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MINICURSO:

DISCURSO PEDAGÓGICO SOBRE A LÍNGUA E ENSINO


DE METALINGUAGEM: CIRCULARIDADE E
MANUTENÇÃO DO STATUS QUO SOCIAL
PROFA. DRA. THAÍS DE ARAUJO DA COSTA
PÓS-DOUTORANDA EM HISTÓRIA DAS IDEIAS LINGUÍSTICAS UFF/UNICAMP
OBJETIVOS
 Objetivo geral: Refletir sobre o funcionamento do discurso pedagógico sobre a língua, notadamente no
que diz respeito aos efeitos produzidos pelo ensino da metalinguagem tal como instituído na/pela
Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) e na/pela Base Nacional Curricular Comum (BNCC).

 Objetivos secundários:

1) Apresentar brevemente o escopo teórico da AD-HIL e as suas contribuições para a reflexão sobre o
ensino de LP;
2) Analisar as formas de comparecimento dos componentes linguístico-gramaticais em materiais
didáticos;
 Cotejar com o que diz a NGB e a BNCC e o que diz o MD;
3) Depreender o funcionamento e os efeitos do DP sobre a língua no que concerne ao ensino de
metalinguagem; e
4) Discutir possíveis caminhos a serem adotados com vistas a encontrar soluções para a problemática
levantada.
ORGANIZAÇÃO DO MINICURSO

 Parte I – Apresentação, discussão teórica e reflexão sobre a NGB, a BNCC e o PNLD

 Parte II – Leitura e análise do Manual do Professor da coleção Português linguagens – 9º ano

 Parte III - Leitura e análise do Manual Didático da coleção Português linguagens – 9º ano

 Parte IV – Fechamento das análises e discussão sobre caminhos possíveis

 Parte V – Fórum para tirar dúvidas


DISPOSITIVO TEÓRICO-ANALÍTICO

• Linguística estruturalista
• Materialismo histórico
 Análise de Discurso de base materialista
• Teoria da subjetividade de
 Michel Pêcheux e Eni Orlandi natureza psicanalítica

 História das Ideias Linguísticas


 Sylvain Auroux e Eni Orlandi

“visão histórica da ciência – e, particularmente, do que chamamos ‘ciências da


linguagem’” (HORTA NUNES, 2008, p. 109).
• “Esse dispositivo tem como característica colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz
em um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de outro
modo, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que o sujeito não diz mas que constitui
igualmente os sentidos das suas palavras” (ORLANDI, [2001] 2007a, p. 59)
• “(...) o objetivo é compreender, ou seja, é explicitar os processo de significação que trabalham o
texto: compreender como o texto produz sentidos, através de seus mecanismos de funcionamento”
(ORLANDI, [1996] 2007b, p. 88).
• Compreensão do MD em sua historicidade: MD – NGB – BNCC...
• Como o MD se inscreve na escola e nas políticas públicas voltadas para o ensino?
• Como ele significa/é significado na relação com professores e alunos?
• Relações de força: “(...) o lugar do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz. Assim, se o sujeito
fala a partir do lugar do professor, suas palavras significam de modo diferente do que se falasse do
lugar de aluno. (...) Como nossa sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são relações
de força, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na ‘comunicação’”
(ORLANDI, [2001] 2007a, p. 39-40)
 Formações imaginárias: “imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro
de uma conjuntura sócio-histórica” (ORLANDI, [2001] 2007a, p. 40) projetadas no dizer:
Quem sou eu para que lhe diga ou para que ele me diga assim? Quem é ele para que eu
lhe diga ou para que ele me diga assim? Do que estou falando? Do que ele me fala?. “É
pois todo um jogo imaginário que preside a troca de palavras” (ibid., loc. cit.)
 Discurso: “efeito de sentidos entre interlocutores”.
 Historicidade dos sujeitos e dos sentidos
 Ideologia: condição para a constituição dos sujeitos e dos sentidos e, portanto, do dizer.
Trata-se de um “efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história
para que haja sentido” (ibid., p. 48). É o trabalho da ideologia “produzir evidências,
colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de existência”
(ibid., p. 46).
LÍNGUA FLUIDA E LÍNGUA IMAGINÁRIA
 "(...) por um jogo de espelhos, objeto e método se configuram mutuamente e a tal ponto que não distinguimos mais entre
o instrumento e o objeto da observação. Um reflete o outro. Deriva daí a produção contínua de artefatos (simulacros) que
os analistas de linguagem têm produzido ao longo de sua história.
Artefatos, objetos-ficção, que nem por isso têm menos existência que o real.
A esses objetos ficção é que chamaremos línguas imaginárias. São as línguas-sistemas, normas, coerções, as
línguas-instituição, a-históricas. Construção. É a sistematização que faz com que elas percam a fluidez e se fixem em
línguas imaginárias” (ORLANDI, SOUZA, 1988, p. 26-27).
 “A língua imaginária não é inofensiva, não deixa de ter efeito sobre o real. E isto em duas direções:
a) Para a história da língua, onde vemos que ela obriga a passar pelas coerções, coloca paradigmas e controla o uso e a
forma da língua.
(...)
b) Para o cientista, já que ela não permite que se observe qualquer fato, de qualquer maneira, em qualquer perspectiva”
(ibid., p. 30).
 “A língua fluida é a que pode ser observada e reconhecida quando focalizamos os processos discursivos, através da
história da constituição das formas e sentidos, tomando os textos como unidades (significativas) de análise, no contexto
de produção.
Se a língua imaginária é a que os analistas fixam em sua sistematização, é a que não pode ser contida no arcabouço
dos sistemas e fórmulas” (ibid., p. 34).
METALÍNGUA(GEM) (COSTA, 2019a)
 Nas gramáticas, e também nos manuais didáticos, ao lado de um dizer sobre a língua inscreve-se um dizer
sobre a metalíngua, isto é, sobre a terminologia empregada para se dizer sobre a língua.
 A metalinguagem empregada pode ser voltada para o ensino, no caso dos manuais didáticos, por exemplo, ou
elaborada com fins explícitos de reflexão, como ocorre nas gramáticas descritivas, constitui-se como um dizer
sobre a língua de segundo nível e implica necessariamente o emprego de termos que se filiam a um dado
domínio de saber (a um dado campo teórico ou a mais de um) e a partir dos quais se produz um efeito de
exterioridade na/da língua.
 Orlandi ([1983]2009, p. 30): “O problema da metalinguagem se funda no tratamento do referente, isto é, o
conhecimento do fato fica subsumido, no DP, pelo conhecimento de uma certa metalinguagem: fixam-se as
definições e excluem-se os fatos. O referente é um referente discursivo: são conceitos elaborados naquele ou
em outros discursos, enunciados implícitos (...). Na realidade, não há questão sobre o objeto do discurso, isto
é, conteúdo referencial (...). O DP utiliza, dessa maneira, uma linguagem que dilui seu objeto ao mesmo
tempo em que se cristaliza com metalinguagem (...). Nesse saber, através da metalinguagem, tudo se achata.
Há uma indistinção feita pela linguagem escolar que se presta a uma função tranquilizante: não há sustos,
dúvidas ou questões sem resposta. Assim se constrói o saber devido, o saber útil (vale perguntar: para
quem?)”.
DISCURSO PEDAGÓGICO (DP) - ORLANDI ([1983] 2009)

