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História e teoria do Estado em Portugal

O Estado Corporativo e o Antigo Regime

No fim da idade média, existiam 500 territórios políticos na Europa, no final do século XIX apenas cerca de
40/50. Os mecanismos para a diminuição dos territórios políticos foram:
● As guerras para formar Estados;
● As alianças matrimoniais (exemplo: perda de independência de Portugal, na dinastia filipina que
surgiu devido a alianças).

Dentro do mesmo país o que o rei tem de fazer é captar as fontes fiscais que não controla e passar a
controlar, desta forma os vassalos vão perdendo controlo e acabam por gerar descontentamentos o que leva,
por diversas vezes, ao início de guerras civis.

● Os reis também combatiam exteriormente para conquistar outras unidades políticas e assim aumentar o seu
território exteriormente e interiormente.
● Com a guerra dos 30 anos, o rei deixa de ser obrigado a obedecer ao Papa e passa a ser a figura superior do
reino.

Transição Estadual: processo histórico, político e institucional

Fim da idade média → transação estadual: processo histórico, politico e institucional, processo de expansão do
poder fiscal, militar, judicial e latifundiário do monarca- centralização do poder estatal.

- Expropriação de poderes pela Coroa, das entidades supras (papado, império) ou infra estaduais
(senhorios, cidades, corporações). Concentração do poder implica fim do policentrismo. A coroa,
apodera-se dos poderes e concentra-os em si.
- Estado enquanto entidade soberana monopolista, como «sociedade política», oposta a uma
sociedade expropriada desse poder, agora dita «sociedade civil»
- Centralização administrativa: apropriação de tarefas desempenhadas por órgãos periféricos;
unificação do território, língua e cultura;unificação da ordem jurídica(direitos públicos vs privados ->
direitos públicos são pertença inalienável do Estado)

● Este processo acentuou-se sob a égide do Marquês de Pombal.

Modelo do governo no Antigo Regime: Polissinodia

➔ Não há divisão entre os 3 poderes, o poder está todo nas mãos do rei.
➔ (“administração central constituída por múltiplos conselhos com competências em matérias em princípios
distintos, mas que associavam simultaneamente atribuições que hoje em dia seriam definidas como
pertencendo ao âmbito do poder judicial, administrativa, executivo e até legislativo”).
➔ Tribunais régios como estruturas da administração central.

O monarca só tinha dois papéis na sociedade corporativa, a manutenção da paz e administração da justiça. A
Coroa foi procedendo progressivamente como um senhor do seu domínio, alargando as suas funções e
centralizando o poder.
Gerou-se descontentamento à medida que a exclusividade de poder que a nobreza detinha foi minimizado
pelos projetos do monarca. A burguesia aproveitou a oportunidade e aproximou-se do rei, com o propósito de
obter influência e recurso até então fora do seu alcance.

1
Reforma da administração Central (confirmada no Estatuto de Tomar, 1580)

Desembargo do Paço (1533):

➔ Tribunal supremo de administração civil do reino e administração da justiça no reino, corresponde com
corregedores (extinto em 1833, as suas funções foram distribuídas por Secretarias de Estado, Supremo
Tribunal de Justiça e juízes).

Jurisdição:
● Matérias de graça (atividades espontâneas do poder sem que a isso fosse obrigado) tocante à
justiça, por exemplo “súplicas da graça”;
● Resolução de conflitos de jurisdição entre a Casa do Cível e a Casa da Suplicação;
● Resolução de conflitos entre a coroa e os municípios.

Casa da Suplicação e Casa do Cível (Tribunais da relação):

➔ Tribunais superiores de apelação, cível e crime (reforma de Filipe II dos tribunais judiciais superiores criou a
Relação Norte e outra Sul para apelos dos corregedores e juízes de crime.

Casa da Suplicação:
Era o tribunal de justiça da Corte (podendo deslocar-se com ela) e a sua jurisdição abrangia: comarcas da
Estremadura, Algarve, entre Tejo e Guadiana, Castelo Branco, Ilhas e Ultramar (corte, centro e sul).

Casa do Cível:
A Casa do Cível ou Relação da Casa do Porto (1582), jurisdição nas comarcas de entre Douro e Minho,
Trás-os- Montes e Beira (norte).

Mesa da consciência e das ordens (1532):

Tribunal régio com funções:


● De administração do património das ordens militares incorporadas em 1551;
● Nas matérias da “consciência” do monarca;
● No governo e inspeção na Universidade de Coimbra (até à reforma pombalina);
● Sob os órfãos, provedoria dos cativos e defuntos;
● Nas rendas das Ordens (Casa dos Contos, até passar para o Conselho da Fazenda e depois para o Erário
Régio).

Conselho da Fazenda (1591):

➔ Com a criação do Erário Régio perde as competências na área económica, embora reforce as competências
jurisdicionais, afirmando-se como único tribunal judicial em matéria económica.

Competências:
● Junta e vedores da Fazenda (desde 1516);
● Tutela: Casa da Índia; as alfândegas; o despacho e as rendas das naus e armada; a Casa dos Contos
(coordenação das receitas e despesas e cobrança de rendas e tributos); a Casa da Moeda e feitores
comerciavam a favor do monarca.

Junta dos três Estados:


➔ Administração financeira da defesa do reino e supervisionava e arrecadava a décima militar (primeiro imposto
geral sobre o rendimento), receitas dos contratos do tabaco, açúcar, etc…

2
Dinâmica da estadualização:
Noção do “Estado Polícia” (início do séc. XVIII)

O "Estado Polícia" tem uma preocupação geral com o bem-estar e segurança. (visível nas reformas
urbanísticas do pós-terramoto)
Rompe o equilíbrio e concretiza a vontade régia de centralização política e administrativa:
● A sociedade devia ser ordenada, não segundo a ordem natural, mas por certos objetivos definidos
pelo rei: bem-estar e segurança aos súbditos; -> “Welfare State”, concentração de poderes.
● A maior capacidade de intervenção e ordenadora do poder real implica nova distribuição do poder,
alargando a esfera sob controlo social, implicando novas estruturas administrativas e relações com
o centro;
● A concentração de poder altera o tipo de legitimação da autoridade, cuja essência passa para a
competência técnica e lealdade política;
● Definição dos setores de interesse público liga-se ao aumento do poder régio: impostos, estruturas
militares, desenvolvimento do comércio, da agricultura e das manufaturas. Cabe à Coroa
engrandecer a economia.

Reformas Pombalinas

● Terceira Vaga de Modernização do Estado Português rompe com o equilíbrio social que até aí tem
vindo a ser mantido e concretiza a vontade régia de centralização política e administrativa.
● Aumenta o leque de setores considerados de interesse público, juntando-se à fiscalidade, à
estrutura militar e à justiça, a instrução, a fomentação do comércio, a agricultura e a manufatura,
no contexto de promoção das atividades económicas.

Erário Régio (1761):

Expressão de unificação e modernização.


➔ Governo económico e financeiro de toda a Fazenda Real, incorporando a Casa dos Contos, Junta dos Três
Estados e o Conselho da Fazenda (incorpora todas as instituições cobradoras de impostos). Elimina os
focos arbitrários e dispersos na arrecadação e depósito das rendas, centralizando todos os depósitos e
rendas de tesoureiros, almoxarifes, corregedores e todos os recebedores e contratadores de rendas reais.
➔ A sua centralização fiscal eliminou de forma sistemática toda a rede tributária que existia no território e que
retirava poder do Estado.

Intendência-geral da Polícia da Corte e do Reino (1760):

Corporização preocupada com o bem-estar populacional. Reúne em si as funções relacionadas com o


Estado-Polícia per se. Através das suas competências procurava-se aumentar a produtividade nacional e criar
bases para a cooperação da sociedade:

● Rede de espiões e informadores;


● Iluminação pública de Lisboa;
● Limpeza das ruas e plantação de árvores;
● Controlo das fronteiras (passaportes) e do teatro (S. Carlos);
● Tomava conta da Casa Pia, casas de correção e academias;
● Separa a função policial do poder judicial: comissários da polícia e guarda real passaram a
vigiar e a prender e os juízes a instruir processos-crime.

O bem-estar da população era medido pela capacidade produtiva, baseada na força do trabalho. A riqueza
da nação é a capacidade defensiva, na possibilidade de armar um número elevado de homens.
Novas tecnologias de poder: censos, inquéritos à população, provedores das comarcas que fazem
mapasestatísticos, iluminação de Lisboa e inspeção de navios para detetar doenças.

3
Secretarias de Estado:

➔ Únicas estruturas que sobrevivem à revolução liberal e se mantém na administração central, sendo a sua
principal forma de organização. Transição para um sistema ministral.
➔ Alinhamento de órgãos com os quais chegamos ao fim do Antigo Regime; Poder Executivo

D. João reforma as Secretarias de Estado que passam a ser três: Negócios Internos do Reino; Marinha e
Domínios; Estrangeiros e Guerra. Estas secretarias tinham como objetivo levar ao monarca as consultas ou
petições encaminhadas pelos secretários dos concelhos e dos tribunais e expedir, posteriormente, as
resoluções tomadas, preparando para o efeito os respetivos diplomas legais.

Em 1821 passaram as ser seis secretarias: Reino, Fazenda, Guerra, Marinha, Estrangeiros, Eclesiásticos
e Justiça).

Importância crucial da Secretaria de Estado e Reino:


● Sistema de informação e controlo burocrático;
● Recebe as consultas do rei;
● Despachos (regista-os e remete-os para os tribunais, incluindo o expediente do Paço e Casa
Real).

Administração periférica e local no Antigo Regime

➔ Divisão administrativa (até à Revolução Liberal), traduz o sistema político do Antigo Regime. Em Portugal,
o território português no continente era organizado e administrada segundo redes independentes15 e não
sobrepostas de natureza (i) militar; (ii) judicial; (iii) fiscal.

Províncias:

● Existiam seis províncias: Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta, Beira Baixa, Estremadura e Alentejo.
● Serviam para organizar a defesa militar do rei e foram as primeiras unidades administrativas em
Portugal.
● Eram formadas por um governo militar e nunca corresponderam a órgãos de poder situados no plano
intermédio entre poder central e poder local.

Comarcas: ( 1541 a 1834)

● As comarcas eram distritos judiciais administradas por um corregedor, apresentavam uma diferença de
dimensões nos territórios sendo maiores a Sul do Tejo. Dentro de uma comarca poderiam existir
pedaços de território de outra comarca, denominados de encravamentos, sendo a descontinuidade
territorial bastante comum.

As comarcas correspondem à função judicial → Desembargo do Paço → Comarca → Corregedor.

Corregedor: é o principal magistrado régio na administração periférica e tinha competências a nível da


justiça (fiscalização dos juízes ordinários), policial (inspeção das condições sanitárias, limpeza, obras
públicas, cultivo de terras); governo político (tutela do governo concelhio, autorização do lançamento de
impostos, fiscalização de contas e ratificação das eleições).

