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Segunda, 07 de Março de 2016

ÁSIA

Índia: queda do preço do petróleo beneficia governo, mas não chega à


população
Luis A. Gómez | Calcutá - 06/03/2016 - 07h00

Baixa internacional permitirá que país economize 470 milhões de dólares este ano;
população fica apenas com um quarto dos benefícios, diz economista
Suresh trabalha todas as tardes como taxista. Conduz um carro novo, branco, que seu patrão comprou com um
empréstimo bancário com juros fixos. Entre as 10 e 12 horas de turno diárias, o taxista tem, sem falta, que encher o
tanque de gasolina pelo menos uma vez por dia. “Mas essa questão do petróleo internacional não se vê nos postos de
gasolina”, diz, sorrindo. E, ainda que alguns tipos de combustível tenham baixado alguns centavos em 2015, este jovem
de 26 anos não disfruta da aparente bonança que o preço do petróleo internacional traz para a Índia. Ele pode viver com
o que ganha? “Sim. Os preços da comida e outras coisas não subiram muito nesses tempos...”

Entre outras coisas, explica Xavier Dias, jornalista econômico editor do boletim Minas, Minérios e Direitos, o ganho com
a baixa do preço internacional do petróleo não está chegando às pessoas do país, que “não estão percebendo mudança
alguma em sua vida doméstica. É pior ainda, porque a Índia continua sem produzir nada, apenas minérios e outras
matérias-primas, e a economia rural se debilita a cada ano.”

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Plataforma de extração de petróleo na região de Mumbai High no Mar da Arábia

“Os preços não baixaram”, pelo menos em Calcutá, diz Subrata Bose, um carpinteiro de 38 anos,
funcionário de uma empresa que vende móveis pela internet. Bose percorre a cidade todos os dias em uma moto da
companhia, visitando casas para montar móveis ou repará-los. “Não soube que os preços baixaram”, comenta, depois,
pensativo. Pelo menos, lembra ele, nos últimos três ou quatro meses tudo se manteve mais ou menos igual.

Mas o combustível baixou. Talvez o que acontece é que pouco é percebido. O governo de Narendra Modi baixou o preço
da gasolina regular e do diesel em cinco ocasiões desde novembro do ano passado. A última vez foi no dia 1 de fevereiro,
quando a gasolina baixou 4 centavos e o diesel, 3. No total, as baixas de preço somam 6,97 rúpias [cerca de R$ 0,40] para
o diesel e 4,02 [R$ 0,23] para a gasolina. Atualmente, um litro de gasolina custa 59,95 rúpias [R$ 3,40]. Com o dólar a 68
rúpias [R$ 3,80], o desconto é mínimo, equivalente apenas ao custo de uma viagem curta de ônibus.

Respiramos mal, mas economizamos mais

Em geral, quando o combustível sobe, todos os preços dos produtos do mercado local começam a subir, comenta
Suresh Deb. O motorista pertence à nova onda de taxistas nas cidades da Índia, envolvidos com alguma das companhias
que operam digitalmente, e que conduzem um pequeno sedan branco de fabricação local. “Ganho pouco, mas não
estou desesperado”, explica, “pouco a pouco meu patrão paga o empréstimo (de quase 8 mil dólares) e as pessoas usam
cada dia mais o serviço: temos preços melhores que os táxis tradicionais, e nossas unidades são melhores”. O taxista se
mostra confiante, apesar de não perceber uma melhora substancial em suas finanças.
O governo reconhece que a queda dos preços internacionais permitirá (com a redução de alguns centavos) que a Índia
economize cerca de 470 milhões de dólares no ano fiscal atual. Com um modelo energético baseado no carvão e sendo
um país importador de hidrocarbonetos, a economia parece ser significativa.

