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Brainspotting

A Nova Terapia Revolucionária para


Mudança Rápida e Efetiva
David Grand, Ph.D.

© 2013 David Grand


This translation published by exclusive license from Sounds True, Inc.

Sumário
Introdução
Capítulo 1 - A Descoberta Do Brainspotting: Abrindo o caminho com
uma patinadora de gelo
Capítulo 2 - Brainspotting de Janela Externa: Lendo os Sinais Reflexos
Capítulo 3 - Brainspotting de Janela Interna, Som BioLateral, e
Brainspotting de um olho: Inovações desde o Início
Capítulo 4 - O Modelo de Recurso de Brainspotting: O Cérebro-Corpo é o
Derradeiro Recurso
Capítulo 5 – Gazespotting: Onde Você Olha Afeta Como Você se Sente
Capítulo 6 - Moldura de Sintonia Dual: Permanecendo na Cauda do
Cometa
Capítulo 7 - Brainspotting como Modelo Integrativo: Não Há Limites
Quando se Trata de Cura
Capítulo 8 - Eixo Z e Brainspotting de Convergência: Brainspotting em
Três Dimensões
Capítulo 9 - A Neurobiologia do Brainspotting: É Tudo Coisa do Cérebro
Capítulo 10 - Brainspotting e o Corpo: O Corpo é Memória
Capítulo 11 - Brainspotting e a Performance no Esporte: Reconstruindo
o Campo Destruído dos Sonhos
Capítulo 12 - Brainspotting e Criatividade: O Mundo Todo é Um Palco
Capítulo 13 - Auto-Brainspotting: Tirando Proveito de Seu Campo
Visual
Capítulo 14 - Brainspotting como Fenômeno Internacional: Ao redor do
Mundo com Brainspotting
Conclusão: O Futuro do Brainspotting
Recursos Sugeridos
Agradecimentos
Sobre o Autor
Glossário
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Introdução
Em 2003, quando descobri o Brainspotting, eu não estava procurando
uma nova terapia, ao menos não conscientemente. A descoberta
simplesmente aconteceu ou, ao menos, parecia assim. Até aquele momento,
eu vinha usando outros métodos teóricos de forma bem-sucedida. Eu fui
inicialmente treinado no início dos anos 1980 como psicoterapeuta
psicanalítico na Sociedade de Estudos e Pesquisa Psicanalítica em Long
Island, New York, onde moro. Em 1993, fui treinado em EMDR
(Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares),
uma técnica de procedimento mente-corpo. Em 1999, fui exposto à
experiência somática (ES), que constitui um método orientado ao corpo.
Integrei a psicanálise, EMDR, e ES, naquilo que chamei EMDR Fluir
Natural, um método terapêutico, que derivava de todas essas três abordagens.
Escrevi a respeito do meu método integrativo em meu primeiro livro, Cura
Emocional em Velocidade Máxima, que foi lançado onze dias antes do ataque
ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001.
​Semanas após o 11/9, eu estava trabalhando com um fluxo contínuo
de sobreviventes do ataque. No curso do ano e meio seguinte, fiz terapia de
trauma com mais de uma centena de sobreviventes do 11/9, inclusive com os
que estiveram dentro e em volta das Torres, os que atuaram no resgate, e
membros das famílias dos que foram mortos pelo ato terrorista. Olhando para
trás, não foi por acaso que descobri o Brainspotting um ano e meio após o
11/9. Meu trabalho no 11/9 me expôs, com grande intensidade, ao fato de
como os seres humanos podem ser afetados coletiva e individualmente pelos
eventos incomuns, avassaladores e terríveis. Fui forçado a reviver a
experiência, repetidamente, de muitos ângulos e perspectivas. É como se a
exposição tivesse me alterado em um nível molecular, como acontece àqueles
que estão excessivamente próximos a uma forte descarga explosiva. No verão
de 2002, eu estava na verdade muito desgastado, e era o último a saber disso.
Buscando minha própria cura, me saí com uma solução criativa para o meu
dilema: escrevi uma peça sobre minhas experiências e dei o título de Eu
Testemunho.
​Como testemunha dos horrores de tantas pessoas durante um período
tão concentrado de tempo, meus potenciais de observação já sintonizados
foram aprimorados para um nível muito mais elevado. Tanto de modo
consciente como inconscientemente, aprendi a observar os sinais físicos dos
clientes de forma tão acurada que às vezes quase parecia como se eu soubesse
o que estava para ocorrer antes mesmo de ocorrer. Neste estado elevado de
preparo sintonizado, descobri o Brainspotting.
​ s dez anos desde o nascimento do Brainspotting até a elaboração
O
deste livro mudaram minha vida. Esses dez anos também mudaram a vida de
6.000 terapeutas em todo o mundo que foram treinados em Brainspotting, e
que agora vêem uma notável cura ocorrendo na frente dos seus olhos todos os
dias. Mas aqueles dez anos mudaram principalmente a vida de incontáveis
clientes de Brainspotting, que tiveram cura profunda e rápida.
​Brainspotting é um dos números crescentes de terapias que são
conhecidas como terapias baseadas na mente, tratamentos que vão além da
mente para ter acesso direto ao cérebro. As terapias baseadas na mente são
um fenômeno dos últimos dez ou vinte anos. Historicamente, a maior parte
dos terapeutas se enquadra na categoria de terapia verbal, uma forma de
terapia que pode ser localizada no passado desde a psicanálise de Sigmund
Freud, talking cure (cura pela fala). A maioria das psicoterapias praticadas
atualmente são variantes da terapia verbal. Esses tratamentos são altamente
diversificados, bem desenvolvidos, e geralmente eficientes. A maior parte
dessas abordagens é baseada no aspecto relacional e exige que o terapeuta
esteja altamente sintonizado com o cliente. (Em linguagem psicoterápica,
deve haver um alto nível de sintonia relacional, o que significa dizer que o
terapeuta deve prestar atenção estreita não apenas ao cliente, mas também às
dinâmicas do relacionamento entre ele e o cliente, o que reflete e revela a
experiência do cliente com os cuidadores primários em sua infância,
especialmente a mãe) O problema é, e tem sido, que a maior parte das
terapias verbais tende a ser desfocada, e leva muitos meses ou anos de
sessões para obter alívio e mudança.
​A maior parte das terapias técnicas, inclusive EMDR, coloca a ênfase
primária nos procedimentos que o cliente deve seguir. Esses procedimentos
são técnicos e não relacionais porque requerem que o terapeuta conduza o
cliente através de passos especificamente estabelecidos. O grau de atenção à
técnica desvia a atenção da essência do relacionamento entre cliente e
terapeuta. Sendo o EMDR eficaz, ao utilizá-lo, a relação do terapeuta em
sintonia com o cliente não recebe atenção suficiente.
​Por contraste, Brainspotting está construído num modelo em que o
terapeuta simultaneamente se sintoniza com o cliente e com os processos da
mente do cliente. Com o Brainspotting, nem a sintonia relacional nem a
sintonia com os processos mente-corpo precisam ser sacrificados um em
função do outro. De fato, quando as duas sintonias são entrelaçadas, o
processo de cura é muito mais poderoso e duradouro. Tendo sido um
terapeuta verbal com sintonia no relacionamento muito antes de ser
apresentado aos modelos de terapia baseados na mente, talvez não seja
surpresa que o Brainspotting combine com as sintonias de ambos os tipos de
terapia. O Capítulo 6 explora em detalhe como esta “sintonia dual” é
trabalhada no Brainspotting e como faz o Brainspotting tão eficaz.
​O mote do Brainspotting é “Onde você olha afeta como você se
sente”. Se algo o incomoda, o modo como você sente isto mudará
literalmente, dependendo se você mira para a direita ou para a esquerda.
Nossos olhos e cérebro estão entrelaçados juntos, e a visão é a forma primária
que nós, como humanos, nos orientamos no nosso ambiente. Os sinais
enviados por nossos olhos são profundamente processados na mente. A
mente então reflexiva e intuitivamente redireciona onde olhamos, momento a
momento. A mente é uma incrível máquina de processamento que digere e
organiza tudo que experimentamos. Mas o trauma pode sobrecarregar a
capacidade de processamento da mente, deixando para trás partes do trauma,
bloqueados num estado não processado. O Brainspotting utiliza nosso campo
de visão para encontrar onde estamos segurando esses traumas em nossa
mente. Da mesma forma como os olhos naturalmente escaneiam o ambiente
