, podemos dizer que dois fatôres do cres-
entre as modificações do sistema educacional e as que se cimento econômico, o progresso técnico e a populaçáo ati-
operam na sociedade. Limitar-nos-emos, contudo, a discu- va, têm um denominador comum: a instruçáo.
tir os dois setores do sistema de ensino que, juntamente É necessário, pois, que saibamos quantos profissionais
com o ensino primário, têm significaçáo direta no pro- das diversas categorias estaria utilizando a indústria bra-
cesso de crescimento industrial do País: o ensino técnico sileira num dado momento, qual seria o défr,ctt ou supe-
profissional e o ensino superior. A análise dêsses dois tipos ráo'ít nesse momento, e quais as necessidades futuras pre-
de ensino mostrará, como de resto é sabido, a necessidade visíveis. Em síntese, devemos inicialmente saber:
urgente de executar-se reformas mais ou menos profun-
das. As considerações feitas na primeira parte desta co- (a) qual é o volume da populaçáo ativa que se
municação e a análise da situlação do ensino permitirão encontra na indústria brasileira num dado
que se indique algumas características gerais para as quais momento;
deverá tender o sistema educacional brasileiro, se quiser- (b) quais as diversas categorias profissrcnais e
mos transformá-Io num instrumento eficiente do progres- que tipos de formação necessitam para pre-
so econômico e do desenvolvimento social. As sugestões encher plenamente as funções que thes são
que apresentaremos nas conclusões náo teráo, ôbviamen- atribuídas;
te, a pretensão de resolver os problemas educacionais do (c) e prever as necessidades de aumento da po-
País, que é tarefa específica dos educadores, auxiliados
pelos demais cientistas sociais, cujo êxito depende de lon- pulaçáo ativa em face do rítmo de desen-
gos estudos e acurâdos levantamentos. Simplesmente, de- volvimento da industrializaçáo, tendo-se
pois de mostrar que existem certas condições, inerentes em vista a participaçáo das diversas cate-
à própria sociedade, que limitam a eficácia das reformas gorias profissionais.
educacionais, quando não levadas em conta, procuramos
indicar algumas tendêncÍas gerais que devem orientar as Sómente a partir dêsses elementos poderáo ser avalia-
lreformas educacionais,l se quisermos projetá-Ia"s de tal rlls as necessidades efetivas de re'posiçõ.o e crescímento da
forma que tenham êxito, isto é, que seus objetivos sejam rrrrro-r'lc-obra especializada necessária aos diversos setores
compatíveis com as condições reais de existência social. tl;r lrrorluçiro industrial.
218 219

t-
I ,[

Todavia, apenas iniciam-se os estudos destinados a rkr sistema brasileiro de ensino, mas apontar os focos cle
avaliar objetivamente êsses coeficientes. Algumas investi- tcnsões existentes nesse setor da cultura brasileira, par-
gações conduzidas cientificamente já permitem a formula-
l.icularmente com referência ao processo de industriali-
ção de previsões preliminares, que podem ser tomaclas :ração.
como base para o planejamento. Veja-se, por exemplo, a A análise efetuada por Roberto Mange (10) em L950,
sondagem realizada pelo Dr. Ítalo Boiogna, sob os auspÍ- permite a discussáo de um problema básico: as necessida-
cios cla CEPAL, onde se procurou "avaliar as necessida- cies reais de reposíção e crescímento da máo-de-obra espe-
des de mãode-obra e pessoal técnico da indústria siderúr* cializada para atender à .indústria. "É da ordem de
gica e de transformaçáo de ferro e aço". Êsse especialista
1.500.000 o número de operários industriais no Brasil", diz
chegou aos seguintes resultados: o autor. Nesse total, acrescenta, estáo incluídas "diversas
QUADRO I categorias de trabalhadores, umas realizando trabaihos
simples que requerem nenhuma ou pouca preparaçáo pro-
rNDúsrRrA
MÃO-DE-OBR,A QUALIFICADA
.,"r"Pfrr3*":, MAÇÃo
fissional e outras cujas atividades, já mais complexas,
?r" J"^NSFoR pedem náo só um treinamento específico e demorado,
como exigem ainda conhecimentos técnicos e capacidade
Categorias Déticit anual rncntal mais desenvolvida" (t1) ' Êstes seriam os profissio-
nais quahftcados, que se formarn à base de um ensino sis-
Engenheiros especializados 160 temático e organizado, exigindo uttrn ou diversos anos, con-
Técnicos industriais 400 Iorme o caso.
Operários qualificados 5.500 De acôrdo com uma sondagem realizada pelo Serviço
ltracional cie Aprendizagem Industrial (soNÁr), pocte-se
Êsses dados(e) referem-se apenas a um setor da índús- cstimar, acrescenta Roberto Mange, em 20% o coeficiente
tria. Outros estudos deveriam ser realizados em setores de operários qualificados necessitados pela indústria. "Se-
diferentes da economia industrial brasileira, tanto no qúe gundo o Professor Faria Góis, para cada dois trabalhado-
diz respeito à situação presente como no que refere aos r cs qualificados, sáo necessários oito manipuladores de
desenvolvimentos previsíveis para o futuro. Sem um diag- máquinas e instrumentos, ou realizadores de trabalhos
nóstico dêsse tipo, rigorosamente conduzido, náo se pode- :,ruxiliares que não necessitam de nenhuma formacão espe-
rá planejar reorganizações ou reformas profundas do sis- t'ial izada" (r2).
tema de ensino brasileiro. Considerando-se a populaçáo operária brasileira apon-
Entretanto, deixando-se de lado as conexões existen- tada acima, seria de 300.000 o contingente de profissionais
tes entre a organização do ensino primário e as necessi- rlrlalificados existentes no País. Mas, qual seria a taxa de
dades de máo-de-obra para indústria, que náo discutire- lcposição anual, para que se mantivesse em atividade o
mos neste relatório, existem alguns problemas que podem c'ocficiente mencionado? Se considerarmos que a taxa de
ser levantados a partir do exame de certos aspectos da x'posição anual "é função do tempo médio de trabalho de
configuração presente do ensino industrial e do ensino (10) RoBtrRro MaNcn, Planeiamento e Ad,ministraçd.o UniÍicada
superior. Nosso intuito não será realizar um diagnóstico rttt Aprend.izagem Industrial no Brasil, Suplemento da Reuista Paulis-
completo das condições de funcionamento dêsses setores te, de Jndústriq,, s,á,o Paulo, 1957, edição do Senai.
(11) RoBERro MANGE, op. cit., pâC, 2.
(9) (12) O ensino, o tro.bctlho, a populaçdo e d renda, trabalho rea-
Publicados ent Desenuoluimento & Canjuntura,, Ano I, N.o 3, lrz;rrlo sob a orientaçáo do D1'. Américo Barbosa de Oliveira, publica-
Rio de Janeiro, setembro de 1957, pág. 64. (.:r() r." 2, da Ccl,pes, dezembro de 1953.

220 221
rnestria industrial. Portanto, se admitirmos como correta
um operário industrial e que oscila em tôrno de 30 anos", a estimativa apresentada, podemos afirmar que as 402 uni-
podemos dizer que "essa taxa deve ser de 1/30 por ano,
dades escolares do País(Ia), dedicadas ao ensino indus-
ou sejam 3,3% do número de operários pertencentes àque- trial, sómente formam 13,2% dos profissionais necessários
le quadro. Assim, aplicando-se anuâlmente uma taxa d'e ao funcionamento e crescimento da indústria nacional.
reposição de 3,3/o achar-se-á garantida a conservação do
quadro de "operários qualificados". Em outras palavras, o Como se pode verificar pelos dados abaixo(15), o ensi-
número de profissionais qualificados necessários para a ma- no industrial brasileiro conta com uma taxa de matrícula
nutençáo do atual rítmo de funcionamento da intiústria nruito mais reduzida que os outros ramos de ensino, excep-
tuando-se o agrícola, o que é sintoma da permanência de
brasileira seria de aproximadamente 10.000 por ano. padrões tradicionais de avaliaçáo das atividades huma-
Todavia, conforme dissemos acima, o conhecimento
nas.
objetivo das condições da industrialização do País exige
a previsáo das necessidades futuras de mão-de-obra qua-
lificada. Em outros têrmos, é preciso conhecer-se o coefi- QUADRO II
ciente de crescimento anual da populaçáo de operár'ios O ENSINO MÉDIO NO BRASIL
qualificados exigidos .para o p,leno desenvolvimento da
indústria, segundo um rítmo previsível. "O desenvolvi- Conclusões de curso em Lg55
mento da indústria no Brasil, que se vem processando com Mod,ulid,ad,es Matrícula
maior intensidade nos últimos anos, permite prever, por
extrapolaçáo dos dados estatísticos existentes e de outros de inicial Valores Va.lores
fatôres supervenientes, um crescimento ta1 que o número absolutos percentuais
ensin o enx 1956
de oper§1iss qualificados venha a dobrar num período de
30 anos. Para atender essa previsáo de ampliação deve-se
adotar uma taxa anupl de 7/30, ou sejam, tamhém, Secundário 619.019 85.756 68
Comercial
3,3% ('u). Em outras palavras, e admitindo-se que essa Industrial
123.635 19.052 15
Lr.504 2.646 2
previsão também seja aceitável, para que se possa aten- Agrícola 3 .098 834 L
der o rítmo atual de desenvolvimento da indústria nacio- Normal 60.851 t7.923 L4
nal seria necessária a formaçáo de mais 10.000 artífices
por ano. I
Somando-se as taxas de reposiçáo (3,3%) e de cresci- roTAr. 824.L07 L26.2ll 100
mento (3,3%) estimadas à base dos 300.000 operários
i industriais qualificados encontrados no País em 1950, Por outro lado, do primeiro ano do curso básico ao
podemos concluir, com Roberto Mange, que anualmente l.r'rcciro do curso técnico e de mestria há uma queda ver-
deveriam ser incorporados à população ativa na indústria lirlinosa da matrícu1a escolar, conforme podemos verificar
brasileira cêr'ca de 20.000 profissionais qualificados. Essa lrcl«rs dados apresentados por Anísio Teixeira(16). A ma-
é a taxa mínima necessária ao pLeno funcionamento e lr'ículer total em tôdas as séries das escolas industriais do
desenvolvimento das indústrias brasileiras.
Estarão as escolas industriais do País formando o (14) Cf, "O Ensino Médio no Brasil", in Reoisttt Br&sileird d,os
número requerido de artífices? Não. Em 1955 sómente Al X, janeil'o-junho de 1957, pá9. 47.
ult.icí'pios, N.os 37-38, Ano
I

ílr) Extraídrts de "'O Ensino Médio no Brasil',, idem.


2.646 alunos terminaram os cursos básico, técnico e de { 1(;)
ANÍsro TErxErs,t, A Escola Brasileira e a Estabilidade Social,
li,io rlc Ja.neiro, 1957, esp. págs. 10-11.
I
(13) RoBERro MANGE, op. cit., pá,c, 2.

