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A Humanidade e o Fenômeno Religioso

A Humanidade e o Fenômeno Religioso


Existem assuntos que possuem uma espécie de campo gravitacional em
torno de si, pois funcionam como uma “caixa de ressonância” - tudo que se diz
em outra área, acaba reverberando neles e, por isso, torna-se impossível
ignorar suas ingerências.
Um desses temas recorrentes é a religião. Mesmo com todo o progresso
e avanço científico e tecnológico, o homem não perde sua dimensão metafísica
e transcendental. É como se ela fosse um paradigma, um padrão de aferir as
outras questões que circundam e campeiam o drama humano.
Ela já foi chamada de “ópio do povo”, no mote marxista, significando
entorpecimento, engano e manipulação. Foi considerada por Freud como o
“fenômeno mais complexo da civilização humana”. Mas a grande pergunta é:
qual a origem da religião? Qualquer cientista, estudioso ou pesquisador sério,
não pode ignorar esta pergunta, pois desde quando se tem notícia da
existência da humanidade, o aspecto religioso, em suas mais variadas e
exóticas manifestações, também está presente.
Na revista Galileu, número 201, edição de abril, uma matéria - com não
mais rigorosidade que um mero anúncio -, dizia o seguinte: “Biólogos querem
usar a teoria da evolução para explicar por que ter fé é uma característica
praticamente inevitável do cérebro humano”. A proposta, segundo os
proponentes da empreitada, “é ver a fé como ‘fenômeno natural’, na definição
do filósofo americano Daniel Dennett”. Entretanto, esta idéia de vê-la como um
subproduto da evolução biológica, ou mesmo como um simples epifenômeno
(algo ocasionado, acidental e sem importância), é uma tentativa já frustrada na
história (Jung dizia que “o arquétipo [elementos comuns à humanidade] jamais
se forma no interior da vida orgânica em geral. Ele aparece ao mesmo tempo
que a vida” e “Por esse motivo, a imagem primordial ou arquétipo também é,
psicologicamente, uma imagem coletiva que se contrapõe ao instinto biológico,
pessoal.
Sendo estritamente inconsciente, um arquétipo é postulado - não
observado - pela ciência”.), e apesar de todo o otimismo do jornalista Reinaldo
José Lopes, que assina a matéria, não acredito no êxito da experiência, mesmo
porque as premissas iniciais do intento vieram de dois grupos (os chamados
biólogos da religião): os defensores da “vantagem adaptativa” e do “efeito
colateral”. Os primeiros se prendem mais ao aspecto social, já os outros,
apostam em experimentos e historietas envolvendo ratos. Tudo muito
“científico”, mas sem nenhuma plausibilidade.
Como que por ironia, avançando algumas páginas da mesma revista,
deparei-me com a coluna do físico brasileiro, Marcelo Gleiser, que dizia, entre
outras coisas: “Como é feita a ciência? Como os cientistas chegam às suas
conclusões sobre os mecanismos e propriedades do mundo natural, da vida e
do corpo humano? Essa questão vai ao coração do que constitui ciência e
verdade científica. Muita gente acredita que ciência é sinônimo de verdade, que
as afirmações dos cientistas são uma certeza absoluta. A coisa não é assim
tão simples. Isso porque o próprio conceito do que é verdade [científica] evolui
com o tempo. [...] sabemos que, se alguém cair de um telhado, vai se espatifar
no chão com uma velocidade calculável usando a lei da queda livre de Galileu,
aprimorada nas leis de movimento de Newton. Essas leis não falham. Serão,
então, uma verdade absoluta? Tudo depende da natureza do fenômeno.”
Imperialismo metodológico
Este é o ponto. Depende da natureza do fenômeno. Entretanto,
ultimamente parece estar havendo uma verdadeira epidemia de pesquisadores
das ciências exatas que, a fim de vender sua idéia - que parece não emplacar
em seu próprio ramo -, resolve atacar a religião. É só constatar a lista de livros
na área. Como professor de psicologia da religião e de ciências da religião,
causa-me espanto o tipo de pesquisa em que biólogos querem fazer
considerações em outro campo que não o seu. Para minha surpresa, dois
meses depois, nas páginas amarelas da revista Veja, um matemático, John
Allen Paulos, falou sobre a publicação de seu livro Irreligion, em que
presunçosamente pretende, valendo-se da aritmética, desmontar os
argumentos religiosos e teológicos.
Minha crítica não se trata de desprezo em relação à ciência (pois não se
combate ciência com religião, e sim ciência de má qualidade com ciência de
boa qualidade), mas na indistinção metodológica e no fato de não ser mostrado
que é preciso categorias de análise diferentes para fenômenos que não podem