 Discurso autoritário: não há interlocução, apenas um agente exclusivo (o professor), e o dizer [a


metalinguagem] se sobrepõe ao objeto, ocultando-o.

Imagem 1 – Formações imaginárias DP in: Orlandi ([1983] 2009, p. 16)


DISCURSO PEDAGÓGICO (DP) - ORLANDI ([1983] 2009)
 Estratégia básica de formulação de questões:
 forma imperativa (questões diretas ou objetivas).

 Gradação do autoritarismo
 Ensinar = inculcar → “esmagamento” do outro (sujeito-aluno)
 Fatores de inculcação:
1. A quebra, por meio de uma espécie de “mascaramento” (ibid., p. 18) do que Ducrot (1972)
chamou de leis de discurso, quais sejam:
a) Informatividade (conhecimento novo, desconhecido pelo outro);
b) Interesse (legitimidade do que é dito em relação ao interesse do outro a respeito);
c) Utilidade (concepção utilitarista da linguagem a partir da qual todo dizer deve ter uma
utilidade).
DISCURSO PEDAGÓGICO (DP) - ORLANDI ([1983] 2009)

❖ Interesse e utilidade (jogo entre mascaramento e mediação)

 “Mantida a regulamentação para o ato de interrogar e de ordenar – uma vez que o professor é
uma autoridade na sala de aula e não só se mantém como se serve dessa garantia dada pelo
seu lugar na hierarquia –, o recurso didático, para mascarar as quebras das leis de interesse e
utilidade, é a chamada motivação no sentido pedagógico. Essa motivação aparece no DP como
motivação que cria interesse, que cria uma visão de utilidade, fazendo com que o DP apresente
as razões do sistema como razões de fato [língua imaginária]. Ex.: no léxico, o uso das palavras
“dever”, “ser preciso”, etc.” (ibid., p. loc. cit.).
 “Em um caso ou em outro – conclui a autora –, temos sempre a anulação do conteúdo
referencial do ensino e a sua substituição por conteúdos ideológicos mascarando as razões do
sistema com palavras que merecem ser ditas por si mesmas: isto é o conhecimento legítimo.
As mediações são sempre preenchidas pela ideologia” (ibid., loc. cit.).
DISCURSO PEDAGÓGICO (DP) - ORLANDI ([1983] 2009)
2. O “é porque é” – as “desrazões” dos fatos do sistema e a projeção de uma ilusão de
verdade da língua [a língua imaginária]
 “A apresentação de razões em torno do referente reduz-se ao ‘é porque é’. E o que se
explica é a razão do ‘é porque é’ e não a razão do objeto de estudo”. (ibid., p. 19)
 Duas características mais evidentes do DP:
 No nível da linguagem, o efeito de referencialidade, sobre o qual nós discorremos
anteriormente, por meio do emprego de dêiticos, repetições e paráfrases que
retornam sobre aquilo que se apresenta como fatos do sistema (língua imaginária); e
 No nível da metalinguagem, “definições rígidas, cortes polissêmicos, encadeamentos
automatizados que levam a conclusões exclusivas e rígidas” (ibid., loc. cit.).
 Efeito de estranheza
DISCURSO PEDAGÓGICO (DP) - ORLANDI ([1983] 2009)
3. A cientificidade (= informatividade)