223
222
I
País atinge 17.504 slqnos, que se distribuem do seguinte do currículo das Escolas Industriais, procqra o jovem,
modo: quanto antes, uma ocupação lucrativa e abandona a Esco-
la com uma parcela apenas de preparo profissional. Por
QUADBO IIÍ outro lado, a escassez de mão-de-olcra industrial, que ain-
da persiste, facilita a entrada dêsses elementos nas fábri-
ENSINO INDUSTRIAL DO BRASIL câ.s, corn quaiquer nírzel de preparo eventualmente adqui-
r.ido'' 1121.
Mutrícula i,nicial Êste rnotivo, pelo qLle conseguimos apurar em sonda-
gens que realizamos, opera em concomitância com o pri-
Valôres percen- rneiro. Uma formação precária assegura a jovens que pas-
Vq.lôres tuais s/ o tota.l
Modalidade Série absolutos saram por estas escolas ou pelas escola-s do Senai boas
do !.o ano oportr.rnidades de inÍcio de car:reira e mesmo de "trabalho
I-1or conta própria".
Básico 1.o ano 4 978 100 Mas o índice de permanência nos cursos básicos das
2.o 4 082 82 escolas industriais é muito maior qUe o dos cursos técni-
3 231 65
3.o cos e profissionais própriamente. Seria necessário que se
4.O " 2 310 46
realizasse um levantamento sôbre as causas da evasão
Técnico e 1.o ano 1.366 21 escolar depois do quarto ano básico. Provàvelmente veri-
Mestria 2.o ,,
,,
9L2 1B
I'icar-se-á que, ao lado dos motivos de ordem econômica,
3.o 625 13
cxiste um outro que opera neste processo de evasáo: é que
o curso básico corresponde oficialmente ao curso ginasial,
Êsses dados falam por si: o baixíssimo coeficiente de c, por isso, permite acesso aos currsos náo profissionais.
conclusáo do curso (13% sôbre o total da matrícula inicial I)essa forma, parte do material humano que recebeu trei-
ào prirneiro ano) revela um imenso índice de evasão esco- rramento visando o aproveitamento futuro nas escolas pro-
irr, q"" pode ser acompanhado na coluna dos valôres per- l issionais e técnicas é drenado para outros setords de ensi-
ce"tüais.'a1iás, será deinecessário lembrar qu9- o fenôme- no, muitos dos quais de reduzida significação do ponto de
no da evasáo é universal na escola brasileira: êle se mani- vista do crescimento da economia industrial do País.
festa tanto nas escolas profissionais (ensino básico e téc-
nico e escolas a" ,p*á"a'Lagem do Senai) como no ensino Vê-se, pois, que numa sociedade em processo de mu-
primário, secundário e suPerior. rlança socia.l, como a nossa, existem estímuIos e incentivos
(llrc se prendem à ordem tradicionall capaz de arrefecer
A evasáo no ensino profissional se acentua quando os cfeitos dinâmicos da introdução cle certas inovações
cornparamos a matrícula do primeiro ano do curso técni'
r'«lrrcacionais. Dessa forma, se não pudermos prever a,,ca-
oir de mestria com a do terceiro ano. Isto signiÍica que
"o explicação não está apenas relacionada com os impe- prrr:iclade de assimilação" que a tradição culturai do país
sua ('n('r'ce sôbre as inovações deliberadamente introduzidas
rativoJ de ordem econômica, que sem dúvida existem' rro c'nsino, dificilmente os planos de reforma r:l_rteráo resul-
Êstes, como acentua Roberto Mange, atuam fortemente no
processo de evasáo escolar: a "saída, prematura obedece, lrrrlos satisfatórios, e freqüentemente representarão uma
principalmente, a imperativos de ordem econômica", pois irrvclsiro pouco produtiva de capital.
[u", põt um lado, "diánte do padrão de vida relativamente
baixo na classe operária e em vista da duração (4 anos) (1?) Ronunro MANGE, op. cit., pág. 3.

224 225

t
i
ll

Existem, portanto, injunções de fatôres estruturais Crt,rnos mcsmo que, com relaçáo a êsse aspecto da
que impedem que o sistema de ensino profissional brasi- sil,rraq.rro, lrír uma inversão nos têrmos do problãma, As
Ieiro, tal como está concebido, atenda às necessidades de r':u'olas visam formar técnicos demasiadamente refinados
reposiçáo e crescimento da máo-de-obra qualificada para
p,iu'a as solicitações de uma indústria que em alguns de seus
a indústria. Os efeitos almejados com a organização do rantos essenciais se apóia em equipamentos obsoletos e
ensino industrial no País foram, em parte, frustrados.
pr-ocesscs rotineiros de produção, para os quais o treina-
Basta lembrar o que dêle esperava Tarquínio de Souza
Filho numa obra publicada em 1BB7: "o ensino técnico rnento surnário do operário aliado à capacidãde de impro_
contrikruirá também para o nosso engrandecÍmento, ele- visação são suficientes para produzir o efeito desejãdo,
vando as classes laboriosas, as carreiras profissionais táo isto é, o lucro. Raciocinando dessa forma o e-preiário
desprestigiadas e abatidas entre nós. Aos olhos da opinião reputa muito custoso o adestramento regular do operário
pública, falsamente formados neste, como em outros e limita suas obrigações no que respeitã ,o pruprro do,
assurrtos de igual relevância, as profissões do trabalho futuros profissionais ao que the é impôsto pela Iãi: enca-
carecem de Íôrça moral, têm uma ta1 quebra de bastardia, minhar ao sENAr um certo número de aprendizes, con-
um tal vício de origem que mesmo certos espíritos cultos, forme a mão-de-obra total empregada pela emprêsa. E, o
que têm uma responsabilidade moral e certa ascendência que é pior, descrente dos resultãdol do ãprendizãdo indus_
sôbre a opiniáo púbIica, náo se tem podido emancipar de trial em têrmos de lucros futuros para a emprêsa, escolhe
considerá-Ios como funções secundárias, exercidas por os operários mais disponíveis, e não os melhores, para
órgáos inferiores do corpo social" (18). receber o treinamento obrigatório. por outro lado, a gran-
r-le mobilidade ocupacional existente laz coln cllte o empre-
Mas a ineficiência dêste setor da educaçáo brasileira
náo se prende apenas às causas mais gerais apontadas. c'nci'edor tema que os esforçog e os recursos dispensados no
'l,reinamento de seus operários redunde
Existem deficiências na própria engrenagem do ensino em benefício para
técnico que, somadas às demais, têm como resultado os seLls concorrentes. Esta mobilidade prende-se a determi-
dados que apresentamos acima. Essas também são conhe- nadas condições da atual fase de desénvolvimento da eco-
cidas, e se náo as discutimos aqui é porque fogem aos nomia brasileira, e é estimulada, por sua vez, peia átitude
objetivos desta comunicação e escapam à nossa compe- clos patrões, que dispensam sistómàtica-erte os empre_
tência. Csório da Rocha Diniz, num trabalho sôbre gados que se aproximam dos dez anos de permanênciá no
A Estrutura e ,o Desenuol,ur,mento Econômtco do Brasr,l, omprego, como recurso para_ irnpedir a estabilidade asse-
resume tais deficiências em têrmos da falta de "professô- gurada pelas leis trabalhistas. Além disso, o operário que
res capâzes ou especializados, pouca saúde dos estudantes, lccebe treinamento formal, dependendo naturãImente da
falta d,e ada taçã,o dos trabalhos às reais necessídad.es da cspccialidade, é automàticamente candidato ao trabalho
comunzd,ade" (ts). "por conta própria", em pequenas oficinas. As atuais con-
De um modo geral, parece que os alvos do ensino pro- rliq'ocs do mercado de trabalho e os padrões de baixa qua_
fissional náo se ajustam às reais necessidades da indústria Iitlirclc dos serviços a qure os consumidores estão acostuirra-
brasileira, apesar dos esforços já realizados. rio5, 1lç.ppjtem que profissionais náo muito experimenta_
rlos olrtcnham lucros razoáveis quando trabaliram inde_
(18) TenquÍwro DE SousA FrLso, O Ensino Técnico no Brasil, lrt,rrrlt'nl.cmente. Como ainda mais, o trabalho ,,por conta
Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1887, págs. 51-52. prlriplilr" garante maior autonomia na disposiçãô do tem_
(19) Osóruo DA RocrrA DrNrz, á Estrutura e o Desenoolüinxento p(), (' lr-s,scgura uma posição socialmente ,,mais respeitável,,
Ecanômico do BraÂil, Ediçáo Saraiva, Sáo Paulo, 1957, pág. 236. ;r, l'lrlr.lhador, compreende-se a sedução que estas ativi-
226
227

1
I

dades exercem sôbre todos aquêles que possu,em um míni- Com relação ao problema da natureza da atividade
mo de qúalificação para exercerem-nas. industrial brasileira o Senai tem feito sondagens que indi
Ainda umâ vez, naturalmente, o problema em questão cam a necessidade da diversificaçáo dos cursos industriais
se nosso processo de industria-
liga às condições gerais do para que possam atender às necessidades da nossa indus-
lizaçáo. O que importa considerar é que enquanto as con- trialização. Como se pode ler numa conferência feita pelo
dições de rentabilidade da emprêsa industrial brasileira Dr. Joaquim Faria Góis Filho, citada anteriormente, o
forem tais que possibilitem esta atitude por parte do em- sistema escolar do Senai está organizado para prover o
presário, os objetivos do ensino industrial náo serão ple- País de cursos preterenciaís, com o fim de atender às ne-
namente atingidos, por melhores que sejam os projetos de cessidades de tuncíon0,fi1e"fi,f,6, conseruaçdo, reparo e subs-
reforma que se venha a elaborar e por melhor qrre s-eja tttur,ção de peças e máquinas do parque industrial do País.
êste ensinô do ponto de vista da excelência do artífice for- Em consequência, o Senai organizou cursos prioritários
mado, a menos que se modifique radicalmente a estrutura destinados "à formação e ao aperfeiçoamento de operá-
do sistema ed'uóacional e quô se altere as expectativas rios para os diversos ramos industriais". Da mesma for-
quanto aos objetivos presumíveis do ensino industrial na ma, os cursos da "Fundação GetúIio Vargas" preparam
atual fase do processo de desenvolvimento econômico do técnicos para diversas especialidades industriais. Ainda
Rrasil. assim, entretanto, é preciso ampliar e conduzir racional-
A1ém dos obstácuios já apontados para a eficiência do mente, isto é, na base de previsões fundadas sôbre as ne-
ensino industrial, existem outros que se prendem às dife- cessidades presentes e futuras de máo-de-obra qualifica-
renças quanto ao grau de desenvolvimento industrial das da, êsse processo de diversificaçáo dos cursos industriais.
várias rãgiões do Brasil e quanto à natureza da atividade Com relaçáo ao ensino de níve1 superior a situaçáo
industriai nas diversas áreas do País, que precisam ser náo é oiferente. Por um lado, o sistema existente não
ccnsiclerados pelos planejadores da educação profissional. é capaz de prover a economia do País de profissionais
Esta precisa ser flexível, quantitativa e qualificativam,ente' na quantidade e nas especialidades necessárias.* Por
corrro dissumos acima sôbre a educação em geral. Náo é outro, a organizaçáo do ensino se orienta por padrões
outro aliás o significado da variaçáo da freqüência das que se prendem aos ideais de educaçáo de uma sociedade
escolas do Senai nos diversos Estados brasileiros(e0): de base agrária. A procura espontânea das escolas supe-
RÊDE DE ESCOLAS DO SENAI riores brasileiras, por parte dos que as podem cursar, mos-
Sáo Paulo 30 ParaÍba ... . . . 2
tra até que ponto interêsses e ideais vinculados à orde1r-r
Distrito Federal . , 5 EspÍrito Santo 2 social tradicional continuam a aluar na orientação da con-
Minas Gerais .... 13 Goiás .
,2 duta de nossa juventude.
Rio de Janeiro . . 11 Mato Grosso Segundo uma estimativa realizada sob a orientação
Rio Grande do Sul 11 Pará . 1
clo Dr. Américo Barbosa de Oliveira, as oportunidades de
Paraná I Alagoas 1

Pernambuco..... 5 Maranháo 1 trabalho no País em 1950, nos setores das "profissões libe-
Bahia . 5 Rio Grande do Norte 1 lais", da "administração pública" e das "atividades so-
Santa Cata,rina . . 5 Piauí . 1
ciâis", totalizaram 773.940. Em face dêsse nível de solici-
Ceará Depart. Nacional ... 1
Sergipe
. 3
2
taçáo do mercado de trabalho, entretanto, o sistema de
TOTAL GERAL 111 institutos superiores de ensino sómente pôde preparar, até
aquela data, 164.332 profissionais. Encarado como fator de
(20) Cf.. Diretrizes Atuais da Aprendizagenl Industriol, confe- desenvolvimento econômico, o sistema de ensino brasilei-
rência pronunciada pelo PIof. JoÀQUrM FARrA Górs Frlno, ab|il de
1956.
ro, no nível superior, não corresponde, portanto, às neces-

