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CPF 080.537.

084-63

FENÔMENOS DA HIPERSEXUALIZAÇÃO INFANTIL NO


CIBERESPAÇO: O FETICHE AGEPLAY E SUA RELAÇÃO COM A
PERVERSÃO

INTRODUÇÃO
A gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo
(Caetano Veloso)

Este projeto propõe como recorte de pesquisa, analisar a hipótese de ser o ageplay, um
fenômeno de hipersexualização infantil ocorrido no ciberespaço. O fetiche ageplay é a fantasia
erótica de dissimetria etária em que, os envolvidos, encenam uma grande diferença nas idades,
geralmente um assumindo a idade de adulto e o outro, de criança. Está diretamente ligado a
subcultura BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo) que se
pauta no princípio SSC – Seguro, São e Consensual (SILVA,2018). Alguns de seus termos:
Lolitas, daddys e sugardaddys, insurgentes no web-vocabulário, estão cada vez mais atrelados na
pós-modernidade à cultura pop.
Nosso enfoque principal será, através de uma pesquisa qualitativa, precisamente com
autores que desenvolvem a metapsicologia da Perversão: (SCHINAIA, 2015; ROSA JR, 2019;
ROUDINESCO, 2021; FLEIG, 2008; e STOLER,2015) analisar, para fins hipotético-dedutivo, o
desejo e a motivação que “fetichiza” o corpo infantil nesse fenômeno e, se há relação entre a
perversão comum, na qual se encontra em operação o mecanismo da perversão social e, a
Perversão como estrutura psíquica, (FLEIG, 2008) ou, se este, se configura como mais uma
prática de expressão da sexualidade humana.
Para conhecer este fenômeno nos ciberespaços, o método proposto será o da etnografia
digital, que consiste na busca de dados para observar e classificar fatos sociais, utilizando
informações coletadas via on-line (FERRAZ, 2019) e se dará adentrando os ciberespaços
buscando, na plataforma Google com a ferramenta Safesearch desativada, as palavras: “ageplay”
“fetiche ageplay” “ageplay e pedofilia”.
Será solicitado junto ao Comitê de Ética e Pesquisa, a aprovação para realização de
entrevistas semi-estruturadas por meio virtual, com inscritos na rede social Fetlife, exclusiva para
adeptos que geralmente não se identificam, a fim de conhecer mais sobre a acepção destes, e a
forma que se relacionam com a prática.
Nos sites de comunidades ageplay, os adeptos se declaram, por exemplo como "littles".
Um(a) little vai ser sempre muito obediente e mimada com chupetas, pelúcia e livros de colorir.
Têm entre 2 a 10 anos. As(os) middles são as Lolitas e ninfetas. Entre 12 e 15 anos. São
provocantes e malcriadas. Geralmente buscam homens (ou mulheres) mais velhos que serão seus
daddys ou mommys, para “educar” com autoridade, punindo e castigando quando necessário.
Para que isso se desenrole entre os adultos envolvidos, é preciso que haja um contrato
tácito ou verbal, estabelecendo regras e consequências, se burladas. A colegial safada, a ninfeta
malcriada, ocupam um lugar de honra na encenação erótica da fantasia de muitos dos adeptos que
valorizam a prática de forma segura e consensual, para explorarem os limites e possibilidades do
ageplay adulto.
TEMA: Ageplay como um fenômeno de hipersexualização infantil nos ciberespaços.

PROBLEMA: Como a expressão sexual de sujeitos com o fetiche ageplay se relaciona com os
saberes psicanalíticos a respeito da estrutura psíquica? E, há um aumento da tolerância a uma
fantasia sexual que remete a pedofilia, sugerindo um laço social perverso?

JUSTIFICATIVA: Numa fantasia que, em seu enquadramento, somente adultos encenam uma
disparidade etária e o corpo infantil permanece protegido e resguardado de qualquer tipo de
violação, porque então relacionar a ideia de que esse jogo erótico, por utilizar elementos inerentes
a condição infantil, como - chupetas, mamadeiras, babadores e até fraldas, teria algo de perverso?
Schinaia (2015), que escreveu um importante e mais completo livro sobre o tema da
pedofilia, problematiza: “a primeira pergunta a ser colocada é a seguinte: por que psicanalistas
nunca se interessam pelo problema da pedofilia e especialmente pela psicopatologia da
pedofilia?” (p. 38).
Isto posto, espera-se provar a pertinência do estudo, enfatizando a importância de se
debater sem julgamento de valor, tal assunto que, além de ser atual e ascendente no tema da
Perversão nos laços sociais, ainda é pertinente nos estudos do funcionamento psicodinâmico da
Perversão, sua metapsicologia e nas relações com o dispositivo da sexualidade (FOUCAULT,
2021).