 Objetivo do DP: “transmissão da informação e fixação” (ibid., loc. cit.)

a) A metalinguagem

 Condições materiais de existência (produção e reprodução) e espaço institucional de circulação


(escola)
 Possibilidades e necessidades do dizer do professor e de transmissão para o aluno:

 “O conhecimento do fato fica em segundo plano em relação ao conhecimento da metalinguagem,


da forma de procedimento, da via de acesso ao fato. Na realidade, não há questão sobre o objeto
do discurso, isto é, seu conteúdo referencial, apresentando-se assim um só caminho: o do saber
institucionalizado, legal (ou legítimo, aquele que se deve ter)”. (Ibid., loc. cit.)
 “Através da metalinguagem, o que se visa é a construção da via científica do saber que se opõe ao
senso comum, isto é, constrói-se aí o reino da objetividade do sistema” (Ibid., loc. cit.).
 Efeitos: lugar privilegiado da metalinguagem na escola, fragmentação do saber e homogeneização
conferida pela escola.
DISCURSO PEDAGÓGICO (DP) - ORLANDI ([1983] 2009)

b) A apropriação do cientista feita pelo professor

 “O professor apropria-se do cientista e se confunde com ele sem que se explicite a sua voz de
mediador. Há aí um apagamento, isto é, apaga-se o modo pelo qual o professor apropria-se
do conhecimento do cientista, tornando-se ele próprio possuidor daquele conhecimento. A
opinião assumida pela autoridade professoral torna-se definitória (e definitiva)”. (ibid., p. 21)
 Didatização (SAVATOVSKY, 1995) e efeito de transmitibilidade (DEZERTO, 2013).
 Dizer = saber (a voz do saber passa a falar no professor)

 Mistura entre lei da informatividade, interesse e utilidade: “a fala do professor informa e,


logo, tem interesse e utilidade” (ORLANDI, [1983], 2009)
MANUAIS DIDÁTICOS - MEDEIROS E PACHECO (2009)

 “Nem sempre existiram livros didáticos, nem sempre os livros didáticos comportavam um manual para o
professor. Nem sempre a língua portuguesa era ensinada nas escolas em solo brasileiro (...) Todos estes
“fatos” têm história, têm memória e produzem sentidos. Dizem de nossa prática escolar e atuam em
nossa prática do professor de língua portuguesa” (ibid., p. 49).
 Reforma pombalina:
 Diretório dos Índios (maio/1757) – instituição da obrigatoriedade do ensino em língua portuguesa em
todo o território da colônia e a precedência do estudo da gramática do português ao da gramática
latina.
 Alvará Régio (junho/1759) – determinação da expulsão imediata e compulsória dos jesuítas das
terras brasileiras e instituição da criação de um sistema escolar que estivesse a serviço do Estado.
 Dedução Cronológica (1765) – instauração do cargo de Diretor Geral dos Estudos, ao qual deveriam
se subordinar professores, na esfera pública e particular do ensino; imposição da obrigatoriedade de
exames para todos os professores que desejassem ser aceitos como tal, além da obrigatoriedade da
licença do Diretor Geral de Estudos para o ensino público e particular; e proibição da utilização pelos
docentes em suas atividades de ensino de alguns materiais didáticos.
MANUAIS DIDÁTICOS - MEDEIROS E PACHECO (2009)

 “São medidas que incidem sobre a língua portuguesa (no caso, com a obrigatoriedade do ensino
da língua portuguesa nas colônias), sobre a forma de ensino (deve ser estudada a gramática da
língua portuguesa), sobre o lugar da língua portuguesa (deve-se estudar a gramática portuguesa
precedendo a gramática latina), sobre as instituições de ensino (as medidas preveem a criação
de um sistema escolar a serviço do Estado, preveem também a criação de cargo de Diretor Geral
dos Estudos e, por fim, a sujeição dos ensinos públicos e privados a esse Diretor Geral), sobre o
professor (na medida em que prescreve orientações a serem seguidas pelo professor e na
medida em que impõe exames para a incorporação de professores aos recintos escolares), e,
finalmente, sobre o material didático (livros são proscritos e instaura-se a necessidade de criação
de materiais outros). São medidas, portanto, que configuram um saber – língua portuguesa – e o
institucionalizam. São medidas, enfim, que funcionam como dispositivos regularizadores da
língua portuguesa e de seu ensino.” (ibid., p. 51)
MANUAIS DIDÁTICOS - MEDEIROS E PACHECO (2009)

 Marco do início do processo de disciplinarização da língua portuguesa no Brasil: criação, via Decreto
Imperial, o Colégio Pedro II, em 1837.
1. Num primeiro momento, “a gramática da língua portuguesa é incluída sob a forma das disciplinas
Retórica e Poética”, sendo incorporada, posteriormente, como “Gramática portuguesa”;
2. é criado, em 1871, o cargo de professor de Português;
3. e os professores ocupantes de cargo passam a produzir materiais didáticos para utilizarem em suas
aulas e também para obterem progressões de carreira, já que “nenhum professor poderia ser
promovido sem ter elaborado um compêndio gramatical” (ibid., p. 52).
 Efeito: os materiais produzidos pelos professores do CPII “se inscrevem fortemente na memória
discursiva pedagógica brasileira dado o longo período em que foram utilizadas nas escolas e o seu
grande número de (re)edições” e “têm como efeito estabelecer [e legitimar] a posição-sujeito
professor trabalhada a partir da posição-autor de gramático brasileiro”. (ibid., loc. cit.)
 Modificação: implementação da NGB (1959)

