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Física 3

Notas de Aula

Prof. Dr. Paulo Sérgio Pizani


Sumário

I Campo Elétrico
1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.1 Roteiro Histórico 9

2 Campo Elétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.1 Cargas Elétricas e Lei de Coulomb 11
2.2 Conceito de Campo Elétrico 12
2.3 Cálculo do Vetor Intensidade de Campo Elétrico 13
2.3.1 gerado por uma única carga puntiforme q em um ponto P situado a uma
distância r da carga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.3.2 gerado por um sistema constituído por n cargas puntiformes . . . . . . . . . 14
2.3.3 gerado por uma distribuição contínua de carga (não puntiforme!!) . . 15

3 Parada Obrigatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.1 Sistemas de coordenadas e seus elementos infinitesimais 17
3.1.1 Coordenadas Cartesianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.1.2 Coordenadas Cilíndricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
3.1.3 Coordenadas Esféricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.2 Densidades de Carga 20
3.2.1 Densidade Linear de Carga λ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.2.2 Densidade Superficial de Carga σ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.2.3 Densidade Volumétrica de Carga ρ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.2.4 “Teorema” das integrais múltiplas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.3 Exercícios Sobre Sistemas de Coordenadas 24

4 A Lei de Gauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.1 O conceito de fluxo 25
4.1.1 De Água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.1.2 Do Campo Elétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.2 Lei de Gauss 28
4.3 Materiais Isolantes e Condutores 30
4.3.1 Isolantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
4.3.2 Condutores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

II Potencial Elétrico
5 POTENCIAL ELÉTRICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
5.1 Diferença de Potencial Elétrico 35
5.2 Cálculo do Potencial Elétrico 37
5.2.1 Carga Puntiforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
5.2.2 Sistema de Cargas Puntiformes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
5.2.3 Distribuição Contínua de Carga (não puntiforme!!) . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
5.3 Exemplos 41
5.3.1 Bastão de Comprimento l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.3.2 Esfera Dielétrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.3.3 Esfera Condutora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5.3.4 Potencial em Simetria Cilíndrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
5.4 Desenhando o Potencial Elétrico: Superfícies Equipotenciais 45
5.5 Obtendo ~E a partir de V 47
5.6 Energia Potencial Eletrostática 48
5.6.1 Sistema de Cargas Puntiformes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
5.6.2 Sistema Dipolo Elétrico – Campo Elétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

6 CAPACITORES E DIELÉTRICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
6.1 Capacitores e capacitância 53
6.2 Cálculo da Capacitância 54
6.2.1 Capacitor de Placas Planas Paralelas (CPPP) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
6.2.2 Capacitor Esférico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
6.2.3 Capacitores com Dielétricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
6.2.4 A Lei de Gauss com Dielétricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
6.2.5 Energia Armazenada no Campo Elétrico de Um Capacitor . . . . . . . . . . 60
7 CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
7.1 Corrente e Densidade de Corrente 63
7.2 Resistencia e Resistividade 65
7.3 Lei de Ohm 67
7.4 Fontes de Força Eletromotriz 67
7.5 Um Circuito Simples – Lei das Malhas 68
7.6 Circuito RC em Série 69
I
Campo Elétrico

1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.1 Roteiro Histórico

2 Campo Elétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.1 Cargas Elétricas e Lei de Coulomb
2.2 Conceito de Campo Elétrico
2.3 Cálculo do Vetor Intensidade de Campo Elé-
trico

3 Parada Obrigatória . . . . . . . . . . . . . . 17
3.1 Sistemas de coordenadas e seus elementos
infinitesimais
3.2 Densidades de Carga
3.3 Exercícios Sobre Sistemas de Coordenadas

4 A Lei de Gauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.1 O conceito de fluxo
4.2 Lei de Gauss
4.3 Materiais Isolantes e Condutores
1. Introdução

1.1 Roteiro Histórico


• 500 a.C.: primeiras observações registradas sobre o fenômeno de eletrização por
atrito.
• até 1400 d.C.: período do Obscurantismo: nada de fazer ciência, “coisa do demô-
nio”.
• 1400 d.C.: Tycho Brahe faz observações astronômicas e é queimado na fogueira em
praça publica; Nicolau Copérnico propõe o Modelo Heliocentrista.
• 1500: Galileo Galilei defende Copérnico e é preso em seu domicilio; faz estudos
sobre movimentos de corpos e deixa seu maior legado: a Metodologia Científica.
• 1600: Isaac Newton, que conseguiu ver mais longe porque subiu sobre os ombros
de um gigante -Galileo- desenvolve a Mecânica e o Cálculo Diferencial.
• entre 1650 e 1850: Benjamin Franklin, Charles Coulomb, Carl Gauss, Hans Oersted,
Michael Faraday e James Maxwell contribuem para o entendimento dos fenômenos
eletromagnéticos; Maxwell propõe as quatro equações que descrevem todos os
fenômenos eletromagnéticos clássicos até hoje.
• 1897: Joseph John Thomson descobre o elétron.
• 1920: fica esclarecida a constituição do átomo, composto por nêutrons, elétrons e
prótons, estes dois últimos apresentando propriedades semelhantes às observadas
pelos gregos há 2500 anos atrás.

Conclusão:
essa história mostra a capacidade de raciocínio da mente humana, que saiu de obser-
vações de como um bastão de resina atritado atrai pequenos pedaços de palha seca
até equações matemáticas capazes de descrever todos os fenômenos eletromagnéti-
cos!!!!!!
2. Campo Elétrico

2.1 Cargas Elétricas e Lei de Coulomb


As experiências de Franklin mostraram que há na natureza dois tipos de cargas elétricas,
+ e −, e que elas interagem entre si, interação essa traduzida por forças de atração entre
cargas opostas e de repulsão entre cargas iguais. A forma dessa interação, ou seja, qual
é a expressão matemática, foi descoberta por Coulomb através de uma experiência em
laboratório. Para duas cargas puntiformes, cujas dimensões são pequenas comparadas com
a distância entre elas, o módulo da força é:

Figura 2.1

kq1 q2
F= (2.1)
r2
12 Capítulo 2. Campo Elétrico

onde:
→ q1 e q2 são os valores das cargas, medidas em Coulombs no sistema de unidades inter-
nacional SI;
→ r é a distância entre elas;
1
→ k = 4πε 0
;
→ ε0 é a permissividade elétrica do meio, em nosso caso o vácuo, que vale 8.8 × 10−12 Nm2 /C2 .
Essa grandeza traduz como o meio onde estamos fazendo a experiência influencia as forças
de interação. Aqui não trataremos dessa situação.

2.2 Conceito de Campo Elétrico


Um grande problema na época em que a eletricidade e magnetismo se desenvolviam (e
também a gravitação) era explicar como é que corpos podiam interagir sem “se tocarem”
um no outro. Que tipo de coisa havia entre as cargas que avisava a carga q1 que a q2
estava por perto e vice-versa? Essa questão também rondava a interação gravitacional: que
“coisa” havia entre terra e lua para manter as duas acopladas?
Para entender essa questão, vamos lançar mão de uma analogia simples. Suponha que o
nosso espaço (no sentido de ser nosso ambiente) seja um plano horizontal, por exemplo,
a lona de uma cama elástica. Para estudar esse nosso espaço, vamos pegar uma bolinha
com uma massa muito, mas muito pequena, que chamaremos “massa de prova”... ela
não perturba nada e nem ninguém, de tão insignificante que ela é! Se colocarmos ela
sobre a lona da cama elástica, que é nosso espaço em estudo, nada vai acontecer... em
qualquer posição que a colocarmos, ela fica parada, não se movimenta. Suponha agora
que colocamos sobre a lona da cama elástica uma bola de boliche, que deforma a lona,
formando um “buraco”. Se agora colocarmos nossa massa de prova na lona, ela rolará
no sentido da bola de boliche. Diremos que há uma força atrativa entre elas. Podemos
pensar que quando em nosso espaço foi colocada a bola de boliche, as propriedades desse
espaço ficaram diferentes, de alguma maneira a bola deformou nosso espaço plano e então,
com o espaço deformado, há a atração sobre uma massa de prova, que antes não havia: as
propriedades desse espaço ficaram modificadas pela presença da bola.

Figura 2.2
2.3 Cálculo do Vetor Intensidade de Campo Elétrico 13

Podemos utilizar essa ideia para entender a interação entre cargas elétricas. Vamos
usar uma “carga de prova”, também tão pequenina que não perturba ninguém e que por
convenção será sempre positiva. Se colocarmos ela em um ponto qualquer do espaço que
estamos estudando e nada acontecer com ela, podemos dizer que nessa região do espaço
não tem nenhuma perturbação de origem elétrica. No entanto, se há uma carga q nos
arredores, então haverá uma força atuando sobre nossa carga de prova. Dizemos que há
uma perturbação ou “deformação” de origem elétrica gerada pela presença de q. Essa
deformação ou perturbação é chamada de campo elétrico.
Como quantificar essa grandeza abstrata como o campo elétrico? Não é difícil. Suponha
que em uma determinada região do espaço que estamos interessados em estudar, há um
campo elétrico gerado por uma carga elétrica qualquer. Podemos mapear a intensidade
do campo elétrico usando uma carga de prova: colocamos essa carga de prova em vários
pontos dessa região e medimos a força que ela “sente”. Se a força for grande, podemos
dizer que ali naquele ponto o campo é intenso. Se a força é pequena, o campo elétrico é
pouco intenso. Se não há força sobre q0 , então o campo também é nulo.

Figura 2.3

Desse modo a força sobre q0 nos fornece uma excelente medida de como é o campo
elétrico gerado por uma carga em uma determinada região do espaço. Podemos então
definir o vetor intensidade de campo elétrico ~E em termos da força sobre uma carga de
prova, e para que essa grandeza seja independente do valor de q0 , dividimos o valor da
força por q0 :

~
~E = F (2.2)
q0
No sistema SI, as dimensões de ~E são N/C.

2.3 Cálculo do Vetor Intensidade de Campo Elétrico


2.3.1 gerado por uma única carga puntiforme q em um ponto P situado a uma
distância r da carga
Pode ser obtido colocando-se no ponto P uma carga de prova q0 , e determinando a força
que atua sobre ela (que é dada pela lei de Coulomb, pois ambas as cargas são puntiformes),
dividida por q0 :

F kqq0 kq
E= = = 2 (2.3)
q0 q0 r 2 r
14 Capítulo 2. Campo Elétrico

Figura 2.4

Se analisarmos como é esse campo, veremos que o vetor ~E aponta sempre radialmente
tendo a carga q como centro e que o módulo de ~E é constante para um mesmo r. Dizemos
que esse campo tem simetria radial esférica. Veremos mais adiante, quando do uso da
lei de Gauss, que a simetria do campo é muito importante.

Figura 2.5

2.3.2 gerado por um sistema constituído por n cargas puntiformes


O campo elétrico gerado no ponto P situado a uma distância r1 da carga q1 , r2 da carga
q2 , ..., rn da carga qn é dado pela soma dos campos gerados por cada carga em separado
(Princípio da Superposição):

~E = E
~1 + E
~2 + ... + E
~n (2.4)

ou
n
~E = ∑ E
~i (2.5)
i=1
2.3 Cálculo do Vetor Intensidade de Campo Elétrico 15

Figura 2.6

2.3.3 gerado por uma distribuição contínua de carga (não puntiforme!!)