228 229
sidades efetivas. Partindo-se dos dados apresentados no brasileiro, veremos que ainda é muito elevada a influên-
Quadro IV, podemos afirmar que em 1950 verificava-se um cja dos padrões tradicionais de valorização das atividades
d,éfictt de 79% de profissionais, em face das oportunidades humanas. Segundo estudo pubiicado em Anhembt (22)
de trabaiho apresentadas peia estrutura econômico-social "agora as Faculdades de Filosofia passam a exercer papel
elo País" complementar ao das antigas Faculdades de Direito. Ne1as
A gravidade oa situaçáo não decorre apenas dessa ingressarão os jovens [...] ansiosos por adquirir cultura
insuficiência. Ela é mais séria e complexa ainda. O siste- geral e que encontram nessa inovaçáo do nosso sistema
ma do ensino superior brasileiro, além de insuficiente educacional a oportunidade desejada para o aprendizado,
como um todo, é deficiente na suâ distribuição interna. sobretudo das letras". Como "náo há condições materiais
Os cursos superiores que se encontram em funcionamento pâra o funcionamento de Faculdades de Filosofia", de mo-
não atendem às necessidades presentes da economia do do a "despertar vocações científicas ou literárias" que
País. Em 1957, em plena expansão industrial, é da ordem correspondam às exigências efetivas da cultura moderna,
de 27fi o coeficiente de alunos matriculados nos cursos de essas escolas moldam-se segundo o padráo tradicional de
Direito. Se juntarmos a êsses, outros cursos superiores, escola superior.
como alguns das Faculdades de Filosofia, Ciências e Le- Isto significa que, exatamente através das escolas que
tras, que continuam o tradicional bacharelismo retórico foram introduzidas entre nós como inovações capazes de
produzir modificações essenciais no padráo brasileiro de
QUADRO IV escola superior, a tradiçáo do ensino livresco e "desinte-
ressado" tem conseguido manter-se, embora reajustado às
EVOLUÇÃO DO ENSTNO SUPERTOR,, DO TOTAL DE DIPLO-
MADOS E DAS OPOR,TUNIDADES DE TR,ABALHO (21) novas condições de vida intelectual. Com exceção de algu-
mas faculdades de filosofia quÊ consgguem preencher,
parcialmente, as funções culturais para as quais foram
1950 criadas, a imensa maioria das escolas dêsse tipo repre-
senta uma tendência perigosa de sobrevivência cultural
Discriminacd,a 1940
no nosso sistema de ensino.
Valôres Índi,ces
absolutos ( 1940-100) Mas, mesmo as escolas que inicialmente foram orga-
nizadas sob a inspiração de padrões universitários de labor
intelectual e que contaram com a colaboraçáo de especia-
lvlatrícula gera,l 2L.235 ed 584 117 listas estrangeiros, como a Faculdade de Filosofia, Ciên-
de curso
C,onclusões 4.810 6 262 t29 cias e Letras da Universidade de São Paulo, terminaram
Diplomados existentes 108.496 1 58 070 t4B por assimilarem-se, parcia).mente, ao antigo padrão brasi-
Apartunidades ile leiro de escola superior, por causa dos influxbs que sofre-
trabalho ram do meio social inclusivo, como se pode verificar atra-
Nas profissões libe-
- rais vés de uma análise feita por uma comissão de professôres
61.910 78.858 127
Na administraçáo da referida escola(23).
- púbiica 234. 860 260.'167 111
Nas atividades so- (22) "Mais uma Faculdade,', in Anhembi, Ano VII, N.o 81, Vol.
- ciais 205.576 434.315 2tt XXVTI. S. Paulo, agôsto de 1957, págs. 554-558.
(23) I'LoRESTAN ITERNANDES, relâtor, Erasmo Garcia Mendes e
(21) Cf.. O ensino, o trabalho, a populaçd,o e a rendd, idenx,
Waltcr Schntzer, Re\dtório sôbre as necessid,acLes urgentes cta Facut_
quadro 3, fls. dn.d.e de Filosa.Íia, Ciências e Letras d,a u.S.p., eciiçáo datilografada.
2.
r Í)53.

230 231
,T 1
f

QUADRO V Acompanhando-se a coluna dos valôres percentuais do


ENSINO SUPERIOR, (24) 1957 Quadro V, ver-se-á como é diminuto o coeficiente de ma-
trícula nos cursos diretamente vinculados ao processo de
Aluno s nlq,triculad,o s )
desenvolvimento industrial e agrícola.
no início d,o ano leti.uo
N.o de i Essa situaçáo se torna ainda mais chocante quando
Rctntos d,e ensino I
examinarnos as modalidades do ensino de Engenharia (in-
Cursos I

Valôres Vatôres I
I
cluindo Arquitetura e Urbanismo) de que dispõe o País.
Nota-se claramente a resistência ao que se chamava no
I

absolutos nerceníuaisl
l
passado de "artes industriais". É o que se manifesta na
AdministraÇáo púbiica
i
coluna dos valôres percentuais no Quadro VI, pois, en-
e privada 4 771 1,00 quanto 70/o dos alunos matriculados no início do ano leti-
,deronáutica civil 3 135 0,15 vo, em 1957, cotrcentram-se nos cursos de Arquitetura e
Agronomia L2 t.428 1,80 de Engenfiaria Civil, os outros 30% distribuem-se pelos
Ârquitetura e urba- cursos que interessam mais diretamente à industrializa-
nismo 10 1.661 2,t0
Alte dramáLica e eo- ção do País, tais como Engenharia Mecânica, de Minas,
reografia 3 208 0,2õ [letalurgia etc..
Belas-artes 27 952 L,20
"A engenharia no Brasil, diz Corwin D. Edwards, no
Bilrlioteconomia 6 Áóo 0,35
presente momento, é inadequada à resolução do problema
Ciências econômicas 64 5 820 7,30
Diplomacia 1 46 0,05 atual [o desenvolvimento da indústria], seja quanto ao
Direito 48 2L 698 27,30 número de profissionais militantes, seja no que se refere
Economia doméstica '1 34 0,05 à variedade das especializações". Além disso, êsse ramo
Educaçáo física I 693 0,85
do ensino "é ministrado geralmente em 5 anos, precedi-
E,nfermagem 35 1 581 2,00
Engenharia 69 I490 10,65 dos de 12 anos de estudos preliminares [jardim de infân-
EstatÍstica 2 189 0,25 cia, cursos primário, ginasial e colegial]. A idade de for-
Farmácia e odontologia 52 6 463 8,24 matura regula 24 anos. É natural que tão longo período de
Filosofia, ciências e
estudos contribua para desencorajar a escolha da profis-
Ietras 359 14 669 t8,45
Jornalismo Õ 426 0,50 sáo. O número de estudantes provàvelmente cresceria, se
Medicina e saúde pú- fôsse encontrado um meio de encurtar a duração dêsse pe-
plica 30 10.397 13,10 ríodo, hahilitando-se a conseguir um emprêgo remunera-
Museologia I 43 0,05 cior aos 22 anos de idade" (25).
Música e canto orfeô- 30
nico t.226 1,50
Como se vê, existem contradições que náo sómente
PolÍcia civil 4 164 0,20 reduzem o rendimenlo dos cursos como dão orígep a ten-
Química industrial 4 95 0,10 sões de diversos tipos.
Serviço social 22 1.101 l,4A AIém disso, as escolas de tipo polttémico organizam-
Sociologia e política 2 165 0,20
se como uma espécie de contrapartida, no plano das esco-
Veterinária Õ 762 1,00
las técnicas, do que eram as escolas de Diretto ou sáo, atu-
almente algumas de Filosofía no campo da "cultura geral":
TOTAL 814 ?9.505 100
(25) Corwin D. Edwards, "EducaÇáo", em A Missd,o Cooke no
Q4) Ct. Anud,rio Estatístico do Brasil, 1957, e,Jiçá,o do Conselho I
/lInsil, ediçáo cia Fundaqão Getúrlio Vargâs, Rio de Janeiro, 1949,
Nacional de ilsta"íÍstica, rncr, págs. 385-388. p:igs. 277-299.

232 233
l

são escolas que formam doutôres em engenhoria., que náo dentre as mais antigas) e estão prestando reais serviços
podem de nenhum modo, confundir-se com os mestres de ao País, do ponto de vista da formação de técnicos e pro-
abra ou os possuidores de ofíctos mecântcos. O mesmo se fissionais competentes. E, por outro lado, como a estrutura
pode dizer de algumas escolas de agronomia. E tambérn da nossa economia apresenta estágios de desenvolvimento
de algumas de meoicina, onde existe até uma tradiçáo de diversos, muitas das escolas que tendem ao antigo padrão
refinamento verbal nas exposições em aula, que permite de ensino superior podem manter-se, pois que a relativa
aos mais hábeis dentre os mestres (catedráticus) aspirar indiferenciação técnico-profissional na qual treinam seus
uma vaga na Academia Brasileira de Letras... alunos ainda encontra sua razão de ser na também rela-
Existem, é óbvio, escolas no nosso sistema de ensino tiva indifereneiação da economia de certas áreas do Pais.
superior que fogem a êsses padrões tradicionais (rnesmo
De qualquer maneira, contudo, apesar das boas escolâs
QUÂDRO VI existentes, e das funções sócio-culturais que algumas de
padráo antiquado ainda podem exercer, a maioria das
ENGENHARIA (26) 1957 escolas superiores do Brasil representa um empate de ca-
pital improclutivo do ponto de vista do desenvolvimento
econômico do País.
Alunos matriculados
N.o
no início do ano letiao E preciso considerar, ainda, que na área do ensino
d,e
Modalidades cleve incluir-se, com especial destaque, o setor da pesquisa
Cttrsos
Valôres Vdlôres
científica. Os institutos de ensino superior precisam con-
absolutos percentuait tar com departamentos de investigações científicas devi-
damente aparelhados, a fim de que se aperfeiçoem pro-
Arquitetos
gressivamente as técnicas e os processos produtivos, bene-
1 1.5 00 15,00
ficiando-se assim a sociedade. Sabemos que é essencial à
Civis 2t 5.5 33 55,00
De aeronaves 1 1 36 1,30 clinâmica do crescimento econômico uma contínua racio-
De aerovias 1 76 0,70 nalização das atividades produtivas, o que significa, entre
De eletrônica 1 t26 1.30
De minas 5 288 2,80
outras coisâs, o aperfeiçoamento constante dos Jatôres da
De petróleo 1 131 1,30 produção. A segunda revolução industrial, que estamos
Eletricistas o 672 6,80 assistindo presentemente, resulta dos desenvolvimentos
Geógrafos 0,05
5
c.las fôrças produtivas dos países industrializados. A nuúo-
1
Geólogos 2 43 0,40
Industriais 2 141 1.40 mcúrzação, por exemplo, liga-se diretamente à cibernética;
Mecânicos àI
681 6,70 isto é, os sistemas de contrôIe e direção, que caracterizam
Mecânicos-eletricistas 2 ôoo 2,25
Metalúrgicos 5 3B 0,35
a automatizaçã.o, são aplicações de equipamentos cÍberné-
Químicos 11 393 3,85 ticos.
Urbanistas 3 111 1,00
Werner Sombart, ao discutir s formação e o desen-
rzolvimento da economia capitalista, põe em evidência a
TOTAL 19 10. 151 100 inrportância do progresso técnico, relacionando o aumen-
lo cio número de inventos com o desenvolvimento econô-
(2S) Cf.. Anudrio Estatístico d,o Brasil, 1952, idem, págs. gB9-391. rrrico. Veja-se, por exemplo, como evolui, segundo êsse

234 235
Tr

autor (r7) o número de invenções realizadas nos Estados QUADRO WII


Unidos: PATENTES INDUSTRIAIS EXPEDIDAS
BR,ASIL
QUADRO VII
Anos Patentes
PATENTES DE INVENÇÕES CONCEDIDAS
ESTADOS UNIDOS 1831-1835 1
1836-1840 4
Anos Patentes 1841-1845 1
1846-1850 15
1851- iB55 40
Até 1790 o 1856-1860 2'.1

1?91-1800 304 1861-1865 41


1801-1810 1 .093 1866-1870 53
1811-1820 1 .783 1871-1875 61
182 1-1830 3 .044 1876-1880 294
1831-1840 5 .652 1881-1882 140
1841- 1850 5.r942 1BB3-1889 815
1851-1860 23 .140
1861-1870 79 .8t2
1871-1880 125 .520 Evidentemente êsses dados devem ser examinados
1881- 1890 201 .850 com cautela. Não devemos esquecer que a economia bra-
1891- 1900 220 .840
1901-1910 315 .351
sileira beneficiou-se da importaçáo de tecnologia alieníge-
1911-1920 383 .885 na, isto é, da importaçáo de máquinas e equipamentos
construídos e aperfeiçoados nos países mais induslríaliza'
dos, pois o processo de industrialização do Brasil iniciou-
Êsse mesmo fenômeno observa-se no Brasil, onde I se com atraso. Todavia, náo se pode negar que o sistema
também o número de patentes industriais registradas pode educacional brasileiro jamais contou com um setor de
ser tomado como índice do rítmo de desenvolvimento eco- pesquisas científicas sólidamente apoiado. Mesmo no pre-
nômico (28): sente, quando as autoridades administrativas do País reve-
lam ter maior consciência da sua importância, não conta-
mos com os recursos necessários ao desenvolvimento da
investigaçáo científica segundo as exigências do desen-
voh,imento do País.
Em resumo, no plano do ensino superior, as deficiên-
cias apontadas nos parágrafos anteriores concentrâm-se
em três grupos principais. Em primeiro Iugar, no que tan-
ge à capacidade do sistema de cursos superiores, que é
insuficiente para atender à procura existente no mercado
de mão-de-obra qualificaoa (veja-se Quadro IV). Em se-
gundo lugar, no que diz respeito à distribuiçáo dos cursos,
Q7) Werner Sombsrt, EI Apogeo del Co,pitalisnzq ediçáo da
Fondo de Cultura Econó'mica, México, 1946, Vol. I, págs. 125 e L26. seja no que se refere aos diversos ramos de ensino (veja-
(2S) Veja-se Osóero DA RocHA Drrrz, op. cit., pág. 209. se Quadro V), seja quanto à distribuição das diversas mo-