 “impõe-se uma nomenclatura que vai servir de “modelo” às gramáticas que vão sendo
elaboradas a partir daí. As gramáticas anteriores à NGB deixam de ser reeditadas e as
posteriores passam a seguir a padronização imposta pela nova nomenclatura. Com isso as
gramáticas pós-NGB passam a descrever o fenômeno lingüístico a partir da terminologia
imposta pela NGB. Ficam, pois, destinadas a explicar e a repetir uma terminologia. Perde-se,
assim, a posição-autor de gramática tal como funcionava no século XIX.” (ibid., p. 61).
 Instituição da Linguística (estruturalista) como disciplina científica:

 “Após a imposição da NGB, por decreto, a Linguística adquire prestígio (científico) perante a
Gramática. Com a elaboração de sua metalinguagem, a Linguística produz um efeito – no
plano do conhecimento da língua – sobre a gramática tal como era concebida no século XIX. A
Gramática – via esforço terminológico da NGB impossibilitada por um decreto do Estado –
persiste no entanto no ensino escolar, produzindo efeitos sobre o conhecimento da língua, ao
lado do conhecimento linguístico e da sua metalinguagem (...)” (ORLANDI, 2002, p. 194)
 Efeito: distinção entre o lugar do professor-gramático e o do cientista-linguista [quadro descrito
por Orlandi)
MANUAIS DIDÁTICOS - MEDEIROS E PACHECO (2009)
 Democratização do acesso à escola:

 “[há] a entrada na escola de filhos de classes trabalhadoras. Torna-se necessário aumentar o


número dos professores nas escolas e o processo de entrada deixa de ser seletivo, como ocorria
anteriormente. É também preciso produzir material didático para novos alunos. É nesse contexto
político-pedagógico que nos manuais didáticos começam a aparecer exercícios, que retiram do
professor a tarefa de sua produção. É também decorrente destas mudanças que começam a surgir
os manuais de livros didáticos para professores”. (ibid., p. 62)
 Lugar do professor (distinção em relação ao lugar do gramático/ autor de livro didático):

 “se, em um momento bem anterior, a produção de gramáticas e as coletâneas escolares


pressupunham um sujeito-professor, com autonomia e competência para, a partir somente dos
textos propostos pelos livros didáticos, elaborar questões de aula de interpretação, exercícios de
revisão e de fixação, a inclusão de exercícios indica um outro lugar para o professor: não mais
aquele que elabora, mas aquele que aplica e segue as recomendações do livro didático. Aquele
que está submetido às propostas pedagógicas regularizadoras do ensino. Agora quem elabora é o
autor do material didático.” (ibid., loc. cit.)
MANUAIS DIDÁTICOS - MEDEIROS E PACHECO (2009)
 Surgimento de manuais para professores e o apagamento progressivo do seu lugar:

 “Gradual e paulatinamente vão sendo introduzidos nos livros didáticos instruções aos
professores para que façam delas uso em sua prática docente. Inicialmente, as orientações do
autor do livro didático se consubstanciam através das notas de rodapé, depois vão sendo
incluídas nas páginas do livro do aluno, em letras de fontes e cores diferentes, a seguir, em
função de seu aumento gradativo, as instruções vão sendo publicadas em um anexo incluído ao
final do livro didático. É desse modo que o manual do professor vai se constituindo como parte
integrante do livro didático: do rodapé para o corpo do livro didático, para, finalmente, constituir
corpo próprio” (ibid., p. 63).
 Provocação final:

 “materiais didáticos se apresentam como uma necessidade na sociedade (cabe lembrar que
escola, pais, alunos e professores não querem e/ou não podem abrir mão de materiais
didáticos), manuais para professores também seguem a mesma direção, daí a necessidade de se
refletir sobre o lugar do professor na relação com estes dispositivos para pensar o ensino” (ibi., p.
loc. cit.).
DO OBJETO DE ANÁLISE
 Discurso pedagógico sobre a língua e ensino de matalinguagem.
 Materialidades a serem analisadas:
 Corpus principal:
 Português: Linguagens (10ª edição, 2018) – 9º ano – William Cereja e Carolina Dias
Vianna
 Unidade 1, capítulo 2, seção referente à abordagem das orações subordinadas
substantivas.
 Corpus secundário:
 NGB (recorte sobre orações subordinas)
 BNCC (recorte sobre competências, Análise Linguística)
 Textos diversos sobre o PNLD
CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DO CORPUS PRIMÁRIO

1. A aprovação na avaliação do Plano Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) triênio 2017-
2019 (Anos finais do EF2).
2. A aceitação editorial da obra (tempo de circulação e número de edições).