Aqui não podemos usar diretamente E = kq/r2 porque essa expressão só vale se as cargas
forem puntiformes, pois foi obtida através da lei de Coulomb!!! E agora???? É a única
expressão que temos à disposição!!! Ora, vamos adaptá-la à nossa nova situação, não há o
que querer inventar nada de novo. Para isso vamos usar o conceito de integração.
Vamos dividir nosso corpo em n pedaços, cada um com uma carga ∆q, que pode ser mais
ou menos considerada pequena dependendo do n... quanto maior o número de pedaços,
mais verdadeira é essa aproximação pois os ∆q’s vão ficando cada vez menores e portanto,
se aproximando de uma carga puntiforme.
Sabemos que se temos um sistema de cargas puntiformes, então podemos obter o campo
somando os campos de cada carga em separado (principio da superposição). Então o
campo em um ponto P próximo a distribuição de carga será dado por:

Figura 2.7

n
E = ∑ ∆Ei (2.6)
i=1
onde
k∆qi
Ei ≈ (2.7)
ri2
O problema aqui é que o r não é bem definido se ∆q não for exatamente um ponto.
Então devemos fazer n tender ao infinito. Quando fazemos isso, a somatória passa de uma
16 Capítulo 2. Campo Elétrico

soma discreta para uma soma no contínuo, ou seja, uma integral:


n
E = lim ∑ ∆Ei (2.8)
n→∞
i=1

ou Z
E= dE (2.9)

onde
kdq
dE = (2.10)
r2

Figura 2.8

Agora vamos fazer uma análise dessa expressão: observe que a variável de integração
é dq e que dentro do integrando temos, no denominador, r2 . Integrar significa nesse caso
somar todas as contribuições dE de cada ponto do corpo carregado ou seja, o r vai ter que
passar sobre todos os pontos do corpo, o que significa que ele será expresso em função das
coordenadas que definem o corpo. Então precisamos saber como exprimir dq em função
das coordenadas. Vamos a seguir fazer uma recordação dos sistemas de coordenadas e seus
elementos infinitesimais de comprimento, área e volume, bem como definir as densidades
lineares, superficiais e volumétricas de carga. Com isso conseguiremos exprimir dq em
termos das coordenadas e, portanto, resolver a integral.
3. Parada Obrigatória

3.1 Sistemas de coordenadas e seus elementos infinitesimais


3.1.1 Coordenadas Cartesianas
1 Dimensão
Um ponto fica completamente localizado se dermos a coordenada x. Para obter o ele-
mento infinitesimal em coordenadas cartesianas a uma dimensão basta fazer um pequeno
deslocamento infinitesimal da coordenada x do ponto P, dx.

Figura 3.1

2 Dimensões
Um ponto fica completamente localizado se dermos as duas coordenadas x e y. Para obter
o elemento infinitesimal em coordenadas cartesianas a duas dimensões basta fazer um
pequeno deslocamento infinitesimal em cada uma das coordenadas x e y do ponto P, dx e
dy respectivamente. O elemento infinitesimal de área é então o produto de dx por dy (lado
vezes lado), ou seja:
dA = (dx).(dy) (3.1)

3 Dimensões
Um ponto fica completamente localizado se dermos as suas coordenadas x, y e z. Para
obter o elemento infinitesimal em coordenadas cartesianas a três dimensões basta fazer um
18 Capítulo 3. Parada Obrigatória

Figura 3.2

pequeno deslocamento infinitesimal em cada uma das coordenadas x, y e z do ponto P, dx,


dy e dz respectivamente. O elemento infinitesimal de volume é então o produto de dx por
dy por dz (lado vezes lado vezes lado), ou seja:

dV = (dx).(dy).(dz) (3.2)

Figura 3.3

3.1.2 Coordenadas Cilíndricas


Um ponto fica completamente localizado no espaço se dermos (ρ,φ ,z), conforme figura
a seguir. Para obter o elemento infinitesimal de área, basta fazermos um deslocamento
infinitesimal dφ na coordenada φ (o que determina um arco infinitesimal de comprimento
ρdφ ) e um deslocamento infinitesimal dz na coordenada z. O elemento infinitesimal de
área será (lado vezes lado):
dS = (ρdφ ).(dz) (3.3)
3.1 Sistemas de coordenadas e seus elementos infinitesimais 19

enquanto que para obter o elemento de volume fazemos também um deslocamento infinite-
simal dρ em ρ. O elemento de volume será:

dV = (ρdφ ).(dz).(dρ) (3.4)

Figura 3.4

3.1.3 Coordenadas Esféricas


Um ponto fica completamente localizado no espaço se dermos (r,θ ,φ ), conforme figura
a seguir. Para obter o elemento infinitesimal de área, basta fazermos um deslocamento
infinitesimal dφ na coordenada φ (o que define um arco infinitesimal r sin(θ )dφ ) e um
deslocamento infinitesimal dθ na coordenada θ (o que define um arco infinitesimal rdθ ).
O elemento infinitesimal de área será (lado vezes lado):

dS = (rdθ ).(r sin(θ )dφ )


(3.5)
dS = r2 sin(θ )dθ dφ

enquanto que para obter o elemento de volume fazemos também um deslocamento infinite-
simal dr em r. O elemento de volume será:

dV = (rdθ )(r sin(θ )dφ )(dr)


(3.6)
dV = r2 sin(θ )dθ dφ dr
20 Capítulo 3. Parada Obrigatória

Figura 3.5

3.2 Densidades de Carga


3.2.1 Densidade Linear de Carga λ
Tomemos um bastão fino, de comprimento l e vamos distribuir uniformemente certa
quantidade de carga q sobre esse bastão.

Figura 3.6

Se fizermos a razão entre a carga do bastão e seu comprimento, podemos definir uma
densidade linear de carga λ = q/l desse bastão. Se considerarmos uma porção desse
bastão de comprimento l 0 , que conterá certa quantidade de carga q0 , a razão entre q0 e l 0
também será q0 /l 0 = λ . Em especial, (e que nos interessa muito), se considerarmos uma
porção infinitesimal desse bastão, de comprimento infinitesimal dx, o mesmo conterá uma
quantidade infinitesimal de carga dq (que pode ser considerada puntiforme), de modo que
dq/dx = λ .
Conseguimos o que precisávamos!!!! Estávamos em busca de relacionar dq com coordena-
das. Agora temos, nesse caso, que:

dq = λ dx (3.7)

Vale observar que na discussão acima escolhemos um caso particular em que λ é uniforme
porque queríamos introduzir a ideia de densidade de carga. Claro que há casos em que a
carga não é distribuída uniformemente no bastão, de modo que λ pode depender da posição
3.2 Densidades de Carga 21

onde está localizado sobre o corpo carregado, aqui um bastão. Por exemplo, poderíamos
ter λ = λ (x) = Ax, onde A seria uma constante dada e x a distância da extremidade do
bastão a um ponto qualquer do mesmo.

3.2.2 Densidade Superficial de Carga σ


Podemos considerar o caso em que distribuímos uniformemente uma certa carga q sobre
uma superfície S. Se fizermos a razão entre q e S, obteremos a densidade superficial de
carga σ = q/S. Na mesma linha discutida acima, se tomarmos um elemento infinitesimal
dessa superfície dS, ele conterá uma quantidade infinitesimal de carga dq, de modo que
dq/dS = σ . De novo conseguimos o que precisávamos:

dq = σ dS (3.8)

Figura 3.7

dS pode ser um elemento infinitesimal de área em coordenadas cartesianas (dxdy),


em coordenadas cilíndricas (ρdφ dz) ou em coordenadas esféricas (r2 sin(θ )dθ dφ ). Lem-
brando de novo que σ pode depender da posição na superfície.

3.2.3 Densidade Volumétrica de Carga ρ


Se carregarmos todo o volume de um corpo com uma certa carga q, podemos definir a
densidade volumétrica de carga ρ como sendo a razão ρ = q/V . Se considerarmos um
elemento infinitesimal de volume dV , ele conterá uma certa quantidade de carga dq, de
modo que ρ = dq/dV . Ou melhor, para a nossa “precisão” na solução daquela integral:

dq = ρdV (3.9)

dV pode ser um elemento infinitesimal de volume em coordenadas cartesianas (dxdydz),


em coordenadas cilíndricas (ρdρdφ dz) ou em coordenadas esféricas (r2 sin(θ )dθ dφ dr).
Lembrando de novo que ρ pode depender da posição.
22 Capítulo 3. Parada Obrigatória

Figura 3.8

OBSERVAÇÃO:
infelizmente ρ é usado como coordenada cilíndrica, como densidade volumétrica
de massa e de carga, como resistividade, etc. É preciso estar atento para não misturar
alhos com bugalhos!

R
Sabe que tipo de problemas você vai encontrar pela frente quando for calcular E =
dE? Saiba que só podemos resolver essa integral para corpos carregados que tenham
muita simetria. Serão:
• bastões e arcos: com dq = λ dx ou dq = λ ds (ds é o elemento infinitesimal de
arco);
• superfícies planas, cilíndricas e esféricas: com dq = σ dS;
• volumes cilíndricos e esféricos: com dq = ρdV
É interessante observar que quando dizemos que um corpo possui uma certa carga q,
essa informação não é completa pois não sabemos como a carga está distribuída nesse
corpo: pode ser uma distribuição uniforme, mas pode não ser. No entanto, se sabemos
como é a densidade de carga, então sabemos tudo: como ela está distribuída, por exemplo
(no caso em que λ = λ (x) = A x, sabemos que em x = 0 não há cargas e que em x = l, isto
é, na outra extremidade do bastão, a carga é máxima). Podemos inclusive calcular a carga
total do bastão, bastando para isso somar todos os dq’s ao longo do bastão inteiro, ou seja:

 l
Ax2 Al 2
Z Z Z l 
qt = dq = λ (x)dx = Ax dx = = (3.10)

0 2 2
0

Note que essa discussão vale também para densidades superficiais e volumétricas.

Como conclusão desse papo:


a densidade é muito mais fundamental que a carga... na verdade isso vale para várias
outras situações, em outras áreas, como Engenharia, por exemplo.
3.2 Densidades de Carga 23

3.2.4 “Teorema” das integrais múltiplas


Seja:
f (x, y, z) = h(x) g(y) j(z) (3.11)
sendo x, y, z variáveis independentes (como são as coordenadas dos três sistemas que
estudamos acima). Então:
ZZZ Z Z Z
f (x, y, z) dx dy dz = h(x)dx g(y)dy j(z)dz (3.12)

Ou seja, uma integral tripla (dupla) pode ser simplificada como um produto de três (duas)
integrais simples. Fácil, não??
24 Capítulo 3. Parada Obrigatória

3.3 Exercícios Sobre Sistemas de Coordenadas


1. Calcule, usando integração, a área de uma face e o volume de um cubo de lado L.
2. Calcule, usando integração, a área de um disco de raio R.
3. Considere uma esfera maciça de raio R. Calcule a área da superfície e o volume da
mesma.
4. Considere uma casca (grossa) cilíndrica, de raio interno R1 e externo R2 , e de altura
H. Calcule a área total e o volume total desse corpo. Claro, use integração.

Figura 3.9

5. Um bastão de comprimento L está carregado com uma densidade linear uniforme de


carga λ .
(a) Calcule a carga total do bastão.
(b) Suponha agora que a densidade de carga seja dada por λ = Ax2 , sendo A uma
constante dada e x a posição de um ponto qualquer do bastão em relação a uma
das extremidades do mesmo. Calcule a carga total do bastão.
6. Uma casca (grossa) esférica, de raio interno R1 e raio externo R2 está carregada com
uma densidade volumétrica uniforme de cargas ρ.
(a) Calcule a carga total contida na casca esférica.
(b) Suponha agora que ρ = A/r, onde A é uma constante e r é a distância do centro
até um ponto qualquer da casca. Calcule a carga total contida nessa casca.
(c) Calcule a expressão da carga em função de r.
4. A Lei de Gauss

4.1 O conceito de fluxo


4.1.1 De Água
Imagine que você está à beira de um riacho e que você tem em mãos uma moldura que
encerra uma certa superfície de área S. Se você mergulha a moldura dentro da água do
riacho, quanta água passa através da superfície S?

Figura 4.1

Bom, podemos analisar e verificar que a quantidade de água que atravessa S – que
daqui em diante chamaremos de fluxo de água através de S – depende:
• da intensidade da correnteza (se a água está parada não há fluxo, se a correnteza é
forte há um fluxo grande);
• da área da superfície (se a área é grande, o fluxo é grande...);
• da orientação relativa entre a superfície e correnteza (a correnteza pode só tangenciar
a superfície, de modo que a quantidade de água que atravessa a superfície pode
ser pequena; ao contrário, se a superfície estiver colocada perpendicularmente à
correnteza, o fluxo será grande).
26 Capítulo 4. A Lei de Gauss

4.1.2 Do Campo Elétrico


Suponha que em uma determinada região do espaço há um campo elétrico uniforme ~E, ou
seja, tem o mesmo valor em todos os pontos do espaço, e que você tem uma “moldura”
retangular de área S. Se você mergulha S no campo elétrico, podemos pensar que o campo
elétrico atravessa S ou seja, que há um fluxo do campo através de S.