externo para obter a informação, também podem ser usados para escanear
nossos ambientes internos – nossa mente – para informação. O Brainspotting
utiliza o campo visual para voltar o ‘scanner’ para si próprio e guiar a mente
para encontrar a informação interna perdida. Mantendo o olhar focado num
ponto externo específico, mantemos o foco da mente no ponto interno
específico, onde o trauma está alojado, a fim de promover o processamento
profundo que conduz à liberação e à resolução do conflito.
​Em minha descoberta inicial do Brainspotting, que exponho no
Capítulo 1, o olhar da cliente ‘travou’ numa posição específica em seu campo
de visão. Eu sabia disto porque vi um poderoso reflexo no olho emergir no
momento em que seus olhos encontraram aquela posição. Desta forma, seu
cérebro mais profundo estava me sinalizando que havia algo bloqueado lá
dentro. À medida que o olhar de minha cliente permaneceu naquele lugar, ela
foi cada vez mais se aprofundando naquele cofre interno onde incontáveis
traumas estavam retidos. Encontrar esse brainspot destravou aquilo que um
ano de EMDR Fluir Natural não havia conseguido.
​Nos dez anos seguintes, desde essa descoberta inicial, tenho
desenvolvido uma grande variedade de formas de explorar e aproveitar o
campo visual para destravar e liberar não apenas traumas, mas também um
amplo espectro de sintomas psicológicos e físicos. Cada capítulo deste livro
descreve um aspecto diferente do Brainspotting, inclusive seus diferentes
modelos e como podem ser aplicados.
​O Capítulo 2 descreve como nossa psicologia é expressada pelas
partes mais profundas de nosso cérebro e de nossos corpos: nossos reflexos.
Também descreve os processos estabelecidos que são o fundamento de todos
os modelos do Brainspotting. No Capítulo 3, conto como descobri que as
posições do olho se correlacionam com nossa própria experiência corporal
interna e como esta descoberta levou a duas novas utilizações do
Brainspotting.
​O Brainspotting pode ser usado com clientes que precisam ser
mantidos centrados durante o processo de tratamento, incluindo clientes com
Transtorno de Estresse pós-Traumático Complexo (TEPT) e aqueles que são
significativamente distanciados de sua própria experiência (aqueles com altos
níveis de dissociação). O Capítulo 4 explica como um colega e eu
descobrimos e desenvolvemos um modelo específico de Brainspotting que
pudesse ser usado com esses clientes.
​O Capítulo 5 introduz o Gazespotting, uma variação do Brainspotting
que utiliza nossa tendência natural de olhar em posições particulares do olho
quando pensamos ou quando falamos – em outras palavras, nossa habilidade
de espontânea e intuitivamente localizar nossos próprios brainspots.
​O Capítulo 6 indica o cerne da síntese singular da terapia relacional
com acesso direto ao cérebro através do campo visual. Este Modelo de
Sintonia Dual molda a experiência do cliente com o Brainspotting e dá
suporte à cura interna do cliente simultaneamente como ser humano e como
ser neurobiológico.
​Diferentemente de muitos métodos psicoterapêuticos, o Brainspotting
é singularmente concebido para ser integrado a outras abordagens. O sistema
mente-corpo é vasto e complexo e precisa ser percebido e atendido em sua
individualidade. Nenhuma técnica, incluindo o Brainspotting, pode alcançar
toda situação do cliente em sua totalidade. O Capítulo 7 descreve como os
terapeutas são encorajados a utilizar os métodos que eles trazem aos
treinamentos Brainspotting de modo a aprofundar e enriquecer seu uso do
Brainspotting.
​No Capítulo 8 mostro um modelo específico de Brainspotting
denominado Z-Axis Brainspotting, que pode ajudar os clientes emperrados
bem como aqueles que têm problema com o processo a começarem a
responder e obter cura efetivamente.
​O Capítulo 9 examina a centralidade da mente no processo
Brainspotting. Conforme observado anteriormente, o cérebro é o derradeiro
scanner monitorando toda célula no corpo, bem como a si próprio, numa base
24/7. O Brainspotting controla essa habilidade de escanear e a habilidade do
cérebro de processar e de curar a si próprio. O capítulo também explora o
Brainspotting como uma terapia ‘cérebro-sábio’, onde o cérebro que pensa, e
que observa pode ser educado, apoiando o processo de cura.
​O Capítulo 10 trata de como o Brainspotting pode ser utilizado para
reduzir a dor e outras manifestações físicas. Os ferimentos são
simultaneamente traumas físicos e psicológicos ao sistema nervoso que se
tornam inexoravelmente entrelaçados. A habilidade do Brainspotting para
ajudar a desembaraçar os limites das feridas físicas e emocionais tem
implicações no tratamento de condições como fibromialgia, fadiga crônica,
whiplash (efeito chicote) e ferimentos na cabeça. Faz também com que o
Brainspotting seja o tratamento de veteranos de guerra, que frequentemente
sofrem combinações de TEPT e lesões cerebrais traumáticas. (LCT).
​O Brainspotting é uma ferramenta extraordinariamente poderosa
utilizada na identificação e liberação de todas as formas de traumas
esportivos. O Capítulo 11 mostra como ele pode ser utilizado para ajudar as
pessoas a superar os traumas decorrentes de traumas do esporte, falhas, e
humilhações, todos que se acumulam no sistema nervoso do atleta. Este
capítulo também introduz o Modelo Expansivo do Brainspotting que pode
ajudar todos os atletas, de amadores a profissionais de alto desempenho a
alcançarem níveis verdadeiramente mais elevados.
​O processo de cura do Brainspotting é criativo, e o Brainspotting pode
liberar e expandir a criatividade em artistas. Porque trabalha simultaneamente
com o cérebro direito e o cérebro esquerdo, espelha e integra a arte neural e a
ciência. O Capítulo 12 mostra como os vários modelos do Brainspotting
podem ser usados para ajudar pessoas criativas e informar os terapeutas que
trabalham de forma criativa com seus clientes.
​O Capítulo 13 apresenta uma variedade de maneiras com que as
técnicas Brainspotting podem ser utilizadas por qualquer pessoa fora do
consultório do terapeuta, para relaxamento, indução ao sono, e expansão do
desempenho e criatividade.
​Finalmente, o Capítulo 14 conta a história de como o Brainspotting se
tornou um fenômeno internacional. O Brainspotting é uma terapia altamente
adaptável e pode ser ajustada à cultura e à linguagem. Tenho treinado
terapeutas na América do Sul, Europa, Oriente Médio, e Austrália, e o
modelo Brainspotting também foi traduzido para seis idiomas por dezoito
treinadores de três continentes.
​Embora este livro tenha sido escrito para o público em geral, os
terapeutas e outros profissionais vão achá-lo altamente informativo e valioso
para sua prática. Ao ler este livro, você vai aprender como a mudança
profunda é possível, mesmo que tenha sofrido intensamente por muitos anos.
Entender simplesmente que “onde você olha afeta como você se sente” vai
elevar sua auto-observação e percepção. Os exemplos de casos apresentados
em todo o livro vão levá-lo ao meu consultório e dar-lhe um sentido de como
e para quem o Brainspotting atua. A confidencialidade dos clientes em suas
histórias é protegida, considerando que mudei e disfarcei características
chave que pudessem identificá-los. Provavelmente você vai se sentir
identificado com alguns desses clientes, e esperamos que seja encorajado e
inspirado por suas histórias de cura.
​À medida que escrevo, neste exato momento, o Brainspotting
continua a evoluir. O Brainspotting está se tornando cada vez mais
disponível, e muitos novos terapeutas Brainspotting vêm sendo treinados
todo o tempo. Há recursos no final do livro que vão ajudá-lo a localizar um
terapeuta Brainspotting em sua região.
​Ao acompanhar minha jornada com o Brainspotting, você pode
embarcar em sua própria jornada. Que a leitura deste livro seja o início de sua
própria experiência com o Brainspotting, para onde quer que o leve. Ofereço
a você a mesma orientação que compartilho com todos meus clientes: “Dê a
si mesmo tempo e espaço, e observe seu processo com abertura e
curiosidade”.