3. A importância da obra nas diferentes regiões do Brasil – verificado por meio do relatório de
investimento feito na compra de exemplares para distribuição em todo o país pelo PNLD, nos
anos de:
 2017 (1º lugar de 6 obras aprovadas: 1.255.918 livros do aluno e 30.315 manuais do
professor)
 2018 (1º lugar de 6 obras aprovadas: 336.619 livros do aluno e 3.024 manuais do professor)
 2019 (1º lugar de 6 obras aprovadas: 321.537 livros do aluno e 2217 manuais do professor).
4. A relevância da obra para o ensino de LP.
RANKING DAS COLEÇÕES MAIS DISTRIBUÍDAS EM 2017

Imagem 2 – Coleções mais distribuídas - PNLD 2017 / Anos finais do ensino fundamental – Língua Portuguesa (fonte: fnde.gov.br)
O PNLD

Imagem 3 – PNLD (fonte: fnde.gov.br)


ETAPAS DO PNLD

Projeção PNLD 2017:

• Publicação do edital – 2015


• Inscrição das obras – 2015
• Avaliação pedagógica – 2016
• Escolha das obras nas escolas – 2016
• Aquisição das obras – 2016
• Entrega das obras – 2017 (obras
reutilizáveis, o que justifica a queda do
número de exemplares adquiridos de
2017 para 2018 e 2019)

Imagem 4 – Etapas PNLD


(fonte: Slide audiência pública realizada em 8/2/2018 PNLD 2020 disponível em
fnde.gov.br)
ASPECTOS AVALIADOS

Imagem 5 – Aspectos avaliados para classificação das obras


(fonte: Slide audiência pública realizada em 8/2/2018 PNLD
2020 disponível em fnde.gov.br)
CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS ESPECÍFICOS

Imagem 6 – Critérios eliminatórios específicos


(fonte: PNLD 2020: língua portuguesa – guia de livros didáticos – MEC)
A NGB NÃO É MENCIONADA!

Imagem 7 – Nomenclatura
(fonte: PNLD 2020: língua portuguesa – guia de livros didáticos – MEC)
AVALIAÇÃO DA COLEÇÃO PORTUGUÊS LINGUAGENS NO
PNLD 2020

 COLEÇÃO REPROVADA!
 Carta aberta dos autores:
 Protestam contra “o modo como se deu a condução do processo de avaliação
do nosso livro didático no PNLD” e expressam sua “indignação frente ao
descaso e desrespeito com que nossos argumentos foram respondidos”
(CEREJA; VIANNA, 2019, on-line)
 Motivos da reprovação: não atendimento a todas as competências da BNCC e
excesso de propagandas.
QUESTÕES NORTEADORAS

1. Como e onde comparecem os pressupostos teóricos da BNCC no que concerne


especificamente ao que ela coloca como “Análise linguística”?
a) O que é a BNCC?
b) O que a BNCC prescreve para o ensino de língua portuguesa, especificamente para o que
chama de “Análise linguística”?
2) Como e onde a metalinguagem oficial (NGB) comparece e como é avaliada?
a) O que é a NGB?
b) O que a NGB diz sobre os conteúdos linguístico-gramaticais que comparecem no capítulo
analisado?
3) Até que ponto é possível afirmar que a forma como os saberes são mobilizados no capítulo
analisado contribui para a manutenção, deslocamento ou ruptura dos quadros descritos por
Orlandi ([1983]2009) e Medeiros e Pacheco (2009)?
NGB E BNCC:
POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA O ENSINO

 Políticas de ensino: “as políticas de ensino – enquanto políticas públicas – configuram possibilidades
de inscrição do sujeito na história” (PFEIFFER, 2011, p. 149) [imagens do aluno e do professor em
circulação na sociedade numa dada conjuntura]
 Políticas de “inclusão”: “heterogeneiza-se para homogeneizar” (ibid., p. 150).

 Políticas públicas e teorias: “as primeiras não se sustentam sem estas últimas, pelo menos sem uma
pretensa sustentação teórica” (ibid., p. 153). [e, portanto, ideológica]
 “Uma pedagogia do ‘aprender a aprender’” (ibid., loc. cit.)

 Educação e trabalho: “(...) o emprego e sua manutenção estariam atrelados a uma pedagogia que
ensinasse ao indivíduo, sobretudo, a adaptar-se” (ibid., p. 154).
 Educadores: passa a caber “saber melhor quais são as competências que a realidade social está
exigindo dos indivíduos” (ibid., p. 154).
NGB
 Enquanto política de ensino, constitui-se como uma medida do Estado que visa à
homogeneização do ensino de língua portuguesa no território nacional por meio da uniformização
terminológica (GUIMARÃES, 1996).
 24/4/1957 – Portaria Ministerial No. 152 – Designação da Comissão responsável pela
elaboração do Anteprojeto da NGB: Antenor Nascentes, eleito o presidente da Comissão; Clóvis do
Rego Monteiro; Celso Ferreira da Cunha; Carlos Henrique da Rocha Lima, eleito secretário e
indicado relator; e Cândido Jucá (Filho) − todos professores catedráticos do Colégio Pedro II.
 13/8/1957 – Anteprojeto