Figura 4.2

De que depende esse fluxo? De modo similar ao caso da água, o fluxo de ~E através de
S depende:
• da intensidade do campo elétrico (se ~E é zero não haverá fluxo...);
• da área da superfície;
• da orientação relativa entre ~E e a superfície.
Portanto, se chamarmos o fluxo de φ , então podemos escrever que:

φ ∝ ~E (4.1)

φ ∝S (4.2)
Falta expressar matematicamente a orientação relativa entre ~E e S. Isso significa que
precisamos de um meio para orientar uma superfície no espaço. E isso é muito simples:
basta associar (“colar”) um vetor perpendicularmente à superfície. Esse vetor tem que ter
módulo numericamente igual à área da superfície S.

Figura 4.3

Agora a superfície que tem seu vetor apontando para o norte é diferente da superfície
que tem seu vetor apontando para o leste: são dois vetores de mesmo módulo, mas direções
4.1 O conceito de fluxo 27

diferentes e portanto são orientações diferentes no espaço. A charada está morta: o produto
escalar entre ~E e ~S representa tudo o que queremos para o fluxo de ~E através de S:

φ = ~E · ~S (4.3)

φ = |~E||~S| cos(θ ) (4.4)


onde θ é o ângulo entre os vetores ~E e ~S.
Nós usamos até agora uma situação muito particular, pois o campo era uniforme e
a superfície plana retangular. Se quisermos generalizar o conceito de fluxo, podemos
considerar um campo não uniforme que atravessa uma superfície de forma qualquer. Como
escrever uma expressão que é uma generalização da equação acima? De novo usaremos o
conceito de integração.

Figura 4.4

Dividimos a superfície em n pedaços ∆S. Em cada um desses ∆S o campo ~E não muda


muito (pode ser considerado uniforme) se ∆S for suficientemente pequeno. O fluxo em ∆S
é:
∆φ ∼ ~E∆~S (4.5)
E o fluxo total é a soma de todos os fluxos ∆φ :

φ ∼ ∑ ∆φ (4.6)

Quando fizermos o número de elementos de superfície tender ao infinito, teremos:


n
φ = lim ∑ ∆φi (4.7)
n→∞
i=1

ou Z Z
φ= dφ = ~E · d~S (4.8)
28 Capítulo 4. A Lei de Gauss

Figura 4.5

Atenção:
esta integral é uma integral de superfície, pois os valores de ~E que aparecem no
integrando são os valores de ~E sobre os pontos da superfície que você escolheu. Esse
fato terá uma repercussão muito importante no uso da lei de Gauss!!

Na discussão acima usamos uma superfície aberta. Mas na verdade o que nos interessa
mais é analisar o fluxo de ~E através de uma superfície fechada.

Figura 4.6

Nesse caso pouca coisa muda conceitualmente em relação à superfície aberta, a não ser
que o elemento de superfície dS sempre será escolhido apontando para fora da superfície.
Para uma superfície fechada, o fluxo é dado por:
I I
φ= dφ = ~E · d~S (4.9)

Note que o círculo sobre o símbolo da integral serve para avisar que estamos tratando
de superfície fechada.

4.2 Lei de Gauss


Agora estamos prontos para discutir a lei de Gauss. Vamos voltar ao caso da água. Imagine
que você tem uma fonte de água (tipo uma mina, de onde jorra água para todos os lados)
4.2 Lei de Gauss 29

que jorra 10 litros d’água por minuto (isso é chamado de vazão, parente do fluxo). Se
você envolve essa fonte de água com uma superfície fechada, a quantidade de água que
atravessa essa superfície a cada minuto não pode depender da forma nem do tamanho da
superfície, tem que ser 10 litros por minuto. Como testar a veracidade dessa afirmação?
Basta pensar que se pela superfície fechada que envolve a fonte passarem 14 litros por
minuto, de onde vieram esses 4 litros adicionais? Não é possível, pois moléculas de água
não podem aparecer do nada!!! Assim, a quantidade de água que atravessa a superfície
fechada não pode depender da forma nem do tamanho da superfície fechada, só depende
da fonte por ela envolvida: quanto mais água a fonte produzir, maior o fluxo através de
qualquer superfície fechada que a envolve, independente de sua geometria.

Figura 4.7

Vamos transportar essa ideia para o caso do campo elétrico.

Quem é fonte de campo elétrico? Cargas elétricas.

Suponhamos que temos uma carga elétrica colocada em um ponto qualquer do espaço.
Se envolvermos essa carga com uma superfície fechada, o fluxo do campo elétrico através
dessa superfície não pode depender da forma da superfície, só depende da fonte de campo
elétrico, ou seja, da carga envolvida.

Figura 4.8
30 Capítulo 4. A Lei de Gauss

Podemos escrever essa ideia como:


q
φ= (4.10)
ε0

ε0 , que é só uma constante, aparece aqui porque usamos o sistema MKS (SI).

Atenção:
q é a carga total interna à superfície usada para calcular o fluxo – que também é
chamada de superfície gaussiana.

Se o fluxo é dado por: I


φ= ~E · d~S (4.11)

então a lei de Gauss pode ser escrita como:


I
ε0 ~E · d~S = q (4.12)

Essa equação é também chamada de equação de fonte escalar para um campo vetorial,
e é aplicável não só a campos elétricos, mas em outras situações. Em um caso geral,
podemos afirmar que, se I
~A · d~S = a (4.13)

então o campo vetorial ~A tem como fonte a grandeza escalar a.

Atenção:
~ não depende da
a grande utilidade da lei de Gauss está no fato que o fluxo ( ~E · dS)
H

forma da superfície fechada que você vai usar. Já que não depende, podemos escolher
qualquer forma, inclusive as mais fáceis como superfícies cilíndricas, esféricas,
paralelepipédicas, etc. A forma da superfície mais fácil vai depender da simetria do
campo elétrico. Se o campo tiver simetria radial esférica, como é o caso do campo
gerado por carga puntiforme ou por corpos carregados esféricos, condutores ou
isolantes, maciços ou ocos, a superfície escolhida deverá sempre ser uma superfície
esférica. Se o campo tem simetria radial cilíndrica como é o caso de campos gerados
por bastão infinito e corpos carregados cilíndricos, condutores ou isolantes, maciços
ou ocos, a superfície será sempre uma superfície cilíndrica.

4.3 Materiais Isolantes e Condutores


Para usar a Lei de Gauss no cálculo do campo elétrico, é preciso conhecer um pouco sobre
as propriedades de condução do material que será carregado com uma certa carga q: se ele
é condutor ou isolante. Vamos então discutir objetivamente essas duas características.
4.3 Materiais Isolantes e Condutores 31

4.3.1 Isolantes
Dizemos que um material é isolante quando a carga nele colocada não pode se mover, ela
fica fixa onde foi colocada. Isso significa que uma esfera maciça, por exemplo, pode ser
carregada em todo o seu volume, de modo que podemos definir sua densidade volumétrica
de carga. Dentro desses corpos pode haver a presença de um campo elétrico.

4.3.2 Condutores
De uma maneira simples e bem resumida podemos dizer que um material é condutor
quando as cargas nele colocadas podem se mover dentro do material 1 . Isso significa que
as cargas podem se rearranjar e não preservar as posições onde elas inicialmente foram
colocadas. Em particular, vamos considerar o caso de um corpo condutor carregado
isolado em equilíbrio eletrostático (CCIEE), isto é, um corpo no qual colocamos uma
certa quantidade de carga q, que esta isolado no espaço, e que esperamos as cargas se
rearranjarem até ficarem imóveis ou seja, atingir o equilíbrio eletrostático (esse rearranjo
demora ∼ 1 ns). Nesse caso, como as cargas são móveis, a tendência é elas irem para a
superfície devido a repulsão eletrostática. Quando as cargas atingem o equilíbrio, o campo
elétrico no interior do corpo condutor tem que ser zero. Caso fosse diferente de zero,
haveria forças atuando sobre cargas e então elas deveriam se mover, o que não pode ser,
pois estamos numa condição de equilíbrio.

Conclusão:
em corpos isolantes podemos ter campo em seu interior enquanto que em corpos con-
dutores não há campo elétrico dentro do mesmo, as cargas estão todas na superfície e
então não tem sentido definir densidade volumétrica de cargas!

1 Vamos detalhar um pouco mais. Na verdade a grande maioria dos materiais condutores, os metálicos

em especial, é composta por átomos ou íons cuja distribuição eletrônica favorece a liberação do elétron mais
externo isto é, cada átomo libera um elétron que fica livre para se mover dentro do material. O átomo isolado
de cobre, por exemplo, tem 29 elétrons, com o mais externo na camada 4s1 . Ao colocarmos esses átomos
lado a lado para constituir um pedaço de material sólido, o elétron 4s “se liberta” do átomo e fica “livre”.
O íon Cu+ fica fixo, não pode se mover. Assim, um pedaço de cobre tem cargas livres, mas a carga total
é zero. Quando carregamos um pedaço de cobre com uma certa de carga q, na verdade há no corpo essa
carga + os elétrons livres. Vale ressaltar que existem materiais que são semicondutores e outros que são
supercondutores. Nós vamos discutir esse assunto mais adiante, na parte que trata de propriedades elétricas
de materiais.
II
Potencial Elétrico

5 POTENCIAL ELÉTRICO . . . . . . . . . . . . 35
5.1 Diferença de Potencial Elétrico
5.2 Cálculo do Potencial Elétrico
5.3 Exemplos
5.4 Desenhando o Potencial Elétrico: Superfícies
Equipotenciais
5.5 Obtendo ~E a partir de V
5.6 Energia Potencial Eletrostática

6 CAPACITORES E DIELÉTRICOS . . . . 53
6.1 Capacitores e capacitância
6.2 Cálculo da Capacitância

7 CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC


63
7.1 Corrente e Densidade de Corrente
7.2 Resistencia e Resistividade
7.3 Lei de Ohm
7.4 Fontes de Força Eletromotriz
7.5 Um Circuito Simples – Lei das Malhas
7.6 Circuito RC em Série
5. POTENCIAL ELÉTRICO

5.1 Diferença de Potencial Elétrico


Até agora representamos o campo elétrico (a “deformação no espaço de origem elétrica”)
pelo vetor intensidade de campo elétrico ~E. Agora vamos apresentar uma outra maneira de
descrever o campo elétrico, através de uma grandeza escalar, chamada de diferença de
potencial elétrico. Vamos considerar uma dada região do espaço onde existe um campo
elétrico qualquer. Podemos quantificar como é esse campo através do trabalho que temos
que fazer para deslocar uma carga de prova q0 , a velocidade constante, de um ponto A até
um ponto B, situados dentro da região que queremos estudar. Para isso escolhemos um
caminho (uma trajetória fica mais elegante, né?) e “arrastamos” a carga q0 de A até B
através da trajetória escolhida. Para tal temos que aplicar uma certa força ~F. Calculamos o
trabalho W que fizemos e dividimos o trabalho por q0 . Essa razão, trabalho por unidade de
carga elétrica é que é chamada de diferença de potencial entre os pontos A e B, VB −VA :
 
WAB Joule
VB −VA = = Volt (5.1)
q0 Coulomb

Figura 5.1
36 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO

Para refrescar a memória, vamos relembrar alguns detalhes sobre trabalho de uma
força. Numa situação bem simples, onde temos um certo corpo que é deslocado de um
ponto A para um ponto B através de um deslocamento retilíneo, descrito por um vetor ~l
submetido a uma força constante ~F, o trabalho é definido como:

W = ~F ·~l (5.2)

Figura 5.2

Para generalizar essa ideia, vamos considerar como calcular o trabalho realizado por
uma força não constante qualquer (em princípio), para deslocar o corpo de um ponto A
até um ponto B, através de uma trajetória não retilínea qualquer (em principio). Vamos
ter que adaptar a expressão acima, pois em um caso geral ~F muda de ponto para ponto da
trajetória. Que fazemos? Usamos mais uma vez o conceito de integração: dividimos nossa
trajetória em um número infinito de deslocamentos infinitesimais d~l...”dentro” de um d~l,
~F pode ser considerado constante, de modo que, para um deslocamento d~l executamos
um trabalho dW = ~F · d~l. Para saber o trabalho total para ir de A até B, basta somar todos
esses dW ’s ou seja, integrar:
Z B Z B
WAB = dW = ~F · d~l (5.3)
A A