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Provedorias:

Desde XVI que a administração financeira passou dos corregedores para provedores. O Magistrado Régio
supervisiona a cobrança de impostos e finanças dos municípios, hospitais e misericórdia.

Competências (função fiscal):


● Administrativas: gestão de bens individuais e coletivos incapazes de o fazer;
● Financeiras: examina as contas dos concelhos, zela arrendamentos, cobra as rendas reais,
fiscaliza e controla as contas dos almoxarifados e julga em primeira instância as questões relativas
àFazenda Real - Desembargo do Paço, Casa da Suplicação, Concelho da Fazenda e Mesa da
Consciência e das Ordens.

Conselhos/municipios:

Os reis foram os principais responsáveis pelo aumento dos concelhos e estes tinham objetivos militares e
fiscais. Foram criados para povoar território e contrabalançar o poder dos senhores (também concediam florais
para popular os seus domínios).

Não fazem parte da administração central do Estado, sendo-lhes concedida alguma autonomia encorajada
pela coroa que os usava para controlar o território. Contudo, a autonomia foi diminuindo com a ação dos
corregedores e provedores.

O órgão de governo concelhio era a Câmara (presididas por juízes de fora ou por um juiz ordinário).

Funções:
● Julgar em primeira instância;
● Policiamento;
● Preços dos produtos artesanais e agrícolas;
● Vigiar os mercados, pesos e medidas;
● Fiscalidade concelhia e régia.

Juízes de fora: letrados nomeados pela coroa ou donatários. Autonomia jurisdicional a nível concelhio, embora
fiscalizados a posteriori pelos corregedores. Nas terras sem juízes de fora, a justiça ficava a cargo dos juízes
ordinários (eleitos localmente de ano a ano), sem formação letrada, tutelados pelos corregedores das comarcas
(eleições indiretas que a partir de XVII ficaram restritas à nobreza das terras, resultados sujeitos a confirmação
por parte da coroa ou senhores) - predominação oligárquica da vida política municipal.

Paróquias:

Resultam da necessidade de delimitar a área para a cobrança de dízimos, tendo também a responsabilidade
de tratar do registo civil. Eram geridas pela igreja e por um pároco (letrado num mundo de analfabetos e
intermediário entre a comunidade local e exterior, incluindo o centro de poder administrativo).

Eram células básicas da organização social e antecedem a fundação do reino. As paróquias garantiam a
estabilidade territorial, sendo marcadas por relações de vizinhança e controlo social interpessoal.

➢ Tudo isto, a sobreposição de sucessivas divisões diferenciadas (províncias sobre comarcas sobre
provedorias, desconexas) e a concorrência de funções entre os seus tutelares (corregedores,
provedores, juízes ordinários...) atesta a mentalidade polissidonal ainda muito presente e as
deficiências estruturais do aparelho centralizador do Antigo Regime.

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Limites do reformismo no Antigo Regime: a reforma de 1790

● A forte assimetria na dimensão das comarcas e dos concelhos, os encravamentos e descontinuidades


territoriais e as descoincidências entre as circunscrições administrativas demonstraram a irracionalidade
da organização territorial, que se mostrou um enorme fracasso.

A Revolução Liberal de 1820, Constituição de 1822 e Carta Constitucional de 1826

Invasões napoleónicas e a ida da Corte para o Brasil:

A necessidade de compromisso entre a aliança britânica e o sistema continental imposto pelo poder
napoleónico envolveu Portugal na guerra. Aquando a chega das tropas napoleónicas (1808) a corte
portuguesa foi para o Brasil, sob proteção britânica.

É na península ibérica que Napoleão é derrotado pela primeira vez- Waterloo- com as tropas de Wellington,
resultando isto na tutela britânica sobre Portugal até 1820 (Portugal passou a ser uma colónia do Brasil e um
protetorado britânico).

Revolução Liberal:

A Burguesia encontrava-se descontente com a abertura dos portos do Brasil (1808) e o Tratado com
Inglaterra (1810) que geraram uma crise económica a partir de 1817 devido ao declínio comercial, ao défice
orçamental e ao aumento da dívida. Para além disso, a elevação do Brasil a reino (1815), o abandono do rei,
a ida dos bens fiscais para as guerras de expansão do Brasil e os excessos do general Beresdford no exército
e na regência aumentaram o descontentamento.

24 de agosto de 1820
Nesta data deu-se uma revolta do exército no Porto, levando à criação da Junta Provisional do Governo
Supremo cujos objetivos eram:
● Libertar o país da opressão britânica;
● Tomar conta da regência;
● Convocar cortes;
● Adotar uma Constituição. (para isso convoca as cortes. Esta é a reação contra a centralização do
Estado no Antigo Regime)

Os revolucionários do porto não queriam destruir a monarquia, queriam apenas que d. Joao VI se voltasse
para Portugal e que tudo regressasse ao normal.

15 de setembro de 1820
Nesta data dá-se uma revolta em Lisboa com participação dos revoltosos do 24 de agosto. Dá-se uma
fusão numa única Junta Provisional, tendo como objetivos convocar Cortes e apresentação e aprovação de
uma nova Constituição.

As Cortes Constituintes foram eleitas por sufrágio indireto masculino (janeiro de 1821) e D. João VI
regressou a Lisboa após jurar bases da futura Constituição.

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Constituição de 1822:

➔ É nesta altura que surgem os conceitos de esquerda e direita. Esquerda: poder de veto
controlável; direita: a vontade do rei é incontestável.
➔ Esteve em vigência de 9/1822 a 6/1823

Princípios Constitucionais

● Igualdade de direitos perante a lei (princípios da igualdade jurídica e respeito pelos direitos pessoais);
● Soberania popular: a soberania reside na nação (princípio democrático), exercida por representantes
legalmente eleitos (princípio representativo) em cortes;
● Separação dos poderes (Montesquieu): legislativo- cortes (unicameral) sob sanção (suspensiva) régia;
executivo- reis e secretários de Estado; judicial- tribunais;
● Admissão a cargos públicos por mérito e concurso público- pretende terminar com a venalidade dos
cargos e a sua hereditariedade- meritocracia.

Direitos partilhados com o geral do liberalismo

● Propriedade privada;
● Habbeas Corpus;
● Não ser obrigado a fazer o que a lei não manda nem a deixar de fazer o que a lei não proíbe;
● Não ser preso sem culpa formada nem julgado exceto de acordo com a lei;
● Liberdade de falar e escrever sem censura prévia;
● Abolição da tortura, do confisco de bens e castigos corporais;
● Admissão a cargos públicos de petição.
● Regime burocrático (diferença entre meritocracia e patrimonialismo)

Aspetos específicos ao constitucionalismo liberal português

● Protecionismo aduaneiro, desenvolvimento dos transportes, reforma régia (favorece a burguesia ao


libertar as terras para compras e vendas);
● Abolição das leis e direitos feudais (fim dos grandes latifúndios da Coroa e da Igreja) - dissolução da
● Constituição fundiária do Antigo Regime;
● Declara o catolicismo como religião da Nação Portuguesa.

➢ D. João VI considera os valores desta constituição demasiado progressistas, comprometendo-se a dar


uma constituição mais moderada.
➢ A independência do Brasil (1822) matou o vintismo (Portugal perdeu a fonte de ouro e cobrança fiscal) e
criou uma grande impopularidade sobre as cortes. Os absolutistas reúnem-se sob a rainha Carlota
Joaquina e D. Miguel para enfrentar a monarquia constitucional de D. João VI, querendo o regresso do
Antigo Regime (apoio das antigas classes soberanas que perderam os seus privilégios). Depois de
inúmeros episódios de restauração contrarrevolucionária impulsionados por D. Miguel
(Vilafrancada-1823; Abrilada-1824), D. João VI intervém e pressiona D. Miguel ao exílio. Até à morte de
D. João VI em 1826 viveu-se num período de governo absolutista moderado, mas nunca outorgou a
Constituição mais moderada.

➢ A morte de D. João VI cria um problema: o primogénito D. Pedro era Imperador do Brasil e ninguém
aceitava a união das cortes portuguesas e brasileiras. Desta forma, D. Pedro abdica da coroa para a dar
à sua filha D. Maria (7anos), na condição de se casar com o seu tio D. Miguel que assumiria a regência.
Para além disso, D. Pedro outorgou a Carta Constitucional de 1826, jurado por todos os corpos e por D.
Miguel em Viena.

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A carta Constitucional de 1826:

A Carta Constitucional de 1826 esteve em vigor durante 72 anos e apresentava-se como sendo mais
moderada que a Constituição de 1822, refletia a reação conservadora contra a promulgação da Constituição a
partir da assunção do poder constituinte pela nação através de assembleias eleitas por sufrágio popular.

Contava com mais direitos civis do que a Constituição de 1822 (direito aos socorros públicos, instrução
primária gratuita. Colégio e universidade) e, apesar da liberdade de culto não estar expressamente escrita,
ninguém podia ser perseguido por motivos religiosos desde que respeitasse a religião do Estado e a
moralidade pública.

Os poderes passam a ser quatro:


● Legislativo:
- Câmara dos Deputados- eleita por sufrágio indireto (representa o povo);
- Câmara dos Pares- hereditária e vitalícia de nomeação régia;
- O rei e os deputados iniciavam a legislação na Câmara dos Pares e a Câmara dos
Deputados aprovava ou não.
● Executivo: monarca e governo;
● Judicial: tribunais;
● Moderador: monarca - chave da organização política exclusiva do rei.

A Carta agradava às tradicionais classes privilegiadas (nobreza, aristocracia e igreja), aos proprietários
e grandes burgueses pois concedia enormes poderes ao rei. Entre os partidários da Constituição e da Carta,
entre «avançados» e «moderados» estava criada uma fissura insarável na legitimidade do poder político, que
só seria resolvido em 1851, com o golpe da «Regeneração» e o Ato Adicional à Carta.

D. Miguel afirma que foi pressionado a assinar a carta e começa uma guerra civil. D. Pedro regressa pelo
Porto e é cercado por tropas miguelistas. As tropas de D. Pedro entram pelo algarve e passado 2 anos em
Évora-Monte, D.Miguel aceita a derrota e vai morar para Viena.

Nesta altura, as eleições não servem para escolher quem vai governar a seguir mas sim para aprovarem a
decisão da rainha (não eram eleições democráticas, até os mortos “votaram”). Existia alternância de partidos
porque a coroa queria e os partidos concordavam.

Configuração do Estado no primeiro liberalismo

Programa administrativo da Revolução Liberal de 1820:

A Constituição de 1822 criou um quadro legal inovador, prolongando tendências anteriores:


● Mérito individual;
● Os ofícios públicos não são propriedade de pessoa alguma;
● A responsabilidade dos empregos públicos pelos erros e abuso de poder;
● Nova dimensão administrativa;
● Regime de governo concelhio e liberto de tutelas.

A brevidade do regime não permitiu a sua consolidação.