Capítulo 1 - A Descoberta Do
Brainspotting: Abrindo o caminho
com uma patinadora de gelo
Karen era uma patinadora de gelo competitiva com potencial para
participar de campeonatos. Era uma patinadora com muita prática, mas seu
desempenho em competições era precário. Havíamos trabalhado juntos
durante um ano de sessões intensivas, semanais, de 90 minutos. Ela tinha me
procurado com dois sintomas primários: durante seus aquecimentos de pré-
competição e seus desempenhos nos patins, ela sentia que não era capaz de
sentir as pernas, e sentia como se houvesse esquecido seus programas.
​Karen também tinha uma história de vida traumática. Ela foi a
primeira criança a nascer numa família caótica. Seus pais brigavam
constantemente, de modo que o barulho e o conflito a cercavam desde a
infância. Quando a irmã de Karen nasceu três anos depois, a estrutura da
família se rompeu; a mãe das meninas se aliou à irmã de Karen, e o pai delas,
à Karen. Esse rompimento estabeleceu um padrão de rejeição que foi
transposto para a prática de patins de Karen. O pai dela apoiou a patinação de
todas as maneiras, levando-a a uma infinidade de práticas, aulas, e até
competições. Sua mãe não se envolveu; ela não comparecia às competições
da jovem Karen. Quando o casamento dos seus pais desmoronou, Karen tinha
oito anos, e sua mãe lhe informou “A família se desfez por causa de sua
patinação!”.
​Como se isso não fosse suficiente para estragar seu amor e sua
confiança na patinação, Karen sofreu inúmeros ferimentos no gelo. A prática
da patinação era de no mínimo cinco horas por dia, enquanto a competição
em si era de menos que sete minutos – dois minutos e meio para o que é
chamado um programa curto e quatro minutos para um programa longo.
Assim, um praticante de patinação pode dedicar mil horas de prática para
menos de sete minutos de competição. Diante disto, a maior parte das
contusões acontece na prática. De fato, os patinadores normalmente caem
muitas vezes durante a prática. Embora as quedas e contusões sejam tão
comuns a ponto de serem muito ignoradas, cada queda no gelo acumula um
abalo ao jovem corpo do atleta.
​Karen não era diferente de qualquer outro patinador ao sofrer uma
contusão; no entanto, quando passava por um trauma físico, o trauma
emocional também ficava alojado em seu sistema nervoso. Quando ela sofreu
uma séria contusão nas costas, e foi levada à emergência, sentiu de novo a
rajada de frio da rejeição de sua mãe: “É sua culpa. Isto é o que você faz”.
Não era à toa que Karen congelava e entrava em pânico durante os
aquecimentos.
​A abordagem terapêutica que estava usando com a Karen era o
EMDR Fluir Natural. A dessensibilização e o reprocessamento através de
movimentos oculares (EMDR) é um método terapêutico descoberto nos
últimos anos da década de 1980 por Francine Shapiro, PhD. O EMDR utiliza
o movimento de olhos esquerdo-direito para estimular os hemisférios opostos
do cérebro, de um lado para o outro. Há hipóteses sobre como ocorre esta
estimulação cerebral bilateral, mas ainda não há uma resposta definitiva. O
uso de EMDR da ação bilateral pode ajudar uma pessoa a obter algum grau
de integração do cérebro esquerdo-cérebro direito. O lado esquerdo do
cérebro controla o lado direito do corpo e o lado direito do cérebro controla o
lado esquerdo do corpo. Nosso cérebro esquerdo pensa, usa a fala, e resolve
problemas. Nosso cérebro direito é intuitivo, emocional, e envolvido em
funções do corpo. Quando estamos sobrecarregados com a emoção e não
conseguimos pensar de forma direta, nosso cérebro direito toma o controle.
Quando estamos muito analíticos e distanciados de nossas emoções, ficamos
presos em nosso cérebro esquerdo. Mas quando estamos nos sentindo
integrados e nos desempenhando bem, nosso cérebro direito e esquerdo estão
interagindo um com o outro de modo eficaz.
​Para realizar esta estimulação esquerdo-direito, o terapeuta EMDR
movimenta sua mão de um lado para o outro na frente do campo visual do
cliente no nível da visão, e o cliente acompanha a mão com os olhos. Esta
técnica aparentemente estranha vem para fortalecer e aprofundar a cura de
uma pessoa quando combinada com um conjunto de passos prescritos e
desenvolvidos por Shapiro. O primeiro passo inclui a tomada da história e a
preparação. Então o terapeuta faz o cliente recuperar uma imagem de
memória traumática e dirige o cliente a pensar em crenças negativas e
positivas associadas com a imagem. O cliente é então dirigido a trazer a
imagem e a crença negativa simultaneamente e observar as emoções que
emergem. A intensidade dessas emoções é então classificada numericamente
em uma escala chamada SUDS[1], de zero, a classificação mais baixa, até dez,
a mais elevada. Todos esses passos servem para suscitar ou ativar sofrimento
no corpo do cliente.
​A partir daí, começam os movimentos esquerdo-direito do olho. O
terapeuta pausa ocasionalmente para ver o que acontece no interior do cliente.
A experiência interna do cliente é chamada de processamento, e é realmente
uma forma de atenção focada e poderosa. O cliente é levado a observar de
forma não crítica, passo a passo, o que está sentindo, incluindo memórias,
pensamentos, emoções ou sensações em seu corpo. Quando o terapeuta
finalmente traz o cliente de volta à imagem original, para ver como a imagem
e sua carga emocional mudaram, verifica-se felizmente que a intensidade da
memória foi reduzida.
​Fui treinado no EMDR pela Dra. Shapiro em 1993 e imediatamente vi
muitos clientes responderem à terapia de maneira intensa. Ainda assim,
alguns ficavam demasiadamente sobrecarregados pelo poder do EMDR, e eu
precisava modificar os procedimentos. Primeiramente, baixei a velocidade
dos movimentos oculares a fim de fazê-los mais suaves. Depois, havia
clientes que se tornavam muito ativados e mudavam sua atenção do lugar do
corpo onde sentiam angústia para um lugar onde se sentiam calmos e seguros.
Finalmente, produzi CDs com sons bilaterais calmos da natureza e música
para uso durante as sessões com o cliente. Esses CDs ajudaram os clientes a
se manterem mais calmos à medida que processavam sua experiência interna.
Chamei a minha versão revisada de terapia EMDR Fluir Natural.
​Desenvolvi o EMDR Fluir Natural em um workshop em que
finalmente ensinei a outros terapeutas EMDR em todos os Estados Unidos e
no mundo. Muitos terapeutas que fizeram o treinamento mais tarde me
contaram que, por isto, puderam utilizar o EMDR mais eficazmente com
todos seus clientes.
​Achei que o EMDR Fluir Natural foi especialmente efetivo com
atletas que frequentemente fraquejavam sob o holofote da competição. Com
sua vasta história de trauma e severa ansiedade de desempenho, Karen achou
o EMDR tradicional demasiadamente avassalador. Com o EMDR Fluir
Natural, ela permaneceu firme durante e após as sessões. Com movimentos
de olhos lentos e calmos e uma consciência de estar alicerçada naquele
momento, Karen foi capaz de liberar de seu sistema nervoso os traumas de
sua infância e seu tempo no gelo.
​Os atletas são grandes pacientes porque eles fazem o trabalho
terapêutico de forma tão diligente quanto fazem o esporte. Karen tinha
investido no EMDR Fluir Natural. Os resultados tinham sido excelentes. Mas
havia uma exceção – ela ainda não conseguia fazer um salto triplo. Este salto
era obrigatório em um dos dois programas, e não importa o que tentamos
fazer, ela continuou ‘pipocando’, e aterrissando após completar somente dois
spins invés de três. Este salto constituía o bloqueio remanescente do
desempenho de Karen, e era crucial. De alguma forma, todas as outras
técnicas que haviam resolvido com sucesso sua inibição e ansiedade nos
aquecimentos e competições não puderam romper a dificuldade com o salto
triplo.
​ m dia orientei Karen tanto para ver como para se sentir fazendo o
U
salto triplo em câmera lenta, e então congelar a imagem do salto no preciso
momento em que ela sentia que perdia o equilíbrio. Ela seguiu o exemplo
dado e sentiu um aperto no tronco e nas pernas. Consciente da tensão em que
ela estava, usei minha abordagem Fluir Natural à medida que ela
acompanhava meus dedos lenta e calmamente para frente e para trás em seu
campo de visão. Karen relatou que se sentiu presa, porém continuamos o
trabalho.
​Após cerca de um minuto, no momento em que meus dedos passaram
pela linha média do nariz dela, os olhos dela tremeram e então travaram no
lugar. Minha mão ficou presa junto. Parecia que alguém tinha agarrado meu
pulso e o tinha prendido no lugar!
​Pelos próximos dez minutos, os olhos de Karen permaneceram
‘travados’ em meus dedos paralisados. Os olhos dela ficaram parados em
meus dedos imóveis. Ela observava e relatava a respeito de um fluxo de
imagens e sensações físicas que pareciam vir não se sabe de onde. Ela
observava, de olhos arregalados, à medida que os traumas que não tinham
emergido durante o ano de terapia intensiva vieram agora à tona e se
apresentavam. Karen rapidamente processou através das memórias, um por
um. Ela reviveu sons e imagens de brigas familiares, insultos e doenças na
infância, e a morte de uma avó à medida que todas as memórias surgiam e
pareciam desaparecer. Mas o que mais me chamou a atenção foram as
memórias dos traumas de Karen, que pensei terem sido totalmente resolvidos.
Agora elas reabriram e de alguma forma processaram através de uma
resolução mais profunda. Nunca havia testemunhado algo assim em meus
vinte e cinco anos de prática.
​Após dez minutos, a torrente gradualmente diminuiu, e os olhos
travados e a oscilação desapareceram. Retomamos os movimentos oculares, e
a sessão parecia encerrar como todas as outras haviam encerrado. A resposta
de Karen foi tão inesperada e confusa para ambos que nenhum de nós fez
qualquer comentário.
​Na manhã seguinte, Karen me chamou animada ao telefone
diretamente do ringue de treinamento para relatar que tinha repetido o salto
triplo, sem qualquer problema. Percebi logo que alguma coisa nova e
diferente havia ocorrido na sessão do dia anterior. Imaginei se eu havia sido
testemunha de um progresso que transcendia meu trabalho com Karen.
​Observei de perto cada cliente que eu vi naquele dia, à medida que
lentamente rastreava seus olhos através de seu campo visual. Toda vez que
espiava uma irregularidade no olho, eu suspendia o movimento da mão, de
forma que o cliente olhasse para minha mão parada. E então eu observava e
esperava. Virtualmente toda vez, o processo mudava. Com alguns clientes, se
aprofundava e com outros, acelerava. Alguns clientes pareciam não notar
minha mudança de técnica e fluíam. Outros me perguntavam o que eu estava
fazendo. Mas todo o feedback era convincente. Ouvi comentários como “Ei,
isto parece diferente”, “Isto parece mais profundo” e “Sinto isto tudo de volta
na parte de trás da cabeça”. Para minha grande surpresa, esta nova abordagem
parecia ainda mais eficiente que aquela que eu já vinha usando. A abordagem
integrativa, EMDR Fluir Natural, que eu já havia usado até aquele tempo
tinha sido altamente bem-sucedida; assim, a descoberta de algo
significativamente mais eficiente foi profundo.
​Este foi o início do Brainspotting.
Sendo um Terapeuta Sênior amplamente conhecido em minha
comunidade profissional, quase a metade dos meus casos é constituída por
terapeutas, muitos dos quais praticantes do EMDR. Dessa maneira, ao testar
minha nova técnica com eles, isto lhes chamou a atenção. Assim que
experimentaram tanto o poder quanto a novidade deste olhar, eles me
assediaram com perguntas. “O que é isto? ” “Como foi que você apareceu
com isto?” “Que tipo de resultados você está obtendo?” – as perguntas
vieram de todos os lados. Respondi descrevendo minha experiência com
Karen. A maior parte dos clínicos tendem a ser curiosos e experimentais, e os
meus clientes que eram terapeutas levaram minha nova técnica para sua
prática e me trouxeram seus relatos. Animadamente, contaram-me sobre
avanços e mudanças inesperadas, mesmo de seus clientes menos responsivos.
​Enquanto isto, continuei usando meu novo método com meus
próprios clientes. Após um mês, através de meu trabalho e das experiências
de muitos outros terapeutas, eu havia acumulado um grande número de
provas do poder e eficácia de minha nova abordagem.
​As pessoas começaram a me perguntar “Como você chama isto?”, e
eu não tinha resposta. Pesquisei um grande número de nomes em potencial,
tais como Eyegazing, Eyefixation, Brainvision, e outros que são muito
embaraçosos para citar aqui. Finalmente, enquanto dirigia de minha casa em
Long Island ao meu escritório em Manhattan, veio à minha cabeça:
Brainspotting.
À medida que os meses passaram, eu expandi o uso do meu novo
método, da mesma forma como meus colegas fizeram em número cada vez
maior. Eles perguntavam se eu iria fazer um treinamento Brainspotting, mas
eu sentia que ainda era prematuro. Ainda estava explorando a variedade das
respostas dos clientes que vinha observando. Ao mesmo tempo, à medida que
o Brainspotting estava focando os clientes para uma cura maior, abria novas
portas de exploração potencial. A técnica era simples, mas a resposta era
complexa. Eu também descobri que a oscilação dos olhos e a parada dos
olhos não eram apenas reflexos que revelavam a presença de traumas
profundamente escondidos no cérebro; observei muitas outras reações
quando parava o movimento das mãos, tais como múltiplas piscadelas ou
piscada longa e olho mais aberto ou mais fechado. Qualquer reflexo da face
(ou em última instância do corpo) parecia se manifestar quando os olhos
chegavam a uma posição de relevância. Eu experimentei parar minha mão
quando observava uma tosse, um profundo inalar ou exalar, um movimento
de engolir mais difícil, lamber dos lábios, inclinação da cabeça, narina
dilatada, ou uma mudança na expressão facial.
​Cada vez, o processo parecia mudar de forma notável. O que quer que
o cliente estivesse experimentando mudava. As imagens e as memórias
vinham mais rapidamente. As emoções e a experiência do corpo iam mais
fundo e se moviam mais rápida e facilmente. Os clientes também começaram
a observar o processo enquanto estavam nele. O processo era fascinante e
ainda é.
​À medida que eu procurava pelos marcadores reflexos no campo
visual do cliente, percebi a sutileza e destreza necessárias para ajudá-lo a
encontrar e mantê-los no lugar. Era como uma dança de conexão e sintonia
entre cliente e terapeuta, muito mais que um processo mecânico. Os clientes
sempre perguntavam como eu sabia a hora de parar minha mão no ponto em
que eu parava. Quando eu perguntava se eles tinham alguma ideia sobre
porque eu parava, eles pareciam não ter qualquer ideia – mesmo quando era
seu próprio movimento de cabeça que me havia feito parar! Eu sentia que o
sistema reflexo do cliente estava me dando sinais para algo em pontos-chave
de seu campo de visão.