Atenção:
essa integral não é uma integral qualquer!!!! Ela é uma integral de linha, podemos
dizer até que é parente da integral de superfície!! Os valores de ~F que vão dentro
do integrando são os valores que ~F tem sobre os pontos da trajetória escolhida
para ir de A até B! Se você muda de trajetória, os valores de ~F também mudarão!
FELIZMENTE, se as forças envolvidas forem forças conservativas, como é o caso
das forças de origem eletrostática -nosso caso aqui na Física 3- (gravitacional, de
mola, etc também são conservativas), então o trabalho executado só dependerá
dos pontos A e B. Diferentes caminhos, mesmo que com diferentes ~F’s dentro
do integrando, levam sempre ao mesmo valor de WAB ! Isso nos dá uma enorme
vantagem: se o trabalho é sempre o mesmo para pontos fixos A e B, e independe
da trajetória, então podemos escolher a trajetória mais conveniente, mais fácil de
resolver a integral!!!
5.2 Cálculo do Potencial Elétrico 37

Agora podemos determinar a expressão da diferença de potencial entre dois pontos


A e B, VA −VB supondo que conhecemos como é o vetor intensidade de campo elétrico
~E. Para isso escolhemos uma trajetória entre A e B conveniente para a simetria do campo
elétrico: vamos até o ponto B, colocamos a carga q0 no ponto B e deslocamos a mesma a
velocidade constante sobre a trajetória escolhida. Para isso teremos que aplicar uma força
sobre a carga q0 que tem de ser exatamente igual e oposta à força que ~E aplica sobre q0 ,
para que ela não acelere, ganhando energia cinética, ou seja:
~F = −q0 ~E (5.4)

Figura 5.3

Assim:
Z B~ ~
(−qo~E) · d~l
Z B Z B Z B
WBA dW F · dl ~E · d~l
VA −VB = = = = =− (5.5)
q0 A q0 A q0 A q0 A
Z B
VA −VB = − ~E · d~l (5.6)
A
Quando o ponto B está muito distante da distribuição de carga que gera o campo
elétrico, isto é, B está no infinito, então dizemos que a diferença de potencial de um ponto
qualquer P (ao invés de A agora, nesse caso, é assim que a maioria dos livros fazem)
próximo à carga em relação ao outro ponto B no infinito é simplesmente “potencial do
ponto P”. Veja que falar em potencial de um ponto não tem sentido, pois ele é definido
em função de trabalho, onde sempre tem que haver um ponto inicial e um ponto final. No
fundo é errado falar em potencial do ponto P, mas fica aqui combinado que nós sabemos
que “potencial do ponto P” significa diferença de potencial entre um ponto no infinito e o
ponto P.
Z P
V (P) = − ~E · d~l (5.7)
+∞

5.2 Cálculo do Potencial Elétrico


5.2.1 Carga Puntiforme
Diferença de potencial entre um ponto A e um ponto B situados a uma distância rA e rB da
carga puntiforme q, respectivamente.
38 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO

Figura 5.4

Z A Z A
VA −VB = − ~E · d~l = − |~E||d~l| cos(180o )
B B
Z A Z A  Z A (5.8)
kq dl
=+ Edl = + dl = +kq
B B r2 B r2

Mas dl = −dr. Então


Z A   A  
dr −1 1 1
VA −VB = −kq = −kq = kq − (5.9)

B r2 r rA rB
B
 
1 1
VA −VB = kq − (5.10)
rA rB
Com esse resultado podemos obter diretamente o potencial em um ponto P situado a
uma distância r da carga q. Basta trocar de nome o ponto A e chamá-lo de ponto P, trocar
rA por r e colocarmos o ponto B no infinito, o que implica fazer rB ir ao ∞. Fazendo essas
substituições, ganhamos:
kq
V (P) = (5.11)
r

5.2.2 Sistema de Cargas Puntiformes


Para um sistema constituído por n cargas puntiformes: o potencial elétrico gerado no ponto
P situado a uma distância r1 da carga q1 , r2 da carga q2 , ... rn da carga qn é dado pela soma
dos potenciais gerados por cada carga em separado (princípio da superposição):

V = V1 +V2 + ... +Vn (5.12)


onde
kq1 kq2 kqn
V1 = ,V2 = , ...,Vn = (5.13)
r1 r2 rn
ou
V = ∑ Vi ,
kqi (5.14)
Vi =
ri
5.2 Cálculo do Potencial Elétrico 39

Figura 5.5

Lembre-se que V é um escalar, de modo que a soma acima é mais simples que no
caso em que estamos descrevendo o campo elétrico através do vetor intensidade de campo
elétrico ~E, onde a soma é vetorial.

5.2.3 Distribuição Contínua de Carga (não puntiforme!!)


kq
Aqui não podemos usar diretamente V = porque essa expressão só vale se as cargas
r
forem puntiformes!!! E agora???? É a única expressão que temos à disposição!!! Ora,
vamos novamente adaptá-la à nossa nova situação. Para isso vamos usar o conceito de
integração.
Vamos dividir nosso corpo em n pedaços, cada um com uma carga ∆q, que pode ser mais
ou menos considerada pequena dependendo do n ...quanto maior o número de pedaços,
mais verdadeira é essa aproximação, pois os ∆q’s vão ficando cada vez menores e portanto,
se aproximando de uma carga puntiforme. Sabemos que se temos um sistema de cargas
puntiformes, então podemos obter o potencial somando os potenciais de cada carga em
separado (principio da superposição). Então o potencial em um ponto P próximo à
distribuição de carga será dado por:

Figura 5.6

k∆qi
V = ∑ ∆Vi , onde ∆Vi ∼ (5.15)
ri
O problema aqui é que o r não é bem definido se ∆q não for exatamente um ponto.
40 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO

Então devemos fazer n tender ao infinito. Quando fazemos isso, a somatória passa de uma
soma discreta para uma soma no contínuo ou seja, uma integral:

V = lim ∑ ∆Vi (5.16)


n→∞

ou
kdq
Z
V= dV, onde dV = (5.17)
r
Vamos agora fazer alguns exemplos. Você verá que temos basicamente dois tipos de
problemas: R
• em um tipo usamos diretamente V = dV , onde dV = kdq/r, usada geralmente
quando o campo não tem muita simetria1 : casos como bastões, arcos, discos, etc.
• no outro tipo, quando o campo tem simetria radial esférica ou cilíndrica2 , onde
é possível usar a Lei de Gauss, a seqüência de cálculo é: determinamos ~E via lei
de Gauss (ε0 ~E · d~S = q) e a expressão obtida de ~E é “injetada” na expressão
R

V (P) = − ~E · d~l.
R

1 isto é, não tem simetria suficiente para usarmos a lei de Gauss para calcular ~E.
2 em simetria cilíndrica precisamos de cuidado, como veremos mais adiante.
5.3 Exemplos 41

5.3 Exemplos
5.3.1 Bastão de Comprimento l

Figura 5.7

l
kdq λ dx dx
Z Z Z Z
2
V= dv = =k = kλ 1
r r − 2l
(x2 + y2 ) 2
 − 1
  21 
l 2 2
1 2

dx l +y +l
Z
2 2 2 2

1 = ln x + x + y = ln 
1

− 2l (x2 + y2 ) 2 1 2 2
(l + y ) − l
2
−2

Logo,  
 12
l 2 + y2 +l
V = kλ ln  1
 (5.18)
(l 2 + y2 ) 2 −l

5.3.2 Esfera Dielétrica


Uniformemente carregada com densidade ρ uniforme. Calcular o potencial em todos os
pontos do espaço.

a. V (r > R)

Figura 5.8
42 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO
Z P Z P
V (P) = − ~E · d~l = + Edl (5.19)
∞ ∞
Usando a Lei de Gauss aplicada à superfície de raio r0 , obtemos:

~E · d~S = q =⇒ ε0 E4πr02 = q = ρ 4 πR3


I
ε0
3
Logo,
ρR3
E=
3ε0 r02
Substituindo E na integral de linha, obtemos:
ρR3 dl ρR3
Z P Z P
dl
V (P) = =
∞ 3ε0 r02 3ε0 ∞ r02
Mas, dl = −dr0 . Logo,
Z r 0   r
ρR3 dr ρR3 1 ρR3
V (P) = − = =
3ε0 r02 3ε0 r0 3ε0 r


Assim,
ρR3
V (P) = , para r > R (5.20)
3ε0 r
b. V (r < R)

Figura 5.9

Z P0 Z S Z P0
0 ~E · d~l = −
V (P ) = − E~ f · d~l − ~d · d~l
E (5.21)
∞ ∞ S
Aqui, como ~E é uma função de r diferente para pontos dentro da distribuição de
~d e E~ f . Na verdade,E~ f já foi calculado
carga e fora dela, estamos distinguindo por E
no item anterior. Isso significa que a primeira integral já está calculada, bastando
mudar o limite de integração:
3Z R dr0 ρR2
Z S
ρR
− E~ f · d~l = − = (5.22)
∞ 3ε0 ∞ r02 3ε0
5.3 Exemplos 43

Vamos agora calcular a segunda integral:


Z P0 Z P0
− ~d · d~l =
E Ed dl (5.23)
S S
Aplicando a Lei de Gauss, conseguimos Ed :
0
~d · d~S = q =⇒ ε0 Ed 4πr02 = q = ρ 4 πr03 =⇒ Ed = ρr
I
ε0 E
3 3ε0
Logo,
Z P0 Z P0
ρ
Ed dl = r0 dl = (∗)
S 3ε0 S
Mas dl = −dr0 :
Z r  02  r
ρ ρ r ρ
(∗) = − r0 dr0 = − = (R2 − r2 )
3ε0 R 3ε0 2 6ε0
R

Logo,
ρ(R2 + r2 ) ρR2
0
V (P ) = +
6ε0 3ε0
Assim:
ρ
V (P0 ) = (3R2 − r2 ), para r < R (5.24)
6ε0

5.3.3 Esfera Condutora


E se a esfera fosse condutora, carregada com a mesma carga da esfera dielétrica do item
anterior? Calcular V em todo o espaço.

Figura 5.10

4
A carga total da esfera dielétrica é Q = πρR3 , e estaria toda na superfície.
3
a. para pontos fora: o problema é o mesmo. A única diferença é que temos que
exprimir V em função de Q:
Z P Z P Z r 0
~E · d~l = dr kQ
V (P) = − Edl = −kQ = (5.25)
∞ ∞ ∞ r02 r
b. para pontos dentro:
Z S Z P0
V (P0 ) = − E~ f · d~l − ~d · d~l
E
∞ S
44 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO
~d = 0!! Logo,
Mas dentro de um C.C.I.E.E. E
Z S Z r 0
0 dr kQ
V (P ) = − E~ f · d~l = −kQ = (5.26)
∞ ∞ r02 r

5.3.4 Potencial em Simetria Cilíndrica


Aqui veremos que temos um problema. Seja uma casca cilíndrica longa, carregada com
uma certa densidade volumétrica de cargas ρ, uniforme. Calcular o potencial em um ponto
P situado a uma distância r do eixo.

Figura 5.11

Z P Z P
V (P) = − ~E · d~l = Edl (5.27)
∞ ∞
dl = −dr0 (5.28)
I
ε0 ~E · d~S = q (5.29)

Aplicado a uma superfície cilíndrica de raio r0 e altura H, temos:


ε0 E2πr0 H = q = ρ(πR22 H − πR21 H) = ρπH(R22 − R21 )
ρ(R22 − R21 )
E= (5.30)
2ε0 r0
Voltando em V (P) temos:
r
ρ(R22 − R21 ) r dr0 ρ(R22 − R21 ) 
Z
0

V (P) = − =− ln(r )
2ε0 ∞ r0 2ε0

ρ(R22 − R21 )
V (P) = [ln(∞) − ln(r)]??
2ε0
ln(∞) = ∞!!!
BUM!!! V (P) EXPLODE!!! Não podemos ir ao infinito com campos de simetria radial
cilíndrica!! Só nos resta ficar nos arredores da distribuição cilíndrica de cargas. Podemos,
por exemplo, calcular a diferença de potencial entre o centro e um ponto na superfície.
0
Z A Z S Z A 
>
 Z S
VA −VB = − ~E · d~l = − ~E · d~l − ~E· d~l = − ~E · d~l
B B S
 B
5.4 Desenhando o Potencial Elétrico: Superfícies Equipotenciais 45

Figura 5.12

Z S
VA −VB = Edl
B
Mas
ρ(r02 − R20 )
I
~E · d~S = q =⇒ ε0 E2Z 0 02 2
ε0 πr @@ = ρ(Z
H πr @ @ −Z
H πR1@@) =⇒ E =
H
2ε0 r0
Logo,
 
Z R1 0 0 R1 R1

ρR21 0 ρ  r02
Z R1
ρr dr 0 
VA −VB = − + 0
dr = − + ln(r )
R2 2ε0 R2 2ε0 r 2ε0 2
R2 R2

Assim:
ρ (R22 − R21 )
  
R1
VA −VB = + ln (5.31)
2ε0 2 R2

5.4 Desenhando o Potencial Elétrico: Superfícies Equipotenciais


Assim como no caso do vetor intensidade, onde “desenhamos” o campo elétrico através das
linhas de força, no caso do potencial podemos fazer uma representação gráfica através de
superfícies equipotenciais3 , ou seja, superfícies cujos pontos estão ao mesmo potencial
elétrico. Então, se uma superfície é equipotencial (SE), não haverá diferença de potencial
entre quaisquer dois pontos da mesma, independente da trajetória escolhida: se A, B, C
e D pertencem a uma SE então VA = VB = VC = VD e, portanto, VA − VB = VB − VC =
VA − VC = VA − VD ,etc, será sempre zero. É interessante notar que se escolhemos uma
trajetória entre A e B, por exemplo, que pertença à superfície, não poderá haver execução
3 do latim, equi significa igual
46 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO

de trabalho em todos os pontos da trajetória. Isso significa que a força que fazemos para
deslocar uma carga de prova q0 , por exemplo, ao longo dessa trajetória terá que ser sempre
perpendicular à SE, pois se houver componente paralela pode haver execução de trabalho,
o que implicaria haver diferença de potencial. Como a força que aplicamos é sempre igual
e oposta à força elétrica, isso significa que ela também tem que ser perpendicular à SE.
Logo, o vetor intensidade ~E tem que ser perpendicular a qualquer SE.