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Guerra Civil 1832-34: o fim do Antigo Regime e a vitória do Liberalismo

Durante a Guerra Civil, o campo liberal, para atingir os inimigos da Carta (donatários, desembargadores,
fidalgos, clero, vereações municipais, oficiais e ordenanças) nos seus poderes e rendimentos, decreta o fim do
Antigo Regime nas instituições e formas de poder e relacionamento que dotavam havia séculos:

● Extinção dos dízimos da Igreja;


● Revogação de bens da coroa e dos direitos de foral;
● Abolição de todos os velhos tribunais, juntas e conselhos de Administração Central;
● Erradicação de corporações de ofícios mecânicos;
● Retirar poder de julgar às Câmaras Municipais agora submetido a Magistrados Régios;
● Cargos públicos deixaram de ser pessoais e transmissíveis por hereditariedade (extinção dos
morgadios);
● Liberdade de ensino;
● Secularização de conventos;

Os liberais venceram a guerra civil (exílio permanente de D. Miguel) mas o regime liberal não possuía
autoridade para impor a nova lei e a nova ordem. A Carta foi adotada, colocada no trono a rainha de apenas 15
anos.
Na província o novo regime impunha-se com dificuldade, nomeadamente à Igreja, alta magistratura, quase
toda a aristocracia titular e fidalguia rural (simpatistas miguelistas). O regime estava ainda minado por fraturas
internas do radicalismo lisboeta (plebe fora da soberania legal pelo censo da Carta). A legitimidade do regime
liberal era ameaçada, à direita, pelo miguelismo, à esquerda, pelo radicalismo urbano (absolutismo e monarquia).

Reforma Administrativa de 1832, de Mouzinho da Silveira (decretos de 16/05/1832)

➔ O objetivo da reforma administrativa e económica de Mouzinho da Silveira era libertar o trabalho, a


propriedade e o dinheiro. Abriu o mercado livre com pouca intervenção do Estado, para convergir com
o centro da Europa e desenvolver o seu potencial. Na prática era a tentativa de substituir a importância
do Brasil na economia e nas finanças portuguesas.

Decretos de 15 de maio de 1832:


● Reformas da Fazenda (extinção de antigos serviços, criação do Ministério da Fazenda);
● Reorganização dos tribunais, abolição da propriedade dos ofícios (acesso com base no mérito),
separação definitiva entre o poder judicial e o poder executivo;
● Administração periférica em três níveis, fortemente hierarquizada (igual ao modelo francês
napoleónico);
● Províncias e comarcas (a maior parte das comarcas passa a unidade territorialmente contínua),
sofrem bastantes alterações, enquanto as alterações dos concelhos são quase impercetíveis.

Províncias (8) Perfeito (oficial nomeado) Junta Geral da Província/Conselho de Prefeitura

Comarcas (40) Subprefeito (oficial nomeado) Junta de Comarca

Concelhos (465) Provedor (oficial nomeado) Câmara Municipal

➔ As províncias sofreram alterações, tal como as comarcas (extinguiram-se 14; os encravamentos diminuíram
de 85 para 22). Com a extinção dos direitos de foral foi possível unificar mais o território.
➔ A reforma de Mouzinho da Silveira foi acusada de centralismo excessivo.

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TEXTO 1 → “Território e Poder –O funcionamento do sistema administrativo em
1835”, Luís Espinha da Silveira

D. Pedro assumiu a regência do governo liberal a 3 de março de 1832 e deu início de um conjunto de
reformas legislativas, grande parte levadas a cabo por Mouzinho da Silveira, Ministro da Fazenda e da
Justiça, de modo a consolidar o liberalismo e remover as velhas estruturas do Antigo Regime.

● Corte com as instituições da administração do Antigo Regime:


- Abolição do sistema judicial do Antigo Regime;
- Poder de julgar retirado das Câmaras Municipais;
- Revogação da doação de bens da coroa e dos direitos de foral.

● Reforma religiosa:
- Extinção do dízimo da Igreja;
- Abolição das ordens religiosas masculinas;
- Secularização dos conventos.

● Relativamente à liberalização da economia:


- Propriedade individual;
- Eliminação de portagens;
- Fim do morgadio de rendimento até 200 mil réis.

As mudanças administrativas e legislativas implementadas eram encaradas como demasiado drásticas:

● Setembrismo (1836-42):
- Valorização dos direitos individuais, a definição da soberania como base democrática do poder;
- Bicameralismo eletivo e temporário através de eleições diretas;
- Consagração do voto censitário;
- Lançamento da pauta protecionista – marca o verdadeiro arranque industrial português;
- Fomento do associativismo empresarial;
- Reformas no ensino de instrução primária, secundária e superior.

● Cabralismo (1842-51):
- Fação liberal ultraconservadora;
- Reforma na saúde;
- Alicerçou-se nos princípios da Carta e fez regressar ao poder a grande burguesia;
- Criou-se o Código Administrativo;
- Sob bandeira da ordem pública e do desenvolvimento económico, apostou no fomento industrial,
nas obras públicas, na reforma administrativa e fiscal;
- Difundiu-se a energia a vapor;
- Criou-se o Tribunal das Contas e surgiu a Companhia das Obras Públicas de Portugal.

Reforma administrativa de 1832-33: (centralizadora)

A entrada em vigor da Carta Constitucional e da reforma administrativa de Mouzinho consagram a aplicação


do modelo ministerial:
● Depõe o regime polissinodal de administração pública no Antigo Regime;
● Seis secretarias de Estado (Ministérios);
● Implementação da racionalidade e separação de poderes;
● A nível da administração local, cria-se um dispositivo administrativo em três níveis (ver na tabela
acima)
➔ O principal objetivo desta legislação era enfraquecer o peso dos caciques locais, fortemente conservadores.

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Lei de abril de 1835- descentralização:

➔ Surge como reação à reforma centralizadora de 1832 de Mouzinho. O fim da guerra civil traz grandes críticas a
esta centralização que parece, agora, desnecessária. A Legislação de 1835 atua no sentido de diminuir o poder
do centro para a periferia.

As legislações desta lei previam o surgimento de novas circunscrições administrativas:


● 17 distritos que se subdividem em concelhos;
● As freguesias são integradas como subunidade do concelho e parte componente do sistema.

As competências camarárias são alargadas:


● Passam a poder eleger o seu presidente, embora continuem sujeitas à aprovação das Juntas
Geral e do Concelho de Distrito;
● Os corregedores e administradores de concelho eram eleitos entre os elementos mais ricos da
comunidade local.

Esta reforma acaba por falir, devido:


● Pobre funcionamento da hierarquia inerente aos órgãos do sistema administrativo no âmbito
prático;
● Método de eleição ineficaz dos representantes a nível local;
● Curta duração dos cargos públicos levava a eleições frequentes com pouca adesão popular;
● Extinção do dízimo e transferência de poderes para a administração concelhia;
● Restrição dos eleitores e potenciais eleitos aos indivíduos que recebessem um rendimento
mínimo. Ocupação dos cargos das juntas e câmaras por indivíduos abaixo do rendimento mínimo
estipulado, desrespeitando oprincípio anteriormente explanado.

Código administrativo de 1836- reafirmação da descentralização:


Contexto:
● Crise económica;
● Grandes ondas de agitação social, provenientes da revolução de setembro de 1836:
- Descontentamento com a Carta Constitucional de 1826 e apoio popular à Constituição de 1822 →
origina a Constituição de 1838.

O Código Administrativo de 1836 surge por intermédio de Passos Manuel, consagrando:


● Extinção de mais de 400 concelhos;
● Os concelhos passam a ser dirigidos por administradores. Os distritos por administradores gerais e
as freguesias pelas juntas administrativas.

Leis de outubro de 1840- Tendência Centralizadora:

➔ Nesta época dá-se a inversão do ciclo descentralizador verificado até então, sendo confirmada a fraca
relação hierárquica entre os órgãos do sistema administrativo português da época.

A publicação do censo eleitoral e do Conselho Municipal confirma a reestruturação do poder periférico,


através do:
● Reforço da influência do poder central;
● Aumento do controlo da administração camarária;
● Constrangimento eleitoral ao nível local, favorecendo os mais abastados;
● Afastamento dos órgãos paroquiais da organização administrativa.
É dada primazia às nomeações do governo, em detrimento dos cargos eleitos e é aplicado um maior
controlo do recenseamento eleitoral através da verificação dos rendimentos exigidos em eleições locais e
de deputados, como as contribuições pagas por cada um ou os vencimentos e pensões recebidas do
Estado.

11
Código Administrativo de 1842- Reafirmação da Centralização:

Em fevereiro de 1842, num golpe de Estado pacífico, foi o próprio ministro da Justiça Costa Cabral quem pôs
fim à Constituição de 1838, repondo a Carta (símbolo do liberalismo conservador português).

● O rei nomeava os magistrados a nível de concelho e distritos. Enquanto o governador civil nomeava o
regedor de paróquia;
● Aqueles que se queriam tornar deputados tinham de ter o rendimento mínimo exigido. Excluindo assim
umainteira classe social;
● O Conselho de Distrito intervinha no funcionamento dos municípios além de ser um tribunal
administrativo;
● A Junta de Paróquia assumiu apenas a administração da fábrica da Igreja e dos bens da própria
paróquia;
● A partir da lei de 27 de outubro de 1840, o rendimento reivindicado nas eleições locais e de deputados
passou a ser averiguado pelas contribuições pagas ou pelos ordenados e pensões recebidos do
Estado, permitindo, assim, um melhor controlo de recenseamento eleitoral por parte do mesmo.

Impacto do código administrativo de 1842

● Devolveu o poder à burguesia;


● Costa Cabral pôs fim a legislações benéficas para o povo, como as reformas de ensino, a pauta
protecionista e os direitos individuais;
● Beneficiava somente quem tinha o rendimento mínimo ou superior exigido e quem sabia ler,
escrever e contar, em detrimento da sociedade. É de salientar que nesta época as comunidades
rurais não tinham acessibilidade a esses recursos. Porém, só os notáveis é que tinham poder de
decisão política e possibilidade de ascensão.

Da centralização legal à centralização real:

Para que seja possível passar de uma centralização legal para uma centralização real, deve existir uma
“uma máquina administrativa eficiente, dispondo de meios materiais e de um funcionalismo suficiente em
números e competente”

A administração pública portuguesa institui a prática do Concurso Público para recrutar funcionários do
Estado, originária da Prússia: garantia a igualdade de oportunidade, pois a escolha era baseada no mérito e
talento de cada um, sem favorecimento pessoal.
A ineficácia do sistema administrativo português prendia-se, à data de 1852, com:

● Falta de pessoal na administração periférica (ensino, correios e saúde);


● Rendimentos globalmente baixos;
● Cargos como governador civil, secretário do governador civil, empregados da secretaria, setor da
fazenda real serem pagos pelo Orçamento de Estado
● Existência de lugares sem qualquer remuneração: o estatuto social era considerado
recompensação suficiente;

➔ Surge como solução às problemáticas anteriores: o apoio da administração periférica nas elites locais,
sendo que havia um rendimento mínimo exigido para poder eleger e ser eleito;

Os municípios viam-se a mãos com vários problemas:


● Debilidade das estruturas administrativas;
● Dificuldade de cobrar impostos para equilibrar as contas.