 1958 – Avaliação do Anteprojeto por pares

 26/1/1959 – Portaria Ministerial No. 36: Aprovação e recomendação da adoção da NGB “no
ensino programático de Língua Portuguesa e nas atividades que visem à verificação do
aprendizado, nos estabelecimentos de ensino”, e em “exames de admissão, adaptação,
habilitação, seleção” (BRASIL, 1959).
NGB VISTA DISCURSIVAMENTE
 Apenas uma lista de nomes, sem definições ou exemplos – ilusão de apagamento das filiações
teóricas
 Recomendação → imposição
 Censura e apagamento da tradição anterior
 Período de interpretação dos termos (BALDINI, 1999)
 Período de repetição – estabilização dos sentidos (BALDINI, 1999)
 Manifestação de aquiescência subtítulos e prefácios
 Apagamento da autoria da NGB
 Apagamento da filiação à NGB – naturalização dos termos/ sentidos instituídos – A NGB é a
Gramática (normativa)! – e no manual didático?
 Gramática: discurso sobre a língua em primeiro nível
 Produto: língua imaginária
 NGB: discurso sobre a Gramática e sobre a língua em segundo nível [regula a relação do sujeito-
gramático com o dizível sobre a (meta)língua na gramática.
O QUE DIZ A NGB SOBRE
ORAÇÕES SUBORDINADAS
SUBSTANTIVAS?

Imagem 8 – NGB
(fonte: BRASIL, 1959)
BNCC
 “A Base Curricular está inserida em uma rede de significação na qual a LDB de 1996 e os
Parâmetros Curriculares (assim como vários outros documentos) significam fortemente”
(PFEIFFER; GRIGOLETTO, 2018, p. 13).
 “Trata-se de um documento de caráter normativo e de referências para que as escolas e os
sistemas de ensino elaborem seus currículos, constituindo-se, também, como um instrumento de
gestão pedagógica das redes de ensino, como parte de uma política de Estado” (SILVA, 2017, p.
321).
 3ª versões (2015, 2016 e 2017):

 “A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define
o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham
assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que
preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE)” (BNCC, 2017, p. 5).
 Discurso tecnicista e discurso jurídico
BNCC
 A BNCC apresenta “uma lista de competências” (NOGUEIRA, DIAS, 2018).

 “Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e


procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para
resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho” (BNCC, 2017, p. 6)
 “Requer o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a
informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos
das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar
decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e
aprender com as diferenças e as diversidades” (ibid., p. 12).
 Discurso pragmático e utilitarista: “conhecimento mobilizado e aplicado” (x “conhecimento não
aplicável”) / “conhecimento para fazer algo” (X “conhecimento em si”)
 Discurso mercado-lógico neoliberal: Relação entre educação e trabalho regida pela lógica das
competências: a escola deve preparar o aluno para o (mercado de) trabalho de modo a atender a sua
demanda (NOGUEIRA; DIAS, 2018).
BNCC
 Sujeito-aluno: autoempreendedor em formação (NOGUEIRA; DIAS, 2018), até então desinteressado
por não ver sentido naquilo que era obrigado a aprender (PFEIFFER, GRIGOLETTO, 2018)
 Sujeito-educador: é aquele que deve seguir manuais, aplicar técnicas e avaliar conjuntos de
competências (NOGUEIRA; DIAS, 2018). Deve ainda aprimorar-se e adaptar-se continuamente
(PFEIFFER, GRIGOLETTO, 2018), para poder capacitar esse sujeito-aluno autoempreendedor (em
formação), às demandas do mercado.
 Ilusão de modernização da gestão escolar e de criação de um sistema educacional supostamente
democrático e inclusivo
 Projeção de efeito de homogeneização da educação brasileira: “(re)massificação das políticas
públicas de ensino” (NOGUEIRA; DIAS, 2018, p. 42) sobredeterminadas por uma ideologia neoliberal
mercado-lógica.
 Sentido de currículo como controle (SILVA, 2017) – com vista à homogeneização dos sujeitos
envolvidos no processo.
O QUE DIZ A BNCC SOBRE O ENSINO DE (META)LÍNGUA?

 Cinco campos de atuação: “Campo da vida cotidiana (somente anos iniciais), Campo
artístico-literário, Campo das práticas de estudo e pesquisa, Campo jornalístico-midiático e
Campo de atuação na vida pública” (BNCC, 2017, p. 84).
 Materialização da relação entre Educação e Trabalho: A língua vista como “modo de construir
uma base comum de trabalho na escola” (SILVA, 2017, p. 328)
O QUE DIZ A BNCC SOBRE O ENSINO DE (META)LÍNGUA?

 Quatro eixos de integração concernentes às práticas de linguagem:

 “(...) os eixos de integração considerados na BNCC de Língua Portuguesa são aqueles já


consagrados nos documentos curriculares da Área, correspondentes às práticas de
linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise
linguística/semiótica (que envolve conhecimentos linguísticos – sobre o sistema de escrita, o
sistema da língua e a norma-padrão –, textuais, discursivos e sobre os modos de organização
e os elementos de outras semioses). Cabe ressaltar, reiterando o movimento metodológico de
documentos curriculares anteriores, que estudos de natureza teórica e metalinguística – sobre
a língua, sobre a literatura, sobre a norma padrão e outras variedades da língua – não devem
nesse nível de ensino ser tomados como um fim em si mesmo, devendo estar envolvidos em
práticas de reflexão que permitam aos estudantes ampliarem suas capacidades de uso da
língua/linguagens (em leitura e em produção) em práticas situadas de linguagem” (BNCC,
2017, p. 71).
O QUE DIZ A BNCC SOBRE O ENSINO DE (META)LÍNGUA?