Figura 5.13

No caso de um corpo Condutor Carregado Isolado em Equilíbrio Eletrostático


(CCIEE), como qualquer excesso de carga fica localizado na superfície, então a superfície
do CCIEE tem que ser uma SE, pois se não fosse as cargas estariam em movimento, o que
implicaria que o corpo não estaria em equilíbrio eletrostático.

Figura 5.14

É interessante pensar o que acontece com uma carga elétrica colocada numa região do
espaço onde há um campo elétrico. Uma carga positiva abandonada nessa região mover-
se-á da região de potencial mais alto para regiões de potencial mais baixo, como se fosse
uma bolinha abandonada numa “ribanceira”, o análogo gravitacional. Por outro lado, uma
carga negativa mover-se-á da região de potencial mais baixo para mais alto, ela “sobe a
ribanceira” de potencial elétrico. Se na natureza existisse massa negativa, a analogia estaria
completa!! Você soltaria uma bolinha de massa negativa e ao invés de ela cair no chão, ela
subiria ao espaço!!!!
5.5 Obtendo ~E a partir de V 47

5.5 Obtendo ~E a partir de V


Vamos supor que em uma determinada região do espaço existe um campo elétrico, que
descreveremos pelas SE. Vamos escolher três SE próximas, separadas em potencial por
um infinitésimo dV , como na figura abaixo. A idéia é escolher uma direção qualquer l
associada ao versor l,ˆ e deslocar uma carga de prova q0 ao longo da direção l de um vetor
d~l. Pela definição de diferença de potencial, podemos escrever:

dW ~F · d~l
dV = = (5.32)
q0 q0
mas
~F = −q0 ~E, (5.33)

Figura 5.15

logo

q0 ~E · d~l
dV = − = −~E · d~l = −|~E||d~l| cos(π − θ ) = Edl cos(θ ) = [E cos(θ )]dl (5.34)
q0

Se observarmos na figura acima, podemos identificar [E cos(θ )] como a componente do


vetor ~E na direção oposta a l, ou seja,

[E cos(θ )] = −El (5.35)


Assim,
dV
dV = −El dl =⇒ El = − (5.36)
dl
A derivada espacial de uma função ao longo de uma dada direção é chamada derivada
direcional, o que significa, aqui em nosso caso, que escolhida uma determinada direção,
a taxa de variação do potencial elétrico ao longo dessa direção nos dá o negativo da
componente do vetor ~E ao longo dessa direção. A derivada direcional é a operação inversa
48 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO

da integral de linha.4 Por exemplo, em um caso geral em que V = V (x, y, z), podemos
determinar as componentes Ex , Ey e Ez de ~E fazendo as derivadas parciais

∂V
Ex = −
∂x
∂V
Ey = − (5.37)
∂y
∂V
Ez = −
∂z

E o vetor ~E:

~E = Ex î + Ey jˆ + Ez k̂ = − ∂V î − ∂V jˆ − ∂V k̂
∂x ∂y ∂z
  (5.38)
~E = − ∂ î + ∂ jˆ + ∂ k̂ V
∂x ∂x ∂x

O termo entre colchetes é chamado de operador gradiente, cujo símbolo é ∇. Assim:

~E = −∇V (5.39)
O operador gradiente sempre opera sobre uma função escalar, gerando um vetor.

5.6 Energia Potencial Eletrostática


5.6.1 Sistema de Cargas Puntiformes
Só para refrescar um pouco a memória, vamos lembrar do Teorema Trabalho-Energia
(TTE), lá da mecânica. Esse teorema afirma que "a todo trabalho corresponde uma
variação de alguma forma de energia":

W = ∆U (5.40)

Por exemplo, o trabalho da força resultante corresponde à variação da energia cinética;


o trabalho de uma força dissipativa (como o atrito), corresponde à variação de energia
térmica (calor); o trabalho de uma força conservativa corresponde à variação da energia
potencial.

Lembre-se que energia potencial é aquela associada à configuração do sistema em


estudo, ou seja, da posição relativa dos corpos envolvidos, como por exemplo, um sistema
massa-mola: se mudamos a configuração do sistema comprimindo a mola, executando
certo trabalho W para isso, o sistema passa a ter uma energia potencial armazenada na
nova configuração.
No caso de cargas elétricas a situação é muito parecida. Suponha que estamos “flutuando”
no espaço vazio, com uma carga q1 na mão. Fixamo-la em certo ponto e vamos atrás de
4 Na
R
verdade poderíamos ter obtido E a partir de V diretamente da expressão V = − Edl, pois se
dV
diferenciarmos ela obteríamos dV = −Edl e então E = − . Só não fizemos direto assim para poder passar
dl
melhor o conceito de derivada direcional.
5.6 Energia Potencial Eletrostática 49

uma outra carga q2 . Para trazer q2 nos arredores de q1 , em certo ponto P a uma distância
r de q1 , temos que executar um trabalho, que pode ser positivo se as cargas forem de
mesmo sinal (temos que puxar q2 em direção a q1 ) ou negativo se forem de sinais opostos
(temos que segurar a q2 para ela não se precipitar sobre a q1 ). Agora temos um sistema
constituído por duas cargas puntiformes separadas por certa distância r. Esse sistema tem
uma energia potencial eletrostática armazenada. Tanto é que se "soltarmos" uma das cargas
ela se moverá sob ação da força elétrica. Podemos calcular qual é essa energia potencial
calculando o trabalho que executamos para trazer q2 do infinito ao ponto P. Se dividirmos
esse trabalho por q2 , teremos o potencial elétrico gerado por q1 no ponto P. Então:

Figura 5.16

W∞P W
V1 (P) = = (5.41)
q2 q2
Mas
kq1
V1 (P) = (5.42)
r
Logo:
kq1 q2
W = V1 (P)q2 = = ∆U (5.43)
r
kq1 q2
∆U = U(r) −U(∞) = U(r) − 0 =⇒ U = (5.44)
r
Para um sistema de n cargas puntiformes, podemos generalizar essa expressão:

1 kqi q j
U= , para i 6= j (5.45)
2 ∑ ri j

5.6.2 Sistema Dipolo Elétrico – Campo Elétrico


Na natureza encontramos muito frequentemente em moléculas e materiais sólidos car-
gas elétricas iguais e de sinais opostos separadas por uma distancia fixa. O caso mais
corriqueiro é a molécula de água, onde o O2 – está separado dos dois H+ como na figura
abaixo.

Figura 5.17
50 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO

É muito comum encontrarmos esse tipo de sistema de duas cargas iguais separadas por
uma distância fixa em materiais isolantes como polímeros. A esse sistema dá-se o nome
de dipolo elétrico.

Figura 5.18

Quando colocamos um dipolo elétrico em uma região do espaço onde há um campo


elétrico uniforme ~E, forças de origem elétrica vão agir sobre o dipolo, F~+ = q~E e F~− =
−q~E. Como a força resultante é nula, não haverá movimento de translação. No entanto,
essas duas forças exercem um torque sobre o dipolo, de modo que haverá movimento de
rotação.

Figura 5.19

Só para refrescar a memória, o torque de uma força é definido, por exemplo sobre uma
barra fixa por um eixo, como sendo o produto vetorial do vetor~r, que vai desde o centro
de rotação até o ponto de aplicação da força pelo vetor força, ~F.

~τ =~r × ~F =⇒ τ = rF sin θ (5.46)


Assim vemos que, para haver movimento de rotação, ~τ tem que ser diferente de zero
ou seja:

τ 6= 0 =⇒ r 6= 0, F 6= 0 e θ 6= 0 ou θ 6= π (5.47)
Para o caso do sistema dipolo-campo, podemos observar que há dois torques atuando sobre
o dipolo, um sobre a carga positiva ~τ+ e outro na carga negativa ~τ− , e que ambos têm a
mesma direção (perpendicular ao plano da folha) e mesmo sentido (entrando na página).
Então podemos calcular o torque resultante:

~τ = τ~+ + τ~− (5.48)


onde
5.6 Energia Potencial Eletrostática 51

Figura 5.20

τ~+ = r~+ × F~+ e τ~− = r~− × F~− (5.49)


Como ambos tem a mesma direção e sentido, então

τ = τ+ + τ− (5.50)
onde

τ+ = r+ F+ sin θ e τ− = r− F− sin θ (5.51)


Da figura acima vemos que
r+ = r− = a (5.52)
e que

F+ = F− = qE (5.53)
Logo,

τ = 2aqE sin θ (5.54)


Se observarmos com mais detalhe a equação acima, veremos que ela relaciona dois
vetores, ~τ e ~E, que não são paralelos e que estão ligados pela quantidade 2aq e o sin θ .
Na verdade, ~τ e ~E pertencem a planos perpendiculares. Há um jeito de reescrever essa
expressão em termos de um produto vetorial se associarmos ao dipolo elétrico um vetor ~p
com módulo igual a 2aq, com direção dada pela reta que une as duas cargas e sentido da
carga negativa para a carga positiva. Esse é o vetor momento de dipolo elétrico. Feito
isso, como na figura abaixo, podemos verificar que:

Figura 5.21
52 Capítulo 5. POTENCIAL ELÉTRICO

~τ = ~p × ~E (5.55)
Assim, um dipolo ~p colocado em uma região do espaço onde há um campo elétrico
uniforme ~E ficará sujeito à ação de um torque ~τ que fará o dipolo rodar, de modo a se
alinhar com o campo elétrico.

Figura 5.22

Agora vamos calcular a energia potencial armazenada em um sistema dipolo-campo.


Se colocarmos um dipolo ~p perpendicularmente à direção de ~E, e quisermos variar o
ângulo de certo valor θ , teremos que executar trabalho, pois temos que aplicar um torque
exatamente igual e oposto ao torque de origem elétrica.

Figura 5.23

O trabalho de um torque é dado por:

Z Z Z
W= τdθ = pE sin θ dθ = pE sin θ dθ = pE[− cos θ ] = −pE cos θ (5.56)

π 
W = ∆U = U(θ ) −U = U(θ ) − 05 = U = −pE (5.57)
2

5 Aquifizemos U(π/2) = 0 por pura conveniência, pois energia potencial negativa mostra que o dipolo
está ligado (preso) ao campo: U = −pE.
6. CAPACITORES E DIELÉTRICOS

6.1 Capacitores e capacitância


Um capacitor é um dispositivo eletro-eletrônico que tem a função de armazenar cargas
elétricas. Um capacitor é constituído por dois pedaços de material condutor isolados
entre si, chamados de placas do capacitor, que em principio (só em principio) podem
ter forma geométrica qualquer. Elas são carregadas com cargas iguais e opostas, trabalho
esse em geral executado por uma bateria, pilha, fonte eletrônica, etc. Como as placas do
capacitor são Corpos Condutores Carregados Isolados em Equilíbrio Eletrostático (CCIEE),
cada uma delas está a um determinado potencial elétrico, pois um CCIEE é um Corpo
Equipotencial, ou seja, todos os pontos de cada um deles estão ao mesmo potencial. Isso
significa que a diferença de potencial entre dois pontos quaisquer entre os dois corpos tem
o mesmo valor V .