12
Divisão administrativa:

PROVÍNCIAS DISTRITOS CONCELHOS FREGUESIAS

- “Inexistência de particularismos - Criação do Liberalismo - Corte no número de - Correspondem à


provinciais que o movimento Objetivos: concelhos com divisão
revolucionário tivesse de - Facilitar a ação do governo menos de 100km administrativa
combater”. - “Proporcionar aos cidadãos o quadrados de área; portuguesa de
- A revisão da legislação de recurso cómodo às - Redimensionamento menor dimensão
Mouzinho exclui a província do autoridades” dos concelhos em - Freguesias de
sistema administrativo; - O desenho dos distritos teve área e população 1842: 3768;
- Antigo Regime: circunscrições em consideração o “equilíbrio - A anexação e atualmente: 3092
eminentemente militares entre a extensão e a extinção de - O no de
- Liberalismo: círculo por onde população das circunscrições, concelhos não altera paróquias diminuiu
eram eleitos os deputados em e as características físicas do a morfologia do entre 1826 e 1842
todas as eleições realizadas ao espaço” sistema - Mantém-se a
abrigo da Carta Constitucional de – áreas novas definindo novas político-administrativo diferença entre o
1859; relações de local, aumentando a Norte e o Sul.
- O mapa de 1842 tem um número dependência viabilidade fiscal,
de divisões idêntico ao de 1834, - O mapa de 1842 apresenta ainda que as elites
porém difere muito nas suas contornos muito próximos do locais não participem
fronteiras interiores e limites atual de forma isenta na
geográficos. fiscalidade local

Portugal da Regeneração ao Ultimato (1852-1890): Política, economia e sociedade

Aspetos políticos:

● A Carta de 1826 não era bem aceite por muitos setores da sociedade, devido às restritas condições do
direito de voto e de ser eleito, à inexistência de unidade no exército (cisão entre oficiais miguelistas e
setembristas), ao aumento da dívida pública, à instabilidade política (sequência de golpes) e à existência
de pena de morte por crimes políticos, resultando numa constante de levantamentos populares.

● 1842: Restauração da Carta, no mandato de Costa Cabral,

● Golpe da Regeneração (1851): golpe militar que agiu como forma de reservar a soberania popular, sem
que tenha existido qualquer instrumentalização por parte dos partidos, procurando pacificar a vida política-
fações políticas reconciliaram-se nacionalmente);

● Revisão da Carta Ato Adicional (1852): tornando a carta aceitável para a esquerda: eleições diretas,
alargamento da capacidade eleitoral e abolição da pena de morte por crimes políticos.

O primeiro governo regenerador (1851-56) tem um programa de melhoramentos materiais, dirigido por
Fontes Pereira de Melo (Partido Regenerador). O programa era tanto económico como político. Tinham a
intenção de melhorar as estradas, por exemplo, para ajudar o comércio internacional que faria crescer a
economia que pagará mais impostos. Esta aposta numa política de “obras públicas” foi financiada através da
contração de empréstimos internos e externos, resultando numa “economia maior”.

D. Pedro V afasta Fontes e nomeia Marquês de Loulé, governando pela primeira vez o centro-esquerda
(partido histórico). O período até 1868 é de enorme agitação política e alternância entre históricos
(centro-esquerda) regeneradores (centro-direita), até se coligarem em 1865-68. Não diferiam no consenso de
regime: opção pelo progresso material e extensas obras públicas.

13
As transformações demográficas, sociais e políticas em Lisboa (década de 1860):

O desenvolvimento material e económico gerou uma população urbana nova, um esboço do


proletariado criado pela indústria, serviços e imigração que alimentou o radicalismo. Surge a política de
massas com formação da primeira associação política popular, e em 1860, com as primeiras reuniões em
que o povo estava com os seus próprios líderes ameaçando a existência dos partidos tradicionais.

Com o passar do tempo, o republicanismo abandona os métodos revolucionários violentos a favor da


luta pelas consciências desde os anos 60.

Republicanização monárquica: “democratizar as instituições até esvaziar o trono de relevância


política”. Corroer a legitimidade do princípio hereditário, laicizar consciências pela educação, substituir a fé
católica pela devoção patriótica e a disciplina religiosa pela virtude republicana. O radicalismo pressiona o
regime por dentro, infiltrando as clientelas do partido histórico e fazendo exigências a troco de favores.
Nomeadamente a reforma ou extinção dos pares, a laicidade do Estado e a liberdade de culto.

Fusão- Bloco Central (1865-68):

Aliança entre regeneradores e a “unha branca” dos históricos, liderada pelos primeiros, contra todos os
radicalismos. (os republicanos procuram organização, em detrimento do “voluntarismo”, abandonando os
métodos revolucionários violentos a favor da luta pelas consciências. Promovem a via espiritual (ensino,
moralização) em oposição à via militar/revolucionárioa). Como o consenso político assentava no programa de
fomento e melhorias materiais, nada impedia a partilha do poder. Desde 1867: manifestações contra a crise, o
novo imposto de consumo e a reforma administrativa (extinção de 4 distritos e 178 concelhos), tudo marcado
para 31 de dezembro de 1867. Esta mistura explosiva foi a “janeirinha”.

Em 1868 termina a coligação central contra o radicalismo. O povo emerge como uma força política.
Desde a fusão que a unha preta se tinha libertado do enquadramento do partido histórico. De 68 a 70, fazem
sucessivos tumultos em Lisboa, mas incapazes de criar plataforma política geral que superasse o emaranhado
de relações pessoais dos vários clubes políticos de Lisboa. Apesar da incapacidade para exprimir um protesto
uníssono e coerente, o povo tornasse uma força política e social importante e permanente.

Em 1870 deu-se a Saldanhada- resultado das dificuldades financeiras, distúrbios em Lisboa e no


parlamento e sucessão de governos incapazes (falhou o objetivo de fazer reformas políticas necessárias para
incorporar as ideias radicais no sistema político e, assim, conter a ameaça republicana.

Reorganização dos partidos públicos:

● 1870 surge o Partido Reformista que se funde em 1876 com os Históricos para criar o Partido
Progressista, que era monárquico, embora afirmasse que queria rasgar o caminho para a
democracia.
● No mesmo ano foi criado o Partido Republicano.
● O Partido Socialista nasceu em 1875.

➔ A década de 1870 ficou marcada por uma paz social e política, pelo governo de Fontes (1871-77), contexto
económico e financeiro favorável, obras públicas, investimento, remessas de emigrantes, défice reduzido a
metade, multiplicam-se instituições bancárias em Lisboa, Porto e Províncias.

14
Rotativismo 1878-90:
Acordo dinástico:
● Instituição da rotação entre progressistas e regeneradores;
● Revisão da lei eleitoral para dar garantias ao partido derrotado de ter uma representação parlamentar
aceitável (objetivo: isolar os progressistas da sua base eleitoral radical. Garantindo que a derrota não
era esmagamento impedia-se que quem se sentia esmagado recorresse a meios extra-constitucionais
de pressão política);
● Revisão da carta através do II Ato Adicional em 1885: fim do pariato hereditário, nomeando o rei 100 e
os outros 50 sendo eleitos de forma indireta apenas por 6 anos. As reformas secavam o espaço de
reivindicação do radicalismo, alargando a legitimidade dos partidos monárquicos. (Os pares não eram
nomeados pelo povo mas sim pelos deputados que eram nomeados pelas Cortes).

Economia e sociedade

População:
● Crescimento de 3,5 milhões para 5,5 milhões em 1911.
● Crescimento urbano moderado: 11% (1864) para 16% (1900) (Inglaterra- 39% (1850) para 61%
(1890)).
● Acentua a ruralidade predominante. Exceção: Macrocefalia- Lisboa 210 mil (1820) para 430 mil
(1911); Porto 50 mil (1820) para 194 mil (1911); Lisboa + Porto de 8% do total em 1820 para 11% em
1910.

Agricultura:
● Extinção dos direitos feudais, libertando o trabalho e a terra;
● 65% população ativa;
● O produto agrícola: vinho (80%), cereais e produtos animais e cresceu ao longo da segunda metade
do século XIX, caiu até 1910;
● Manutenção das taxas alfandegárias, aliada a um elevado custo unitário de produção
(salário/produção) inviabilizam a industrialização, ou seja, a Revolução Industrial.

Redistribuição da propriedade:

● A guerra civil confiscou os bens ao inimigo (Igreja, por exemplo), sendo que, tudo foi a leilão e
comprado pelos comerciantes e industriais liberais. Bens foram comprados por uma nova classe
poderosa de burgueses proprietários que não queriam e regresso do Antigo Regime, apoiando o
Liberalismo.

Desenvolvimento industrial até 1830:

O capital era investido na agricultura em vez de na indústria. Desde 1834, fim corporações e outros entraves à
liberdade de comércio e de indústria. As formas pré-capitalistas evoluíram para formas capitalistas, mas foi lenta
a superação da indústria da tradição artesanal e do trabalho artesanal, persistindo as deficiências estruturais
como falta de qualificação e de maquinaria, constrangendo o potencial produtivo do país.

O Setor Industrial cresce na sua importância mas não existe uma Revolução Industrial:

● A Indústria cresce mais do que a Agricultura na segunda metade do século XIX, ainda que limitada
estruturalmente pela forte dependência da importação de matérias-primas, acompanhada por uma
elevada dependência face ao mercado interno e colonial;

● No período do Fontismo, marcado pela famosa política de melhoramentos materiais (ou política de
obras- públicas), assiste-se a um desenvolvimento dos transportes e comunicações, resultando na
melhoria da rede de estradas, da rede de caminho-de-ferro, de portos (Porto de Leixões (1889),
maior obra pública do século XIX, um porto de águas profundas) e telégrafos;

15
➔ Existe um crescimento económico, ainda que não seja acompanhado de uma mudança estrutural:
prevalência dos setores primário e secundário na estrutura económica, contrariamente aquela que carateriza
os países mais ricos – marcada pela eficiência industrial em articulação com um dinâmico setor terciário.

➔ A ideologia liberal limitava intervenção direta dos poderes públicos, agindo apenas no sentido de remover
obstáculos ao livre-câmbio dentro e fora do país. Abolição de portagens, licenças de circulação, monopólios,
corporações, privilégios de companhias, etc. O surto comercial desenvolveu muito Lisboa e Porto.

Transportes:

● A expansão económica resultou em parte da política de desenvolvimento de transportes e comunicações:


estradas, caminhos de ferro, portos, telégrafos…

● A PNB per capita aumentou de 40% a 60% entre 1840 e 1910, mas, se em 1850 era 55% dos países mais
ricos, em 1910 era apenas 40% (divergência): crescimento sem mudança estrutural (primário/secundário)
(mais ou menos ricos), baixa produtividade (analfabetismo 76% em 1878); peso comércio externo muito
baixo.

TEXTO 2 - “A Burocracia do Estado no Estado Liberal”, Pedro Tavares de Almeida

Contexto
A Regeneração, iniciada em 1851, consolidou a modernização do aparelho administrativo do Estado Liberal.