OBJETIVO GERAL: Trazer uma teoria psicanalítica a respeito do fenômeno ageplay a fim de
investigar e analisar sua possível relação com os laços perversos e com a estrutura psíquica
perversa.
Objetivos Específicos
● Definir os conceitos Perversão, Fantasia, Fetiche, Desejo perverso, Regressão e
Sublimação. Importantes conceitos da metapsicologia da Perversão a fim de;
● Diferenciar fantasia neurótica e fantasia perversa, percorrendo as hipóteses de ser o
fetiche ageplay, uma fantasia perversa de pedofilia.
● Por fim, investigar a possibilidade de ser o ageplay uma espécie de sublimação da
pedofilia que evita que o pedófilo atravesse à passagem ao ato.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A estrutura neurótica e suas afecções são tomadas, por convenção, como normais: O
neurótico devaneia e frui o desejo contido nessa fantasia de maneira quase satisfatória. A fantasia
seguirá interditos morais, substituindo por outras possibilidades de satisfação. Mas, as limitações
culturais no acesso a satisfação que represam a libido têm efeito patogênico. Freud diz que só há
duas possibilidades de se permanecer sadio quando há um impedimento real e duradouro:
“transformar a tensão psíquica em energia ativa que permaneça voltada para o mundo exterior,
que acabe de arrancar dele uma satisfação real da libido, e a segunda, é renunciar à satisfação
libidinal, sublimando a libido represada, de modo a alcançar metas que não são mais eróticas e
que escapam do impedimento” (FREUD 1912/2016, p. 72).
Para o perverso, o devaneio é terminantemente insuportável. Precisa dar vazão a força
libidinal dessas fantasias imperiosas e repletas dos principais e, geralmente, exclusivos desejos
mais primitivos, portanto, altamente prazerosa. O caminho para esses indivíduos é ceder,
repetidamente e compulsivamente a essas suas fantasias perversas. Stoller (2014) crê que o
caminho que leva ao arranjo perverso é complexo, mas possui elementos invariáveis e
determinantes na identificação desse arranjo: Uma excitação sexual intensa experimentada por
um indivíduo imaturo, pelas mãos de uma pessoa adulta, pode perverter as assimilações
inicialmente traumáticas de tal acontecimento, fazendo com que horror, asco, culpa
experimentados se transforme em triunfo. E qual ferramenta permite essa mudança no arranjo
psíquico? A fantasia perversa! Para definir Perversão, um dos livros pretendidos é: “Perversão: a
forma erótica do ódio”(STTOLER, 2014).
Para diferenciar a fantasia neurótica da perversa, e apresentar uma teoria sobre o desejo
perverso, a obra sugerida é “O Desejo Perverso” de Mário Fleig (2008). Convém por ajudar a
esclarecer a diferenciação entre devaneio e fantasia, no sentido de uma dispendiosa elaboração
fruto das psicodinâmicas “desde os estágios do desenvolvimento humano mais primevos”, que,
finalizada sua arquitetura, servirá para fins de satisfação erótica (FREUD, 1908 p.89).
Sobre o fetiche, o autor consultado vem atualizando e evoluindo importantes conceitos da
Metapsicologia da Perversão. Sua obra “Perversões, o desejo do analista em questão”, com o
título no plural, infere as possibilidades da incidência da perversão tanto na estrutura, quanto no
laço social (ROSA JR, 2019).
Também se definirá o conceito de sublimação em sua mais recente e ousada elaboração: a
proposta de ser a sublimação um tratamento possível do gozo, (METZGER,2017), o que incitou
uma hipótese audaciosa, surgida como consequência dos objetivos específicos: Ageplay é uma
fantasia que serve para impedir a passagem ao ato pedófilo? Esse fetiche pode estar
transformando, sob aspectos psicodinâmicos, uma pulsão condenável em uma socialmente
aceita?