236 237

t
I
daliclades no interior de um mesmo ramo de ensino (veja- 4. Considerações finais
se Quadro VI). Essa distribuiçáo, conÍorme já vimôs,
revela a sobrevivência do padráo tradicional de ensino
sqperior, mais adequado a uma ordem social que se dese- As considerações e os dados que apresentamos mos-
java estável de que a uma estrutura sócio-econômica que tram que o sistema educacional vigente não satisfaz às
se transforma cada vez mais râpidamente. Em terceiro necessidades da atual fase de desenvolvimento da nossa
lugar, o ensino supe1i61' brasileiro ainda se organiza de economia. Ele deixa muito a desejar, tanto do ponto de
tal forma que se orienta para fornecer aos alunos ,,cultura vista da capacida<i'e de fornecer a quantidade de pessoal
geral", e não capacidades e habitidades especiais, mesmo treinado, nos diversos níveis de ensino, requerido pelo
na maioria das escolas proftsstonaís ou técnr,cas. crescimento econômico do País, como do ponto de vista
da qualidade e da diversidade dos profissionais necessá-
Em outras palavras, o sistema de ensino superior bra- rios à expansão da nossa economia.
sileiro, dado o fato de vincular-se diretamente às ideolo- Essa inadequação produz, naturalmente, conseqüên-
gias político-sociais das camadas ou grupos dominantes cias inCesejáveis. Por um lado, dificulta a introduçáo de
técnicas realmente capitalistas de produçáo, pois quõ êstes
em determinados momentos cruciais da formação e desen- dependem da invenção tecnológica e da utilização de ma-
volvimento da sociedade brasileira é um sistema que se terial humano devidamente treinado. por outro lado, tor-
transforma vagarosamente, sômente segundo os fiis so- na-se uma fonte de determinados tipos de tensáo social
ciais selecionados por aquêles grupos ou camadas. Pol: que emergem na sociedade como consequência da preser_
isso, à medida que se acelera o desenvolvimento da infra- I vação de ideais tradicionais de formaçáo da juventuHe que
estruturz. econômica do País, maior se torna a inadequa- já não correspondem às condições vigentes- de existêntia
çáo o'a.queles sistema. Sàmente quando os grupos dominan- social.
tes compreenderem que a sua própria sobrevivência, bem Lembremos, ainda uma vez, que à revolução indus-
como a sobrevivência da sociedade inclusiva, depende de trial- correspondeu a revolução científica, e que nos países
uma verdadeira integração nacional, on.de tôdas as fôrças subdesenvolvidos não será possível introdulirumá eco-
sociais e econômicas possam desenvolver-se plenamente, nomia industrial sem que, ao mesmo tempo, se processe
será possíve1 reorganizar adequadamente o sistema de uma transformação nos métodos tradicionais de pensa-
mento e criação intelectual, e, portanto, nos de ensinar a
ensino. pensâr e produzir intelectualmente: "a revolução cientí-
fica não foi nem causa nem consequência da primeira re-
Cabe ao educador mostrar essas contradições e â volução industrial. Mas as dutrs revoluções foram inclis-
necessidade de solucioná-las, ainda que náo seja pos-
Fensáveis para o triunfo da civilização industrial [. . . ]
sír,el fazê-Io a curto prazo. A simples sugestão de me- Sem mudanças fundamentais nos métodos de pensamentó
didas de transformação da orientação do ensino su- o mundo não teria obtido os meios necessários para a rea-
perior pode agir dinâmicamente, acelerando o processo iizacáo dos seus objetivos" (20). Sem a transformação oe
de mudança da mentalidade dominante neste setor da conhecimentos científicos em instrumentos e conhecimen-
I
educação b rasileira, d'e forma a criar as condições in- tos técnicos, acresce?ltamos nós, não se realizariâ a revo-
telectuais e emocionais capazes de permitir o aprovei- Iução industrial.
tamento das oportunidades de transformação que as (29) JoHN U. Nnr, La Naissance d,e t.a Cioitis\,tion Ind,ustrietle
mudanças sociais possibilitarem. et le Monde Contempord,in, paris, L964, pág,. 71.

238 239
Essa é uma das missóes do educador: colaborar na Vejamos, contndo, em face dos elementos teóricos e
realização da evoluçáo científica, essencial ao pleno desen- empíricos apresentados neste trakralho, quais as diretrizes
volvimento do processo de industrialização. O problema preliminare! que poderíarrios sugerir no sentido daquela
crucial que se coloca ao sistema de ensino, pois, é possibi- reorganização.
litar a aplicação dos conhecimentos científicos disponíveis, . - Com relação_ao ensino profissionai e técnico, em espe-
transformados em recursos técnicos. A ciência como um cial, nos seus vários níveis, creÍnos que as consideraçães
todo, e em cada uma das suas partes, é um instrumento feitas permitem que se aponte argümas característlcas
de que o homem pode lançar mão, náo apenas para ajus- gerais parâ as quais deve teniÍer êste setor da educaçáo,
tar-se às condições emergentes numa dada situaçáo, mas de form-a que possa integrar-se como um fator de ajuita_
também para atuar sôbre aquelas condições, provocando mento dinâmico na atual fase cio crescimento industiial e
desenvolvimentos que poderão beneficiar a coletividade do processo de mrldança social do Brasil.
mais ràpidamente. E preciso, em primeiro lugar, acer:.tuar a tendência de
diversificação quantitativa e qualitativa do ensino indus-
Os dados apresentados mostram que o nosso sistema trial nas diversas regiões do País. para que êsse processo
de ensino, especialmente no que se refere ao ensino técni- seja conduzido racionalmente é necessário proceder o le-
co e proÍissional nos seus vários níveis, não está apare- vantamento das necessidades de máo-de-obia, em quanti-
lhado para desempenhar tal papel. Torna-se necessário, dacle e qualidade, dessas áreas.
por isso, que se the introduzam modificações substanciais, Em segundo lugar, a décal,age existente entre as pre-
de forma a permitir que o sistema educacional se integre visões das nossas necessidades de mão-de-obra qualifica-
na com,.rnidade, servindo-a efetivamente. cia e as possibilidades de formaçáo de profissionãis mos-
tra que precisamos ampliar vigorosamente o ensino indus-
Náo se trata, contudo, de projetar reformas que visem trial. Essa ampliação significa a inversão cle somas consi-
modificar apenas os setores técnicos e profissionais da deráveis de capital. Nos países subdesenvolvidos, mais ain-
educação. De pouco adiantará êsse reajustamento se náo da do que nos já industrializaclos, inverter capitais nesse
forem introduzidas inovações consideráveis no sistema setor_da-educaçáo é investir produtivamente, desde que
educacional global. Náo discutimos esta questão aqui, mas os indivíduos treinados pelo sistema escolar venham a Êer
ficou implícito no início desta exposição, que há necessi- aproveitados efetivamente e de forma produtiva na eco-
dade de reformas gerais, a partir do ensino primário, no nornia do País. Ora, já vimos que existem algumas injun_
sentido de ajustar a educaçáo brasileira às condições con-
ções estruturais que têm impedido entre nós*tal pro.õr.o.
cretas da economia e da sociedade. A nosso \/er, a solução do problema estaria em mbdifi"ar_
se os alvos atuais do ensino industrial de forma a que êsse
Ôbviamente a concretízaçáo de qualquer medida des- atenda mais às solicitações já existentes na nossá indús-
sa espécie sômente pode scr levada a efeito à base dos tria do que às Íuturas. Cremos que não seria descabido
resultados de investigações condrlzidas cientificamente, pensar-se num plano, a longo prazo, no qual em primeiro
por antropólagos, sociólogos, psicólogos e educadores. lugar se objetivasse o adestramento enl,massa, rápldo, prá-
Essas pesquisas deveriam ser orientadas de tal modo que, tico e eficiente da mão-de-obra necessária, e, paulatina-
com um mínimo de recursos materiais e humanos e no mente, se, pensasse no aprimoramento da educaçáo profis-
mais curto pràzo, fôsse possível levantar as condições e sional. AlgUmas das escolas atualmente existentes-pode-
os objetivos de uma reorganização completa crb sistema riam continuar visando a etcelêncr,a d,o artífi,ce, formando
de ensino brasileiro. c núcleo das unidades escolares que no futuro-tenderiam
240 241
para um padráo mais aperfeiçoado de ensino (e isto tanto namento mrnimo, que precisamos urgentemente. Por outro
no nível do operário qualificado como no dia rnestria ou 1ado, com a flexibilidade da seriaçáo seria possíveI manter
no dos técnicos). Ao lado disso, criar-se-ia escolas de novo algumas escolas orientacÍas no sentido de melhorar a qua-
tipo, de sentido mais prático, de custo mais reduzido, e de lidade do ensino, visando, assim, a excelência profissional
currículo mais rápido. Pelo menos para o nível de operá- do formando, padrão para o qual deveria tender todo o
rios qualificados ou semi-qualificados é preciso fazer um sistema de ensino, mas â longo prazo.
esÍôrço no sentido cl'e oferecer o preparo mínimo necessá- Com reiação ao ensino superíor, o sentido geral das
rio antes que êles sejam envolvidos pelo mercado de tra- reformas necessárias é o mesmo apontado acima. À medi-
balho, ou entáo em condições tais que possam enquadrar- da que as escolas tendessem à formaçáo de especialistas,
se num aprendizado produtivo e lucrativo tanto para os seria possível pensar-se na redução do currículo escolar,
aprendizes e suas famílias, como para as indústrias. Não tanto com relaçáo ao número de séries ou anos necessários
cremos ser descabido pensar-se, por outro lado, na criaçáo parâ a diplomaçáo do aluno, quanto no que diz respeito à
de centros de treinamento, que será ministrado nas pró- simplificação e atualizaçáo das disciplinas constantes do
prias indústrias, nos moldes do T.W.I ., como uma soluçáo currículo das escolas de tipo profissional ou técnico. Ao
de emergência para a melhoria do rendimento da máo-de- mesmo tempo seria desejável desenvolver os cursos de pós-
obra disponíveI. graduação, através dos quais o aluno poderia ser treina-
Existe tramitando no Congresso Nacional um projeto do, seja no aprimoramento da técnica, seja no desenvolvi-
de reorganízaçáo escolar e administrativa dos estabeleci- mento da ciência e da pesquisa fundamental. A diversifi-
mentos de ensino industrial do Ministério de Educação e cação das oportu,nidades de profissionalizaçáo que se pode
Cultura (projuto n.' 501/55) que consubstancia algumas obter com a especialização crescente que a róforma dos
destas medidas. Aprovado êsse projeto, o ensino industrial currículos permite, impõe-se no momento em que a estru-
ganhará maior flexibilidade, permitindo meihor ajusta- tura econômica do País se torna mais complexa e diversi-
mento entre a escola e a comunidade. Cremos, entretanto, ficada. Precisamos substituir o velho sistema de ensino
que a seriação proposta (4 anos para o curso básico e 4 superior de alternativas restritas de profissionalização por
anos para o curso técnico) apesâr de que a partir de con- uma organizaçáo rnais flexível do ensino.
siderações meramente pedagógicas justifica-se plenamente, Por outro lado, uma vez qLlre o desenvolvimento da
acarretará, por fôrça, a evasão escolar e será um empeci- rêde escolar superior é oneroso, é preciso orientar melhor
tho ao rápido crescimento da mão-de-obra qualificada e as inversões da Uniáo e dos Estados neste setor da educa-
semiqualificada de que o País precisa urgentemente. Tan- ção brasileira. Isto seria possível através de uma política
to mais que a lei proposta traça diretrizes que terão de que incentivasse a criaçáo das escolas que formam profis-
ser obodecidas, no que diz respeito à duraçáo dos cursos, sionais realmente requeridos pelo mercado de trabalho das
em todo o território nacional.
áreas nas quais elas vieram a instalar-se.
AIém dos cursos de aprendizagem, cuja duração pr"e-
L

Em síntese, a reorganizaçá.o do ensino superior pode


vista por êste projeto é de vinte meses, no mínimo, cremos ser feita a partir de um plano nacional que organize de
que seria necessário introduzir modificações na proposiçáo
de forma que as escolas disponham de maior flexibilidade forma mais flexível os currículos, e vise, por um lado, rea-
no que se refere à duraçáo dos cursos regulares. Sómente justar paulatinamente às condições <io mercado de traba-
I com uma redução do tempo necessário para o término dos lho as escolas oficiais e particulares existentes, e, por outro
cursos básicos e técnicos será possível obter resultados sa- lado, disciplinar racionalmente a expansão da rêde de ensi-
tisfatórios quanto ao número de profissionais com um trei- no superior, gue até agora tem sido caótica.
I