Exame crítico:
● Exagerada centralização;
● Excesso de funcionários;
● Trama labiríntica de formalidades (Administração pública prepotente, dispendiosa, corrompida
pelas lógicas particularistas e ineficiente).

A modernização e racionalização burocrática levaram a um incremento das capacidades administrativas do


Estado, cimentando o desenvolvimento da Administração Pública.

Centralização administrativa

A imprensa da época revelava a opinião pública generalizada de que a centralização administrativa era
umas das «desgraças nacionais» e que anulava «a vitalidade e autonomia da vida local». A administração
passa a ter uma «configuração piramidal (...) assente em relações verticais de poder fortemente
assimétricas», gerando uma lógica de dependência da periferia face ao centro, encarada como um
obstáculo à «espontaneidade do sufrágio popular».

O controlo efetivo da administração central sobre a administração periférica é limitado por:

● Meios humanos e materiais limitados e deficientes;


● Ceticismo e oposição no processo de centralização e burocratização do Estado por parte da
população e da administração periférica- fraco vínculo entre as Câmaras Municipais/ poder local e
o poder central;
● Dificuldades na tributação de impostos, condicionando o volume das receitas públicas, devido à
corrupção, ceticismo e desconfiança das populações locais sobre as delegações centrais.

16
A sociedade critica o excesso de funcionários públicos, embora reconhecessem as novas necessidades
inerentes ao processo de modernização social e política. O aumento do número de funcionários é um
fenómeno comum da transição de um regime absoluto para um liberal.

A. Herculano: a doutrina contra o “regime centralista” era a matriz essencial do pensamento crítico sobre
o Estado Liberal: à centralização administrativa correlacionava e reforçava-se a centralização política.

Configuração piramidal do sistema político-administrativo:


● Relações verticais de poder fortemente assimétricas;
● Lógica de dependência e subordinação passiva da periferia para o centro: viciação da
espontaneidade do sufrágio popular, fonte de corrupção e imoralidade.

A “pletora (superabundância) democrática” e a “empregomania”

O regime liberal criou necessidades apresentadas pelos processos de modernização social e política:
Opinião generalizada de que, em Portugal, o crescimento da burocracia era desmesurada, havendo um excesso
de empregados públicos: hipertrofia burocrática.

Exorbitante centralização administrativa: à medida que o Estado se apodera de todas as funções do


cidadão, tornando mais intenso o centralismo governamental, mais numeroso tem de ser o conjunto de
funcionários (Teófilo de Braga).

Intensa promiscuidade entre a administração e a política:


● Spoil System: o partido político, depois de ganhar uma eleição, dá cargos no governo para os seus
apoiantes: retribuição ao apoio dado na eleição: incentivo a continuar a apoiar o partido.

“Empregomania”

● Forte atração pelos empregos públicos: maior concentração de oportunidades e vantagens materiais e
simbólicas atribuídas aos funcionários públicos;
● Característica de países onde a riqueza pública está pouco desenvolvida e a iniciativa privada é pouco
ativa;
● Esta preferência prendia-se com vantagens instrumentais e objetivos de status:
● Além de bem remunerado, o ingresso nestes quadros era uma garantia vitalícia e de aposentação na
velhice; Trabalho menos pesado e suscetível de ser acumulado com outras atividades;
● Fonte de prestígio e de influência.

O número de funcionários públicos em Portugal era, porém, menor relativamente aos outros países na época.

Patrocinato vs Meritocracia

A face mais visível do patronato oficial era o favoritismo nas promoções e as purgas periódicas do
funcionalismo: verificava-se uma elevada estabilidade- os mesmos indivíduos mantinham-se em funções durante
longos períodos, incluindo os cargos superiores - porém, estes funcionários estavam sujeitos ao arbítrio
ministerial sobre a progressão na carreira e transferências forçadas.

Na administração periférica do Estado, o “patronato oficial” era facilitado pela inexistência ou tardia
introdução de mecanismos legais que regulassem o provimento dos empregos público. Apesar do mecanismo de
recrutamento meritocrático, a inexistência de regras de seleção de empregados constituía um estímulo adicional
à arbitrariedade e às práticas de favoritismo.

17
Para assegurar a igualdade de oportunidade e a competência dos funcionários públicos sobre o patrocinato
político e o favoritismo, introduziu-se o concurso público, que se materializou na seleção de candidatos através
de provas práticas específicas, assistindo-se à democratização dos métodos de recrutamento.

Resultado: A prática da meritocracia espalha-se pelo aparelho administrativo, coexistindo com o patrocinato. Os
concursos, mesmo com resultados manipulados, possibilitaram a entrada de uma maior parcela da população
para cargos da Administração Central.

O sistema burocrático cresce em qualidade (maior nível de instrução dos funcionários) e quantidade:
● O número absoluto de indivíduos que exerciam funções profissionais no Estado mais que duplicou;
● O Ministério da Fazenda manteve sempre o maior contingente pessoal;
● O Ministério do Reino sofreu uma significativa redução e o da Guerra registou uma diminuição progressiva
até 1876.

Dimensão e composição do funcionalismo público


Ordenação estratificada do funcionalismo

● No funcionalismo público português, na primeira fase da Regeneração, 60% dos efetivos desempenhavam
funções de caráter especializado. Os restantes 40% não tinham formação profissional específica,
desempenhando funções administrativas.

Excesso de funcionários públicos

● É difícil identificar se existia ou não um excesso de funcionários públicos no período na Regeneração e se


este era ou não desajustado das necessidades.
● Comparando o número de empregados públicos portugueses com quatro países da Europa, Portugal não
era um dos países onde a expansão burocrática era a maior, estando numa escala intermédia.

Os salários do funcionalismo público

O pagamento de um salário regular ou pontual aos funcionários públicos prendia-se com a tentativa de atingir
uma maior estabilidade e lealdade no funcionalismo.

Esta alteração não foi acompanhada por uma melhoria geral dos níveis salariais e das condições de
subsistência dos funcionários públicos:
● Salários baixos e sujeitos a elevadas deduções;
● Aumentos quase inexistentes e só em certas categorias hierarquicamente superiores.

➔ A insuficiência das remunerações fixas pode ser atenuada pelas gratificações ordinárias (exercício de certos
cargos) e extraordinárias (comissões especiais), ligadas ao favoritismo pessoal.

➔ A atração pelos empregos públicos não estava relacionada com as vantagens salariais, mas talvez ao estatuto
que se interessava manter.

O vício papelista
O excesso de regulamentação e formalidades e a lenta transmissão de assuntos eram fonte de críticas
relativamente à forma como funcionava o expediente das repartições públicas.: F. da Silveira afirmava que do
excesso de “papelada” resultavam dependências e influências burocráticas poderosas, que faziam com que o
próprio ministro não pudesse dar às questões o impulso que desejava, atrasando-as- Lentidão Burocrática.

Conde de Cavaleiros propôs uma reforma urgente dos serviços públicos porque a burocracia em demasia
prejudicava o bom e rápido andamento dos negócios públicos:
● Diminuir a quantidade de “papelada”;
● Reclamar um enorme número de funcionários.

18
Morfologia da Burocracia: traços fundamentais

A modernização do aparelho administrativo central

O processo de formação e modernização do sistema administrativo oitocentista decorreu em três


momentos:

● Revolução vintista: divisão dos poderes do Estado e fim da patrimonialização dos cargos
públicos;
● Reformas de Mouzinho da Silveira: Desmantelamento definitivo da rede institucional do Antigo
Regime, com a introdução de uma nova organização administrativa de índole centralizadora,
instituição do registo civil, hierarquização de competências e distinção efetiva das funções
administrativas das judiciais;
● Regeneração: criação das condições de estabilidade política propícia à consolidação e expansão
das capacidades administrativas do Estado, impulso modernizador dos meios da gestão
burocrática.

A antiga estrutura polissinodal foi substituída pelo moderno regime ministerial: a ação administrativa
passou a ser dirigida através das Secretarias de Estado- Ministérios.

Transformadas no centro de toda a Administração Pública, foram alvo de várias reformas destinadas a
melhorar os padrões de qualidade e eficiência dos serviços públicos, que incidiram sobre aspetos
organizativos do expediente e o provimento e garantias dos funcionários:

● Especialização funcional: estimulada à medida que aumentava o volume e complexidade das


tarefas da Administração Pública:
- Criação do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (1852);
- Crescente divisão do trabalho burocrático, pela crescente diferenciação da estrutura interna de
vários ministérios;
- Repartição de Estatística (1850): maior racionalização da ação burocrática.

● Reforço da estruturação hierárquica dos serviços e dos diferentes órgãos de funcionários:


delimitação rigorosa as esferas de competência com um novo modelo de organização estruturado
em três níveis: - Direções Gerais: criação do Diretor-Geral reforça a pirâmide de autoridade;
- Repartições;
- Secretarias.

● Esforço de uniformização das normas de organização e dos procedimentos burocráticos:


fixação das categorias do quadro pessoal dos serviços centrais e dos respetivos vencimentos de
base a certas rotinas do expediente e horário de trabalho.
Reformas de 1859-60: referentes à estrutura organizativa dos Ministérios e à consagração de disposições
inovadoras relativas ao provimento, garantias e responsabilidade dos funcionários:

● Separação entre duas classes distintas:


- Os oficiais, os que pensam: são exigidos conhecimentos superiores;
- Os amanuenses, os que executam: apenas uma instrução modesta e limitada.
● Concurso público: harmonização de condições de ingresso de funcionários inamovíveis;
● Regulamentação das condições de aposentação e montante das pensões de reforma;
● Fixação de sanções disciplinares, afirmando a ética e responsabilidade dos funcionários.

Estas mudanças foram acompanhadas de estabilidade política e institucional, o que provocou o aumento
das capacidades do Estado.

19
A Obra Financeira da Regeneração

A regeneração foi a existência de um “equilíbrio ao centro”, como forma de garantir um consenso,


terminado com o extremismo e com a beligerância. É, no fundo, uma tentativa de garantir a estabilidade
política.

No início, o Estado não pagava credores, não atraia capitais nem inspirava confiança:

● Solução política recupera credibilidade: pagar a tempo aos funcionários públicos (crucial para o
crédito externo);
● Conversão forçada da dívida pública que aumenta em valor absoluto (85000 para 90000 contos),
mas diminui encargos imediatos para o estado.

Os credores reagiram mal porque os títulos perderam cotação em Londres e organizaram-se para
defender os seus interesses, recusando-se a conceder mais empréstimos. Esta resistência inicial dos
credores viria a ser ultrapassada voltando os título a ser cotados em Stock Exchange e Portugal consegue
um empréstimo de 4500 contos.

Estrutura das Finanças Públicas

● Criado sistema fiscal moderno: novos impostos diretos e universais, contribuição predial e
industrial;
● A despesa pública cresceu ao dobro do ritmo (2%) do PIB (17.500 para 47.500, as receitas
crescem muito menos 14000 para 41000);
● Carga fiscal baixa em termos espaciais representado a fraca capacidade do Estado: final década
de 1880: 4,4% PNB; Espanha 8,6%; Bélgica 7,5%; Itália 13%; UK 7%) - recurso à dívida pública.