ser estudados com os mesmos instrumentos. Isso pela simples e óbvia
verdade de que, por se tratar de um objeto diferente, requer-se métodos
distintos para sua explicação ou, até mesmo - e bem mais simples que isso -,
descrição. Agora, para quem não está enfronhado nas lides acadêmicas, o
discurso ateísta do matemático estadunidense, soa como o “golpe fatal” para o
pensamento religioso.
Supor que o matemático não saiba nada sobre isso, seria subestimá-lo
em demasia, prefiro, lamentavelmente, reconhecer que ele está sendo
tendencioso e desonesto com o método científico e com as ciências humanas.
Ou será que ele pretende, com seu discurso e livro, impor um imperialismo
metodológico para a ciência e sugerir que a psicologia, a sociologia, o direito, a
pedagogia, a filosofia e até mesmo a teologia não são disciplinas científicas?
A religião ou fenômeno religioso é um objeto de pesquisa tão complexo,
que não existe nem mesmo uma definição universal que dê conta de descrevê-
la precisamente. É preciso embrenhar-se nos mais variados ramos das
ciências humanas (história, lingüística, antropologia, psicologia, sociologia),
não pensando em obter uma explicação, e sim apenas uma compreensão,
muitas vezes, elementar do assunto. Isso, lançando mãos de uma gama de
métodos, fenomenológico, histórico-filológico, psicológico, só para citar alguns.
Concordo com o matemático, quando ele faz uma crítica a “cristãos” que
não crêem na inspiração plenária da Bíblia e aos que apóiam o
homossexualismo, ou seja, são incoerentes. Neste aspecto, tanto ele quanto
eu, somos consoantes com Charles Colson, quando este afirma que “é melhor
ser um ateu coerente que um cristão incoerente”.
Vale ressaltar, para quem acredita que a matemática é uma ciência
infalível, a advertência do astrofísico Stephen Hawking, em sua obra O
Universo numa Casca de Noz: “Em 1931, o matemático Kurt Gödel provou seu
famoso teorema da incompletude sobre a natureza da matemática. O teorema
afirma que, dentro de qualquer sistema formal de axiomas, como a matemática
atual, sempre persistem questões que não podem ser provadas nem refutadas
com base nos axiomas que definem o sistema. Em outras palavras, Gödel
mostrou que certos problemas não podem ser solucionados por nenhum
conjunto de regras ou procedimentos. O Teorema de Gödel fixou limites
fundamentais para a matemática. Foi um grande choque para a comunidade
científica, pois derrubou a crença generalizada de que a matemática era um
sistema coerente e completo baseado em um único fundamento lógico. O
Teorema de Gödel, o princípio da incerteza de Heisenberg e a impossibilidade
prática de seguir a evolução até mesmo de um sistema determinista que se
torna caótico formam um conjunto fundamental de limitações ao conhecimento
científico que só veio a ser reconhecido durante o século XX”.
Portanto, Paulos, não só a religião pode ser cientificamente questionada
(obviamente por quem de direito), como também a matemática (nesse caso,
também por pessoas da área).
Surgimento da religiosidade
Pesquisador do fenômeno religioso, o já citado psiquiatra suíço, Carl
Gustav Jung, definia religião como “uma acurada e conscienciosa observação
daquilo que Rudolf Otto acertadamente chamou de ‘numinoso’, isto é, uma
existência ou um efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário. Pelo
contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima do
que seu criador. Qualquer que seja a sua causa, o numinoso constitui uma
condição do sujeito, e é independente de sua vontade. De qualquer modo, [...],
a doutrina religiosa mostra-nos invariavelmente e em toda a parte que esta
condição deve estar ligada a uma causa externa ao indivíduo”.
Essa “causa externa” é conhecida pelo mais simples e indouto dos cristãos.
Fica então claro o motivo pelo qual existe a tentativa de classificar o surgimento
da religiosidade como algo orgânico: é uma característica tão intrínseca e
inerente ao ser humano, que não dá para dizer que uma tribo nativa perdida no
meio do mato, possua algo tão comum ao homem branco que, a despeito de
toda civilidade é, assim como os primeiros, homo religiosus.
Com todo respeito, ao iniciar este texto não tive a mínima pretensão de
esclarecer as dúvidas e incertezas que pairam sobre o fenômeno religioso,
agora, um matemático que, pelo que me consta, não detém os instrumentos e
ferramentas necessários para analisar o assunto, achar que uma simples obra,
pode demover as pessoas de uma das características que as tornam mais
humanas e distintas dos outros seres vivos, é um tremendo erro lógico.

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