Figura 6.1

Quando consideramos dois capacitores diferentes (com placas de formas diferentes,


por exemplo) C1 e C2 e ligamos ambos a uma bateria que estabelece uma diferença de
potencial V entre as placas, cada um dos capacitores terá em suas placas cargas diferentes
q1 e q2 . Se q2 > q1 para a mesma diferença de potencial V , então podemos dizer que
54 Capítulo 6. CAPACITORES E DIELÉTRICOS

a capacidade que o capacitor C2 tem de armazenar carga elétrica é maior que a de C1 .


Assim, podemos definir a capacidade (ou capacitância) de um capacitor como sendo a
capacidade de armazenar carga elétrica por diferença de potencial aplicada à suas placas:
quanto maior a carga armazenada nas placas maior a capacitância.
Em “matematiquês”:
q
C= (6.1)
V
cujas unidades são Coulomb/Volt=Farad, símbolo F no SI. Graficamente um capacitor
é representado por -||- .

6.2 Cálculo da Capacitância


Da definição acima C = q/V , o que significa que se um capacitor está carregado com
certa carga q, para sabermos qual a capacitância precisamos calcular V , a diferença de
potencial entreRdois pontos pertencentes a cada uma das placas, ou seja, precisamos
calcular V = − ~E · d~l. Para isso precisamos do ~E, que pode ser obtido pela Lei de Gauss,
ε0 ~E · d~S = q.
R

OBSERVAÇÃO:
Como já vimos anteriormente, só podemos usar lei de Gauss em casos que o campo
elétrico tem simetria, que pode ser plana, radial esférica ou radial cilíndrica. Con-
clusão??? Só poderemos calcular a capacitância de capacitores planos (chamado de
capacitor de placas planas paralelas), capacitores esféricos ou capacitores cilíndri-
cos.

6.2.1 Capacitor de Placas Planas Paralelas (CPPP)


Um CPPP é constituído por duas placas condutoras paralelas iguais, de mesma área A e
separados por uma distância d, pequena comparada com as dimensões das placas. Essa
restrição vem do fato de que o campo elétrico nas bordas é distorcido, e não temos como
calcular o ~E usando a lei de Gauss. Por isso, fazemos essa exigência, para nos livrarmos
de um problema que não sabemos resolver com a matemática que temos.

Figura 6.2

Para calcular V , podemos escolher qualquer trajetória, inclusive uma bem fácil para
calcular a integral de linha, a que liga os pontos A e B, como na figura acima. Para tal
6.2 Cálculo da Capacitância 55

precisamos do ~E sobre os pontos dessa trajetória. Vamos usar a lei de Gauss, aplicada a
uma superfície fechada em forma de uma caixa (que tem 6 faces), com as faces superior e
inferior iguais a A, como na figura abaixo. Como o campo é uniforme entre as placas e
perpendicular a elas, só haverá fluxo de ~E na face inferior. Nas faces laterais da caixa, ~E
as tangencia, de modo que o fluxo através delas é zero pois o produto escalar de ~E com d~S
é zero. Na face superior, como nós a colocamos dentro da placa, que é condutora, então o
campo é zero, o que implica fluxo zero através dela. Assim, só teremos fluxo de ~E na face
inferior:

Figura 6.3

Z Z Z Z Z Z 
ε0 ~E · d~S + ~E · d~S + ~E · d~S + ~E · d~S + ~E · d~S + ~E · d~S = q (6.2)
S1 S2 S3 S4 S5 S6

Z
ε0 ~E · d~S = q (6.3)
S1

ε0 EA = q (6.4)
q
E= (6.5)
ε0 A
Agora que sabemos E, podemos calcular V :

qd
Z Z Z
V =− ~E · d~l = − Edl cos(π) = E dl = Ed = (6.6)
ε0 A

Logo,
q qε0 A ε0 A
C= = = (6.7)
V qd d
ε0 A
C= (6.8)
d
56 Capítulo 6. CAPACITORES E DIELÉTRICOS

6.2.2 Capacitor Esférico


Um capacitor esférico é composto por uma esfera interna de raio R1 e uma casca esférica
de raio R2 > R1 , ambas de material condutor, como na figura abaixo. Se ele está carregado
com certa carga +q na placa interna e ˘q na placa externa, o campo elétrico que se
estabelece entre ambas tem simetria radial esférica. Para calcular C, precisamos calcular
V através da integral de linha de ~E, que por sua vez pode ser obtido pela Lei de Gauss,
aplicada a uma superfície esférica de raio r:

Figura 6.4

Z B Z B Z B
q ~E · d~l = −
C= ,eV =− Edl cos(π) = Edl (6.9)
V A A A

Para obter E, usaremos ε0 ~E · d~S = q, como na figura acima, que aplicada à superfície
R

gaussiana pontilhada, de raio r, fornece:

kq
I Z Z
ε0 ~E · d~S = q ⇒ ε0 EdS = q ⇒ ε0 E dS = q ⇒ ε0 E4πr2 = q ⇒ E = (6.10)
r2

Substituindo na integral de linha de E:


Z B
V= ~E · d~l = Z kq = −Z
kq kq
= −   R (6.11)
R1 dl R1
dr 1
A 1
R2 r2 R2 r
2 −
r
R2

kq (R2 − R1 )
V=  = kq (6.12)
1 1 R1 R2

R1 R2
6.2 Cálculo da Capacitância 57

Portanto,
q q R R
C= =   = 4πε0 1 2 (6.13)
V (R2 − R1 ) R2 − R1
kq
R1 R2
R1 R2
C = 4πε0 (6.14)
R2 − R1

OBSERVAÇÃO:
Note que a capacitância de um capacitor qualquer só depende de sua geometria.

6.2.3 Capacitores com Dielétricos


Vamos considerar um certo capacitor cuja capacitância, quando o espaço entre suas placas
está vazio, é C0 . Em seguida, preenchemos esse espaço completamente com um material
dielétrico, isto é, isolante. Se medirmos em um laboratório sua capacitância C, veremos
que ela é maior que C0 . Podemos fazer inclusive uma exploração dessas medidas com um
pouco mais de detalhes.
Veremos por exemplo que o valor de C vai depender do material dielétrico que coloca-
mos entre as placas do capacitor. Se for água pura, veremos que C é da ordem de 78 vezes
maior que C0 . Se for TiO2 , Dióxido de Titânio, C ∼ 100 ×C0 . Alguns materiais especiais
podem elevar o valor de C0 por um fator de 103 !!! Esse fator ficou tão importante que a ele
foi dado um nome especial, chamado de constante dielétrica K, que é uma característica
de cada material. Assim, a constante dielétrica pode ser definida como:
C
K= (6.15)
C0
Podemos ainda prosseguir na nossa experiência no laboratório. Se aplicarmos uma
mesma diferença de potencial aos capacitores vazio e com dielétrico, veremos que a carga
q do capacitor com dielétrico é K vezes a carga q0 do capacitor vazio, isto é:

q = Kq0 (6.16)

Podemos ainda colocar a mesma carga em cada um dos capacitores e então medir a
diferença de potencial entre suas placas, e veremos que V do capacitor com dielétrico é K
vezes menor que V0 , do capacitor vazio, isto é:
V0
V= (6.17)
K
Por quê? Para entender o que acontece, precisaremos entrar em um pouco mais de
detalhes sobre o comportamento elétrico dos materiais.
De um modo geral, podemos encontrar na natureza dois tipos de materiais: materiais
polares e não polares. Os materiais polares são constituídos por moléculas, átomos ou
sólidos que possuem um momento de dipolo elétrico permanente, ~pi , como a molécula
de água, por exemplo. Já os materiais não polares são constituídos por materiais que não
possuem momento de dipolo permanente.
58 Capítulo 6. CAPACITORES E DIELÉTRICOS

Em um material polar que nunca foi submetido a um campo elétrico, os dipolos ~pi
estão orientados ao acaso, de modo que a soma de todos eles será zero. Para isso contribui
a agitação térmica.
Podemos definir o vetor polarização ~P como sendo a soma de todos os ~pi por unidade
de volume v:
1
P = ∑ ~pi (6.18)
v
Assim, a polarização de um material polar que nunca foi submetido a um campo
elétrico é nula, ~P = 0. Esse certamente é o caso de um material não polar.
Vimos anteriormente que um momento de dipolo elétrico ~p colocado em um campo
elétrico uniforme ~E fica sujeito à ação de um torque τ = ~p × ~E, que tende a alinhar o
dipolo com o campo. Quando um material polar é submetido a um campo elétrico E ~0
(gerado pelas cargas das placas do capacitor por exemplo), o torque tende a orientar os
dipolos do material, de modo que agora a ∑ ~pi não é mais zero, ou seja, ~P 6= 0. Estando
os dipolos alinhados com o campo, podemos observar que na face esquerda da figura
abaixo há um excesso de cargas negativas e que na face direita há um excesso de cargas
positivas, chamadas cargas de polarização. Essa separação de cargas de polarização gera
um campo elétrico E ~ 0 que tem o sentido oposto a E~0 , levando então a uma redução do
campo elétrico total dentro do material:

~E = E ~ 0 ......ou...... ~E = E
~0 + E ~0
~0 − E (6.19)

Se o campo elétrico fica reduzido, consequentemente a diferença de potencial V entre as


placas do capacitor também. Isso implica em um aumento de C, pois C = Vq .
Para materiais não polares, a aplicação de um campo elétrico leva a uma polarização
induzida. Essa polarização induzida pelo campo elétrico aplicado sobre o material pode
ser entendida pelo fato de que o campo exerce forças de sentido oposto em cargas de sinais
opostos. Uma maneira simples de visualizar esse efeito é considerar uma “molécula” com
simetria esférica, constituída por um centro de cargas positivas, envolta por uma “nuvem”
esférica de cargas negativas, como na figura abaixo. Essa molécula não tem momento
de dipolo pois o centro de cargas negativas coincide exatamente com o centro de carga
positiva. Se não há separação de cargas, não há ~pi Ao aplicarmos um campo elétrico sobre
um material não polar desse tipo, o centro de carga positiva é deslocado para a direita
enquanto o centro de carga negativa é deslocado para a esquerda, formando assim um
dipolo elétrico.

Figura 6.5
6.2 Cálculo da Capacitância 59

CONCLUSÃO:
todos os materiais, quer sejam polares, quer sejam não-polares, sempre se polarizarão
quando submetidos a um campo elétrico!!

Podemos agora voltar a analisar nossos “resultados experimentais” do início dessa


discussão e determinar de quanto é a redução no campo elétrico. Lembrando que, quando
colocamos a mesma carga em cada um dos capacitores (com e sem dielétrico entre as
placas) e então medimos a diferença de potencial entre suas placas, vimos que V do
capacitor com dielétrico é K vezes menor que V0 do capacitor vazio, isto é, V = VK0 . A
relação entre ~E e V para o caso de um capacitor é

V = Ed (6.20)

Logo, se
C
=K (6.21)
C0
então
q0 q0 V0
= K ...ou... V = (6.22)
V V0 K
Mas
V = Ed e E0 = V0 d (6.23)
Então
E0
E= (6.24)
K
Isso significa que o campo elétrico dentro do material dielétrico fica reduzido por um
fator igual a constante dielétrica do material!!! Isso explica completamente o aumento da
capacitância.