Enquanto isto, a praticidade entrou em cena quando se tornou cada


vez mais difícil manter a mão no mesmo lugar por longos períodos de tempo,
sessão após sessão. Experimentei várias formas de manter minha mão,
inclusive apoiando meu cotovelo em uma mesa portátil, mas nada funcionou
bem.
​O problema estava na parte de trás de minha mente quando visitei
minha mãe na casa onde cresci em Elmhurst, Queens. Meu pai havia morrido
dezesseis anos antes de câncer renal, e minha mãe havia deixado sua
escrivaninha intacta. Ao sentar na cadeira da escrivaninha, olhei para as
canetas, papeis, e os prendedores de papel. As memórias do papai sentado
àquela escrivaninha, preparando um dos inúmeros discursos sobre questões
judaicas. Ele era tanto um palestrante nacional quanto internacional que tinha
levado minha irmã e eu, juntamente com a mamãe, a países remotos por toda
nossa juventude. Despreocupadamente, abri suas gavetas, olhando dentro,
inundado em recordações. A última gaveta estava vazia com exceção de um
item – uma ponteira de prata desmontável.
​“É isto!”, pensei. Ajeitei a ponteira para dentro do bolso da camisa.
Por alguma razão, antes de sair, também decidi levar o chapéu de feltro de
meu pai, que estivera esperando há anos na prateleira de cima do guarda-
roupa. As ideias encheram minha cabeça.
​Em minha primeira sessão no dia seguinte, meu cliente era Stan, um
homem em seus cinquenta anos com uma ansiedade na fala que vinha da
infância. Ele estava apavorado com uma apresentação próxima na empresa
onde era executivo. Stan refletiu sobre sua última apresentação, em que ele
congelou e teve um desempenho medíocre. Aquela lembrança, juntamente
com a antecipação, trouxe o nível de sua ansiedade fora da escala. Seu
estômago apertou, e o coração batia muito.
​Tirei a ponteira, estendi-a totalmente e, devagar passei-a diante do
campo visual dele. À medida que movia a ponteira através da metade
esquerda de seu campo, tudo que vi foi uma série de piscadelas comuns e
sutis mudanças faciais. Quando movi a ponteira totalmente para o lado do
campo visual direito de Stan, ele começou a respirar rapidamente e começou
a tremer. Segurei a ponteira com firmeza, bem no centro do ponto que
evocava o reflexo, e guiei-o de modo a observar conscientemente seu
processo interno.
​Uma série de lembranças de traumas da escola fundamental até o
ensino médio chacoalharam dentro de Stan. Ele olhou a ponteira como se ela
retivesse toda a sua vida de fracassos e humilhação. Sua tensão física relaxou
por um momento, ficou num platô, depois subiu de novo. Ele recuou quando
visualizou uma mão grande vindo da direita. “Que diabos?”, ele deixou
escapar. Ele então viu um menino de três anos de pé sozinho na cozinha e
chorando. “Sou eu”, ele disse. Ele então ouviu a voz de sua mãe humilhando-
o – “Você é um mau menino! Por que não consegue fazer nada certo?” Ele
viu o menino tentando responder, e sua mãe responder de volta. “Chega! Não
responda sua mãe!” Ela deu um soco no rosto do pequeno Stan, da direita
para a esquerda.
​As lágrimas correram pela face do adulto Stan. À medida que seus
olhos se fixaram na extremidade da ponteira, ele observou uma sucessão de
memórias – lembranças de ter sido aterrorizado por abuso verbal e físico
inesperado de sua mãe durante a ausência do pai. Gradualmente a imagem
diminuía e apagava.
​Pedi-lhe para novamente refletir sobre sua última apresentação, e ele
se deu conta de que não houve a falha em que havia acreditado. Então o levei
a pensar na palestra programada para breve. Ele disse: “Meu medo ainda está
lá, mas muito menos. Acho que tenho uma ideia”.
​Abaixei a ponteira, e falamos durante os últimos dez minutos da
sessão. Stan estava surpreso, já que nunca havia feito a conexão entre ser
aterrorizado por sua mãe na infância e seu medo de falar agora, como adulto.
Ele achou ainda mais marcante que tenha sempre se sentido mais vulnerável
do lado direito, onde sua mãe costumava batê-lo. Stan colocou sua mão do
lado direito do rosto e disse “eu até sentia isto no meu rosto”.
​Ele terminou a sessão dizendo: “Talvez o passado não tenha que ser o
prólogo”.
​No restante do dia eu utilizei a ponteira e me dei conta de que havia
encontrado o jeito confortável para ajudar os clientes a encontrarem e
manterem as posições dos olhos. Os clientes pareciam estar quase
magnetizados pela ponta prateada que havia substituído meu dedo.
​Desde então, todo profissional em treinamento tem recebido uma
ponteira. Foi e é um equipamento exigido para qualquer Brainspotter nos
Estados Unidos e em torno do mundo. Nunca imaginei que me tornaria um
conferencista internacional como meu pai tinha sido. Meu pai tinha levado
sua ponteira para onde quer que viajasse em volta do globo para ensinar.
Levo-a comigo em todos meus treinamentos internacionais. Obrigado, Pai!