242 243
ÍT

A oportunidade oÍerecida para estas reformas pela tra-


mitação na Câmara Federal do projeto de Diretrizes e Ba-
ses da Educaçáo não deve ser perdida. Além da reforma
do currículo e da seriaçáo mínima necessários aos diversos
cursos de nível superior, Q5se projeto deve, a nosso ver,
disciplinar o processo de crescimento do sistema de ensino
sqperior brasileiro, estipulando um conjunto de exigências CAPÍTULO XVI
necessárias para a criação de novas escolas, e encarregan-
do o Conseiho Nacional de Educação de controlá-Ias. Entre
estas exigências poderíamos destacar, em primeiro Iugar, CONDIÇÕES SOCIAIS DO
a de provar-se a existência de um mercado de absorçáo dos ENSINO DEMOCRÁTICO
futuros diplomados na regiáo onde se pretender instalar
escolas superiores novas. Em segundo lugar, mas náo me-
nos importante, estaria a exigência de que os professôres
destas novas escolas sejam realmente especialistas nas 1
matérias que iráo lecionar, e não apenas "homens de cul-
tura" transformados em técnicos, especialistas e hurnanis-
tas. No bôjo do debate relativo à crise que assola o siste-
ma brasileiro de ensino, muitas são as confusões, simplifi-
cações e omissões que têm sido praticadas por uns e ou-
tros. Fala-se em comercialização do ensino; tenta-se encon-
trar saída para o dilema escola pública ou escola privada,
quando náo escola Iáica ou escola confessional; almeja-se
dignificar a funçáo docente, propugnândo-se elevar os ven-
cimentos dos professôres; sucedem-se os projetos de dire-
trizes e bases; etc.. Enfim, a intensidade e a extensão do
debate revelam um complexo e confuso amálgama de teses
e posições, denunciando a existência de um problema cru-
cial, que desafia administradores e políticos, educadores e
cientistas sociais. Os recentes tatêios e desacertos de pes-
quisadores e instituições indicam, em parte ao menos, o
caráter densamente complexo do dilema educacional bra-
sileiro.
Entrando, embora inadvertidamente, nesse estranho
simpósio, é nosso intento chamar a atençáo para alguns
pontos que não têm sido suficientemente ventilados e que,
segundo nos parece, se colocam exatamente na base do
problema. Deixando para outros o combate a certas posi-
ções relativas ao assunto, algumas das quais seráo implí-
citamente rejeitadas neste artigo, é nosso intúito examinar
apenas determinadas condições significativas subjacentes
244 245
que afetam a sua discussáo objetiva e perturbarn a formlr- ,
lacáo das soluções adequadas ar: interôsse da. maior parte
do povo. É pacífico entre os educadores, administradores e polí-
ticos que a renovaçáo do sistema brasileiro de ensino de-
A necessidade de consolidaçáo e expansáo da escola pende de uma renovaçáo racional, que deve ser efetuada
púbiica, leiga, dirigida, subvencionada e rninistrada pelo em fidnção das novas condições de vida emergentes em
poder púrblico, secundado pela opiniáo pública por inter- áreas cada vez mais extensas d'o país. Os desenvolvimen-
médio dos seus órgãos, é uma contingência inerente às tos dos processos de industrialízaçáo, urbanização, secula-
condições presentes e às per5psctivas imediatas do desen- rizaçáo da cultura e do comportamento humano etc.
volvimento da sociedade brasileira, considerada em suas Íenômenos que estão ocorrendo conjugada e interativa- -
diversas camadas sociais e em suas forrnas relativamente mente colocaram a presente estrutura administrativa
distintas de organizaçáo nas diferentes regiões do país. Os -
(riistribuiçáo e ordenação das matérias, relações entre pro-
clesenvolvimentos econômicos e sociais, as transformações fessor e alunos, distribuiçáo das tarefas pedagógicas, Iúdi-
do sistema cultural, consubstanciados especialmente na cas, etc.) em condições insatisfatórias, no que diz respeito
expansão capitalista, da urbanização e da secularização da à formaçáo do cidadão. Mas é necessário que se'caracterize
cultu,ra, exigem a constituição cle um novo tipo de escola. claramente o que se deve alcançar com essa reorganizaçáo.
A segurança que a sociedade oferecerá ao indivíduo, em A nosso ver, eIa precisa atingir, ainda que tangencialmen-
face das novas condições de existência material, sómente te, porque não o pode totalmente, a escola enquanto um
poderá ser avaliada pela capacidade que êsse mesmo indi- grupo social institucionalizado. Os reformadores precisam
ponderar suficientemente os cornponentes sócio-culturais
víduo tiver adquirido para ajustar-se dinâmicamente a
situações tais como: um mercado de trabalho complexo, a
do grupo humano sôbre o qual pretendem atuar. É neces-
sário que a interferência se efetue de forma a alcançar os
competiçáo no interior da emprêsa, a capacidade de ope- objetivos preconizados sem provocar a formação de pro-
rar segundo categorias racionais de ação, a incorporação dutos sociais (que podem ser atitudes, opiniões, valores,
de valores e padrões sócio-cultuirais novos etc.. Sem êsses etc.) imprevistos e nocivos aos fins sociais almejados.
atributos êle será incapaz de ajustar-se com eficacia, e O reformador, quando examina as possibilidades de
segunOb os próprios ideais, como jamais apresentará o reforma do sistema de ensino, não pode prescindir de dois
rendimento máximo possível que a rsociedade espera e fatôres fundamentais em suas reflexões: o professo,r e o
necessita. aluno. Êsses são os personagens, os agentes humanos que,
Vejamos, pois, ainda que de modo sucinto, algumas
afinal, seráo atingidos por suas medidas. E êies náo sáo
seres passivos, inermes. Trata-se de pessoas que, ao lado da
condições que precisam ser ponderadas quando se preco- condiçáo existencial que lhes é inerente, são portadores de
niza a intervenção racional na área do sistema escolar. cultura. Um e outro levam para a sala de aula uma cons-
Náo pretendemos realizar uma análise demorada dos fatô- telação peculiar de ideais, normas de comportamento etc.
res sociais que, direta ou indiretamente, favorável ou des- Ambos agem e interagem socialmente em Íunçáo de siste-
favoràvelmente, interferem na instauração do ensino rl'e- mas peculiares de referência, que às vêzes se ligam a sÚb-
mocrático. Nossa intençáo é levantar determinados aspec- culturas distintas. Os comportamentos do professor, de um
tos marcantes de uma questáo que tem sido vista apenas lado, e os do aluno, por outro, sômente sáo inteligíveis à
em alguns de seus níveis. luz dêsses elementos.
246 247
Não pretendemos afirmar que a experiência social an- nismos menos rígid'os de interacão com ela, não estará em
terior, bem como a sui:-cultura à qual pertença o inciiví* condições de aiustar-se satisfatàriamente ao ambiente de-
duo, sejam determinantes rígidos do seu comportamento mocrático que a organizaçáo racional do ensino e o pró-
em um contexto social novo. É evidente que na própria prio professor pretendam criar na escola. O comportamen-
escola, enquanto instituição social estrutuiari'a, fdrmã-se to democrático do professor na sala de aula, pois, não en-
um novo "cosmo" sócio-cu,ltural, que possui valores, sím- contrará suportes sociais e culturais suficientemente inte-
irolos, notrrnas sociais próprios(r). Queêsse novo conlexto, grados pelo aluno. As tensões, os atritos e desajustamentos
urna suh-cultura efetivamente, possui rítmo de funciona_ mais ou menos desastrosos entre o educando e o edubador
rnento, dinâmica e sentido próprios, que acabarn envolven- têm aí, muitas vêzes, os fatôres determinantes.
do decisivamente as pessoas. Mas é necessário ponderar Ern conseqüência, o próprio processo educativo fica
adequadamente a importância de um e outro, na cornpre- sacrificado. A escolarizaçá,o da criança, púbere ou adoles-
ensão e avaliação das possihilidades de interferência ra- cente, prejudicada por êsses elementos de natureza sócio-
cional nessa área da realidade. cultural, reduz-se ao mínimo. Em casos extremos, como
Essa é, a nosso ver, mais uma dimensão do oroblema nas comunidades caboclas, os elementos da cultura urbana,
que estamos focalizando. O ensino democrático, áoncebido Íortemente marcados pela civilização industrial, que o pro-
para servir à ordem econômico-social que se encontra em fessor e o livro procuram incutir nos alunos, náo coàse-
processo de estruturação em amplos sêtores do país, sà_ guem ultrapassar o nível verbal em que são colocados.
mente poderá ser instaurado plenamente quando iambém Quando o educando sai da sala de aula para sua casa, para
aquêles elementos do comportãmento sociai do aluno e clo as atividaries econômicas ou lúdicas que the sáo proporcio-
professor forem suficienternente avaliados. Um professor nadas por seu grupo doméstico, de vizinhança ou de brin-
r:ncontrará dificuldades para desenvolver Llrn ôornporta quedo, aquêIe universo verbal não adquire realidade efe-
rnento "democrático" nas suas relacões com os alu,nos se tiva. Náo há conexáo de sentido p.:issíve1 entre certas li-
tiver sido "socializado" em ambienÍe ,,autoritário'i, cãmo ções relativas ao cornportamento patriótico e as dimensões
o-patriarcal por exemplo. Seria preciso que êle tivesse sido mesquinhas da comunidade cabocla, isolada do país e vol*
plenamente re-socializado nas êscolas lue houvesse fre_ tada sôbre si mesma.
qüentado, ou em outros círculos de convivência social, em Em suma, a escola é uma instituição que se coloca a
têrmos de concepções e normas inerentes à sociedade de- meio caminho entre a família, de um Iado, e a comunidade
mocrática, para que a sua atuação se orientasse em outro por outro, esta e aquela em geral profundamente Íntegra-
sentido. das. Nas condições presentes do ensino no país a escola
_
O comportamento do alu.no, por seu lado, depende do consegue precáriamente ocupar apenas um máximo de
ambiente em que se constitui a §ua personalidadã. Os va_ quatro horas diárias da vida do educando, isto é, ela pode
Iores, os padrões de comportamento, a etiquêta das rela- dispor de 25/o da atividade diurna para realizar um tra-
ções sociais, vigentes no grupo doméstico, sáo os elementos balho que pode ou não ser consentâneo com a conÍigura-
constitutivos da sua maneira de ser no interior do grupo ção da família e da comunidade, que ocupâm, juntas, TD/o
escolar. A criança que sai de um ambiente autoritãrio- e da atenção e das atividades da pessoa.
discricionário, onde o adulto ainda não desenvolveu meca- Afirma-se freqüentemente que estamos em pleno pro-
(1) Uma análise sucinta da escola, como gtulpo sociâl institucio_ cesso de democratizaçáo. Mas é necessário esclarecer que
rralizado, encontra-se em trabalho de ÁNror.rro cÀNDrDo, a Estntturd, não se trata de democratizar, como julgam alguns, apenas
d,a Escola, caderno n.o 5, edição da Fac,Idade de Filoíofia, Ciênciai o sistema politico-administrativo. A própria sociedade deve
e Letras, usp, S. paulo, 19b8. ser plenamente atingida, no que ela tem de substantivo,
248 249
em suâs formas de explicaçáo, nas suas instituições náo portância relativa das ciêneias humanas, ainda que em
políticas, em seus valores, nâs suas normas de comporta- seus rudimentos, no quadro das dísciplinas de cultura geral
mento social etc., que ainda se encontram em maior ou dos cursos industriais?
menor grau, nas diversas áreas do país, e em suas dife- Segundo uma publicação oficial, entre as finalidades
rentes camadas sociais, impregnadas de heranças da ordem da instauraçáo do ensino industrial no país, a1ém de suprir
patrimonialista, substancialmente anti-democrática. Diver- as emprêsas de máo-de-obra qualiÍicada e prover a naçáo
sos exemplos poderiam ser lemhrados aqui, desde o coro- de indivíduos econômicamente produtivos e ajustados às
nelismo até a história e os percalços do sindicalismo e do novâs condições de trabalho, visa-se atehder "aos interês-
direito à greve, passando pelas contradições entre a cidade ses do trabalhador, realizando a sua preparação profissio-
e o campo, a iuta pela extensão da co-educação, a liberta- nal e a sua formação humana"(e). Apesar de não esclare-
ção cia mulher da tutela do homem etc, e chegando-se ao cer o que se deve atender por "formação humana", é pos-
populismo, no que ê1e tem de caudilhesco. Uma anáiise sível verificar que essa é a finalidad" 6gs "disciplinas de
sumária do fenômeno racial brasileiro, isto é, das fases de cultura geraI", que fazem parte dos programas dos cursos
povoamento e das condições de formaçáo do povo brasilei- básico, de mestria e técnico industrial. Ciências Físicas e
ro ilustra suficientemente as contraclições mais ou menos irlaturais, Geografia do Brasil, História do Brasil, Mate-
intensas e denuncia até que níveis se deve levar aqueh mática e Português são as disciplinas quc a lei considera
democratizaçáo. Determinados produtos sociais da comple- de cuJtura geral para o curso básico e que, segundo nos
xa situação de contacto inter-racial, entre os quais se des- parece', deveriam prover a "formaçáo humana" do Edu-
tacam as tensóes entre grupos socialmente definidos como cando. Todavia, um rápido exame do programa de História
pertencentes a raças distintas, são fatôres que merecem do Brasil, que é ministrado apenas nas terceira e quarta
atenção imediata, pelo que representam de impedimentos séries, revela uma preocupação Íundamental com a crono-
ou efeitos perturbadores no processo de desenvolvimento logia e os fatos políticos, concebidos em têrmos da histo-
e consolidação da democracia no Brasil.
riografia oficial. Aos fenômenos e às'cr:ndiçóes econômi-
Mas o fenômeno da democratizaçáo da sociedade bra- cas, sociais e culturais dos eventos históricos muito peque-
sileira é também suscetível de ser focalizado ern outros na é a atenção dispensada. Com a Geografia do Brasil
níveis. Num dêles, entretanto, a abordagem poderia ser ocorre aproximadamente o mesmo, pois à geografia física
extremamente fecunda, pelas sugestões que pode oferecer. é reservada pràticamente a metade do programa, enquanto
Quando se considera o problema da substância do ensino que a parte restante é distribuída em geografia humana,
é que se constata quáo precária é ainda a sua contribuição econômica e política.
ao processo de vinculação dinâmica d.o homem ao mundo Essa rápida digressão mostra que há um fundamento
social e cultural que o circunda. Cabe aos educadores e alienador inerente à própria organizaçáo do curso. A subs-
cientistas sociais investigar em que sentido, por exemplo, tância do ensino, orientada dessa maneira, em lugar de
o ensino industrial está orientado, no que concerne à for- propiciar o enriquecimento do indivíduo, substrai-Ihe ele-
mação de uma mentalidade ajustada às condições efetivas mentos essenciais à aquisição de uma personalidade equili-
do trabalho qualificado produtivo e a uma personalidade brada e com potencialidades dinâmicas. Assim se constitui
suficientemente aparelhada para enfrentar as situações uma pessoa alienada intelectualmente, no sentido de que
sociais emergentes e aquelas ligadas aos anseios e às pos- ela se encontra olestituida dos elementos da cultura neces-
sibilidades de mobilidade social do assalariado. Estaria ês-
se setor do ensino em condições de atender â essas exigên- Q) CÍ. Oportunid,ad.es de Preparo,çd,o no Ensino Ind,ustilal, se-
gunda tiragem, revista, Publicaçáo n.o 43 do Instituto Nacionâl de
cias, essenciais numa sociedade democrática? QuaI é a im- Ilstudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, 1950, pá9. 26.