6.2.4 A Lei de Gauss com Dielétricos


Até agora usamos a Lei de Gauss para calcular o campo elétrico no espaço vazio. Agora,
para calcular a capacitância de um capacitor que tem um material dielétrico entre sua
placas, precisaremos usar a Lei de Gauss para o cálculo do campo em uma região ocupada
por um dielétrico de constante dielétrica K. Como podemos fazer? Vamos lá.
Para o caso de um CPPP vazio, o campo entre suas placas é E0 , obtido pela Lei de
Gauss aplicada a uma superfície fechada paralelepipédica, como fizemos acima (ver quatro
paginas atrás): I
ε0 ~E · d~S = q (6.25)
Z Z Z Z Z Z 
ε0 ~E · d~S + ~E · d~S + ~E · d~S + ~E · d~S + ~E · d~S + ~E · d~S = q (6.26)
S1 S2 S3 S4 S5 S6
Z
ε0 ~0 · d~S = q
E (6.27)
S1
ε0 E0 A = q (6.28)
q
E0 = (6.29)
ε0 A
60 Capítulo 6. CAPACITORES E DIELÉTRICOS

Agora vamos preencher completamente o espaço entre as placas com um material


de constante dielétrica K. Como o material se polariza, haverá um excesso de cargas de
polarização na superfície superior do dielétrico, de modo que agora, ao aplicar a Lei de
Gauss à mesma superfície fechada, a carga total interna à superfície será a carga q da placa
do capacitor, mais uma carga ˘q p de polarização, de modo que:
I
ε0 ~E · d~S = (q − q p ) (6.30)

ε0 EA = (q − qp) (6.31)
O problema aqui é que é difícil determinar q p pois é uma carga que está presa ao dipolo,
que está preso ao material. Precisamos nos “livrar desse problema”.
E0 q q
Acontece que E = , e E0 = , e portanto, E = . Substituindo na equação
K ε0 A Kε0 A
6.31 temos:
ε0 qA
= (q − q p ) (6.32)
Kε0 A
q
= (q − q p ) (6.33)
K
Agora, na lei de Gauss, ao invés de escrever a carga total interna à superfície parale-
lepipédica como (q − q p ), usamos q/K, que é muito mais fácil, pois a carga da placa do
capacitor pode ser facilmente determinada. Então a lei de Gauss fica:

~E · d~S = q
I
ε0 (6.34)
K
Ou I
ε0 K ~E · d~S = q (6.35)

Onde q é somente a carga na placa do capacitor. A informação que há um material


de constante dielétrica K na região onde estamos calculando o campo é carregada pela
constante K.

6.2.5 Energia Armazenada no Campo Elétrico de Um Capacitor


Imagine que estamos acompanhando o processo de “carregamento” de um capacitor.
“Alguém” (pilha, bateria, fonte, etc.) tem que executar trabalho, transferindo uma certa
quantidade de carga de uma placa para a outra, de modo que as placas vão se carregando
com carga +q e ˘q, respectivamente. Após um instante de tempo t contado a partir do
início do processo de carga do capacitor, “fazemos uma foto”. Nesse instante de tempo t
veremos que há uma certa quantidade de carga q0 (t) nas placas e a diferença de potencial
entre as placas é V (t). Para transferir mais um dq0 de uma placa para a outra, o “alguém”
tem que realizar um trabalho:

q0 (t)dq0
dW = V (t)dq0 = (6.36)
C
 q q
Lembre-se que C = =⇒ V = (6.37)
V C
6.2 Cálculo da Capacitância 61

Para carregar o capacitor desde o início, que tinha carga zero nas placas até uma carga
final q, o “alguém” tem que realizar um trabalho W , dado por

q0 (t)dq0 1 q2
Z Z Z
W= dW = = q0 (t)dq0 = (6.38)
C C 2C
Mas pelo Teorema Trabalho Energia (TTE), a todo trabalho corresponde a variação de
alguma forma de energia. Aqui o trabalho foi executado para separar cargas elétricas, de
modo que podemos associá-lo a uma energia potencial

∆U = U −U0 = U − 0 = U simplesmente (6.39)

Então a energia potencial armazenada no capacitor é dada por

q2
U= (6.40)
2C
Dizemos também que U é a energia armazenada no campo elétrico do capacitor, pois
sem campo entre as placas não há energia armazenada. Outra maneira de escrever essa
expressão pode ser obtida lembrando que q = CV , o que dá
1
U = CV 2 (6.41)
2
Vamos aproveitar esse resultado para aprofundar e generalizar um pouco mais os
conceitos sobre energia armazenada em um campo elétrico. No caso do CPPP, podemos
definir a densidade de energia u como sendo a energia total armazenada no campo elétrico
confinado entre as placas do capacitor, U, dividida pelo volume v onde se encontra o
campo:
U
u= (6.42)
v
Como o campo é uniforme, isto é, tem o mesmo valor em todos os pontos situados
entre as placas do capacitor, podemos dizer também que a densidade de energia será igual a
dU/dv, a densidade de energia em um ponto ou a energia armazenada dU em um elemento
infinitesimal de volume dv:
U dU
u= = (6.43)
v dv
Para o caso específico do CPPP, podemos escrever:

U CV 2
u= = (6.44)
v 2v
Como para um CPPP a capacitância é C = ε0 A/d , v = Ad e V 2 /d 2 = E 2 , a densidade
de energia fica:
1
u = ε0 E 2 (6.45)
2
Como u também pode ser escrita como u= dU/dv, então

dU 1
= ε0 E 2 (6.46)
dv 2
62 Capítulo 6. CAPACITORES E DIELÉTRICOS

ou ainda
1
dU = ε0 E 2 dv (6.47)
2
que dá a energia dU contida em um elemento infinitesimal de volume dv onde o campo
elétrico tem um valor E. A energia total será a soma sobre todos os pontos onde há E, ou
seja
1
Z
U = ε0 E 2 dv (6.48)
2
O mais interessante aqui é que, embora essa expressão tenha sido obtida para um caso
muito particular de um CPPP, ela é verdadeira para campos elétricos não uniformes, onde
o ~E varia de ponto para ponto do espaço, como no caso de campos elétricos com simetria
radial esférica ou cilíndrica. Como exemplo, podemos calcular a energia armazenada no
campo elétrico do capacitor esférico do item 1.2.2. O campo está confinado na região
esférica entre R1 e R2 e é dado por E = kq/r2 . Em um elemento infinitesimal de volume
dv, situado a uma distância r qualquer do centro de simetria, a quantidade de energia dU
armazenada será
 2  2 2
1 2 1 kq ε0 k q
dU = ε0 E dv = ε0 2 dv = r2 sin(θ )dθ dφ (6.49)
2 2 r 2r4

Integrando no volume onde há campo elétrico, isto é, integrando em r desde R1 até R2 ,


em θ de 0 a π e em φ de 0 a 2π, obtemos a energia total armazenada entre as placas do
capacitor:  2  
q R2 − R1
Z
U = dU = (6.50)
8πε0 R1 R2
7. CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC

7.1 Corrente e Densidade de Corrente


Até agora aprendemos o que é campo elétrico e como descrevê-lo quer através de uma
grandeza vetorial, o vetor intensidade de campo ~E quer por uma grandeza escalar, o
potencial elétrico V . Vimos que uma carga elétrica colocada em uma região do espaço
onde há um campo elétrico fica sujeita a ação de forças e que um sistema de cargas
armazena energia potencial eletrostática.
A questão agora é: como aproveitar isso tudo para aplicações? Certamente precisamos
ter “às mãos” cargas elétricas. Onde conseguir cargas em abundância e sem muito custo?
Resposta: nos condutores, principalmente os metálicos!! Eles possuem elétrons “livres”
que podem se movimentar dentro dos mesmos. Se pegarmos um pedaço de um material
condutor (um fio de cobre, por exemplo) e estabelecermos uma diferença de potencial entre
suas extremidades (ou o que é equivalente, estabelecermos um campo elétrico ~E dentro do
fio), os elétrons vão “subir a ribanceira de potencial” (ou equivalentemente, ficarão sujeitos
a uma força ~F = −e~E), de modo que entrarão em movimento. Esse movimento é do tipo
“viscoso”, pois os elétrons se movem à velocidade constante chamada de velocidade de
arrasto vd , semelhante ao movimento de um corpo em queda livre no ar (a velocidade
limite de um paraquedista em queda livre é da ordem de 250 Km/h). Essas cargas em
movimento dentro do condutor formam uma corrente, chamada de corrente elétrica. Na
verdade foi convencionado que o sentido da corrente é como se ela fosse formada por
cargas positivas em movimento, a chamada corrente convencional, pois eletricamente é
impossível distinguir entre corrente da esquerda para a direita de cargas positivas e corrente
da direita para a esquerda de cargas negativas. Os materiais condutores são caracterizados
por uma grandeza chamada concentração de portadores (aqueles entes que portam a
carga elétrica), que é o número de portadores de carga por unidade de volume, n. Um
bom condutor tem da ordem de 1023portadores/cm3 , semicondutores têm entre 1015 e
1020portadores/cm3 e isolantes têm n < 1014portadores/cm3 .
64 Capítulo 7. CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC

Vamos considerar um pedaço de fio de material condutor com n conhecido, de compri-


mento L e área de secção transversal A. Se estabelecemos uma diferença de potencial V
entre suas extremidades, haverá um movimento de cargas (agora consideradas positivas).
A quantidade de carga que atravessa a secção transversal do fio dividida pelo tempo é cha-
mada de corrente elétrica i. Se a quantidade de carga que atravessa a secção transversal é
constante no tempo:

 
q 1 Coulomb
i= = 1 Ampere (7.1)
t 1 Volt
Se a carga que atravessa a secção transversal é dependente do tempo, então a corrente
elétrica é definida como
dq
i= (7.2)
dt
Pode acontecer ainda que a quantidade de carga que atravessa a secção transversal não
seja uniforme, de modo que só especificar a corrente não esclarece como ela é distribuída
na área da secção transversal do fio. Então é melhor definirmos o vetor densidade de
corrente ~j para cada ponto. Assim, a corrente infinitesimal di em um elemento de área d~S
será
di = ~j · d~S (7.3)
ou então, a corrente através da área total da secção transversal será dada por

i = ~j · d~S (7.4)

Caso ~j seja uniforme (constante):


Z Z
i= jdS cos(0) = j dS = jA (7.5)

Agora podemos calcular com que velocidade (velocidade de arrasto) vd as cargas


se movem em nosso fio de cobre, que tem n portadores por unidade de volume, de
comprimento L e secção transversal constante A, sendo percorrido por uma corrente i (ou
com uma densidade de corrente uniforme j = i/A). A corrente é dada por i = q/t. O
número total de portadores de carga contidos no pedaço de fio de comprimento L e secção
transversal de área A (e, portanto volume v = AL) é

N = nAL (7.6)
7.2 Resistencia e Resistividade 65

Se cada portador tem uma carga igual ao valor da carga do elétron e = 1, 6 × 10−19C, então
a carga total contida no pedaço de fio será

q = Ne = nALe (7.7)

O tempo para que todas as cargas contidas no fio atravessem o fio todo, supondo que
elas se desloquem a uma velocidade média constante igual a vd será
L
t= (7.8)
vd
Substituindo a expressão de q e de t teremos:
q nALe
i= = = nAevd (7.9)
t L
vd
j
vd = (7.10)
ne

OBSERVAÇÃO:
Só para termos uma ideia do valor de vd , para um fio com 1mm2 de área de secção
transversal, percorrido por uma corrente de 1A, feito de uma material com n ∼
1023/cm3 , vd ∼ 0, 1mm/s.

7.2 Resistencia e Resistividade


Considere dois pedaços de fios, de mesmo material, mas com dimensões diferentes. Se
aplicarmos uma mesma diferença de potencial V as extremidades de ambos, veremos que
as correntes que os percorre serão diferentes (comprimento e área de secção transversal).
De forma semelhante podemos considerar dois pedaços de fios exatamente iguais, com
a mesma geometria (mesmo comprimento e área de secção transversal), mas feitos de
materiais diferentes. Ao aplicarmos a mesma diferença de potencial a ambos, veremos que
as correntes estabelecidas também serão diferentes. Para caracterizar o comportamento
elétrico de um material definimos a resistência elétrica como sendo:
 
V 1 Volt
R= = 1Ω (7.11)
i 1 Ampere

Assim, se em um dos fios, a corrente é menor, dizemos que ele oferece maior
resistência a passagem de corrente elétrica, ou seja, sua resistência é maior. Aqui na
Física 3 vamos tratar do comportamento elétrico somente de materiais condutores como os
metais. Os modelos físicos para descrever o comportamento de outros tipos de materiais
como os semicondutores ou supercondutores são muito mais complicados.
66 Capítulo 7. CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC

CONCLUSÃO:
a resistência de um determinado pedaço de um certo material depende de suas
características geométricas e do tipo de material. Chamaremos esse pedaço de
material com certa resistência R de resistor, cujo símbolo é

Podemos definir uma grandeza que não dependa das características geométricas, mas
que dependa somente do material. Essa grandeza, chamada de resistividade elétrica, é
uma característica do material, cada um tem a sua. A resistividade é dada pela razão entre
o campo elétrico dentro do material e a densidade de corrente:

E
ρ= [Ωcm] (7.12)
j

O inverso da resistência é chamada de condutância:


 
1 1
G= = mho (7.13)
R Ω

O inverso da resistividade é a condutividade:


1
σ= [Siemens] (7.14)
ρ

Podemos relacionar a resistência R de um pedaço de comprimento L e secção transver-


sal A, com a sua resistividade ρ do material, como na figura abaixo:

Figura 7.1

V EL ρL
R= = = (7.15)
i jA A
Para muitos metais ρ depende da temperatura, segundo a expressão

ρ = ρ0 [1 + αT (T − T 0)] (7.16)

sendo αT o coeficiente de temperatura da resistividade. Se αT de um certo material é


conhecido, podemos usar uma resistência feita com esse material para medir temperatura
(a platina é um material muito usado para isso).
7.3 Lei de Ohm 67

7.3 Lei de Ohm


Quando a resistência de um resistor é independente da tensão a ele aplicada, diz-se que ele
é ôhmico ou que obedece a Lei de Ohm. Isso significa que a curva característica corrente-
tensão é linear, como mostrado no gráfico abaixo. Como contra exemplo, mostramos
abaixo a curva característica de um dispositivo que não é ôhmico ou seja, não obedece a
lei de Ohm, o diodo.