Capítulo 2 - Brainspotting de Janela


Externa: Lendo os Sinais Reflexos
Durante os primeiros seis meses após minha descoberta inicial, o
Brainspotting, conforme executado por mim e pelos terapeutas que haviam
aprendido informalmente comigo, consistia tão-somente em procurar os
brainspots observando os sinais reflexos nos clientes em várias posições do
olho. Mas à medida que eu escaneava os campos visuais dos clientes,
esperando seus reflexos para mostrarem a si mesmos, alguns clientes
começaram por sua iniciativa a me apontar em outras direções. Um deles
dizia: “Volte. Você deixou escapar isto”, e outro dizia “’É para a esquerda”.
​Enquanto eu procurava pontos de ativação do lado de fora, eles
sentiam a ativação de dentro. Em outras palavras, os clientes observavam que
sentiam sensações mais intensas emergindo de seus corpos em várias
posições do olho onde eu não estava vendo uma resposta reflexiva. Dei-me
conta de que havia uma segunda via para assegurar posições do olho
relevantes (ou brainspots), além dos sinais externos reflexos. Uma segunda
forma de brainspots estava emergindo após descobrir a primeira.
​Agora, armado de duas formas de encontrar os brainspots, fui
desafiado a lhes dar nomes diferentes. Todos conhecemos a citação de
Shakespeare de “Sonho de uma Noite de Verão”: “Os olhos são a janela da
alma”. Chamei o método original em que o terapeuta olhava nos olhos do
cliente e via os sinais reflexos de “Brainspotting da Janela Externa”. O
segundo método, no qual o cliente, procurando do lado de dentro, disse a
mim, terapeuta, onde estava a posição relevante do olho, e eu chamei de
“Brainspotting da Janela Interna”.
​Este capítulo explora as nuances da Janela Externa, e o Capítulo 3 vai
mergulhar na Janela Interna.
A primeira pergunta que a maioria das pessoas faz quando lhes
apresento o Brainspotting da Janela Externa é “Como os reflexos podem lhe
contar onde existe alguma coisa de ordem psicológica?” É uma boa pergunta
já que os reflexos são encontrados em todas as espécies inferiores. Nos
humanos, alguns reflexos são tão primitivos que eles são inteiramente da
espinha dorsal, nem mesmo envolvendo o tronco cerebral. O reflexo patelar
(reação reflexa do joelho) é um exemplo; o estímulo no joelho viaja ao corno
anterior da medula, e em seguida viaja de volta ao joelho, provocando a
resposta do estímulo sem sequer envolver o cérebro. Este processo é tão
primitivo que envolve somente uma única sinapse do sistema nervoso.
​Há virtualmente incontáveis reflexos no sistema humano, e todos eles
estão envolvidos de uma forma ou outra com nossa sobrevivência. É por isto
que o médico lança luz nos olhos da pessoa para verificar se tem algum dano
cerebral. Nossos instintos de sobrevivência são o que nos trouxeram até aqui
e nos mantém aqui. Eles nos guiam e nos moldam. Nosso reflexo de
afastamento nos puxam instantaneamente de volta dos fornos aquecidos
proverbiais de nosso ambiente. Nossos reflexos respiratórios permitem que o
oxigênio reabasteça nossas células e que o dióxido de carbono seja liberado
de nossos corpos. Os instintos de sobrevivência são incrivelmente poderosos,
então quando os terapeutas procuram os marcadores ou pontos da Janela
Externa, é como se estes pontos estivessem se revelando do mente-corpo
inconsciente profundo, onde os segredos estão presos no cérebro e talvez na
espinha.
​Estas respostas indicam que a sede daquilo que nos faz ser quem
somos, o que determina nosso eu psicológico, são nossos reflexos básicos?
Não somos nós mais complexos do que isto? Bem, somos membros do reino
animal, e realmente somos nossos corpos. O cérebro é uma parte do corpo,
ainda que quase infinitamente complexo.
​O cérebro humano pode ser dividido em várias partes diferentes,
dependendo de como você o vê. A maioria de nós está familiarizada com a
divisão entre o cérebro esquerdo (ou pensante) e o cérebro direito (ou
emocional). Muitos de nós estamos menos familiarizados com o cérebro
triuno (de três partes), que vai da frente para trás. Na parte da frente está o
cérebro cortical ou pensante, que é encontrado em todos os primatas, mas que
é mais avançado nos humanos. No meio, está o cérebro emocional ou
límbico, que é compartilhado por todos os mamíferos. Na parte de trás está o
cérebro reptílico que contém o tronco cerebral ou o cérebro reptiliano, assim
chamado por sua primitividade.
​ O cérebro reptílico transita diretamente para dentro da coluna
espinhal superior, que nos conecta a um sistema físico que é tão primitivo
quanto altamente complexo. Após trinta e sete anos como terapeuta, aprendi
que os processos psicológicos são uma bela interação entre nossos ambientes
interno e externo. Nosso cérebro inconsciente reage a uma velocidade que
nosso cérebro consciente, pensante, pode, no máximo, apenas seguir e,
certamente, não liderar. Nosso hemisfério direito, livre do pensamento e da
linguagem, pode nos liderar com sua vasta sabedoria intuitiva e sintonizada.
Ignore seu cérebro direito por sua conta e risco!
​Assim não é tão exagerado considerar que nossos reflexos, nossos
instintos de sobrevivência, são a base de quem somos, o que somos, e o que
fazemos. Você pensa que um sorriso ou o franzimento do rosto ou qualquer
expressão não é reflexo em sua derivação? Ou você pensa que uma mãe
olhando nos olhos do seu recém-nascido ao mesmo tempo em que o bebê
olha de volta nos olhos dela não é primal? Estamos começando a estudar
estes fenômenos de sobrevivência utilizando instrumentos de escaneamento
cada vez mais sofisticados potencializados pelas análises de
megacomputadores. E acredito que esses mesmos fenômenos são também a
chave para encontrar e resolver os traumas alojados em nossos corpos.
Quando o cérebro escaneia a si próprio para revelar onde está retendo os
traumas, esses sinais reflexos são o que dizem ao cérebro – e a nós – que
encontrou algo importante.

