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DOSSIÊ
Ana Clara Torres Ribeiro
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micro, é possível reconhecer diferentes manifesta- urbana que apontam para o alargamento do
ções do macro: decisões relativas à aplicação dos apartheid social e a perda de valores compartilha-
recursos públicos, influências institucionais, ori- dos. É nessa conjuntura que surge a ênfase nos
entações culturais, interesses econômicos e políti- vínculos sociais, refazendo a problemática dos elos
cos. Para as finalidades deste texto, a valorização entre indivíduo e sociedade. Vejam como esses elos
dessas manifestações submete-se à observação de têm sido retomados: “A idéia, tão comum no pen-
relações sociais que se desdobram no cotidiano e samento anglosaxão, da sociedade como uma soma
no lugar. Essa opção apóia-se na distinção analíti- de indivíduos que competem entre si, idéia que se
ca entre local (verticalidade) e lugar (horizontalidade), resume admiràvelmente no conceito de mercado,
na configuração do espaço banal (Santos, 1996), e é alheia às expectativas de Darhendorf, para quem
na tensão ordem – desordem. a tarefa do liberalismo é hoje a criação de vínculos
De fato, a sociabilidade, nas grandes cida- sociais, a renovação do pacto social, a recuperação
des, envolve a influência cultural detida (e exercida) do sentido de comunidade, preservando por sua
por grandes instituições e redes sociais, responsá- vez as opções individuais.” (Pinto, 1996, p.175).
veis por processos de socialização e, portanto, por No Brasil, essas esperanças deixaram de ser
prêmios e punições que correspondem à vitalida- exclusivamente buscadas nos âmbitos da econo-
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dicionais da pobreza nas grandes cidades brasilei- dos no cotidiano, interferem na sociabilidade. Re-
ras, o que dificulta as reivindicações coletivas e a corde-se, nessa direção, o empréstimo para apo-
preservação da solidariedade de classe. sentados implementado recentemente no país, ge-
Nessas circunstâncias, as expectativas co- rador de pouco pesquisadas pressões familiares
letivas, independentemente da real urgência de sua sobre os mais velhos, e o acesso popular ao crédi-
satisfação, têm sido submetidas ao império do “aqui to, que endivida, por laços de amizade, aqueles
e agora”, enquanto o futuro assume a fisionomia que até então conseguiam manter a “cabeça fora
assustadora da fluidez e da renovação contínua, d’água”. Assim, a monetarização das relações soci-
transformadas em fatalidade.2 Essa projeção da vida ais, que caracteriza a vida urbana, adquire novos
individual e coletiva, de fôlego curto, descortina conteúdos, que reduzem a gratuidade e a esponta-
uma perspectiva espaço-temporal subjetivamente neidade indispensáveis à sociabilidade e aos sen-
insuportável, até mesmo para aqueles com acesso tidos mais largos da urbanidade.
aos conhecimentos técnicos de ponta. Trata-se de Podem o cotidiano, o lugar, a sociabilidade
destino concebido como condenação a um traba- e a urbanidade resistir à financeirização das rela-
lho de Sísifo, exigido, apenas, para que não sejam ções sociais, que acentua a insegurança no acesso
perdidos conhecimentos e bens materiais alcança- às condições materiais e imateriais de vida urba-
dos num determinado momento. Efetivamente, as na? Sabemos que o funcionamento do mercado de-
inovações, destiladas nas esferas da reprodução pende de inovações contínuas, que desestabilizam
social, impulsionam a oferta excessiva de pseudo- hábitos e comportamentos. As inovações, que pro-
alternativas para cada ato e para cada atitude, o põem a rápida superação do até ontem novo, tam-
que desafia a elaboração cuidada de projetos e, em bém aumentam, sem descanso, a densidade mate-
conseqüência, a concreta previsão até do futuro rial da vida coletiva e as desigualdades socioculturais,
próximo. É nesse contexto que a capacidade de magnificando a demanda por investimentos sub-
conceber projetos (e de realizá-los) emerge como jetivos que nutram a sociabilidade. Há limites na
um dos mais fortes indicadores de prestígio soci- mercantilização do afeto e da amizade; na tradução
al, tornando-se área de atuação de mediadores e financeira do amor e da preocupação com os fi-
especialistas. Em decorrência, essa capacidade lhos; na adesão à previsão mercantil do futuro dos
passa a ser negada, ainda com mais força do que entes queridos (quem consegue escapar do
antes, justamente para aqueles que dela mais pre- telemarketing dos seguros de vida?). Cabe acres-
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cisam, ou seja, os que têm poucos recursos. Exem- centar que a tradução mercantil da subjetividade,
plos surgem da lembrança dos lugares construídos estimulada pela financeirização das relações soci-
pelo lento labor dos pobres, pressionados por ais, atinge fundamentos da democracia, por inter-
enclaves de classe média e alta, ou com a citação ferir em trocas intersubjetivas que sustentam a acei-
da insegurança produzida pela intervenção do ca- tação da singularidade do Outro.