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Porto de Chennai, em Tamil Nadu, uma das maiores cidades da Índia

E o consumo continua crescendo: em 2015, a Índia se transformou no terceiro país em consumo de


petróleo e seus derivados no planeta, atrás da China e dos Estados Unidos. De acordo com o colunista da Forbes Jude
Clemente, o consumo de combustível cresceu cerca de 20%, sobretudo porque os preços dos carros caíram (20%) e
metade deles funciona a diesel.

A este boom automotriz, que Clemente relaciona ao crescimento da classe média na Índia e à produção energética
“suja” (entre combustível e carvão), há também um “dano colateral”: entre as 20 cidades mais poluídas do mundo, 14
são metrópoles indianas, como Nova Déli (número 1), Calcutá, Mumbai e Patna. A qualidade do ar – em um país
praticamente sem mecanismos de controle e medição de contaminantes – é pior do que na China.

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E a economia é somente fiscal. Segundo o economista Paranjoy Guha Thakurta, especialista em hidrocarbonetos e
editor do semanário Economical & Political Weekly, as reduções nos preços têm a finalidade de recolher mais impostos
indiretos. “O governo indiano transferiu ao consumidor apenas uma quarta parte dos benefícios da queda dos preços",
diz Thakurta.

O trem da vida

É nas ferrovias indianas onde talvez se nota melhor essa falsa estabilidade. Com o maior sistema público de transporte
terrestre desse tipo, a Índia conta com quase 65 mil quilômetros de ferrovias e transporta anualmente 9 bilhões de
passageiros por todo o território. Os preços, que variam entre US$ 0,20 e US$ 80, mudaram pouco. Mas desde que
Narendra Modi chegou ao poder em 2014 o Estado economizou 1 bilhão de dólares na compra de diesel para as
locomotivas.

No orçamento para as ferrovias nesse ano fiscal, apresentado há alguns dias no Parlamento, não há mudanças
substanciais nas políticas de preços nem melhorias na infraestrutura. Mais além, como explica a pesquisa econômica
realizada anualmente para a elaboração do orçamento geral, o Produto Interno Bruto não crescerá nem sofrerá
alterações notáveis.

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Milhões de pessoas, a maioria composta por migrantes da zona rural moram em condições paupérrimas, como em barracas

Tudo indicaria que a economia se estabiliza e que o crescimento acelerado (7,5%) desse país
apenas será freado. No entanto, as estatísticas também mostram que “960 milhões de pessoas (68% da população da
Índia) vivem com menos de 2 dólares por dia, 700 milhões de pessoas não têm acesso a sistemas energéticos modernos
baseados no petróleo e 310 milhões nem sequer contam com eletricidade”, afirma Paranjoy Guha.

Algumas razões e nenhuma perspectiva

“É claro que a imagem internacional parece mostrar um país estável”, explica Xavier Dias. Em parte, aprofunda, porque
quase ninguém sabe que, por exemplo, depois de o embargo contra o Irã ser revogado, a Índia comprou um imenso
carregamento de petróleo em um negócio fantástico. “Nem as pessoas sabem que temos um grande tratado com o
Qatar, de onde vem a maior quantidade de gás que consumimos: é um pagamento posterior que, além disso, é feito em
rúpias, sem levar em conta o valor da nossa moeda.”

De fato, aponta Dias, “é essa economia imensa que permite que Modi governe. Quando os preços voltarem a subir, esse
governo cai”. De acordo com uma análise recente de Guha, a Índia seria o país com menor desenvolvimento econômico
entre os maiores consumidores de petróleo. “Os indianos consomem 41,5 litros de hidrocarbonetos por dia e vivem até
os 66 anos, enquanto os norte-americanos consomem 9,8 litros e chegam até os 80 anos de idade", explica.

“Não sei”, reflete Suresh enquanto conduz seu táxi. “Se os preços subirem poderia ser difícil. Talvez não haja clientes ou
meu patrão não possa pagar o banco”, e, nesse momento, pergunta já em outro tom de voz: “isso pode acontecer?”

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