Aqui está como o processo do Brainspotting da Janela Externa básico


é estabelecido e como parece atuar.
​Numa sessão de Brainspotting, o terapeuta indaga o que a pessoa quer
trabalhar e então determina se a pessoa está ativada para este fim. Procurar
respostas reflexas numa pessoa que está ativada, ou focada, em relação a uma
questão é diferente de procurar estas respostas em alguém que não está. O
cérebro num estado de descanso parece muito diferente de um que está ativo.
Assim, para que o Brainspotting trabalhe, a pessoa precisa estar ativada.
​A ativação é um termo especialmente escolhido no Brainspotting.
Outras terapias são mais aptas para utilizar as palavras perturbação ou
angústia, mas eu prefiro ativação porque é mais genérico e abrangente. Não é
incomum, na terapia, utilizar termos que não capturam a essência da
experiência interna. Escolhi o termo ativação para representar como
percebemos tanto as emoções ou sensações do corpo. Para mim, ativação é o
espelho que reflete o que sentimos no cérebro e no corpo, e é crucial no
Brainspotting.
​Para algumas pessoas, os problemas e sintomas vão e vêm, e para
outros, eles estão sempre presentes. Se um cliente sofre com uma fobia, um
trauma, ou um problema de relacionamento, ele pode, com sucesso, evitá-lo
às vezes, ou pode carregá-lo constantemente. Você pode pensar que as
pessoas que vão à terapia estão estressadas a maior parte do tempo. Mas os
problemas podem não somente fazer uma pessoa sentir demasiadamente
(hiper); podem fazer também com que uma pessoa sinta muito pouco (hipo).
Algumas pessoas estão presas no hiper, algumas estão presas no hipo, e
algumas ficam entre um e outro. Se você já viu alguém logo após um
acidente de carro, você pôde notar como parecia estar paralisada. Não estava
calma – estava em choque. Outro termo para este estado de se encontrar
paralisado é dissociação, o que significa estar completamente à parte de suas
emoções ou sensações físicas. A dissociação é um mecanismo profundamente
inconsciente de sobrevivência que é disparado diante de uma experiência
avalassadora. As pessoas que tiveram traumas repetidos, especialmente
começando na infância, tendem a combinar a sub-reação com colapsos
ocasionais e explosões emocionais intensas.
​Se um cliente ainda não está ativado em relação a uma questão, o
terapeuta Brainspotting deve orientá-lo a “ir para dentro de si e fazer qualquer
coisa que precise para ativar a si próprio”. O próximo passo é dar um número
ao nível de ativação. Para isto, utilizamos a Escala de Unidades Subjetivas de
Perturbação (SUDS) que tomamos emprestado do EMDR. A escala foi
desenvolvida em 1969 pelo renomado behaviorista Joseph Wolpe. Como
explicado no Capítulo 1, esta escala classifica o nível de perturbação (em
Brainspotting dizemos “o nível de ativação”) de dez, que é o mais elevado,
para zero, que é neutro ou nenhuma ativação. O SUDS é utilizado
efetivamente em outras abordagens para não somente avaliar onde o cliente
começa, mas também para rastrear seu progresso através do processo até que
(com sorte) alcance uma base zero. Para muitos clínicos – especialmente
terapeutas psicodinâmicos, que trabalham com processos menos estruturados
– uma escala de avaliação parece um tanto estranha e mesmo anti-intuitiva.
Mas é um instrumento altamente válido que envolve as partes
computacionais do cérebro no processo. Introduz o conceito de resolução
total, que é estranha em muitos cantos do mundo psicoterápico.
​Depois que o nível SUDS é determinado, o terapeuta Brainspotting
vai direto aos processos somáticos. Somático simplesmente significa
“referente ao corpo”. Não perguntamos sobre cognições, crenças ou emoções.
Por que não? Porque estamos procurando deixar o cliente em seu corpo-
cérebro, longe da análise, pensamento, e mesmo linguagem. O que está no
corpo está no cérebro, e o que está no cérebro está no corpo. O corpo e o
cérebro são interconectados e inseparáveis. Os terapeutas Brainspotting vêem
a experiência do corpo como uma forma de rastreamento cerebral, de forma
que quando a pessoa sintoniza seu corpo, estão também acessando e focando
sua atividade cerebral. Perguntamos ao cliente: “Onde você sente a ativação
em seu corpo agora?”
​A parte do agora é importante porque estamos procurando orientar e
centrar o cliente no momento presente. O problema está no momento, e a
ativação está no momento, como está no processo de cura. Não importa o que
o cliente responda, aceitamos sem questionar. A ativação do corpo é
frequentemente sentida na cabeça, garganta, peito, coração, estômago ou
costas. O que é interessante, estas são todas áreas carregadas com neurônios,
porque estas áreas abrigam o cérebro (é claro), a espinha, e o sistema nervoso
entérico – o sistema nervoso local do sistema digestivo, também conhecido
como “cérebro das entranhas”.
​Após seguir os passos de ativação, determinar o nível do SUDS, e
identificar as experiências somáticas (corpo), estamos prontos para encontrar
o brainspot. No Brainspotting da Janela Externa, o terapeuta lentamente
movimenta a ponteira à frente do campo visual da pessoa no nível do olho,
começando ou da esquerda ou da direita. Chamo este processo de
“mapeamento de brainspots” porque observamos os olhos, o rosto, e, tanto
quanto possível, o corpo do cliente. Qualquer resposta reflexa conta, quer
sutil quer pronunciada.
​O mapeamento de brainspots é uma ciência inexata; descobri que
enquanto todos os brainspots parecem trabalhar visando a cura, alguns dão
acesso mais direto a questões centrais do que outros. No entanto, também
tenho descoberto que mesmo sinais tênues, tais como piscadelas parciais que
chamo de “piscadelas de bebê”, podem ser significativos. Há uma infinidade
de reflexos e, como descrevi no Capítulo 1, podem incluir olhadelas, olhos
bem abertos, franzir de sobrancelhas, inclinação da cabeça, levantar da
sobrancelha, morder o lábio, abrir as narinas, tiques faciais, tossir, espirrar ou
engolir. Os jogadores de pôquer chamam esses reflexos de “avisos”, porque
podem revelar as tentativas do oponente de esconder um blefe ou uma mão
forte. Para os terapeutas, estes sinais revelam a informação mantida no
cérebro e refletida no corpo que pode focar o processo de cura.
​A piscadela tende a ser o reflexo mais generalizado que observamos
nos olhos. A piscadela parece ser mais complexa do que se poderia pensar,
mesmo envolvendo o circuito neural simples. Aqui está minha teoria de como
a piscadela pode se relacionar ao Brainspotting. Quando piscamos, fechamos
os olhos para o que parece ser um breve momento. No entanto, os aspectos
do cérebro são atemporais, e assim experimentam esta paralização de input
visual como uma pausa significante. Esta paralização constitui uma mudança
do estado do cérebro quando todas as imagens são geradas internamente.
Quando a piscadela termina e os olhos reabrem, o input recomeça, seguindo-
se outra mudança de estado mental. Tudo isto acontece durante um evento
aparentemente breve, o que sugere a mim que nenhuma piscadela é
insignificante ou por acaso. E cada um pode dar a dica ao terapeuta sobre a
presença de um brainspot no campo visual de uma pessoa que está ativada.
Alguma coisa está lá, e emerge quando conscientemente paramos e
esperamos com paciência.
​Logo que identificamos o ponto reflexivo, ou a Janela Externa do
Brainspot, guiamos o cliente para observar conscientemente o processo
interno, onde quer que esteja indo. Encorajamos a curiosidade e a abertura e
desencorajamos as expectativas. “Veja o que vem em seguida – o que vem
depois e então o que se segue. Não tente dirigir o processo, e não tente focar
nisto ou impedir o processo. Confie em seus instintos” é o que sempre digo.
Alguns clientes participam naturalmente deste processo; outros têm uma
curva de aprendizado, e pode levar um tempo para se acostumar com o
processo.
​Chamo esta forma de processar de mente focada porque traz
consciência à pessoa que está ativada em numerosos níveis em relação a uma
questão. Em minha estimativa, guia o cérebro consciente, pensante e
observador a seguir as atividades do cérebro mais profundo. A jornada, o
processo focado na mente, pode incluir pensamentos ou lembranças
conscientes, ou pode compreender inteiramente as sensações do corpo que
mudam continuamente de uma parte do corpo para outra. Às vezes, passa em
velocidade muito rápida; outras vezes parece estar em câmera lenta. Parece
não ser um problema se a informação que surge é compreensível ou não. A
jornada é sequencial, embora a razão de uma coisa seguir a outra é às vezes
intrigante. Meu palpite é de que estamos observando uma rápida jornada
sináptica neuroplástica em amplos caminhos neurais intrincados. Em outras
palavras, estamos testemunhando nossa própria cura cerebral.
​Como podemos saber que a cura está realmente ocorrendo? Porque
quando retornamos ao nosso ponto inicial – a questão escolhida e a avaliação
do SUDS - a mudança é quase sempre evidente. Às vezes a mudança é sutil, e
às vezes é dramática. A avaliação do SUDS geralmente cai – às vezes um
grau menos, às vezes mais. A ativação pode aumentar, mas isto não é
problema. Significa que as coisas estão se movimentando e a cortina da
dissociação pode estar sendo levantada. Mas mesmo que não haja mudança
quantitativa, observamos uma mudança qualitativa. A ansiedade pode ter se
transformado em raiva ou tristeza já que um estado emocional leva a outro.
Quando você desafia o cérebro, você o mobiliza; você o modifica.
​Aqui está um exemplo de processamento de Stuart, um jovem de
vinte e cinco anos que buscou ajuda com uma perturbação de pânico.
Estávamos focando em sua memória de fobia da escola no jardim de infância.
O SUDS começou em oito, e ele sentiu a ativação no peito e no abdômen. A
Janela Externa do Brainspot estava off à esquerda dele, e foi revelada por
piscadela intensa com uma série de fortes movimentos de engolir. Ele olhou
intencionalmente para a extremidade da ponteira.
​“Vejo-me no canto do quarto chorando,” disse Stuart. “Os professores
e as outras crianças estão me ignorando. Pareço perdido e confuso”.
​Ele parou e olhou fixamente para a extremidade da ponteira durante
sessenta segundos.
​“Tudo ficou escuro. Não consigo ver nada. Estou apavorado. Meu
estômago dói”. Ele literalmente segurou o estômago.
​“Ouço um som de gemido. Sou eu em meu berço à noite. Devo ser
dois. Ninguém está vindo. Eu choro e choro”. Neste ponto, as lágrimas
correram pela face adulta de Stuart.
​“Costumava ter medo do escuro. Minha mãe me disse que eu era uma
criança difícil, com medo de tudo, até de minha sombra. Tenho tido
pesadelos toda minha vida, sendo caçado pelos becos escuros”.
​Aqui, Stuart se sentiu silencioso, testemunhando seu processo
internamente. Então continuou.
​“Tudo ficou escuro de novo. Comecei a sentir um aperto na garganta.
Então me lembrei de quando estava na segunda série. Eu detestava a escola e
fingi que estava doente. Meus pais costumavam me arrastar para a escola. Eu
era infeliz. Após alguns meses, eu finalmente me adaptei, mas nunca gostei
da escola”.
​Ele ficou silencioso por mais dois minutos, ainda olhando para a
ponteira, antes de me dizer: “Pulei para o primeiro semestre da faculdade.
Vinha para casa todo fim de semana. Mas no segundo semestre as coisas
melhoraram um pouco”.
​Pedi a ele que voltasse para onde ele havia começado e visse qual era
o grau de ativação agora. Era seis. Ele disse que se sentia ativado no corpo –
na garganta, embora não estivesse tão apertada como antes.
​ experiência de Stuart ilustra não somente como o processo da
A
mente focada se conduz, mas também qual o tipo de resultado que ocorre.
Alguma coisa sobre este processo levou a uma diminuição do nível do SUDS
e uma mudança e abrandamento da tensão do corpo. Após duas sessões,
alcançamos um SUDS zero. E esta parte do problema de Stuart foi resolvida e
processada.
​Mas não houve uma resolução completa. Na verdade, Stuart sofreu
um transtorno de estresse pós-traumático complexo (TEPT) com múltiplos
traumas na infância e adolescência. Seu transtorno de pânico foi uma
expressão difusa dos seus sintomas de trauma, que incluíam problemas
afetivos com uma mãe que estava carregando sua própria história de traumas.
O tratamento de Stuart compreendia seis meses de sessões semanais. À
medida que continuava a processar seus problemas com o Brainspotting, ele
conseguiu controlar o transtorno de pânico, o que o afetava apenas
ocasionalmente. Ele havia se curado da maior parte do seu trauma.
​O Brainspotting de Janela Externa foi claramente eficiente com
Stuart, e ainda funciona bem com a maior parte dos clientes. Os reflexos
estão sempre presentes e facilmente localizados na maioria dos clientes.
Comparado a outras formas de Brainspotting que você vai aprender nos
capítulos seguintes, o Brainspotting de Janela Externa permite aos clientes e
terapeutas encontrar e alcançar as partes mais profundas do cérebro e talvez
da espinha. No entanto, alguns clientes preferem o Brainspotting de Janela
Interna sobre a qual você vai aprender no próximo capítulo, porque eles se
envolvem mais conscientemente em achar o brainspot.

Capítulo 3 - Brainspotting de Janela


Interna, Som BioLateral, e
Brainspotting de um olho: Inovações
desde o Início
O Brainspotting (mais tarde chamado Brainspotting de Janela
Externa) foi uma inovação do EMDR de Fluir Natural, que foi por si mesmo
uma inovação. O Brainspotting é uma inovação por sua própria natureza, e eu
e outros terapeutas treinados em meu método estamos sempre acrescentando
outras inovações. As três primeiras inovações no Brainspotting foram os
modelos da Brainspotting de Janela Interior e do Brainspotting de um Olho, e
a incorporação de uma das minhas invenções, o Som Biolateral, no processo
Brainspotting. Este capítulo vai explorar o desenvolvimento de todos os três,
começando pela Janela Interior.