pital financeiro na saúde e na educação. Essas tendências são responsáveis por cus-
No presente, o mercado ultrapassa as fron- tos sociais relacionados à ampliação estonteante
teiras de suas instituições de comando e das rela- do mundo dos objetos. Esses custos incluem es-
ções que conformam a instância econômica da es- forços dirigidos à sublimação de desejos em nome
trutura social. Os agenciamentos financeiros, as- da vida em comum. Por outro lado, a impossibili-
sociados a produtos e serviços, ao serem difundi- dade de aderir à expressão material do vínculo
social, orientada pelo marketing, sobrecarrega in-
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Carlos Fuentes (1997) destaca positivamente a perspectiva divíduos e instituições, por exigir maiores com-
de uma educação vitalícia, como caminho para a inclusão
social. A nosso ver, esse tipo de proposta visa à pensações subjetivas. Entretanto, essas compen-
institucionalização de exigências do mercado, sem que sações são, por sua vez, dificultadas pela acelera-
sejam efetivamente enfrentadas importantes questões
relacionadas à transmissão de valores e à socialização. ção da vida diária e pela carência de referências
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culturais que propiciem o controle (que é pedagó- turo radicalmente democrático. A ausência de pro-
gico) das vontades individuais. jetos inclusivos de modernização traz a necessida-
Nessa vida mercantilizada, é vedada, para de de que o “fazer sociedade” seja reconhecido em
a maioria, o apaziguamento das tensões sociais atra- fatos que desafiam os conceitos disponíveis. Per-
vés de gastos financeiros, incluindo as tensões que manece, no cotidiano e no lugar, a busca da socia-
atravessam o ambiente familiar, as relações de vizi- bilidade, mesmo em condições que apontam para
nhança e a amizade. Inexiste também, para a maio- os limites do humano.3 Fatos que propiciam a re-
ria, o acesso a instituições seculares que lidem com flexão sobre essa busca nas condições do presente
a subjetividade, como a psicanálise. Além disso, o são ofertados pela mídia, quando o expectador
negócio, como norte da ideologia dominante, re- preserva a reflexividade frente às mensagens rece-
nega o aprendizado da negociação, retirando o tem- bidas, ou através da leitura direta da vida urbana.4
po e o lugar que lhe são indispensáveis. Aliás, Observem-se os seguintes episódios: a)
esse é um ângulo da vida urbana que tem sido numa cidade do Líbano, entre ruínas, escombros,
pouco associado pelo pensamento crítico à prédios destruídos e dejetos, um casamento é ce-
privatização do espaço público (Ribeiro, 2005) e à lebrado com toda a devida pompa; b) um jovem
manipulação mercantil do tempo. judeu e uma jovem palestina, ao se cumprimenta-
rem, criam um momento de encanto e de mútua
sedução entre dois andares de um prédio de Tel-
SITUAÇÕES, INDÍCIOS E VESTÍGIOS Aviv, cidade ameaçada no início da Guerra do
Golfo; c) nos dias que antecedem a invasão norte-
Com esse cenário extremo em mente, reco- americana do Iraque, uma família composta de pai,
nhece-se que a sociabilidade obriga o pesquisador mãe e filhos pequenos declara dirigir-se a Bagdá,
a lidar com diagnósticos da totalidade social e, si- por ser esse o seu lugar. Essa declaração foi feita
multaneamente, a observar o muito pequeno, o em meio ao alegre consumo de um lanche, com-
detalhe, o sintoma que emerge no gesto aparente- posto de sanduíche e coca-cola; d) em pleno tiroteiro
mente insignificante. Esse gesto pode abrigar valo- entre tráfico e polícia em Santa Teresa (Rio de Ja-
res culturais essenciais, antigas regras básicas de neiro), bastou atravessar a face de um prédio para
convívio e esforços de comunicação. Assim, a re- que uma cena cotidiana se repetisse – dois gordos
flexão sobre a sociabilidade, indispensável nestes porteiros, bem acomodados em cadeiras de praia,
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condições que a sociabilidade pode ser alimenta- de escola pública levanta-se e cede o seu lugar,
da ou destruída por uma atitude, um gesto, uma num gesto espontâneo e gracioso, a uma senhora
palavra, um sorriso ou um olhar. idosa. O gesto é registrado e elogiado por duas
Por sua inscrição em numerosos e incer- outras senhoras, que até então não se conheciam.