Receitas Públicas

Valores Nominais: 1851-52 585 contos / 1890-91 38316 contos;

Estrutura das receitas em 1890:


● Indiretos (50%): sobre importações (30%) e exportações (1%); Real d ́Água: carnes e bebidas
alcoólicas, bens de consumo alimentar, cargas e descargas de portos, imposto de solo -> maior
facilidade de cobrança
● Diretos (25%): décima de juros (1860); contribuição predial (1852, sobre propriedade),
contribuição industrial (1860, sobre quem exercesse indústria, profissão ou ofício); contribuição de
juros; contribuição pessoal; imposto de estradas que dão origem ao imposto de viação; Bens
próprios (12%);
● Outros: monopólio do Tabaco (estrutura típica do Antigo Regime).

As receitas fiscais mais importantes provinham dos direitos alfandegários (até 45%), do tabaco (até 25%),
contribuição predial (até 13%) e consumo em Lisboa (até 3%).

Verificava-se um predomínio dos impostos indiretos (alfândegas de Lisboa) e do Tabaco o que revela que
o “Estado pouco enraizado no território onde exerce a soberania, parecendo escapar-lhe, na realidade, a
possibilidade de exercício do fisco, com idêntica incidência, na totalidade do território nacional”.

20
Despesas Públicas

Nominais: 1851- 11 228 contos/ 1890- 51 372 contos.

Estrutura da despesa

● A educação mostrou-se importante, dada a


necessidade de instrução dos trabalhadores,
adaptando-os às especificidades da maquinaria.
● Regista-se diminuição da despesa com
funcionários públicos devido ao pouco pessoal.
● A assistência e Proteção Social mantêm-se com
valores reduzidos.

Afetação do pessoal na Administração por funções do Estado

● Tendência de diminuição da despesa militar.


● Aumento dos encargos da dívida e na
construção de infraestruturas.
● Manutenção de valores muito baixos na
educação.

Défice Orçamental

No período entre 1850 e 1890, o défice orçamental cresceu sempre. Cobertura receitas/despesas sempre
abaixo dos 100%, em 1875 desce a 70% (rácio piora)

A espectativa é de um período inicial de aumento da dívida e do défice que desenvolve o país de forma a
que este aumente a riqueza gerada, e, consecutivamente a receita fiscal. Neste sentido, o Estado
endividou-se em prol do coletivo, investindo em ajudar a economia a crescer, este crescimento iria pagar a
dívida.

A dívida é a grande fonte de financiamento para cobrir o défice permanente:


● 90 000 (1852) para 526 000, representando 70% do PNB (75% em 1890);
● Juros da dívida são, em percentagem, os mais elevados da Europa.

O modelo económico esgotou-se, nunca tendo sido autossustentável. Os impostos eram insuficientes
para cobrir a dívida, sendo necessário recorrer à emissão de dívida para pagar a própria dívida. O
pressuposto (desenvolvimento de infraestruturas económicas, fomento agrícola e industrial da iniciativa
privada) assentava no crédito interno e externo e reforma da fiscalidade. A relativa prosperidade
económica não resolveu a crise financeira permanente porque a economia não cresceu o suficiente para
fazer aumentar as receitas fiscais.

21
Grandes investimentos nas obras públicas e fraco crescimento económico, em conjunto com um
sistema fiscal incipiente, produziram défices permanentes e crescimento da dívida externa que o aumento
da carga fiscal foi incapaz de compensar:

● As tentativas de tributação conduziram a revoltas urbanas (Janeirinha), mostrando os limites do


modelo: aumento das receitas fiscais foi afastado porque atingia a classe média urbana, centro do
sistema, e depois as classes proprietárias e comerciais capazes de impor limites à sua própria
tributação.
● O endividamento crescente tinha limitações, estando indisponível para um período prolongado
como forma de equilibrar défices sistemáticos.

O financiamento surgiu por via de:


● Empréstimos (pedia empréstimos para pagar os anteriores);
● Remessas de emigração: sustentavam o défice da balança de pagamentos- financiam o consumo
e/ou os bancos captam as poupanças, depois emprestando ou comprando dívida.

Contudo, em 1890, em virtude da proclamação da República Brasileira, as remessas de emigração


diminuíram devido à diminuição do valor da moeda, o que levou a economia portuguesa a uma crise
profunda. Também as flutuações nas importações inglesas de vinho do Porto fragilizaram as exportações
portuguesas e, para piorar, a Argentina entra em banca rota, aumentando a incerteza junto da banca
internacional, que aumenta os juros a Portugal, tornando-os insuportáveis, levando ao Credit-Crunch.

Balanço das Finanças Públicas 1850-90: o projeto económico da Regeneração falhou

O projeto económico da Regeneração falhou do lado das receitas uma vez que o equilíbrio das contas
públicas não foi atingido e a herança financeira deixada foi de acumulação de défice orçamental e subida
acentuada da dívida pública e agravamento da dívida externa.

Deu-se o esgotamento do modelo económico fontista. Falhou do lado da despesa, apesar da


importância das despesas de investimento. A pouca importância desta política social e educativa é outra
prova do fracasso de concretizar um programa que apostasse na valorização do capital humano,
rompendo o círculo vicioso através do aumento de produtividade, fazendo baixar a pressão para manter os
salários muito baixos como única forma de tentar controlar custos unitários do trabalho já de si elevados e
pouco competitivos;

O modelo fontista não quebrou o duplo cerco do modelo de crescimento económico insustentável e
pouco competitivo e dos fatores de risco sobre as finanças públicas: cada vez que as más colheitas
obrigavam a mais importações ou as remessas diminuíam ou o acesso ao crédito externo complicava-se-
havia aflição, como em 1890.

Crise do Liberalismo e alternativas (1890-1910)

Crise da Monarquia Constitucional: crise sistémica e de legitimidade

No fim do séc. XIX a monarquia optou por se fechar, alternando entre os dois partidos mas fazendo leis
eleitorais que prejudicam o Partido Republicano tornando o corpo eleitoral cada vez mais pequeno (direito
de voto a cada vez menos pessoas, por exemplo homens, licenciados, com determinados rendimentos).

Portugal, na segunda metade do século XIX era um país não industrializado com um parlamentarismo
precoce, mas oligárquico. A Conferência de Berlim ameaçou o direito histórico português sobre as
colónias, substituindo-o pelo princípio da ocupação efetiva. A escalada de tensão com a Inglaterra, sua
aliada, e a independência do Brasil enfraqueceram o país ao nível interno e internacional, uma vez que se
encontrava economicamente dependente das colónias, sobretudo do Brasil.

22
Crise Financeira de 1890 (fatores de risco do modelo fontista)
● Redução das exportações de vinha, para o mercado inglês, por exemplo;
● 1898- Revolução republicana no Brasil desvaloriza o câmbio brasileiro, reduz 75% das
remessas,desequilibrando a balança de pagamentos.
● Bancarrota na Argentina retraiu crédito na Europa ou o aumento insustentável dos juros- Portugal
para investir tem de se endividar, mas a riqueza gerada não é suficiente para custear o pagamento
da dívida crescente.
● 1891: saída do padrão-ouro, dívida 75% do PIB;
● 1892: conversão da dívida, seguida de uma declaração de bancarrota parcial, com suspensão e
amortização da dívida do pagamento dos juros a 1/3)

Crise política: Ultimato Inglês- nacionalismo republicano

Centenário de Camões e Pombal: procissões laicas usadas pelos republicanos para fomentar amor
pela pátria, que substituísse o vínculo da fé como cimento primordial da sociedade. Ora a pátria foi
humilhada pelo Ultimato Inglês face ao mapa cor-de-rosa e ataque a indígenas sob proteção inglesa na
África. Governo recebe ultimato inglês exigindo a retirada das forças expedicionárias e ameaça cortar
relações e o uso de força. O governo cedeu o que levou a um aumento da contestação.

Os republicanos queres deslegitimar a monarquia constitucional e criar a ideia de que a Monarquia


Constitucional trai a pátria. A cedência perante as pretensões e ameaças inglesas de rutura da aliança
histórica entre as duas nações foi considerada como uma traição à pátria por parte da Dinastia de
Bragança. O descontentamento rapidamente se expande para a dimensão patriótica e nacionalista da
contestação, encabeçada pelos Republicanos, originando o debate sobre quem melhor defenderia os
interesses da nação e a sacralização do Império Colonial:
● Estudantes da Universidade de Coimbra, em virtude do descontentamento e da crescente
oposição, formam um Batalhão Académico e lançam uma subscrição pública com o propósito de
financiar a compra de um couraçado, lutando pela defesa do Império Colonial.

O governo demite-se.

Com o Ultimato e o golpe de Estado (31/01/1891) a legitimidade do regime monárquico é posta em causa,
esta falta de legitimidade torna-o um regime fraco. Os republicanos assumem-se como os supremos
defensores da pátria e da sacralização do Império, sempre com o propósito de desorientar os partidos
constitucionais e promover a quebra do sistema político. Os republicanos organizam manifestações e
revoltas populares, fazendo o ativismo político a sua base de apoio, passa, assim, a mobilizar os seus
eleitores sem recorrer ao clientelismo.

Formulação de alternativas: Franquismo e “Vida Nova” (1893-97 e 1906-08)

Crítica ao Liberalismo cuja legitimação era fraudulenta, os políticos parlamentares e partidos


tradicionais impediam a regeneração nacional, propondo alternativas à organização política liberal, com
uma diferente relação com as dimensões económica e social.

Alternativas reformistas internas


● “Alternativa interna”- conduz ao endurecimento do Regime (conduzindo a uma situação onde o
Parlamento tem menos poder e onde o Rei goza, por oposição, de maior poder);
● “Vida Nova”, criado por Oliveira Martins e João Franco, crítica o Liberalismo, alegando “falta de
representatividade”: no fim do século XIX, a legitimidade de políticos, partidos e eleições era
fraudulenta, uma vez que o Parlamento não representava as “forças vivas” (conjunto de entidades
que contribuem para a vida e prosperidade de um lugar) da sociedade.

23
“O indivíduo liberal é ficção”

O indivíduo liberal é ficção, pois está ligado a interesses e a círculos de sociabilidade naturais. Os
interesses e pertenças deviam associar-se em agremiações cuja deputação seria a verdadeira
representação orgânica da nação.

O Governo deve ser tecnocrata (formado por técnicos competentes), libertado de empecilhos
parlamentares e políticos. O poder do rei deve ser engrandecido como órgão representante da nação (por
cima da “bandalheira” dos partidos e do parlamento). Havia que governar em “ditadura” assumir funções
executivas com o Parlamento fechado. Foi o que fizera João Franco (ministro do Reino de Himtze) e D.
Carlos a partir de 1893 (caiu 1897, voltou José Luciano de Castro até 1900).