É dito que o freguês tem sempre razão. Acredito que também seja
verdade que o cliente está sempre certo. Os clientes sabem o que sentem no
seu interior, enquanto os terapeutas, olhando do lado de fora, são bem
limitados. Assim, quando meus clientes me direcionavam aos brainspots do
lado de dentro enquanto eu estava procurando do lado de fora, eu prestava
atenção. Quando olho para trás, parece óbvio que os clientes saberiam onde
os brainspots estão por aquilo que sentem dentro, mas honestamente, àquele
tempo, não era óbvio assim. Em minha experiência, os terapeutas são
ensinados de que deveriam saber como diagnosticar e tratar os clientes a
partir de sua observação do lado de fora. De certo modo, eles podem fazer
assim. Mas a vastidão dos sistemas neurais e a singularidade de cada
indivíduo implicam menos certeza do que os terapeutas admitem.
​Neste espírito, tenho trazido o princípio da incerteza ao Brainspotting,
respeitando quão pouco realmente sabemos sobre causa e efeito internos. O
princípio da incerteza vem do trabalho do médico Werner Heisenberg. Em
1927, Heisenberg publicou pela primeira vez seus conceitos, e eles foram
uma descoberta crucial no desenvolvimento inicial da Teoria Quântica. No
domínio da Física, o princípio da incerteza propõe que quanto mais
precisamente uma propriedade é mensurada, menos precisamente a outra
pode ser controlada, determinada ou conhecida. O mesmo se aplica à
dinâmica humana e o que transpira no consultório de terapia. A maior parte
do que vai dentro de uma pessoa é incognoscível, e quando os terapeutas
intervêm em seu sistema, o verdadeiro resultado é, da mesma forma,
incognoscível. Se é assim, como um terapeuta tem a deixa de como intervir?
​Logo que me dei conta de que o sistema humano é tão vasto a ponto
de ser incognoscível, eu me rendi. E esta rendição não foi uma derrota – foi
uma libertação. Não mais tentei conhecer o que não poderia conhecer e, no
lugar disto, comecei a procurar o que poderia conhecer, por escasso que
fosse.
​Nos treinamentos Brainspotting, os treinandos são ensinados que
qualquer e todos os brainspots de Janelas Externas funcionam. Sei que isto é
verdade a partir de minhas próprias observações. No entanto, eu sempre
imaginei o que na verdade estava acontecendo, quer fosse sutil ou profundo,
em cada brainspot. Eu sabia que algumas respostas reflexas eram mais
significativas que outras, mas nunca pude determinar a razão com alguma
consistência. Gostaria de ter clientes conectados a alguma máquina que
pudesse me fornecer um feedback de maneira a fazer meu trabalho mais
preciso. A chegada da Janela Interior me forneceu aquele feedback – sem
qualquer exigência de escanear o cérebro ou o corpo.
​Em vez disto, percebi que ao cliente auto observado faltava sentido
em prosseguir. Sensação Sentida (‘felt sense’) é um termo atribuído ao
terapeuta e filósofo Eugen Gendlin, que desenvolveu um método terapêutico
chamado Focusing, embora eu tenha também ouvido o termo “sensação
sentida” utilizado em aulas de teatro também. Quando os clientes começaram
a me dirigir para seus próprios brainspots, me contando: “Eu sinto isto por
ali,” “Me senti apertado aqui dentro”, ”Me senti mais ansioso ali”, e “Eu
sabia disto”, dei-me conta mais tarde de que esta sensação sentida vinha de
reflexos, exatamente como aqueles que eu estava identificando do lado de
fora na Janela Exterior do Brainspotting. Em outras palavras, a intensificação,
aperto, ou “eu sabia disto”, lá dentro era também uma resposta a um
estímulo, como a oscilação e o bloqueio do olho da patinadora Karen. E o
estímulo também foi uma posição específica do olho. Com algumas pessoas,
o ponto era tão preciso que eu continuava a perder contato com o ponto
quando eu levemente movia a ponteira fora da posição.
​Brainspotting é uma ciência de observação; a chave para o
Brainspotting de Janela Externa é a habilidade do terapeuta em observar de
perto, e pegar de forma acurada nos sinais reflexos do cliente. Imaginava se
que o Brainspotting de Janela Interna, que confiava nas habilidades de
observação do cliente, seria tão eficiente quanto o Brainspotting de Janela
Externa. Meus clientes e eu seguimos os mesmos primeiros três passos para
escolher a questão na qual trabalhar e ter certeza de que carregava ativação,
identificando o nível SUDS, e localizando as sensações do corpo. Mas então,
à medida que o cliente lentamente escaneava de forma horizontal através de
seu campo de visão, eu o instruía a me informar onde ele sentia a maior
ativação, ao contrário de observá-lo de perto para sinais reflexos externos. Às
vezes, os clientes eram claros sobre sua sensação sentida e encontravam um
brainspot à primeira tentativa. Para outros, a sensação sentida era mais sutil, e
tínhamos que atravessar o campo visual para a frente e para trás algumas
vezes antes de localizar a posição do olho.
​Logo que tínhamos o brainspot da janela interior, eu observava o
cliente de perto para discernir quaisquer diferenças entre os brainspots de
Janela Interior e Exterior– e tenho que admitir, qualquer diferença era difícil
de determinar. Ambos os tipos de brainspots funcionaram de forma
extremamente eficiente embora, talvez às vezes, de forma diferente.
​As preferências individuais eram interessantes. Alguns clientes
gostavam do controle consciente dado a eles pelo Brainspotting de Janela
Interna, enquanto outros preferiam passar o controle ao terapeuta com o
Brainspotting de Janela Externa. Com alguns clientes, eu usaria o mesmo
método em todas as sessões; com outros, eu alternaria entre os dois. A
determinação foi feita pela combinação da preferência do cliente e minhas
observações de suas respostas. Às vezes a escolha era estratégica, e outras
vezes era intuitiva. Por exemplo, se o processamento do cliente parecia estar
genuinamente preso no brainspot de Janela Interior, posso então procurar o
brainspot da Janela Exterior, e a mudança, às vezes, reavivava as coisas.

“O cliente conduz e o terapeuta segue” estava se tornando meu


mantra. E estava levando a inovação após inovação e a expansão permanente
da teoria e prática Brainspotting.
​Dentro de meses de minha descoberta do Brainspotting de Janela
Interna, ocorreu um outro fenômeno interessante. À medida que guiava os
olhos do cliente em movimento horizontal em seu campo visual no nível dos
olhos, alguns começaram a me pedir que movimentasse a ponteira para cima
e para baixo. O direcionamento “está lá em cima” ou “está lá em baixo” me
mostrava que os brainspots não estavam localizados apenas no eixo
horizontal unidimensional, ou eixo x. Comecei a rastrear o eixo vertical para
cima e para baixo, ou o eixo y também. Podíamos agora explorar o inteiro
campo de visão e não ficar restritos a uma linha reta.
​Com o campo de visão expandido, eu tinha primeiro que decidir como
determinar que direção mudar a ponteira. Decidi que primeiro procuraria pela
Janela Interior do brainspot horizontalmente ao nível do olho do cliente.
Logo que encontrávamos um brainspot no eixo, eu movimentaria a ponteira
primeiramente para cima do nível do olho e então movimentaria para baixo e
abaixo do nível do olho. Chamei esta primeira exploração de eixo x e depois
explorando o eixo y.
​O processo de dois passos foi muito mais desafiador do que parece
porque encontrar o Brainspot de Janela Interna poderia ser marcadamente
preciso. Alguns clientes diziam: “Você perdeu isto – volte” ou “Você acabou
de encontrar e perdeu”. Sendo alguns clientes menos expressivos que outros,
eu nem sempre podia confiar neles para relatar quando tínhamos encontrado
o verdadeiro brainspot. Mas quando o poderoso processo continuava
resultando numa mudança significativa no nível de ativação do cliente, eu
sabia que havia encontrado um.
​Além de me mostrar que brainspots de Janela Interna poderiam estar
localizados ao longo de um eixo vertical tanto quanto num horizontal, o
feedback dos meus clientes também me informava que às vezes era o
movimento da ponteira, e não a posição do olho, que estava permitindo a
ativação crescente. Então eu dividi a procura pelos brainspots de Janela
Interior em dois setores no eixo x (esquerda ou direita) seguida de dois
setores no eixo y (acima ou abaixo). Em cada um desses quatro brainspots
potenciais, eu parava o movimento e mantinha a ponteira imóvel por cinco a
dez segundos. Esta cessação era para dar ao cliente a oportunidade de se
ambientar e avaliar se esse ponto era o mais ativo de todos os pontos
potenciais.
​Mas eu logo me dei conta de que este método não era suficientemente
preciso, quando ignorei o possível pico da ativação no meio do campo visual
do cliente. Então revisei os processos outra vez: ao contrário de mover a
ponteira apenas para a esquerda ou a direita no nível dos olhos do cliente (o
eixo x), e então mover para cima e para baixo (o eixo y), eu também parei no
centro do ponto de cada eixo para ver se talvez aquele ponto detinha a maior
ativação. Perguntei ao cliente: “Você sente a maior ativação acima, em, ou
abaixo do nível do olho?” dando pausa em cada ponto vertical de forma a
ajudar a determinação do cliente quanto ao brainspot potencial. Esta nova
abordagem para o Brainspotting da Janela Interna é ainda ensinada desta
forma em todo o mundo.