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4

sários à sua expressão plena. A nosso ver, as ciências so- que o edueando vive * e êsse é o caso em comunidade
ciais, ministradas nesses cursos de algum modo, mas com caboclas profirovê o seu d'esajustamento e, com seu des-
uma ênfase diversa da que ihes vcm sànclo dada, poderiam locamento,- cria desiquilíbrios inclusive no interior da co-
realizar até certo ponto a intencão da lei, isto é, colaborar münidade. Desta manei a se transfigura a Íunçáo inicial da
na formaçáo de um cidadáo consciente ao mesmo tempo alfabetização, que deveria possibilitar uma atuaçáo mais
que um profissional quaiificado. Hoje já não se pode máis produtiva do indivíduo em sua comunidade, tornando-o
negâr _a importância dessas disciplinas na elabóração da um agente dinamizador.
consciência social e histórica dos indivíduos. pode-je, isto A extensáo da rede escolar brasileira é outro fenôme-
sim, maniputá-Ias segundo fins que não coincidem, ou es- no que vem preocupando os administradores, educadores
câpem totalmente, aos interêsses de determinadas cama- e esturdiosos, provocando manifestações desencontradas,
das sociais. que revelam geralmente uma visão parcial ou estreita do
É tarefa urgente, pois, ao iado da reforma do sistema problema. Na verdade, a necessidade de multiplicaçáo de
educacional visto de uma perspectiva predominantemente salas de aula e estabelecimentos de ensino, em todos os
administrativa, abordar-se lücidamente o problema da níveis, não é posta em dúvida. O que se discute sáo as for-
substância do ensino, considerando-se o que deve ter d.e mas de sua realização, a sua oportunidade e seu rítmo, nes-
essencial à formação do profissional qualificado e do cida- te ou naquele setor do ensino. E é neste ponto que o deba-
dáo. E não se poderá fugir, em conseqüência, às contingên- te revela antagonismos marcados, muitas vêzes vinculados
cias impostas pela concepcáo do mundo social e natúral a interêsses grupais.
que deve informar a composiçáo e a ordenação das disci* Um dos focos dêsse debate tem sido o ensino superior.
plinas dos cursos. Essa questão precisa ser focalizada aber- É aí que as posições mais extremâs se têm manifestado
tamente, pâra que não se a escamoteie em benefício de abertamente. Uns negam a necessidade cle criaçáo de Fa-
grupos que estão atualmente em condições de manipular, culdades, alegando insuficiência de recursos materiais e
utilizando também a escola, o destino de amplas camadas. humanos, ou preconizando a criaçáo de estabelecimentos
de ensino priúário ou médio. Outros lamentam a persis-
IJm caso extremo de efeito imprevisto e indesejável tência e a expansão de condições educacionais para a so-
do ensino, em consequência das incongruências de sua brevivência da bacharelice parasitária. E assim por dian-
substância com os componntes do sisteáa sócio-cultural, te. Entretanto, é preciso examinar a proliferação dos ins-
encontra-se na própria alfabetizaçáo em determinadas co_ titutos de ensino superior objetivamente, procurando-se
munidades caboclas. Aí o simples aprendizado da e,scrita e pôr em evidência o que representa para a sociedade. Res-
da leitura abre ao indivíduo perspectivas muito mais am_ saltemos, pois, alguns aspectos importantes dêsse fenôme-
pias que aquelas que a comunidade nativa está em condi- no. De um laclo, encontra-se realmente o que tem sido cha-
ções de satisfazer. Êle poderá utilizar êsses í'i1s11umentos" mado de "bacharelismo brasileiro", que é uma herança de
em outros ambientes, onde a sua personalidade encontra_ uma sociedade qr.r{e valorizava padróes aristocráticos, in-
ria.melhores possibilidades de exprimir-se. Uma das pri_ centivando a persistência de uma elite que só aparente-
_conseqüências do desajustamento criado, portairto, mente era improdutiva, pois que tinha funções sociais per-
r,-neir_as
é o_deslocamento para comunidades em que o seuirabalho feitamente enquadradas no contexto da sociedade. Não se
será mais valorizado, econômica e socialmente. Além dis- deve esquecer que o bacharel, regra geral, Íoi ou político
so, êle poderá ler os jornais e compreender os filmes, por ou administrador, como também ideologo dos grupos domi-
exemplo, encontrando assim novas oportufridades de satis- nantes. É necessário reconhecer que a sociedade brasileira
fação pessoal. O ensino, cuja substâniia não encontra pos- do presente não está eno. condições nem tem interêsse em
sibilidades de incorporação ao sistema sócio-cultural em dispensar êsse tipo de profissional; ao contrário, deu-lhe
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l
l

novas funções. O bacharel tem outros papéis sociais numa atenderem às necessidades efetivas da expansão d'as ativi-
sociedade estruturada em classes sociais relativamente dades econômicas. As inadequações dos currículos de certas
abertas e onde a burguesia capitalista estende cada vez escolas superiores, por exemplo, não só já foram compreen-
rnais o seu domínio.
A1ém disso, a expansão da rêde de estabelecimentos POPULAÇÃO OCUPADA EM ALGUNS R,AMOS
superiores(3) resulta da pressão, especialmente das classes DE ATIVIDADE BR,ÂSIL
médias cada vez mais numerosas, no sentido de se criarem
our expandirem as condições institucionais susceptíveis de
possibilitar a ascensão social. Nesse sentido, as Faculdades (5) Acréscimo
Ramo de atilsidade 1940(4) 1e50
Percentual
de Direito e Filosofia sáo as vias mais procuradas, já que
a aquisição de instrução é talvez o meio menos oneroso no
sentido de possibilitar a mobilidade de um para outro es- Agrieultura, pecuária,
trato social. silvicultura L 453.512 9.886.934 5
Por outro 1ado, é necessário examinar as novas condi- Indústria.s extrativas 390.560 482.972 24
A proliferação de insti- Indústrias de trans-
ções econômicas e sociais do país. formaçáo 1 .400 . 056 2.23Í.205 59
tutos superiores resulta também da expansão dos setores Comércio de mercâ-
secundário e terciário da economia brasileira, que exige, dorias 749.143 958.509 28
necessáriamente, cada vez maior número de profissionais Comércio de imóveis e
adestrados para múltiplas ocupações. Êsse aspecto do pro- valores imobiliários,
crédito, seguros e ca-
blema se manifesta claramente ,quando examinamos as pilalizaçáo 51.771 115.488 t23
estatísticas relativas à evoluçáo da população ocupada nos
diversos ramos de atividades, segundo os recenseamentos
de 1940 e 1950. Enquanto aigumas atividades ligadas ao didas por administradores e educadores como tamb§p estao
setor primário sofreram um acréscimo de apenas 5/o nesse sendo tentadas soluções preliminares' destinadas a ajustá-
período, houve, no setor secundário, qure se liga à expansáo los melhor. Além diiso, dlixando-se de mencionar a carên-
das indústrias de transformação, um aumento de cêrca de cia de recursos materiais e humanos, os educadores e cien-
60/o de pessoas ocupadas. E em algumas atividades ter- tistas sociais precisam examinar cuiidadosamente as áreas
ciárias o crescimento da populaçáo ocupada apresentou em que deveú ser localizados uns e outros tipos de esco-
taxas de 2B/o, na área do comércio de mercadorias, e de las, de maneira a atender às necessidades regionais com a
123/o no setor do comércio de imóveis e valores imobiliá- máxima eficácia.
rios, crédito, seguros e capitalizaçáo. A expansáo da industrialização, do comércio e dos ser-
Naturalmente resta especificar quais as transformações viÇos, pois, vem exigindo, além da qualificaçáo profissio-
que devem sofrer os cursos, nos diversos níveis, a fim de nal de máo-de-obra numerosa também a sua 'diversifica-
ção progressiva. Segundo ensina a teoria econômica, um
(3) "Só no ano de 1964, o número de instituições de ensino dos suportes do progresso é a mão-de-obra qualificada e
superior passou de 248 a 357; entre 1949 e 1955, foram criadas 1?
Faculdades de Direito e 21 de Filosofiâ; as Faculdades de Ciências (4) Cf . Censo Dem,ogrdÍico, Série Nacional, Vol. II, Edição do
Econômicas multiplicam-se com igual rapidez". (Cf. JecsrrEs LÀrd- rucr, R,io de Janeiro, 1950, pág. 34.
nrRr, Os Dois Brd,sís, ediçáo do Centro Brâsileiro de Pesquisas Edu- (5) Cf .Censo Dernogrd,Íico, Série Nacional, VoL I,
Ediçáo do
caeionais, Iiio de Jâneiro, 1959, pág. 211'). Sômente na Âssembléia rncu, Rio de Janeiro, 1956, págs. 34 e 35. Observe-se que os dados
Legklativa do Estado de Sáo Paulo foram apresentados, de 1948 a <lns rluns colunas se referem a pessoas de 10 ânos e mais, conforme
1956, oitenta e seis projetos crÍando Faculdades no.i:rterior. (Cf. O re,{istra o recenseamento.
Estado il,e São Pd,ulo, S. Paulo, edição de 9:6-1957)
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diversificada, em condições de atender às condições pre- consciência da precariedade do sistema educacional vigen-
sentes e às perspectivas previsíveis de desenvolvimento te; do sentido em que deve desenvolver-se e das limitações
econômico-social(tt). Uma das variáveis do desenvolvimen- que sistemas privados de ensino, dada sua função seletiva
to é o progresso técnico, que deve ser incorporado pelo e segundo as condições relativamente anâcrônicas em que
homem por intermédio da atuêção de um sistema de ensi- opera, representam para a expansão do processo democrá-
no capaz de transformar êsse progresso em tral:raJho mais tico. Enfim, a própria secularização da cultura vem pôr
produtivo. em foco a urgência da reformã, de modo a colocar o siste-
Enfim, trata-se, ainda, de lutar por uma concepçáo ma escolar, em sua substância e organização, em confor-
democrática do próprio ensino, onde êle seja orientado de midade com as condições econômicas, sociais e poIíticas
modo a possibilitar pelo menos uma aceleração do prcces- emergentes (7).
so de generalização dos benefícios de, uma ordem social No contexto dessa situaçáo, a existência de sistemas
nova. É necessário compreender que a progressiva conso- paralelos de ensino é um problema que exige atenção es-
lidaçáo da democracia no país não é o resultado do ato de pecial. No Brasil, ao lado do sistema oficial de ensino (mu-
vontade de alguns, ou muitos. Ao contrário, é o resultado nicipal, estadual e Íederal) opera o sistema privado, qup,
do desenvolvimento e expansão de fôrças irreprimíveis, por sua vez, se subdivide em láico e confessional. Seria
que atuam no interior do sistema sócio-cultural brasileiro. lrriscado deixar de ponderar essa situação, quando se pen-
Na condição de país "sub-desenvolvido" que toma sa ern reforma planificada em âmbito nacional. A1ém das
consciência, ainda que insuficiente, tanto dos mais diver- t'onclicões especiais de funcionamento, rendimento e eficá-
sos problemas e tensões sociais como dos recursos cientí- cia de cada sub-sistema, é preciso que se examine o pro-
Íicos e técnicos relativos ao comportamento humano que lrlcma dos interêsses criados em tôrno dêsses dois ramos.
outras sociedades já desenvolveram com alguma eficácia, ICm primeiro lugar, o caráter eminentemente seletivo do
a educação se transformou, necessàriamente, nulma esfera sistema privado, em conjunto, é inevitável. Se é relativa-
sucetível e necessitada de planejamento. Isto ocorre em rrrcnte evidente a distribuição das escol"as particulares se-
conseqüência da conjugação de um complexo de fatôres. rlrurdo determinadas classes sociais, é menos visível, mas
De um lado, as camadas e grupos sociais, especialmente 1:rrnl.róm impossível de ser negada, a manipulaçáo ideoló-
nos ambientes urbanos industrializados, tomam progressi- 11icrr anti-democrática que nelas se pode realizar. Ambos
vamente consciência das suas condições reais de vida, das r*rpc(:t,os estão, aIiás, interligados, e sáo fatôres que pos-
possibilidades e limites de alteração dessas condições e do srrt'rn importância fundamental para a compreensáo dos
significado catastrófico que o agravamento das tensões so- rrrot.ivos subjacentes às posições de determinados grupos
ciais tem para a sociedade global, tanto quanto para cer- rlrrt' intcrvêm nos esforços de renovação da escola brasi-
tos grupos particulares, que se encontram mais afastados lcirlr. Em segundo lugar, como náo pod'eria deixar de acon-
dos instrumentos de dominaçáo. Por outro lado, no quadro It.r:t'r', a expansão da civilização urbano-industrial no país
dessa situação, círculos cada vez mais extensos adquirem rrlt:rrnq'a paulatinamente as mais diversas instituiçóes so-
cirris, promovendo-lhes alterações mais ou menos intensas.
(6) E' do conhecimento geral a aüuação da Petrobrás, por exem- l,lrn t'orrscqüência, o sistema privado Íoi, ao menos sob cer-
plo, no sentido de estimular diretamente a formaçáo de profissionais
especiâlizâdos, parâ uma rápida substituição dqs técnicos estrangei-
l.:; rrspoc'l,os, profundamente atingido. As escolas particu-
ros, evidentemente onerosos, e de maneira a ficar em condições (7) () dilcma educacional brasileiro, à luz dâs condições teóricas
de realizar outras expansões da emprêsa.
O problema da crÍse de máo-de-obra qualificada pârâ o desen- l r,rrrplrlr:ns clo plânejamento, é amplamente examinado por Fr,onnstaN
l,r,:frN^NDr,:Fr. atn A Ciencia Aplàcacl,a e a, EilucdçAo carno Patôres ile
volvimento industrial brasileiro foi abordado no estudo intitulado llu(ltn(;il CrLl.tural Prooocdd,a,, edição do Grêmio da Fâculdade de
Exígências Etlucacionais da Industrialieaçcio, ptublicado neste volume.
I'llrrrrol'lrr. C)lôncla.s e Letras, usp, Sã,o Paulo, 1968.