Alternativas opostas à esgotada Monarquia Constitucional

O esgotamento do liberalismo constitucional leva à criação de projetos alternativos para a Sociedade e


Estado: republicanismo na I República e o corporativismo católico no Estado Novo.

O Partido Socialista (1875) aceita não derrubar a Monarquia Constitucional (considerando que não tem
força natural) desde que existam concessões sociais- valoriza a questão social.

O Partido Republicano (1876) (diferente da Social-Democracia) apoia a mudança para uma República
e pretende a laicização do Estado e a extinção dos Sindicatos, com o propósito de diminuir a contestação
social, as manifestações e movimentos grevistas, criado inclusivamente o Tarrafal, para onde eram
enviados os sindicalistas (tolera a burguesia desde que se possa derrubar a monarquia).

A resposta católica à crise do liberalismo e socialismo através de um movimento social e não partido
político (Leão XIII 1891): aceita colaborar com os poderes constituídos e abandona a oposição ao
liberalismo e ao republicanismo, de forma a moldar, no sentido cristão, as opções políticas e legislativas de
governo. Aceita os “regimes liberais” existentes, formando partidos. São criadas instituições laicas para
ajudar os pobres e os trabalhadores industriais- Centro Académico de Democracia Cristã- com funções
formativas e recreativas.

República: dinâmica política 1910-1926

Crise da monarquia → destruição do consenso quanto às regras de jogo parlamentar e


governo.

● A crise e perda de confiança na Monarquia Constitucional conduziu à destruição do consenso quanto às
regras parlamentares e governativas;
● A Monarquia não conseguiu incorporar as massas urbanas na política, não funcionando como um sistema
de integração de massas na política: voto limitado; corpo eleitoral restrito;
● O rei pactua com as limitações representativas;

➔ Todas estas situações culminaram no Regicídio (1 de fevereiro de 1908): assassinato do rei D.


Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe.

24
Poder republicano, governo provisório

➔ No imediato a República erradica os símbolos do regime: demitiram os funcionários das casas reais; aboliu
os títulos nobiliárquicos e os direitos da nobreza; adotou uma nova bandeira e hino nacional.
➔ O regime não permitiu a existência de partidos monárquicos que adotaram uma posição anti-sistémica,
encenando diversos golpes de Estado (nomeadamente a Monarquia do Norte-1919).

➔ O regime nasce cercado e não desenvolve de forma sistemática um programa de reformas assente em
coligações amplas políticas e sociais capazes de o sustentar a prazo.

Antagonismo do movimento operário- Questão social

O poder republicano foi colocado perante exigências elevadas. O anarco-sindicalismo dominava. A nova
legislação foi dececionante, pior apenas a nova lei da greve que proibia os piquetes e exigia um pré-aviso com
uma semana de antecedência: movimento operário sente-se enganado;

Os republicanos acham as greves inoportunas (60 entre o 5 de outubro e o final de 1910), tendo feito
manifestações republicanas contra elas (janeiro 1911). Conflito agravou-se em março de 1911 (mortes grevistas
pela GNR). Com o operariado, a república perdeu a credibilidade; Relações entre regime e movimento operário
foram sempre muito conflituosas- antagonismo movimento operário.

Antagonismo Estado/Igreja

● A república assumiu a laicização do regime e o confronto com o Vaticano. O Estado republicano subjugou a
Igreja, renunciou a religião e retirou à igreja a personalidade jurídica, o juramento religioso nos tribunais e
outros atos oficiais foram abolidos. Os jesuítas foram expulsos, conventos encerrados, introduzido o divórcio
civil e casamento como contrato de validade exclusivamente civil, consagrado o registo civil obrigatório
mandando encerrar os livros de registo paroquial, tudo na Lei de Separação e das Igrejas.
● A I República mostra-se contra as classes privilegiadas, por exemplo Igreja, ordem que viu os seus bens a
serem confiscados e vendidos em hasta pública.

Sistema de Governo

A Assembleia Constituinte que produz a Constituição não se autodissolveu, perpetuando-se no tempo, a


legitimidade acaba por não ser democrática, mas sim revolucionária. As eleições constituintes de maio de 1911,
instituíram o Presidente da República (Manuela de Arriaga) e o Congresso da República, estabelecendo a
adoção do princípio da supremacia do sistema Parlamentar composto por duas câmaras:
● Alta: Senado (6 anos);
● Baixa: Câmara dos Deputados (3 anos);
- O Presidente não pode dissolver o Congresso, nomeando apenas o Governo, segundo o “Princípio
da Supremacia Parlamentar” consagrado na Constituição de 1911;
- Eleições reelegem quem governa:
- Lei eleitoral manteve o sufrágio restrito, o sistema maioritário e os grandes círculos plurinominais
do “rotativismo liberal”- participação política reduzida;
- Corpo eleitoral diminui de 14,2% em 1911 para 7,7% em 1915.

Cisão no seio do PRP (Partido Republicano Português): não havia bipartidismo rotativista como na
Monarquia Constitucional, mas multipartidarismo do partido dominante- o Democrático:
● Partido Democrático, bloco de Afonso Costa;
● Partido Evolucionista- direita;
● União Republicana- direita;
● Socialistas- partido pequeno e fraco de esquerda, não fazia concorrência.

25
A Assembleia Constituinte não se dissolve e origina a primeira Legislatura

Primeiro governo Partido Democrático de Afonso Costa (1913) teve efeitos perversos, criou nas oposições
a ideia de que os Democráticos só cederiam o poder pela força. Pensando que o sistema político se fechara e
que os mecanismos constitucionais-legais eram insuficientes para contrabalançar o alegado jacobismo dos
afonsistas, os adversários do partido à direita e à esquerda optam pelo golpismo.

Enquanto Ministros das Finanças, Afonso Costa procurou expandir a educação básica e o fomento das
colónias, com o propósito de garantir um equilíbrio financeiro que lhe permitisse recuperar a credibilidade nas
praças internacionais.

Degradação da República

Importa reter a ideia de que “a República nasce cercada”, em virtude de um conjunto de decisões que
estreitam o apoio político do regime, nomeadamente devido à incapacidade para incorporar a população na
política e culminando, quase paradoxalmente, com a restrição do sufrágio, quebrando a promessa de
integração das massas no sistema político.

De paradoxos e contradições vive, no fundo, a Primeira República que, na verdade, pouco fez pelos
trabalhadores e, em última análise, pela própria ideia liberal que advogava. A oposição face aos sindicatos
ilustra esta tendência repressiva e antiliberal, que nunca conseguiu, no entanto, pese os seus esforços,
dominar o anarco- sindicalismo nem estabelecer uma ligação orgânica com os movimentos operários, como
fizera com os partidos monárquicos, ilegalizados e forçados a promover uma oposição clandestina (marcada
por tendências golpistas) e com o próprio funcionalismo público, sujeito a purgas, tendencioso e clientelar.

A I República ficou caracterizada pela instabilidade governamental. Entre 1910 e 1926 existiram 45
governos em Portugal.

Primeira Guerra Mundial

Não obstante a destruição, os milhares de mortos e estropiados resultantes da I Guerra Mundial, também
se salienta, no decorrer deste conflito, a emergência e generalização de uma mudança cultural profunda,
favorecendo a figura política da mulher e ideias como a universalização do sufrágio e políticas sociais (o Estado
vai apropriar-se de tarefas como o controlo dos preços, da industria e a proteção dos retornados da frente de
batalha, quebrando o modelo ideológico segundo o qual o Estado não devia intervir na sociedade e na
economia), necessárias no contexto de uma Europa destruída social e economicamente.

Portugal na Primeira Guerra Mundial

Na ótica da I República, a I Guerra Mundial surgia como uma possibilidade de legitimar internamente o
regime, assegurando o controlo do sistema político e a mobilização nacionalista e patriótica, e proteger as
colónias da ameaça britânica e alemã. Durante a neutralidade Portugal interveio em combates no teatro de
guerra africano (Angola e Moçambique). Desde março de 1916, que se organizava o Corpo Expedicionário
Português, que seria enviado para o teatro europeu de guerra. A participação portuguesa na Guerra seria
marcada pela célebre batalha de La Lys (09-04- 1918), onde morreram 1300 portugueses.

No contexto da Guerra, os países dependentes do comércio internacional não podem transacionar bens, o
que resulta numa falta de produtos, que, por conseguinte, gera inflação e produz uma redução dos rendimentos
disponíveis, o que, em última instância, conduz a um quadro de instabilidade interna. A crítica à mobilização de
recursos económico-financeiros que permitiam o financiamento da Guerra foi, igualmente, um motivo de
agudização dessa instabilidade interna que o país enfrentava. Assiste-se a uma rutura entre a frente, que
enfrenta a guerra externa, onde se vive o inferno, e uma retaguarda, frente interna, cada vez mais anti belicista.

26
É, nesta lógica, que, na Primavera de 1917, se assiste à “radicalização da rua”, por parte de camadas da
população afetadas pela carestia e, em setembro do mesmo ano, à Greve Geral. O protesto social inunda as
ruas e o poder reprime: maio as garantias são suspensas; julho é declarado o estado de sítio em Lisboa, na
sequência de motins e greves; setembro é convocada a greve geral e o governo responde com a mobilização
dos grevistas – isolamento progressivo do governo.

A 5 de dezembro de 1917 deu-se o golpe vitorioso do movimento dezembrista liderado por Sidónio Pais
(República Nova): o sinodismo dissolveu o Congresso, destituiu o Presidente da República e procedeu a novas
eleições. Acaba também por alterar por decreto a constituição, impondo um sistema presidencialista com
eleição direta e universal do Presidente da República, pertencendo-lhe o exercício efetivo do governo mediante
secretários de Estado.

Sidónio ganha eleições presidenciais (57%), muito mais do que o seu Partido Nacional Republicano (ganha
eleições parlamentares 36%). O regime era Sidónio e a República Nova é ditadura pessoal, subalternizando o
parlamento e o partido, com cada vez menor institucionalização e capacidade de integração política do conflito.

Na segunda metade de 1918, o regime guina mais para a direita

● Pacifica as relações com a Igreja, repõe o status quo antes da Lei da Separação;
● Regulariza a ordem interna, repõe a censura e a polícia política;
● Integra monárquicos na República Nova, oferece-lhes postos-chave nas Forças Armadas e nas
Polícias;
● Em vários aspetos (órgãos repressivos, anti-bolchevique, etc) este regime assume carácter
fascizante, antecipando experiências europeias desse tipo. O fim da guerra (11/11/1918) força o
final do regime sidonista enquanto “regime de exceção”. Sidónio foi assassinado, a tiro, a 14 de
dezembro de 1918.