tos eventos, a sociabilidade tende a escapar do Sorrindo, citam Gonzaguinha: “... a vida é bonita,
pesquisador, entre as malhas da rede de conceitos é bonita e é bonita!” Aliás, a capacidade de narrar
acionável para o estudo dos contextos sociais. O a troca singela, que enfrenta tanto o discurso
cotidiano e o lugar trazem a necessidade de refletir catastrofista quanto a grande narrativa, talvez ex-
sobre o não-dito, o invisível, o anônimo (Ribeiro; plique a sedução exercida pela cinematografia ira-
Lourenço, 2001), e também sobre aquilo que se niana mais divulgada no país. Nessa produção, o
duvida valer a pena tentar dizer. Ao mesmo tem-
po, essas dimensões da vida coletiva afirmam-se 5
Nessa direção, o Laboratório da Conjuntura Social:
tecnologia e território (LASTRO), do IPPUR/UFRJ, dedica-
como as únicas que aproximam a sociabilidade da se, desde 1998, ao levantamento sistemático e à análise
de todo possível gesto registrado pela imprensa de
imaginação sociológica contemporânea, impondo protesto, reivindicação e rebeldia nas metrópoles
a descoberta de linguagens adeqüadas à citação, brasileiras. Esse levantamento sustenta a posterior
aproximação, através de outras técnicas de pesquisa, de
mesmo que frágil, das interações sociais sujeitos em geral pouco reconhecidos na cena urbana.
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relato incorpora o envolvimento identitário, valo- Janeiro. Naquelas ações, que se aproximam dos
rizando práticas decantadas pelos desafios da exis- fenômenos de multidão, o acaso e a incerteza en-
tência. contram o seu impulso ativo nas teias e tramas da
Essas práticas demandam poucas palavras experiência social.
e poucos recursos técnicos para serem admiradas. Nessas ocasiões, os atores sociais apreen-
A sua compreensão independe da retórica, pois a dem, de forma quase instantânea, a historicidade
legitimidade que as abriga advém da socialização e subjacente à situação vivida naquele momento e
da sociabilidade. A redução dessa possibilidade naquele lugar, legitimando, implicitamente, os ges-
de compreensão instantânea e fraterna, pelo alar- tos-fio que expressem solidariedade e compreen-
gamento de fraturas sociais, constitui uma nítida e são. Os resultados econômicos e políticos desses
dolorosa manifestação da crise urbana. Quando gestos-fio correspondem às denúncias que ajudam
escapam os fios da sociabilidade, predominam a a realizar, ou à mobilização de atores políticos e
eficácia e a competitividade impostas pela cultura agentes econômicos que são capazes de estimular.
dominante, condutoras da radicalização, e do re- Mais do que isso, entretanto, esses gestos-fio rea-
sultante esgotamento, de orientações culturais da firmam a sociabilidade, possibilitando o afloramento
modernidade. 6 Em contraste, gestos-fio de fundamentos da vida social, distantes a priori
mobilizadores nutrem a reprodução social de ma- de qualquer tipo de fundamentalismo. No âmago
neira muito larga e difusa, contradizendo as rígi- do “fazer sociedade”, não existem barreiras
das associações entre reprodução e rotina, ou en- intransponíveis entre ação espontânea e ação orga-
tre reprodução e discurso. Acredita-se que, nessas nizada, desde que a organização seja compreendi-
associações, ocorram, talvez à revelia de seus da em sua verdadeira complexidade, isto é, como
propositores, o predomínio do economicismo e vasto e heterogêneo conjunto articulado de ações
do politicismo na apreensão da sociabilidade, o tornadas espontâneas por acúmulos da experiên-
que restringe a análise da produção desinteressa- cia social.
da da vida coletiva.
