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Texto de opinião

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A Guiné-Bissau e a luta pelo futuro


03 Outubro 2022 — 00:21
Margarita Correia, Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa

TÓPICOS: Opinião; Guiné-Bissau; Idiomas; educação; analfabetismo

Em setembro, a Guiné-Bissau comemora duplamente a sua independência: a 24 de setembro de 1973, o


PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) declarou unilateralmente a
independência; em 10 de setembro de 1974, Portugal reconheceu-a. Estas efemérides passaram quase
despercebidas entre nós. Em contrapartida, são frequentes as notícias sobre a pobreza e a instabilidade
política, que se alimentam reciprocamente. Estima-se que a pobreza, agravada pela pandemia de covid-19,
atinja mais de 65% da população. Já o analfabetismo afeta mais de 40%, de acordo com estimativas de 2015.
O trabalho infantil é próspero e, em 2011, a taxa de escolarização estava estimada em 55,3%. Uma pesquisa
no Google por páginas com o domínio .gw (o código ISO do país) devolve apenas 61 200 resultados,
maioritariamente de instâncias oficiais, o que constitui (mais um) fator indicativo do escasso
desenvolvimento do país. As perspetivas de futuro dos jovens guineenses são, portanto, baixíssimas e as
próprias perspetivas do país como estado independente não são esperançosas.

"A erradicação do analfabetismo e o acesso universal à educação são decisivos nesse combate."

Há dias, um estudante da Guiné-Bissau dizia-me que o principal problema do país é ter tantas línguas,
afirmação que me chocou e ainda ressoa na minha mente. Embora, de acordo com dados do Instituto
Nacional de Estatística, a população em 2020 se cifrasse em 1 624 945 habitantes, o país caracteriza-se por
grande diversidade étnica e múltiplas formas de organização social, além de diversidade cultural e
linguística. As principais etnias que constituem a população bissau-guineense são fulas e povos de língua
mandinga, balantas e manjacas; parte da população é mestiça e existem pequenas minorias de cabo-
verdianos e, mais recentemente, de chineses. As principais línguas africanas, ou "étnicas" como são referidas
no país, são o balanta, o mandinga, o manjaco, o mancanha, o papel ou pepel e o fula, mas a estas acrescem,
ainda, o badjara, o bainouk-gunyuño, o basari, o bayot, o biafada, o bidyogo, o ejamat, o kasanga, o kobiana,
o mansoanka, o nalu e o soninke. O português, que, em outros países que o têm como língua oficial, se tem
vindo a afirmar como veicular e de unidade nacional, apesar de ser também a língua oficial da Guiné-Bissau
e a única reconhecida como língua de ensino, será falado por não mais 15% da população e apenas como
língua segunda. O crioulo da Guiné ou kriol é a língua mais falada no país, ainda assim por apenas cerca de
90% da população, e carece de estudos descritivos e codificação que lhe permitam tornar-se língua de ensino
a breve trecho. Em síntese, embora a escola seja obrigatória a partir dos sete anos, a maioria das crianças que
a frequenta nunca ouviu falar português antes de ingressar no ensino, mas será nessa língua que
supostamente será alfabetizada e nela deverá aprender todas as matérias escolares. Não é de estranhar, pois,
que os índices de insucesso e de abandono escolar sejam enormes; não é, ainda, de estranhar que os
estudantes bissau-guineenses que estudam em Portugal se confrontem com enormes dificuldades em
dominar o português formal e o português académico, além das muitas dificuldades financeiras que sofrem.

A instabilidade do país não garante a boa-vontade da comunidade internacional, pelo que terão de ser os
bissau-guineenses a lutar pelo futuro dos seus jovens. A erradicação do analfabetismo e o acesso universal à
educação são decisivos nesse combate. A diversidade terá de ser entendida como a principal riqueza do país,
porque o é.

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