256 257

\
t

lares transforrraram-se num setor rendoso pâra inversão


de capitais, numa composiçáo orgânica pecuiiar. O caráter inegávelmente já dispõe de condições para encontrar as
melhore,s soluções, levando em conta a emergência de con-
de emprêsa vem, cada vez mais, se acentuando nessa área
dada a penetraçáo da mentalidade capitalista nos meios figurações favoráveis em grupos sociais cadJ vez mais ex-
tensos e o destino fundamentalmente social da ed.ucação.
urb-anizados, com as conseqüências inevitáveis que a hiper-
Resta saber'-se os grupos restritos, vinculados a interêises
trofia de uma funçáo sempre acarreta à totaüdãde do 7,o,r- imediatos e estreitos, e que lutam contra a democratizaçáo
ganismo". A expressão "fábrica de diplomas,, não é ufrna
figura de retórica. da escola, não conseguirão postergar ainda maÍs as refór-
mas urgentes em debate.
A luta pela reforma do sistema de ensino, de maneira
a propiciar a consolidação e expansão da escola pública, _ Todavia, é necessário compreender que a instauração
do ensino democrático no país náo é um p,roblema adsfri
gratuita e universal, sômente poderá ser bem sucedida
quando fatôres como êsses forem suficientemente avalia- to à estrutura administrativa da escola. NÍesmo que se in-
clua nessa concepção também as questões r.elativâs à com-
dbs por amplas camadas da população. NêIes encontram-se
posicão e seriação das disciplinas, à substância do ensino
as condições e as razões de certos atritos que dificultam,
não a execução, mas a própria formr.rilação das soluções de
ministrado, às relações pedagógicas e sociais entre alunos
maior alcance. e professor, aos agrupamentos sociais que se constituem
no interior do estabelecimento de ensino etc.. ainda res.
tam outros fatôres fundamentais a serem considerados. Há
o fenômenos sociais que fogem à estrutura restrita da escola
.) e caem no câmpo da estrutura da sociedade global, onde
a escola se apresenta como um grupo social inititucionali-
Acabamos de enunciar e examinar, sumáriamente, aI- zado peculiar. Em síntese, a escola precisa ser concebida
gumas questões de importância diversa para a compreen- como uma unidade sócio-cultural, cuja estrutura e funcio_
são do problema escolar brasileiro. Fatôres sociais favorá- namento sàmente poderão ser rigorosamente explicados
veis e desfavoráveis à instauração do ensino democrático quando focalizados em conexão com a configuràçáo da
foram analisados em têrmos dÉ sua significação para os socicdode cm quc sc inscreve.
esforços de reforma e planificação em andamento. ô rítmo
heterogêneo de transformação do paiís, considerado em , Na condição de agência de socialização destinada a
colaborar na preparação dos indivíduos que deverão
suas áreas diversas, vem colocando problemas cada vez prir os mais diversos papéis sociais, a deve ser "rr-_
foca_
mais agudos aos técnicos e administradores" A dinâmica "scôla d'e ser básica
lizada como uma instituição que, a despeito
da economia e âs transformações do sistema sócio-cultural (e a escola se torna cada vez mais essencial nas comuni_
têm provocado a progressiva inadequação de formas so- dades urbanizadas), não pode fugir às contingências da
ciais, de certos valores etc., o que pode ser observado fácit- su,a própria natureza social. Ela dãve transform-ar_.u
mente, e em sua gravidade, no setor do ensino considerado tínuamente, de modo a estar sempre em condiçõ", ãu "or_ pió-
uma área da realidade social. parar futuros cidadáos para umá sociedade em que êstes
Em suma, é necessário compreender que está em crise especialmente irão viver,_e não para aquela que-também
uma instituiçáo social fundamental. A escola brasileira foi nós reconhecemos transitória ou lá anaãrônica
atingida por um desajustamento grave. O fenômeno da de seus componentes. "* ãtg"*
denlora social e cultural, que às vêzes alcança de forma
desastrosa determinadas instituições, envolveu-a em gran-
de parte. Em Íace dessa situação, a sociedade brasileira
258
259
e mobilidade. Na sociedade brasileira, a profissíonalizaçáo
peio aprendizado no interior da própria oficina ou fábrica,
a mudança do campo para a cidade, o apadrinhamento, a
avaliação por intermédio das ligações de família ou gru-
pos de prestígio etc. ainda sáo poderosos agentes de quali-
ficaçáo e mobilidade sociais. A fortuna, a ascendência fa-
milial e étnica, as vinculações políticas, envolvem valores
e padrões sócio-culturais que, se não sáo incompatíveis
CAPÍTULO XVII com aqueles ligados à escola, ao menos interferem na re-
definição desta. Isto significa que ela ainda não encontrou
condições para assumir algumas das funções dos outros
O PRESTÍGIO SOCIAL DA ESCOLA agentes de qualificação social. Por isso é que à escola se
dá importância tão pequena nas classes assalariad'as, espe-
cialmente no seio do proletariado.
O dilema da escola brasilêira, conforme êle é posto Em têrmos quantitativos, para os grupos componen-
pelo amplo debate travado em tôrno do projeto de lei sô- tes da classe alta os sistemas de ensino privado e público
bre as "diretrizes e bases da educação nacional', âpresen- sáo considerados satisfatórios, razáo pela qual nessa área
ta aspectos que a polêmica ainda não esclareceu de modo náo encontramos senão poucas vozes envolvidas no debate,
satisfatório. Há dois problemas, a nosso ver fuyrdamentais, Aos. indivíduos pertencentes a essa classe, boa parte das
que precisam ser enfrentados pelos que se interessam p.Io razõ-es que justificariam a luta pela defesa e expansão da
destino da escola nacional. Tanto aquê1e relativo ao signi- escola pública náo faz sentido. O custo, e a funçãb seletiva
Itrl ficado do ensino para o próprio educando, pensadb como
ser social em realização, como o relacionado com o prestí-
da escola privada, leiga ou confessional, não afetam os,,
seus interêsses; ao contrário, thes sáo convenientes. Mais
gio social da instrução no meio brasileiro, ambos são ele- ainda, a coexistência de sistemas múltiplos e insuficientes,
mentos cruciais a uma compreensáo realista dos proble- como no caso brasileiro, é um fenômeno condizente com
mas atuais e futuros do ensino. Aliás ambos são correla- os seus interêsses mais Ímediatos.
cionados, como se verá. Neste artigo focalizaremos apenas A maioria do proletariado, por sua vez, ainda náo apre-
a segunda questáo. endeu clararnente o significado da escola como agência
Exatamente porque exigem üma certa dose de realis- que possibilita certas forrnas de qualificação ou mobilida-
mo por parte daqueles que estão empenhados na campa- de social. Êle ainda náo precisa dela para qualificar-se
nha de defesa da escola pública, gratuita e democrática, profissionalmente. Salvo ulna pequena parcela dessa po-
êsses aspectos náo encontram condições satisfatórias de pulação, dado o modo pelo qual se vincula ao sistema so-
diseussão nesta etapa da luta pela expansáo quantitativa cial, a grande maioria não é ainda capaz de conceber a
e qualitativa do sistema oficial de ensino. escola em tôda a sua significaçáo social. No recente III
A avaliação social da escola, especialmente como via Congresso Sindical Nacional, realizado no Rio d.e Janeiro,
de ascensão social, é fenômeno complexo, que não se ex- fêz-se ünicamente a seguinte declaraçáo: "lutaremos con-
plica quando posto apenas ao nível da instituição. Ao con- tra o projeto de diretrizes e bases e pela defesa e amplia-
trário, precisa ser visto em função também da existência çáo da E,scola Pública". Nada mais. É que o proletariado
de outras agências de promoçáo de prestígio, qualificaçáo não the reconhece uma via de ascesso a outras posições,