METODOLOGIA
O objetivo principal é, desvencilhando-se dos aspectos moralizantes e repressivos, trazer
uma teoria psicanalítica do ageplay através dos mecanismos e ferramentas de investigação da
Psicanálise. A pesquisa irá se embasar na teoria freudiana do desenvolvimento, porque é de
especial valor entender o conceito de pulsão sexual como uma força equivalente a necessidade da
nutrição. “É na intensidade da gratificação que a criança recebe das zonas erógenas: Oral, anal,”
sendo a genital o destino e estágio final, que se ocorrem as possíveis patologias sexuais.
(FREUD, 1901-05/1996, p. 188)
Freud acredita que influências modificadoras acidentalmente vivenciadas na infância, tais
como: precocidade sexual espontânea, fatores que tem a ver com o tempo e a influência de
determinada moção pulsional que se retarda ou se precipita no decorrer do desenvolvimento
sexual, acarretam na fixação e na adesividade da libido nessas zonas. Estas últimas pertinentes ao
conceito de “Regressão”, muito ligado ao ageplay. Ou seja, a libido pode transitar, regredir ou se
fixar em determinado estágio pois está é vulnerável a tais fatores.
Naffah Neto e Cintra (2010) especificam duas situações de pesquisa em Psicanálise: a
pesquisa-escuta e a pesquisa-investigação. A primeira considerando totalmente o sujeito
inconsciente e feita no contexto clínico, impossível de se aplicar aqui já que, pressupõe um
paciente adepto do fetiche e uma relação de transferência entre analisando e analista. E a
segunda, pesquisa-investigação, que busca respostas na epistemologia psicanalítica. Esta última é
proposta como método para esta revisão bibliográfica, já que segue um critério mais lógico-
formal. Entende-se, segundo Pizanni et al. (2012) que “O que chamamos de levantamento
bibliográfico ou revisão bibliográfica, a qual pode ser realizada em livros, periódicos, artigos de
jornais, sites da Internet entre outras fontes”, aqui, melhor se ajustou como a pesquisa-
investigação no concerne à pesquisa na disciplina psicanalítica.
Há alguns melindres que convém mencionar para a pesquisa na Psicanálise, qual seja, a
dificuldade do objeto de pesquisa, o sujeito (inconsciente), não poder ser cientificado aos moldes
da pesquisa científica tradicional. Para além da produção embasada em estudos de casos clínicos,
a pesquisa em Psicanálise tem crescido, considerando o sujeito em vários espaços sociais.
(VOLTOLINI; GURSKI, 2020, s/p). Sendo possível investigar fenômenos sob ética psicanalítica,
sem imputar diagnósticos e respeitando as várias formas de subjetividade.
Mesmo que a pesquisa se pretenda no espaço virtual, será solicitado junto ao comitê de
Ética e Pesquisa da Universidade, averiguar à questão do respeito à ética. Mesmo que a
Resolução número 510, de 07 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, preconize que
pesquisas que utilizam informações de domínio público estão desobrigadas de registro e
avaliação por Comitês de Ética em Pesquisa. (SILVA,2018).
ADERÊNCIA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Este projeto trata principalmente do fenômeno Ageplay como hipótese de ser uma
hipersexualização infantil nos ciberespaços e buscará encontrar a relação entre ser uma expressão
da sexualidade humana, com os laços sociais perversos e a uma possível “tolerância” da
pedofilia.
Portanto, as inferências deste estudo pretendem atrair a acuidade da linha 3 do Programa,
que se debruça sob “Processos Psicossociais, Poder e Práticas Coletivas”. Principalmente do
laboratório Lab-Eshu, por desenvolver estudos que contribuem para elaborar respostas às
violações e agravos em saúde referido ao sexual. Tais diretrizes, aderem-se ao interesse deste
projeto, por investigar a expressão sexual humana sob aspectos do feminismo, de gênero e
sexopolíticos, como no caso da dissertação: “FEMINISTAS, TECLAS E TAPAS”: uma etnografia
virtual sobre feminismos e BDSM. (REGO, 2019)
Outros objetivos do projeto convergem com o GEPCOL, cuja premissa em estudar as
relações de poder em diferentes dimensões sociais (urbano e rural) infere a possibilidade de
investigação sobre novas configurações sociais num outro espaço, cada vez mais prolífico para
estudos etnográficos, o espaço virtual.
Por este estudo pautar-se predominantemente na epistemologia da Psicanálise, identifica-
se que o conceito de sideração, desenvolvido por Monteiro (2012), coordenadora do Trieb-