 O Eixo de análise linguística:


 “O Eixo da Análise Linguística/Semiótica envolve os procedimentos e estratégias
(meta)cognitivas de análise e avaliação consciente, durante os processos de leitura e de
produção de textos (orais, escritos e multissemióticos), das materialidades dos textos,
responsáveis por seus efeitos de sentido, seja no que se refere às formas de composição dos
textos, determinadas pelos gêneros (orais, escritos e multissemióticos [digitais]) e pela
situação de produção, seja no que se refere aos estilos adotados nos textos, com forte impacto
nos efeitos de sentido”. (ibid., p. 80).
 A análise linguística se relaciona necessariamente à leitura e à produção textual!
 A NGB não é mencionada!
ANÁLISE DOS MODOS DE ABORDAGEM DOS
COMPONENTES LINGUÍSTICO-GRAMATICAIS EM
PORTUGUÊS LINGUAGENS – 9º ANO
 Manual do Professor (MP):

 Textos paralelos: capa, contracapa, ficha catalográfica, sumário e introdução.


 Corpo: Partes referentes à adoção da BNCC/NGB no que concerne à análise gramatical e
linguística, avaliação e cronograma.
 Manual Didático (MD):
 Textos paralelos: MP, contracapa, ficha catalográfica, apresentação, sumário, notas de rodapé e
boxes laterais.
 Corpo: Unidade 1, capítulo 2: O mundo invisível (sobretudo seção em que são abordadas as
orações subordinadas substantivas).
Link para acesso da versão digital do livro:
https://api.plurall.net/media_viewer/documents/2595960
DESTAQUES DA ANÁLISE
 Materialização da aquiescência à BNCC.
 Negação de uma abordagem tradicional, embora, a partir da mobilização de dizeres de cientistas
(efeito de cientificidade), defenda-se o seu não abandono total.
 Discrepância entre o que se diz na margem e o que se diz no corpo do MD e entre o que diz o MP e
o que diz o MD sobre as formas de abordagem e comparecimento da metalinguagem e, por
conseguinte, em relação à aquiescência à BNCC.
 O discurso da BNCC sobre a Análise Linguística comparece sobretudo à margem do que diz o MD
sobre a (meta)língua, já que predominantemente não há, no capítulo analisado, integração entre
prática de leitura, oralização, produção textual e análise linguística (eixos de práticas da linguagem,
segundo a BNCC) – manutenção do funcionamento descrito por Orlandi ([1983] 2009) no que
concerne à fragmentação do ensino .
 No capítulo analisado, não são abordados gêneros orais ou estratégias de oralização.
 Gêneros digitais: uma questão sobre o funcionamento das hashtags.
 Nas questões sobre (meta)língua e na seção sobre orações subordinadas substantivas, o texto
(quando comparece) é tomado como “pretexto”.
DESTAQUES DA ANÁLISE
 As questões propostas nos exercícios, muitas objetivas com comando no imperativo (“Classifique”,
“Identifique”) ou perguntas diretas, visam conferir o “aprendizado” da nomenclatura e a capacidade
de correlacioná-la como uma dada estrutura linguística - manutenção do funcionamento descrito por
Orlandi ([1983] 2009) no que concerne à abordagem da metalinguagem.
 Enunciados pouco elaborados: questões em que se tenta fazer uma AL, de um modo geral, são
formuladas de forma ampla (não específica), sendo, portanto, de difícil atendimento para o aluno.
 Apagamento do lugar do professor como mediador entre aluno e conhecimento (Apresentação MD) –
manutenção do funcionamento projetado por Medeiros e Pacheco (2009).
 Filiações teóricas / sustentação pelo/no discurso da Ciência (citação de teorias/cientistas – MP) –
efeito de cientificidade.
 Transferência da função de mediação do conhecimento científico para o autor do MD e, por extensão,
para o próprio MD enquanto espaço de materialização dos seus dizeres sobre a (meta)língua e seu
ensino.
 Imagem do professor: conferidor e verificador de aprendizagens/ interessado (mas limitado em seu
gesto de autoria pelas suas condições materiais de existência) (x não interessado)/ precisa “saber
mais”.
DESTAQUES DA ANÁLISE
 Imagem do aluno: “autoempreendedor”, gestor do seu processo de ensino-aprendizagem e responsável
pelo seu sucesso ou fracasso.
 Apagamento das condições sócio-históricas do aluno, do professor, da escola e, portanto, do processo
de ensino-aprendizagem.
 Atravessamento do MP e do MD pelos discursos que constituem a BNCC (tecnicista, pragmático,
utilitarista, mercado-lógico neoliberal).
 A escola e o professor passam a ser objetos de avaliação.
 Apagamento da filiação ao discurso da NGB sobre a (meta)língua, embora os termos por ela instituídos
sejam rigorosamente adotados.
 Sobreposição entre o discurso da NGB e o da Gramática Normativa sobre a língua – com a
naturalização dos termos tornados oficiais, ela se torna tudo o que pode ser dito da/sobre a
metalíngua na escola/ no MD.
 Outras terminologias filiadas a diferentes domínios de saber podem comparecer desde que não se
referiam a componentes gramaticais.
 Manutenção dos dizeres sobre a metalíngua em relação a edições anteriores (descrição teórica,
exemplos e modelos de questão).
O FUNCIONAMENTO E OS EFEITOS DO DP
SOBRE O ENSINO DE (META)LÍNGUA(GEM)