260 261
pois que ainda náo está em condiçóes de utilizar-se dela. para o setor industrial". Dêsse modo, as tensões criadoras
E relativamente pequeno o coeficiente de operários quali- geradas pela insuficiência de oferta d-e trabalhadr:res qua-
ficados em escolas exigido por uma emprêsá em funciona- li{icados são eliminadas ou esterilizadas.
mento satisfatório. À maioria não se exige êsse tipo de
instruçáo; pede-se sàmente um conhecimento ,,prático,, Por isso tudo é que a classe média está realizando só-
das atividades inerentes às ocupações a serem exercidas. zinha os esforços a seu âlcance para conduzir a luta em
Em suma, para ser operário não é preciso freqüentar defesa da escola púb1ica. Deixados sós pelas outras cama-
escolas. das, alguns dos grupos que compõe a classe média preci-
sâm, ao mesmo tempo, lutar pela rea.lizacão oe um siste-
Provenientes em boa parte de áreas rurais, os traba- ma dq ensino adequado aos seus ideais, e esforçar-se por
lhadores assistem a uma transformação táo ampla de suas convencer os outros dos alvos rnais gelxls de sua campa-
condições de vida que se acomodam ràpidamente ao meio nha. Dispondo apenas da pressão dos próprios interêsses
urbano-industrial, sem escolas para seus filhos, menospre- e da sua concepção de escola democrática, êles enfrentam
zanda ou desconhecendo o dispositivo constitucional rela- precáriamente as vigorosas e hem articuladas pressões dos
tivo à obrigatoriedade do ensino primário. Além disso, é grupos direta e indiretamente ligados à escola privada, lei-
nas fábricas e oficinas que são adestrados os operários bra- ga ou confessional, aglutinados em tôrno da necessidade
sileiros. "Aprendiz'', "meio-oficial",,,oficial,, são expres- de preserva L- o statu quo. E é insuficiente o sucesso dêsse
sões cujos significados variam não apenas no interior dos movimento exatamente porque, além dos fatôres aponta-
setores da produçáo como também de emprêsa a emprêsa. d.os, no interior da própria classe média náo se verifica
As condições de Íuncionamento do sistema econômico, es- Lirra âdeqllada compreensão do probiema. Muitos, recém-
pecialmente o mercado consumidor em contínua expansão, chegados a posições intermediárias da sociedade, acomo-
bem como outros fatôres, dispensam o capitalista de exi- dam-se afetados por mecanismos psico-sociais semelhantes
gir maicr ÍnCice de qualificação. Uma boa parte do cresci- àqueles que envolvem o la'n'rador transformado em prole-
mento das atividades econômicas no caso brasileiro é de- tário urbano. Por outro lado, a eficácia reiativa do movi-
vida à expansão horizontal da emprêsa. E há setôres da mento se deve à interferência em seu seio dos valores e
produção nos quais a divisão do trabalho náo exige uma padrões imitados da classe alta. As aspirações vinculadas
diferenciação qualitativa acentuada da fôrça de trabalho. a ideais elaborados e vigentes na classe superior exercem
Não só a expansão horizontal como também o próprio pro- um papel ati'zo, contrário à obtenção de uma unidade mais
cesso de divisáo de trabalho náo requerem muitas vêzes ampla em tôrno de uma questão como essa. É índice de
uma elevação proporcional da qualificação. Quando a ne- prestígio social, por exemplo, matricular filhos em escolas
cessidade de técnicos se torna acentuada em determinado pagas, onde o educando poderá conviver com membros de
setor, vai-se buscá-los em outros países. A imigração de famílias abastadas. E assim a consciência do problema é
trabalhadores qualificados, para atender as neõess-idades desnaturada, em benefício da preservaçáo do presente esta-
rnais urgentes do sistema industrial em expansão, tem do de coisas.
sido uma prática permanente e perturbadora das condi- Como conseqüência dessas condições e fatôres, é evi-
dente, a campanha em defesa da escola pública não alcan-
ções propícias à expansão de certo tipo de ensino. Como
recomendou recentemente u,rn Seminário de Imigraçáo, ça a amplitude que poderia assumir. A situaçáo sómente
será alterada substancialmente quando a escola adquirir
reafirmando Llma orientação habitual nas úItimas aaca- outras significações para tôdas as camadas assalariadas,
das: é preciso que se criem ,,incentivos de todo gênero quando tornar-se um dos poucos fatôres, se náo o único
para a vinda de mão-de-obra qualificada e semiqualificada fator de promoçáo social das pessoas que vendam fôrça de
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trabalho. Quando o sistema econômico-social em estrutu-
ração no país alcançar os limitcs de suas próprias possi-
bilidades de expansão e diversificaçáo, então o significado
da escola será reelaborado não só no seio do proletariado {
como também no interior da própria classe média. Nesse
momento a luta pela expansão quantitativa e qualitativa
da escola pública, gratuita, democrática, será forçosamen-
te posta em outros têrmos. , CAPÍTULO XVIII

O ENSINO DEMOCRÁTICO E O CIDADÃO

A defesa de um sistema democrático de ensino, como


êle pode ser levado à prática no Brasil, é tarefa que exige
tamhém um contínuo desmascaramento das posições aber-
tas ou veladas daqueles que ambicionam a preservaçáo cifa
presente situação, quando náo um retrocesso. Os grupos
ligados ao ensino privado 1ançam amiúde em debate ques-
tões especialmente destirradas a obscurecer os móveis dos
próprios interêsses. Falando em "família", "monopólio es-
tatal", "religião" etc., mistificam os verdadeiros alvos eco-
nômicos e ideológicos dos que são contrários à utilização
do ensino como fator de emancipaçáo das camadas popu-
lares. E como sabem que a escola é uma instituiçáo básica
do regime, é justamente aí que se concentrâm os esforços
dêsses beneficiários da atividade escolar. Sob muitos âs-
pectos, é inegável que o assalto à escola púrblica é uma eta-
pa decisiva da luta contra a democracia.
Por isso estão sendo esquecidos alguns objetivos fun-
damentais da instrução, tais como as conexões entre o indi-
víduo e a sociedade global, elementos integrados de um sis-
tema democrático de vida. Circunscrevendo o debate a
questões alheias a êsses dois fins essenciais de um ensino
condizente com uma sociedade em rápidas transformações,
a polêmica produa resultados desastrosos para a preserva-
ção das reais funções da escola oÍiciai. Especialmente o
indivíduo é considerado de maneira ambígua por aqueles
que pretendem enriquecer às custas da instruçáo. Mais
precisamente, a personalidade democrática, conforme ela

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v

pode ser elaborad.a numa sociedade como a bra,sileira, está Se atentarmos mais uma vez para a significaçáo do
ameaçada, pois é posta de lado como objetivo da educação ensino para a formaçáo do indivíduo, compreenderemos
formal. Temos aqui um problema que merece reflexáo. melhor o vulto do atentado que se está perpetrando con-
Ern verdade, a deformacáo do debate sôbre o dilema tra a escola. E contra quem é dirigido. Considerando-se os
educacional brasileiro alcança limites extremos na área interêsses e ambições abertos e ocultos dos grupos priva-
em que a atividade educacional é vista como uma forma clos, como estão sendo exibidos pelo atual debate e confor-
de investimento de capitais. Os grupos que dominam o sis- me exprimem-se no projeto sôbre as diretrizes da educa-
tema de ensino privado, Ieigo e confessional, estão de taI ção, verificamos como são grandes os riscos a que estáo
modo prêsos a essa determinação que acabaram inscre- expostos os educandos. Todo um sistema de ensino defÍci-
vendo no projeto de lei sôbre as "diretrizes e bases da edu- ente está em vias de ser deformado ainda mais, segundo
cação nacional" tôdas as suas ambições, procurando criar interêsses de círculos de menor significaçáo social. Deixan-
mais uma fonte de rendimentos, ao lado dss faxâs dos alu- db a pessoa do educando cada vez mais à parte, como jo-
nos, dos baixos honorários pagos aos professôres, da ven- guete das ambições econômicas de indivíduos e grupos, o
da de livros e material didático no próprio estabelecimen- sistema de ensino privado levará ainda mais longe a expo-
to etc.. liação do homem. A1ém disso, no projeto cr'e lei em discus-
Náo se pode negar que o ens.ino seja uma área de in- são, profundamente impregnado de intenções privatistas,
vestimentos econômicos em diversos sentidos. Para a so- as formulações retóricas relativas aos "fins da educação,,
ciedacl'e, para o comprador de fôrça de trabalho especiali- não são acompanhadas de disposições efetivamente orien-
zada ou com alguma especializaçáo, para os proprietários tadas no sentido de propiciar as camadas mais vastas da
das escolas particulares, para o próprio educando, para população os elementos necessários à suu emancipação.
todos êle é um modo de inversão produtiva de recursos Por isso é que a questão educacional recol,oca, a nosso
humanos e materiais. É que êle se liga ao processo de ver, o problema da posiçáo do homem em face das suas
produção do produtor, ou seja, à elaboração de personali- nossibilidades de realizaçáo. É preciso que, em tudo que
dades em condições de atuar produtivamente. Mas alguns lhe fôr possível, o sistema de ensino seja organizado -de
dêsses interêsses podem ser postos em discussão e d.enun- modo a contribuir parâ a formação de uma personalidade
ciados, se considerarmos que estamos em uma sociedade plenamente desenvolvida, na completa posse dos atributos
em processo de democratizaçáo, onde a pessoa deve encon- de um ser social em permanente enriquecimento. O indiví-
trar tôdas as condições favoráveis ao desenvolvimento de drl,o deve ser visto como um cidadão eficiente, capaz de
suas faculdades. A formação de uma personalidade ade- dar a sí e à sociedade o melhor rendimento do próprio
quadamente preparada para produzir socialmente é uma trabalho, em qualquer dos setores da produção. É necessá-
tarefa que não pode ser afetada pela interferência de in- rio que esteja em condições de compreender sempre os
terêsses alheios ao próprio cidadáo e contrários ao desen- benefícios que a própria pessoa pode e precisa auferir do
volvimento da sociedade. Grupos econômicos, políticos ou trabalho qualificado em alto nível. Concebido ern têrmos
confessionais não podem deformar o significado da eseola de requisito do sistema democrático, o ensino deve dar ao
com suas preocupações restritas, incompatíveis com o inte- indivíduo todos os elementos disponíveis, no sentido de
y§sse seral e com o da pessoa. É preciso convir, no entan- possibilitar ou promover o pleno desenvolvimento da pró-
to, que há grupos interpostos entre o indivíduo e a socie- pria pessoa, para sí e de conÍormidade com suas conexões
dade inclusiva que perturbam e mistificam o significado necessárias com osi grupos e a sociedade global. Sómente
do processo educativo consentâneo com o regime democrá- um sistema de ensino estruturadb em moldes democráti-
tico, cos lhe dará o completo domínio de sí mesma, evitando-
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the a abdicação em favor de outros. O modo de produçáo me democrático. Para os que se encontram prêsos econô-
peculiar à sociedade capitalista exige, necessáriamente, mica, política e ideolôgicamente ao ensino privado, é fun-
que o eidadão se constitua alienado intelectualmente. To- damental a manutenção dêsse tipo de alienação, contra a
davia, ainda que essa seja uma das tendências predomi- qual lutam aqueles que defendem a escola pública gratui-
nantes na organização dos cursos, tanto no passado como ta e aberta a todos. Êles estão preocupados com a preser-
no presente, acreditamos que é possível uma libertação vaçáo de instituições educacionais que formem cidadáos
mais ampla do homem, se quisermos instalar urn sistema insuficientemente preparados para a plena compreensão de
democrático de vida. Aliás, essa é uma das condições bási- sua posição na sociedade, isto é, na história. Indivíduos
cas à completa estruturação do regime, pois a vigência do parcialmente elaborados, orr deformados, na acepçáo poií-
sistema democrático funda-se principalmente nesse requi- tica do termo; mas submissos, dóceis a todo tipo de expo-
sito. Cidadãos que não podem ser considerados como pos- liação.
suindo domínio completo das próprias potencialidades não
são pessoas tormadas no interior de uma sociedade demo-
crática.
Por isso é necessário, por exemplo, combater a misti-
ficação da "cultura geral" ou "humanística", nâ forma em
qr.r,e é preconizada por grupos identificados com uma tra-
dição incompatível com âs transformaçóes recentes do
país. Em lugar de atulharse o educando com noções me-
canicamente retidas, memorizadâs, é preciso que se lhe
forneçam elementos seguros parâ o desenvolvimento da
reflexáo autônoma, com o que se tornará um cidadáo em
condições de lutar por seus direitos, bem como obter me-
thor sucesso em outras etapas de sua carreira social. O in-
surcesso de muitos jovens inteligentes, reprovados em exa-
mes vestibulares dos cursos superiores, deve-se à falta de
destreza no uso da própria inteligência. Em vez de serem
preparados para utilizar a reflexáo independente e criado-
ra, são condenados a um uso predatório <i'a memória. Por
isso tudo, a lenta e progressiva elaboração da personali-
dade democrática exige uma outra estruturação do siste-
ma de ensino, especialmente em sua suhstância, liberto das
injuções desfavoráveis, mais amplamente representadas
no ensino privado.
Mas náo é isso que desejam os propugnadores do ensi-
no particular, confessional ou leigo. Além dos seus inte-
rêsses econômicos mais imediatos, êIes se encontram de
ta1 maneira vinculados ideolôgicamente a determinados
grupos, Que a sua concepção de ensino se orienta exata-
mente em sentido inverso àquele condizente com o regi-

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