Da República Nova ao 28 de maio de 1926

Morfologia do Estado e Finanças Públicas na I República

A saída da guerra e os anos 20 revelaram-se conturbados para Portugal, num cenário onde diversas
fontes de agitação trabalhavam contra a estabilidade: referindo-se, por exemplo, o regresso das tropas e a
necessidade de organizar a mobilização política do povo, mas, igualmente, a existência de uma polarização
política entre o bloco sindical progressista e o bloco conservador autoritário, o que resulta num clima de
tensão.
A tendência inflacionista manteve-se por anos, erodindo os rendimentos fixos, poupanças e impostos,
somando-os ao desemprego, gerando descontentamento social, sobretudo meios urbanos. A guerra trouxe
inflação, especulação e agravamento desigualdades sociais. A popularidade dos governos republicanos foi
afetada, assistindo- se a uma progressiva e implacável polarização política entre radicais (progressistas) e
campo autoritário, conservador (= Europa).
A I Republica ficou marcada por uma intensa Instabilidade política, no qual existiram 26 governos em
apenas 6 anos, no período entre 1919 e 1925.

Em meados da década 20 deu-se a estabilização europeia com o controlo da inflação, contudo, esta
estabilização veio a ser interrompida em 1929 pela Grande Depressão. Entre 1923 e 1925 verificou-se uma
relativa estabilidade nas medidas de reforma social:

● Imposto progressivo sobre rendimento;


● Tributação de lucros de guerra;
● Atualização da contribuição predial;
● Lei das 8h de trabalho;
● Seguros sociais obrigatórios;
● Legalização da Confederação Geral do Trabalho.

27
Por esta altura, governos conseguiram controlar os mecanismos das finanças públicas, encetando um
período de valorização da moeda e deflação. Este sucesso foi tardio uma vez que a República já tinha
perdido toda a sua credibilidade e apoios. As classes médias, funcionalismo, comércio, agrária, indústria,
exército, banca e Igreja já estavam preparados para forjar ou aceitar um novo autoritarismo.

O 28 de maio de 1926

A 28 de maio de 1926, o general Gomes da Costa parte de Braga e, Mendes Cabeçadas, em Lisboa,
exige a Bernardino Machado (Presidente) a demissão do Governo, contrariamente a 1925, ninguém defende
a República. Os setores das Forças Armadas que fizeram o 28 de maio de 1926 estavam unidos contra a
partidocracia e pretendiam demonstrar a ineficácia parlamentar e a crise das instituições. Contudo
revelavam-se também dentro do republicanismo conservador.

Este golpe culminou com a cisão das forças militares em dois grupos:

● Moderados: Gomes da Costa e Mendes Cabeçadas que, ao colapso da República, respondem


com a necessidade de curar o país de um república doente, prevendo, no entanto, repor a ordem e
reabilitar as instituições republicanas, para retomar ao modelo republicano no futuro, depois de
uma ditadura que entendem como forma de “cura”;

● Conservadores: Óscar Carmona e António de Oliveira Salazar que se mostraram contra as


instituições republicanas, defendendo uma ditadura permanente, assente em novas instituições e
num novo texto constitucional.

Esta cisão favorece a ascensão de Óscar Carmona a Presidente da República a 29 de março de 1928,
que se faz eleger igualmente através de plebiscito, sem que exista oposição.

TEXTO 3 - “As origens do Estado-Providência em Portugal”, de Miriam Halpern


Pereira

No período anterior à I Guerra Mundial, a preocupação com a população e a intervenção do Estado em


domínios que incluíssem o bem-estar da mesma não era grande. Contudo, após a grande guerra deu-se a
criação de seguros obrigatórios em Portugal (1919), uma vez que a situação bélica veio a propiciar uma
maior intervenção do Estado em todos os domínios, assumindo responsabilidade no apoio aos feridos,
mutilados e às suas famílias.

Existem três conceitos que não devem ser confundidos:

● Estado Providência: Mira uma sociedade mais equilibrada do ponto de vista social e pretende
atender a situações de privação de trabalho dos assalariados bem como viabilizar o acesso a
diferentes serviços;
● Assistência social: pretende socorrer os desprovidos de meios próprios, tem um caráter supletivo
e pretende colmatar as carências;
● Estado higienista: Representou uma viragem básica nas relações entre Estado e Sociedade e
considera que todos os aspetos da vida humana e as suas condições adquirem interesse público.

28
Estado-Providência:

● Corresponde a um movimento integrador de iniciativas anteriores;


● Destinava-se às classes trabalhadoras;
● Projeto de sociedade apresentado como via alternativa ao liberalismo ou socialismo;
● A sua atual forma de direitos sociais conduziu a uma desmercantilização de diferentes áreas –> implicou
uma forte inserção institucional da intervenção estatal;
● O Estado devia garantir o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde;
● Enfrentou resistências provenientes do meio patronal e operário;
● Teve duas facetas: o mutualismo (âmbito privado) e os seguros obrigatórios (âmbito público).

A criação dos seguros obrigatórios teve lugar em 1919, em Portugal e Espanha e foi promulgado o primeiro
sistema de seguros sociais em Portugal no contexto de primeiro ano de paz. Esta lei sobre os seguros sociais
passou despercebida pela lei das 8h que também estava incluída no pacote de leis que o governo de
Domingos Pereira enviou para publicação.

Existiram três modelos distintos de Estado Providência:

● I República (modelo liberal): a segurança social garantia apenas as condições mínimas aos
beneficiários e estava destinada apenas às classes trabalhadoras com menores rendimentos; no
âmbito de direitos sociais era limitado, mal sucedido dada a falta de investimento financeiro e a
crise pós-guerra;
● Estado Novo (modelo corporativo e conservador): o Estado tinha um papel altamente
intervencionista em que a liberdade estava cortada, em que os direitos variavam segundo a classe
e o status quo e os seguros tinham a função de subsidiariedade.
● Pós 1974 (modelo social-democrata): a segurança social passa a promover a igualdade e a um
nível mais abrangente, não se restringindo às necessidades mínimas- transforma o acesso aos
serviços em direitos sociais.

Mutualismo
● O mutualismo começou por ser um conjunto de associações de socorros mútuos, tornando-se num
sistema de proteção social que visava criar “condições de acesso à saúde, educação e assegurar
recursos futuros em caso de necessidade, por doença, invalidez, velhice e desemprego”.

● O mutualismo era visto com bons olhos pela República e com o novo regime as relações entre o Estado
e o mutualismo institucionalizaram-se com a criação do Ministério do Trabalho e Previdência Social.

● A dada altura começa a requerer a intervenção do Estado: as dificuldades do mutualismo prendiam-se


com os limites financeiros e irregularidades na expansão do movimento.

Associações de socorros mútuos

As finalidades das mutualidades eram múltiplas mas dominavam as ajudas em caso de doença, em contraste, as
ajudas em caso de deficiência eram as mais reduzidas.

Este movimento demonstrou uma elevada concentração urbana, com evolução lenta fora de Lisboa e Porto:

● Situação das mulheres: autonomia condicionada pela legislação, dependentes dos maridos para ingressar
nas associações;
● Esta limitação desaparece com o projeto de lei de 1919 que permanece na lei até 1932. Proteção da
maternidade: no pré e pós-parto, mas sem subsídio, o que levava à miséria e ao trabalho ilegal;
● Projeto de lei em 1921: previa subsídios mas nunca chegou a entrar em vigor.

29
A I República

● Autonomia mutualista;
● Velhice e invalidez;
● As recomendações do congresso de 1911 revelaram a dupla preocupação no seio mutualista de
conciliar a liberdade e a intervenção do Estado, apelando à promulgação de leis sobre os
acidentes de trabalho, a criação de um fundo para as pensões de invalidez e velhice e auxílio
financeiro a viúvas e órfãos;
● Em 1918, a situação sanitária dramatizou-se devido à epidemia pneumónica, que aumentou a
mortalidade e o esforço sobre as associações mutualistas. O Estado raramente as auxiliava, ao
contrário do que acontecia noutros países, mas a inflação e a sua crescente necessidade fizeram
com que lhes fossem atribuídos subsídios consideráveis;
● As dificuldades financeiras e a concentração de associações mutualistas no meio urbano, em
contraste com a escassez do mundo rural deixava uma grande parte da população espalhada pelo
país desprotegida.

Os seguros obrigatórios

A obrigatoriedade do seguro social situou-se a dois níveis: no seio do movimento mutualista e no meio
académico. A sua conceção começara a encontrar aceitação, apesar de ter tido bastante resistência. Teve
expressão no Estado-providência, consistindo um sistema de organização social em que o Estado garante
o acesso gratuito aos serviços de saúde, educação, entre outros.

As novas tecnologias industriais tornavam o processo de decisão de responsabilidade dos acidentes de


trabalho mais complexas, dando lugar a processos intermináveis. A introdução do seguro pessoal foi uma
batalha difícil, procurando indemnizar o trabalhador acidentado.

Neste contexto, Fernão Boto-Machado apresenta uma proposta de lei que abrangia os acidentes de
trabalho, doença, velhice e desemprego, discordando ativamente da implementação isolada do seguro
social limitado aos acidentes de trabalho. Após dois anos do projeto de lei, ocorre a sua promulgação, mas
em moldes diferentes dos iniciais propostos, sendo apenas contemplados os acidentes de trabalho
provocados por máquinas, com exceção dos trabalhos de minas, transportes e em indústrias com recurso
a matérias-primas perigosas.

O conjunto de leis sobre seguros resultara do trabalho efetuado por dois funcionários do Ministério do
Trabalho, Augusto Dias da Silva e João Ricardo da Silva.

Novos seguros sociais: pretendiam incluir nos beneficiários o universo dos assalariados com
rendimentos reduzidos. As contribuições variavam de acordo com o tipo de seguro. O sistema excluía os
funcionários públicos, as forças armadas e os trabalhadores que beneficiavam de sistemas sociais
privados, promovidos pelo patronato.

Reações
● Imprensa operária, de modo geral, elogiou o pacote legislativo;
● A crítica mais viva proveio do corpo médico: os médicos municipais veem estas novas funções
como uma sobrecarga e, ao mesmo tempo, alega-se que irão privar os outros médicos da sua
clientela particular. A Associação dos Médicos Portugueses põe em causa o seguro social na
doença, solicitando a sua restrição aos indigentes e a existência de tabelas de honorários
definidas pelas associações médicas, em nome da liberdade de escolha dos médicos.

Deu-se a instalação, a 24 de maio de 1919, do Instituto de Seguros Obrigatórios, presidido pelo Ministro
do Trabalho.

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Esta medida acabou por fracassar devido à inflação galopante do pós-guerra que desatualiza o escalão
que limitava a inscrição, esvaziando o universo de beneficiários. A inflação impediu a execução prática do
seguro de invalidez e velhice e os salários sofreram aumentos, apenas no domínio dos acidentes de
trabalho foi possível a aplicação da legislação de 1919. As mutualidades obrigatórias foram visíveis nos
casos de seguros de doença.

Em 1928, Salazar toma posse do Ministério das Finanças do qual dependia o Instituto Nacional de
Seguros Obrigatórios e Previdência. Este suspende diplomas por considerar demasiado estatizantes e por
desagradarem às companhias de seguros. Assiste-se também à criação do Estado Corporativo que
remeteu esta área ao domínio privado, sendo os patrões e empregados quem tomava a iniciativa.

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