Os gestos-fio elaborados pela ação espontâ-
nea, ou seja, pela ação não planejada ou apenas COTIDIANO, LUGAR E VÍNCULOS SOCIAIS
singelamente concebida, são portadores dos valo-
res compartilhados por um determinado povo, Em inapelável convívio com dúvidas e per-
6
Ao apresentar o pensamento de Wolfgang Schluchter,
Julio Pinto (op cit) recorda que a modernidade “cria uma 7
Como diz Norbert Elias (1998): “... os símbolos
forma de cultura própria, a cultura profissional, que se lingüísticos que se desenvolvem através do uso que um
indepedentiza das contribuições religiosas que haviam grupo humano faz deles não se reduzem à sua função de
acompanhado o seu surgimento. Então, seculariza-se a meios de comunicação. Eu gostaria de lembrar que, no
relação de dominação com o mundo que caracteriza a meio humano, os símbolos especificamente sociais
modernidade, relação na qual a não-fraternidade segue adquiriram uma função de meios de orientação e,
sendo o princípio sustentador...” (p. 188, tradução nossa). portanto, de conhecimento.” (p. 20).
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a reprodução social da maneira mais evidente, ar- disse Milton Santos (1994), desvendar as condi-
ticulando a luta diária pela sobrevivência à crise ções indispensáveis à sobrevivência. São eles que
urbana, que é mais ampla e dolorosa nos países conhecem o espaço e que reduzem, espontanea-
periféricos. Nessas circunstâncias, é impossível mente, impactos da financeirização da vida urba-
recusar o convite de Michel de Certeau (1998) para na, mediante uma infinidade de gestos-fio que re-
que se escute atentamente o murmúrio da vida novam as trocas banais, e também surpreenden-
coletiva, reconhecendo sinais da tessitura do soci- tes, no cotidiano e nos lugares.
al. As contradições, porém, alcançam novas
Há, realmente, uma tarefa, relativa à preser- escalas, atingindo a socialização e a sociabilidade
vação e à renovação de valores culturais, a ser as- e interferindo na totalidade dos mecanismos res-
sumida por todos e por cada um. Essa tarefa, ponsáveis pela reprodução social. Mais uma vez,
que envolve o experimento de práticas, ultrapassa nas palavras de Carlos Fuentes (1997): “A novida-
as ordens do Estado ou o desenho de políticas de da situação é que hoje o Terceiro Mundo com-
sociais por agências multilaterais e entidades da partilha os problemas da crise urbana com o Pri-
sociedade civil. Trata-se de um dever de meiro Mundo. Gente sem moradia, drogatização,
compartilhamento, que emerge na vida diária e no discriminação contra a mulher, homofobia, aban-
lugar, mas também em sintonia com a potencial dono de velhos, insegurança citadina, crianças
fraternidade, sem limites geográficos, trazida pela assassinadas, infraestruturas em ruínas e
empiricização do mundo (Santos, 2000). Esse de- pandemias incontroláveis são problemas compar-
ver pode ser indicado pelo sentimento de comu- tilhados atualmente por Boston, Birmingham, Bo-
nidade de destino, como pertencimento, ou, pelo gotá e Brazaville” (p. 38-39, tradução nossa). Com
menos, empatia. Em contraste, a fluidez e a veloci- certeza, a crise das grandes cidades pode ser refle-
dade, a imaterialidade e a ubiqüidade, o consumo tida, com proveito, pelos rumos tomados pelo ca-
exponencial e a aceleração da vida diária, que pitalismo, pela difusão das tecnologias de infor-
caracterízam a nova fase do capitalismo, estimu- mação e comunicação e pela americanização dos
lam expectativas de rápida superação individual modos dominantes de vida. Entretanto, como já
de obrigações institucionais e, ainda, de alívio do dito, é necessário ir mais longe, considerando a
peso de valores herdados. própria produção social da realidade social, o que
O indivíduo, projetado por instituições su- inclui o “estar junto” e, ainda, os enredamentos
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to veloz, permitirá a emergência de uma experiên- gruências, e, por fim, anseios relacionados à
cia urbana mais rica, densa, plural e solidária? ressacralização da experiência coletiva. Aliás, sem
Afinal, as massas urbanas, essa categoria trabalha- esses anseios, será possível conceber qualquer sa-