NEPPSI – incita a hipótese de que a “tolerância” ao, e insurgência do fenômeno ageplay, pode
estar ligada ao laço social perverso e, mais ainda, ao fenômeno da sideração em torno da figura
do pedófilo. Romantizado na indústria de bens de consumo e, percebida através de termos como
“lolitas” e “daddys” presentes no web-vocabulário, para além dos adeptos do fetiche (SANTOS,
2022). Sobre a sideração:
conceito desenvolvido no decorrer de nossa pesquisa, e que se traduz pela capacidade
dos assassinos em série de hipnotizar, encantar e seduzir as vítimas - de um ponto de
vista psíquico -, são partes muito importantes de seu modus operandi, não apenas no
processo de "sedução" da vítima, mas sobretudo nos passos que se seguem, vale dizer, a
tortura e assassinato, em que as fantasias de destruição são atuadas e efetivamente postas
em prática (MONTEIRO, 2012)
O conceito é aplicado a assassinos seriais. No entanto, o pedófilo está situado na posição
perversa e como tal, seu objeto é sempre descartável e despersonificado para servir de alvo
sexual. “a transição para os casos de fetichismo com renúncia ao alvo sexual, constitui-se dos
casos em que se exige do objeto sexual uma condição fetichista para que o alvo sexual seja
alcançado (determinada cor dos cabelos, certas roupas, ou mesmo defeitos físicos)” a vítima, é
seduzida e reduzida a um objeto de desejo. (FREUD, 1901-05/1996, p.146)
A Psicanálise reconhece a dimensão patológica do pedófilo, mas não é conivente a ela de
maneira nenhuma. A culpabilização da fantasia e os julgamentos de valor não cabem a(o)
profissional psicóloga, porque inviabiliza o tratamento. As recentes descobertas, bem como o que
este estudo intenta é problematizar, desvencilhando-se das hipocrisias, rumo a soluções e não ao
mascaramento. (ROSA JR,2019, p.)
REFERÊNCIAS
FLEIG, M. O desejo perverso. Porto Alegre: CMC, 2008
FREUD, S (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição Standard Brasileira das
Obras Completas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S (1906-1908) “Gradiva” de Jensen e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das
Obras Completas de Sigmund Freud, vol. IX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FOUCAULT, M. História da sexualidade 1: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2021.
METZGER, C. A Sublimação no ensino de Jacques Lacan: Um tratamento possível do gozo.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.
MONTEIRO, K. M. S. L. (2014, setembro). Assassinos seriais e os efeitos da sideração no
psiquismo e no laço social. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 17(3-
Suppl.), 738-748.
NAFFAH NETO, A. CINTRA, E. M.U. A pesquisa psicanalítica: a arte de lidar com o Paradoxo.
ALTER – Revista de Estudos Psicanalíticos, v. 30 (1) 33-50, 2012
PIZANNI. L. et. Al. Arte da pesquisa bibliográfica na busca do conhecimento. Ver. Dig. Bibl. Ci.
Inf., Campinas, v.10, n.1, p.53-66, jul./dez. 2012 – ISSN 1678-76
REGO BARROS, M. D. do. “Feministas, teclas e tapas”: uma etnografia virtual sobre
feminismos e BDSM. 2019. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2019.
ROSA Jr.,N.C.D.F. da. Perversões: o desejo do analista em questão. Curitiba: Appris, 2019.
ROUDINESCO. E; PLON, M. A parte obscura de nós mesmos: uma história dos perversos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2021.
SANTOS, J. B. Considerações sobre sublimação no autor de “Alice no país das maravilhas”:
um estudo psicanalítico da relação com sua musa e a hipersexualização desta na cultura pop.7,
n.2 (2021): Edição Regular
SCHINAIA, C. Pedofilia, Pedofilias: A Psicanálise e o mundo do Pedófilo. São Paulo: Editora
Universidade de São Paulo, 2015
SILVA, V. L. M da. Sexualidades dissidentes: Um olhar sobre narrativas identitárias e estilo de
vida no ciberespaço. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2018/Jul). [Citado em
25/08/2022]. Está disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/sexualidades-
dissidentes-um-olhar-sobre-narrativas-identitarias-e-estilo-de-vida-no-ciberespaco/16863
STOLLER, R.J. Perversão: a forma erótica do ódio. São Paulo: Hedra, 2015.
VOLTOLINI, R; GURSKI, R. Retratos da Pesquisa em Psicanálise e Educação- Coleção
Psicanálise e Educação. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.

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