 Escola – Aparelho Ideológico do Estado (ALTHUSSER, [1970] 1985)


 Orlandi ([1983]2009, p. 22), a partir de Bordieu, afirma: “a escola é a sede da reprodução cultural e
o sistema de ensino é a solução mais dissimulada para o problema da transmissão do poder, pois
contribui para a reprodução da estrutura das relações de classe dissimulando, sob a aparência da
neutralidade [e da universalidade], o cumprimento dessa função. (...) há uma correspondência entre
a distribuição do capital cultural [“as aprendizagens essenciais”, aquilo que (não) pode e (não) deve
ser ensinado na escola] e do capital econômico e do poder entre as diferentes classes: a posse dos
bens culturais, e que uma formação social seleciona como dignos de serem possuídos, supõe a
posse prévia de um código que permite decifrá-lo [o capital cultural]. E assim instala-se uma
circularidade: os que já têm condições de possuí-lo [aqueles que podem e devem possuí-los: o
sujeito-aluno autoempreendedor, que possui competências e habilidades ou que está disposto a
conquistá-las]”.
O FUNCIONAMENTO E OS EFEITOS DO DP
SOBRE O ENSINO DE (META)LÍNGUA(GEM)

 Manutenção do status quo e função de dissimulação da escola: “apresenta hierarquias sociais e a


reprodução dessas como se estivessem baseadas na hierarquia de ‘dons’, méritos, competências e
não como a hierarquia fundada na afirmação brutal de relação de forças. Convertem hierarquias
sociais em hierarquias escolares [por meio das avaliações dessas “competências”, por exemplo] e
com isso legitimam a perpetuação da ordem social (ibid., loc. cit)”
 Circularidade / Escola = sede do DP: “uma instituição que faz do DP o que ele é, mostrando-se em
sua função: um dizer institucionalizado, sobre as coisas [incluindo a (meta)língua], que se garante,
garantindo a instituição em que se origina e para a qual tende. É esse o domínio de sua
circularidade. Circularidade da qual vemos a possibilidade de rompimento através da crítica” (ibid., p.
23).
 Esse funcionamento do DP atribui ainda hoje, no ensino de língua, status de conhecimento útil à
metalinguagem e confere autoridade aquele que a possui (o professor/ o autor do MD/ o próprio
MD), sendo a aquisição da metalinguagem pelo aluno chamada de “escolarização” (ibid., p. 31).
PROVOCAÇÃO (QUASE) FINAL...

 “É aí, também, que é reduzido o lugar do professor: aquele que frente às


impossibilidades dos sistemas de ensino, frente às relevâncias locais, frente ao
setor produtivo, frente às demandas do século XXI, precisa se adaptar
continuamente para capacitar este aluno, este jovem (...) e não qualquer um,
para atender com qualidade ao mundo do trabalho. Apagamento duplo, na
divisão: aluno e professor interditados na relação com o conhecimento, com o
imprevisível, com a autoria (...), porque tomados como sujeitos necessitados não
de formação, mas, tão somente, de capacitação” (PFEIFFER; GRIGOLETTO, 2018,
p. 23).
Como (r)existir?
Como resistir a essa determinação ideológica a que estamos sendo
submetidos para existir diante desse cenário?
CAMINHOS POSSÍVEIS...
 Orlandi ([1983]2009): discurso autoritário → polêmico
 disputa pela palavra e pelo objeto – questionando os seus implícitos, o seu caráter informativo, o
processo de constituição dessas informações que são dadas como verdades inquestionáveis e a sua
unidade.
 Postura ética (ORLANDI, 2002) – reflexão científica frente ao modo de (re)produção do conhecimento
sobre a (meta)língua.
 Resistência à tecnicização da profissão e à mercantilização da educação.
 Professor-pesquisador (GERALDI, 2010, p. 93) e autor nesse processo de produção de conhecimento,
permitindo-se expor-se aos “efeitos de sentido possíveis” e, com isso, deixando espaço para existência
do sujeito-aluno ao mesmo tempo em que cria a possibilidade de se colocar, por vezes, também no
lugar do ouvinte. “É saber ser ouvinte do próprio texto e do outro” (ORLANDI, [1983]2009, p. 32).
 Condições materiais de existência (infraestrutura, salários dignos, incentivo à formação e à
pesquisa).
 Sujeito-aluno: direito de exercer a sua capacidade de discordância, construindo-se como ouvinte, mas
também como autor, “recusando tanto a fixidez do dito como a sua fixação como ouvinte” (ibid., p. 33).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado (1970) . 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
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Educação e Cultura, 1957.
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HX1yAjQQFjAAegQIAxAB&url=https%3A%2F%2Fwww.fnde.gov.br%2Fcentrais-de-conteudos%2Fpublicacoes%2Fcategory%2F35-
dados-estatisticos%3Fdownload%3D10068%3Apnld-2017-cole%25C3%25A7%25C3%25B5es-mais-distribu%25C3%25ADdas-por-
componente-curricular-s%25C3%25A9ries-finais-ensino-fundamental&usg=AOvVaw0BzjH5xtTxfkx_4vIkkvxp. Acesso em:
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