da pelas teorias da modernização, têm sido atingi- ída política para a crise urbana, já que ela depen-
das por processos de dissolução que estão muito derá de encantamento pelo “estar junto”? Afinal, a
longe de representar, como afirmaram os primei- crise urbana denuncia a destruição trazida pelo
ros pós-modernos, a superação da alienada excesso de racionalização no uso do espaço her-
homogeneização das sociedades industriais. Até o dado e os malefícios da competitividade (Santos,
momento, não surgiram mecanismos de incorpo- 2000). A expansão incontida da racionalização de
ração econômica e simbólica que sustentem a ge- todos os gestos e atitudes, que constitui, em gran-
neralização de direitos, o que significa a existência de parte, a ordem proposta por tantas inovações
de fortes obstáculos à reinvenção da democracia técnicas, estimula a ação estratégica. Mas essa ação
(Santos, 2002). Nessas circunstâncias, é necessá- só tem sentido quando abrigada em projetos (pla-
rio apoiar iniciativas que criem vínculos sociais, nos) que ultrapassem o nível imediato da existên-
sobretudo quando sofrem os preconceitos dos mais cia, o que pressupõe a sua ousada inscrição no
ricos e de segmentos das classes médias urbanas, tecido social.
seduzidos pelas promessas da globalização da eco- Deixada só, sem o acompanhamento da von-
nomia. tade coletiva, a ação estratégica desgasta-se com
Na busca de sintonia com processos que rapidez, permitindo que sejam reconhecidas as suas
denotem enfrentamento da crise urbana, é indis- características circunstanciais, amorfas e
pensável escutar as letras dos raps, apreender as fragmentadoras. Limitada ao exercício da adminis-
mensagens dos grafites (Rodrigues, 2005) e con- tração de recursos, a ação estratégica é incapaz de
versar com aqueles que habitam nas ruas das gran- estimular o ato socializador radical e de orientar a
des cidades, inclusive para que a análise socioló- conquista da legitimidade, na medida em que esse
gica do presente não se perca em modelos que, ato e essa conquista dependem do envolvimento
por pretenderem substituír teorias e trabalhos de gratuito de numerosos outros. Por não suportar
campo, não iluminam a sociabilidade. A adesão a esse envolvimento, a ação estratégica veiculada pelo
modelos desenraizados das práticas sociais impe- pensamento dominante, que é, sobretudo, gestora,
de a compreensão dos vínculos que atravessam deixa transparecer que a reprodução sistêmica da
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muros, barreiras e a indiferença. Por outro lado, vida urbana restringe-se a círculos sociais cada vez
esses vínculos, mesmo que articulados a mais estreitos, que tendem a ser mutuamente
determinantes estruturais, não se ajustam com fa- destrutivos. Com essa proposta, como é possível
cilidade aos níveis, esferas ou campos em que as preservar a sociabilidade e amadurecer a urbani-
teorias, por vezes, pretendem confiná-los. Ao con- dade? E, também, como é possível favorecer a cri-
trário, a sociabilidade, ao mesmo tempo em que ação e a criatividade que apóiem a ação libertária e
resulta de relações sociais regradas, pode apresen- a efervescência urbana não manipulada?
tar frutos inesperados quando a vida não mais se A racionalização fragmentadora, por recu-
orienta pela rotina ou pela repetição. sar o diálogo aberto com a memória dos lugares e
A crise urbana agudiza o desencantamento restringir a co-presença, termina por ser, também
que acompanha a modernização, mas também dei- ela, fragmentada, produzindo crescente incoerên-
xa clara a necessária superação do predomínio da cia e, por fim, irracionalidade. Esse tipo de racio-
ação instrumental. Como demonstra Giacomo nalização - que procura ocultar a destinação, para
Marramao (1997), o desencantamento e a apenas alguns, das condições materiais de vida
dessacralização não são fenômenos lineares e obri- trazidas pela última modernidade - é responsável
gatoriamente crescentes. Existem reversões, incon- pela produção social da escassez. Recorde-se, nes-
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