Figura 7.2

NOTA:
observe que V = Ri não é Lei de Ohm!!! Essa expressão vem da definição de
resistência. A lei de Ohm trata só do comportamento de materiais.

7.4 Fontes de Força Eletromotriz


Qualquer dispositivo que é capaz de manter uma determinada diferença de potencial entre
seus terminais, independentemente do que esteja ligado a eles pode ser considerado uma
fonte de força eletromotriz (ffem). São fontes de força eletromotriz: baterias, pilhas,
fontes eletrônicas, etc. Para caracterizar uma fonte, definimos a força eletromotriz da fonte
como sendo a capacidade que ela tem de realizar trabalho sobre cargas elétricas ou seja
 
dW 1 Joule
ε= = 1 Volt (7.17)
dq 1 Coulomb
Se ligarmos uma “caixa preta” aos terminais de uma ffem, e “pintarmos de vermelho”
uma certa quantidade de carga dq, veremos que a fonte executa trabalho dW sobre a carga
dq para transporta-la de um potencial mais baixo para um mais alto ou seja, fornece à carga
dq uma certa quantidade de energia. Se a diferença de potencial entre as extremidades da
caixa preta for V , então a carga dq perde na caixa uma energia dU = V dq. Se derivarmos
essa expressão em relação ao tempo, teremos a potência dissipada na caixa:
dU dq
P= =V = Vi (7.18)
dt dt
68 Capítulo 7. CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC

P = Vi (7.19)
Essa expressão diz que, qualquer que seja o que há dentro da caixa preta, se conhecemos
a diferença de potencial entre suas extremidades e a corrente que por ele passa, saberemos
qual a potência consumida pela caixa. Por exemplo, se dentro da caixa preta há um resistor
R, sabemos que a diferença de potencial VR percorrido por uma corrente i é, de acordo com
a definição de resistência, VR = Ri Logo, a potência consumida pelo resistor R será:

P = VR i = Rii = Ri2 (7.20)

conhecida como Efeito Joule.


Se dentro da caixa há um capacitor C, então a potência, ou seja, a energia acumulada
no capacitor por unidade de tempo será
i
P = VC i = q (7.21)
C

7.5 Um Circuito Simples – Lei das Malhas


Consideremos o circuito simples abaixo, composto por uma fonte de força eletromotriz
real ε, que tem uma certa resistência interna r, e um resistor R ligado aos terminais da
ffem:

Figura 7.3

O principio de conservação de energia nos diz que a energia dUε fornecida pela fonte
tem que ser igual a energia dissipada dUr em r mais a energia dUR dissipada em R, ou seja:
dUε dUr dUR
Pε = Pr + PR = = + = dUε + dUr + dUR (7.22)
dt dt dt
ou
εdq = Vr dq +VR dq = ridq + Ridq (7.23)
ε = ri + Ri (7.24)
ou ainda
ε − ri − Ri = 0 (7.25)
Essa expressão mostra que a soma das diferenças de potencial em um circuito fechado
(uma malha) deve ser nula.
∑ ∆V 0s = 0 (7.26)
7.6 Circuito RC em Série 69

7.6 Circuito RC em Série


Considere um circuito composto por um resistor R e um capacitor C associados em série,
sendo alimentado por uma ffem ε, conforme figura abaixo. Esse é um circuito onde a
corrente elétrica que o percorre depende do tempo.

Se no instante t = 0, quando o capacitor está completamente descarregado (q0 = 0), a


chave S é fechada, a ffem aplica ao conjunto RC uma tensão ε. Estabelece-se uma corrente
elétrica no circuito e então o capacitor começa a se carregar. Acontece que o capacitor
tem uma capacidade limitada de armazenar cargas elétricas, de modo que passado certo
tempo ele não “aceita” mais carga, ficando completamente carregado. Nessa situação a
corrente no circuito tem que ir para zero. O que queremos saber aqui é como são funções
do tempo, a corrente no circuito, i(t), e a carga no capacitor, q(t). Vamos “fazer uma foto”
durante o processo em que o capacitor está sendo carregado, onde há uma certa corrente
i(t) circulando pelo circuito e uma certa carga q(t) nas placas do capacitor. Aplicando a
Lei da Malhas, temos:

q(t)
ε − Ri(t) − =0 (7.27)
C
Derivando em relação ao tempo teremos

di(t) 1 dq(t) di(t) i(t)


0+R + = 0 =⇒ + =0 (7.28)
dt C dt dt RC
ou ainda
di(t) dt
=− (7.29)
i(t) RC
Essa é uma equação diferencial fácil de resolver integrando os dois lados da mesma:

di(t) 1
Z Z
=− dt (7.30)
i(t) RC

O lado esquerdo integramos desde um certo i0 , a corrente inicial em t = 0, até um valor


intermediário qualquer i(t), e o lado direito desde t = 0 até um t qualquer. Isso nos dá:
 
i(t) t
ln =− (7.31)
i0 RC
70 Capítulo 7. CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC

Aplicando uma exponencial neperiana dos dois lados, ficamos com:


t

i(t) = i0 e RC (7.32)

Para determinar o valor de i0 , vamos usar as condições iniciais do problema: em t = 0 a


tensão no capacitor é Vc = 0, de modo que a equação da lei das malhas fornece
ε
ε − Ri0 − 0 = 0 =⇒ i0 = (7.33)
R
Logo, a corrente no circuito enquanto o capacitor está sendo carregado é dada por (ver
gráfico abaixo). A constante RC, que tem dimensão de tempo, chama-se constante de
tempo capacitiva. Ela mostra quão rapidamente o circuito RC responde à “transiente”
aplicação de uma tensão ε.
t
ε −
i(t) = e RC (7.34)
R

OBSERVAÇÃO:
Há muitas situações na Física, em Ciências dos Materiais ou mesmo em Ciências
Humanas que essa idéia é muito útil. Em muitas situações o tempo de resposta a
“uma provocação” é chamado de tempo de relaxação.

Para calcular como a carga no capacitor varia com o tempo, lembremos que i(t) =
7.6 Circuito RC em Série 71

dq(t)/dt ou,
dq(t) ε −t/RC ε
= e =⇒ dq(t) = e−t/RC dt (7.35)
dt R R
Integrando o lado esquerdo desde 0 até um q(t) qualquer e o lado direito de 0 a t qualquer
teremos:
Z Z
ε ε    
dq(t) = e−t/RC dt =⇒ q(t) = RC 1 − e−t/RC = Cε 1 − e−t/RC (7.36)
R R
 
q(t) = Cε 1 − e−t/RC (7.37)
Ver gráfico acima.
Na discussão acima nós analisamos como a corrente que percorre o circuito e como
a carga no capacitor variam durante o processo de carga do capacitor. Se esperarmos
um tempo t muito maior que RC, o “estado final” do processo de carga do capacitor
será um circuito com corrente zero e um capacitor completamente carregado com uma
carga Cε. Agora podemos analisar o processo de descarga do capacitor, colocando o
resistor e o capacitor em curto-circuito, como na figura abaixo, eliminando do circuito
a ffem. Nessas condições o capacitor começa a se descarregar, surgindo uma corrente
elétrica dependente do tempo. O estado final do processo de descarga é um capacitor
completamente descarregado (com carga zero) e nenhuma corrente percorrendo o circuito
(corrente zero). Para determinar as expressões da corrente e da carga em função do tempo,
vamos aplicar a Lei das Malhas:
q(t) q(t)
Vc −VR = 0 =⇒ − Ri(t) = 0 =⇒ = Ri(t) =⇒ q(t) = RCi(t) (7.38)
C C
Derivando em relação ao tempo teremos:
dq(t) di(t)
= RC (7.39)
dt dt
Mas
dq(t)
= −i(t) (7.40)
dt
(o sinal negativo aparece porque a carga no capacitor está diminuindo com o tempo). Logo,
di(t) dt
=− (7.41)
i(t) RC
Integrando o lado esquerdo desde uma corrente inicial i0 até um i(t) qualquer e o lado
direito desde t = 0 até um t qualquer, teremos:
di(t) 1
Z Z
=− dt (7.42)
i(t) RC
 
i(t) t
ln =− (7.43)
i0 RC
Passando uma exponencial neperiana em ambos os lados da equação acima teremos:

i(t) = i0 e−t/RC (7.44)


72 Capítulo 7. CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC

O valor de i0 pode ser obtido da Lei das Malhas aplicada ao instante t = 0. Em t = 0,


teremos:

q(t = 0) Cε
= Ri(t = 0) =⇒ = Ri0 (7.45)
C C

ε
i0 = (7.46)
R

Finalmente, como a corrente no processo de descarga do capacitor tem o sentido oposto


da corrente no processo de carga, vamos colocar um sinal negativo para a processo de
descarga. A expressão da corrente fica então:

ε
i(t) = − e−t/RC (7.47)
R

Para obter a expressão da carga no capacitor, podemos usar a expressão acima, lem-
brando que i(t) = dq(t)/dt. Substituindo e separando as variáveis carga à esquerda e
tempo à direita, podemos integrar a carga desde uma carga inicial q0 , (que sabemos ser
igual a Cε) até um q(t) qualquer, e no tempo, integrar desde t = 0 até um t qualquer:

Z Z
ε
dq(t) = − e−t/RC dt (7.48)
R

ε
q(t) − q0 = RC(e−t/RC − 1) (7.49)
R

q(t) = Cε +Cεe−t/RC −Cε (7.50)

q(t) = Cεe−t/RC (7.51)


7.6 Circuito RC em Série 73

Os gráficos abaixo mostram como são essas funções.

Podemos observar facilmente em laboratório o comportamento da corrente e carga no


capacitor de um circuito RC, usando um osciloscópio. Ao invés de ligarmos e desligarmos
manualmente a ffem do circuito, podemos usar uma fonte eletrônica que gera uma tensão
em forma de onda quadrada, ou seja, ela aplica uma certa tensão Vε ou não aplica, periodi-
camente, com um período de tempo Tε que podemos ajustar. Como com osciloscópio só
podemos medir tensões, podemos observar o comportamento de q(t) medindo VC (t), que é
diretamente proporcional a q(t) e VR (t), que é diretamente proporcional a i(t). Se Tε é da
ordem de RC, a constante de tempo capacitiva, teremos na tela do osciloscópio como na
figura abaixo.

É interessante observar que todo circuito eletroeletrônico tem um papel de transformar


74 Capítulo 7. CORRENTE ELÉTRICA E CIRCUITO RC

um sinal de entrada: é como se ele operasse sobre a função de entrada, modificando-a. O


circuito RC pode ser um circuito diferenciador ou integrador, dependendo das constantes
de tempo – período da onda quadrada e da constante de tempo capacitiva RC. Só a titulo
de exemplo, consideremos o caso em que Tε >> RC. Nesse caso, o que veríamos na tela
do osciloscópio é mostrado na figura abaixo. Repare que VR se comporta exatamente como
a derivada temporal da função onda quadrada.

Outra coisa que vale a pena ressaltar é o fato que até um simples pedaço de fio de um
circuito real possui uma resistência e uma capacitância. Em circuitos onde a corrente é
constante isso não é muito importante, mas quando tratamos com circuitos com correntes
dependentes do tempo, como por exemplo em circuitos de telecomunicação, em que as
frequências são da ordem de GHz (109 /seg), as capacitâncias dos cabos, conectores, etc
começam a ficar importantes e não podem ser desprezadas.

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