Nos anos 1990 eu trouxe muitas inovações para o modelo EMDR,


que eventualmente integrei em minha própria abordagem modificada, EMDR
de Fluir Natural. Embora este modelo tenha usado o poder do EMDR, tanto
ele o atenuou como tirou proveito de sua criatividade.
​O Som Biolateral foi uma das minhas primeiras descobertas. Nos
primeiros dias do EMDR, foi descoberto que além dos movimentos oculares
direito-esquerdo, havia outras formas de estimular os hemisférios esquerdo e
direito do cérebro e assim obter um efeito bilateral. Uma dessas formas era a
estimulação auditiva. O terapeuta deveria estalar os dedos próximo aos
ouvidos do cliente, alternando entre esquerdo e direito. Este método
funcionou porque quando ouvimos com nosso ouvido esquerdo, a metade
direita do cérebro é estimulada, e quando ouvimos com o ouvido direito, a
ativação muda para o cérebro esquerdo. Mesmo assim esta abordagem
sempre pareceu estranha para mim. Eu não conhecia qualquer terapeuta
EMDR, ou qualquer outro que pudesse estalar os dedos por mais de um
minuto, muito menos durante toda uma sessão. Parecia que mais se perdia do
que se ganhava utilizando esta técnica.
​E ainda assim, utilizar o som para a estimulação esquerda-direita foi
eficiente para o processamento EMDR. Não levou muito tempo que alguém
desenvolvesse uma caixa de música com fones de ouvido que transmitia
músicas alternadamente para os ouvidos esquerdo e direito do cliente. A
velocidade e o volume das músicas podiam ser mudados, mas as músicas
eram aborrecidas, assim como sua qualidade metronômica.
​Comprei uma caixa de som, experimentei, e fui surpreendido por sua
eficiência. Alguns clientes preferiam mesmo usá-la para seguir os
movimentos esquerdo-direito. Foi uma verdadeira revelação para mim.
Quando alguns de meus clientes tinham ansiedade ou sintomas de depressão
que pareciam voltar logo após deixarem as sessões, comprei algumas caixas
de som extras e lhes emprestei os equipamentos para uso entre as sessões.
Para alguns, o uso das caixas de som fez a diferença, reduzindo os sintomas
entre as sessões e aumentando os efeitos positivos das sessões. No entanto,
quando encorajei esses clientes a comprar suas próprias caixas de som, todos
com exceção de um hesitaram em gastar cem dólares para uma máquina que
apenas produzia sons incômodos.
​Eu queria desenvolver alguma coisa que fosse menos onerosa para os
clientes e mais agradável de usar. Eu já vinha refletindo sobre como os
aborrecidos sons bilaterais poderiam ser substituídos por sons calmantes de
efeito curativo que se movessem para trás e para frente de um ouvido para o
outro. Imaginava se poderia inventar uma gravação que trocasse as fases ou
deslocasse esquerdo e direito de uma forma suave.
​Depois de meses de contemplação, consegui ir a um estúdio de som
com meu amigo Evan Seinfeld, vocalista do grupo Biohazard, de heavy
metal-rap. Tínhamos ficado logo amigos em um vôo de New York a Los
Angeles e compartilhávamos um interesse mútuo em cura e som. Então Evan
e eu entramos em um estúdio no centro de Brooklyn, e saímos dez horas
depois, às duas da manhã, com uma fita cassete nas mãos. Dirigindo de volta
para casa em Long Island, coloquei a fita cassete no aparelho de som e ouvi.
Gostei do som original, mas logo perdi minha linha de raciocínio. Depois de
parar de me ocupar do som, foquei nele de novo. Uma vez mais eu estava
longe no som do “lalala”. Levou um tempo para finalmente eu entender o
que estava acontecendo. A fita me induziu a um processo tão profundo que
eu sequer havia notado. Pensei que dirigir no meio da noite poderia também
ter contribuído para minha perda de concentração, então no dia seguinte fiz a
experiência com minha mulher, Nina, e o filho, Jonathan. Achamos que a fita
induziu o processo em ambos também.
​Trouxe a fita para o consultório para testá-la com os clientes que já
estavam utilizando a caixa de som. Funcionou. Cada cliente preferiu a fita às
caixas de som com as músicas, então eu apresentei a fita ao restante de meus
clientes EMDR. Foi um grande sucesso com a maioria deles, exceto um ou
dois clientes EMDR, que simplesmente não gostavam do som. Fiz cópias
baratas para os que usavam as caixas de som fora das sessões, e eles gostaram
não somente pelos resultados, mas também pelo preço módico cobrado.
​Quando meus clientes me perguntaram como eu chamava os sons
destas fitas, percebi que não havia pensado no nome. Em homenagem às
generosas contribuições de meu amigo Evan, fiz a combinação do nome deste
grupo, Biohazard, com a expressão bilateral e ficou BioLateral.
​Seis meses depois, eu estava de volta ao estúdio para criar mais quatro
trilhas e gravar meu CD. Não posso resistir a uma piada ou a um jogo de
palavras, então intitulei meu primeiro CD de O Melhor do BioLateral. O
sucesso do CD levou a mais pedidos, e durante os anos seguintes produzi
mais sete CDs, cada um mais tecnicamente avançado e complexo que o
anterior. Inventei uma forma de mover três trilhas diferentes, criando o som
do profundo do oceano que parecia muito dimensional e que era talvez ainda
mais curativo para o cérebro que o som de uma trilha. Dezesseis anos depois
de escrever este texto, estimo que tenha vendido 50.000 CDs no mundo todo.
Não somente meus clientes EMDR os compraram para uso próprio entre as
sessões, mas outros terapeutas EMDR também os compraram para utilizar
com seus clientes durante as sessões, em substituição ao uso dos movimentos
dos olhos.
​Quando comecei a utilizar seriamente o Brainspotting (de Janela
Exterior, àquele tempo), parei de indicar aos meus clientes a utilização do
Som BioLateral nas sessões deles. Achei que meu novo paradigma era um
modelo diferente de terapia, e os CDs, especificamente destinados para uso
do EMDR, não se aplicariam. Mas depois de um tempo, alguns clientes me
disseram: “Sinto falta do som, por que não o usamos no trabalho dos olhos?”.
Eu não tive resposta. Mas lembrei-me do mantra “O cliente direciona e o
terapeuta acompanha”.
​Quando os clientes punham os fones de ouvido e ouviam o CD
BioLateral enquanto olhavam o brainspot, o processo Brainspotting
funcionava ainda melhor. Os clientes estavam certos de novo. A combinação
era tão eficiente que eu fiz meus clientes ouvirem de novo o som à medida
que fazíamos o Brainspotting. Hoje, não somente ainda uso os CDs
BioLateral com o Brainspotting, mas também ensino outros terapeutas como
fazer isto nos treinamentos de Brainspotting. Fazemos os clientes escutarem o
som em volume bem baixo, quase imperceptível. Neste volume baixo, o som
serve como facilitador suave, parassimpático, ou um facilitador bilateral
calmante para a maioria dos clientes. (Há alguns clientes tão reativos,
sensíveis e/ou dissociativos que a música é verdadeiramente forte demais
para eles, então simplesmente pedimos que removam os fones de ouvido.
Estes clientes também tendem a precisar do Modelo Brainspotting de
Recurso, que vou discutir no próximo capítulo).

Em 1999, antes de meu primeiro encontro com os brainspots, eu


estava conduzindo um treinamento de EMDR de Fluir Natural em New York.
Um dos treinandos, Bob Buck, se dirigiu a mim durante o intervalo da manhã
e disse: “David, tenho alguma coisa que vai lhe interessar”. Ele
animadamente tirou dois pares de óculos de proteção. Um par estava
totalmente pintado, com exceção do lado esquerdo extremo dos óculos, que
foi deixado exposto. O outro par foi pintado de modo inverso, com o lado
direito extremo não pintado. Devo ter feito um olhar intrigado quando ele me
disse: “Isto vai levar algum tempo. Podemos almoçar?”
​Mais tarde, quando saímos para tomar uma sopa e sanduíches, Bob
me pediu para colocar cada par de óculos de proteção, um após o outro.
​“A luz que vem de seu extremo lado direito vai diretamente ao seu
cérebro esquerdo”, ele explicou. E quando você troca os óculos de proteção, a
luz que vem da extrema esquerda vai diretamente ao seu cérebro direito”.
​Senti bastante diferença ao usar cada um dos óculos. Com a luz vinda
da esquerda, me senti emocionalmente reativo. Com a luz entrando da direita,
experimentei uma perspectiva que quase parecia desinteresse.
​Bob chamou esses óculos de proteção de “óculos Schiffer”. O
psicólogo Fredric Schiffer, de Harvard, disse-me ele, teorizava que cada
hemisfério cerebral tem uma personalidade própria. Para a maioria das
pessoas, o cérebro esquerdo tende a ser mais otimista e o cérebro direito mais
vulnerável. Para cerca de um quarto da população, o inverso é verdadeiro. Os
óculos ajudam a isolar estas duas “personalidades” de forma que o terapeuta
possa interagir com cada um deles separadamente. Quando ajudava um
cliente a processar uma questão perturbadora, Schiffer começava com um
lado positivo. Depois de um tempo, ele levava o cliente a trocar de óculos e
experimentar coisas do outro lado. Quando o cliente se movia para trás e para
frente, passando mais tempo no positivo, Schiffer observava que cada lado
começava a influenciar o outro. Primeiro você isola cada lado, então você faz
um efeito cruzado de um lado para o outro.
​Bob me guiou através do processo completo durante nosso almoço e
foi uma experiência poderosa e impressionante. Terminei me sentindo muito
calmo e equilibrado. Pode ter sido arriscado experimentar esse novo processo
no meio de um treinamento; poderia ter atrapalhado meus ensinamentos. Mas
sou um experimentador incorrigível por natureza, então raramente deixo uma
nova oportunidade escapar. Fui de volta à sala de treinamento para ensinar na
parte da tarde do seminário e me encontrei seguro nesta questão. Ao final do
dia Bob me procurou e disse “Aqui, David, fiz estes para você”. Entregou-me
dois pares de óculos de proteção, pintados exatamente como os dele. Fiquei
impressionado com sua generosidade e atitude firme.
​De volta ao consultório, experimentei os óculos de novo e achei os
resultados bastante intrigantes. Os óculos pareciam trabalhar exatamente
como Bob descreveu, com algumas variações. Peguei uma cópia do livro de
Schiffer “Of Two Minds”, e o revirei. Embora tenha visto o valor deste
método, achei que o fato de não ser capaz de ver os olhos de meus clientes
durante uma sessão de EMDR pudesse ser uma perda. Mais, não poderia
utilizar os movimentos lentos de olhos do EMDR de Fluir Natural porque os
clientes com os óculos não seriam capazes de acompanhar o movimento de
minha mão.
​Então tive uma ideia: se eu pintasse outros óculos onde somente a
metade esquerda ou direita estivesse bloqueada? Desta maneira, um olho
seria bloqueado, mas o outro seria exposto. Eu então poderia usar o
fenômeno e os movimentos do olho juntos. Comprei dois pares de óculos de
eletricista e escureci o lado direito de um e o lado esquerdo do outro. De
volta ao consultório, fiz meu primeiro cliente do dia experimentá-los.
​Frank era um oficial de polícia lutando com lembranças de uma série
de experiências traumáticas no trabalho. Cedo em sua carreira, seu parceiro
foi baleado e morto durante uma operação de drogas. Ele estava agora em
licença administrativa com sua arma retida porque havia atirado numa
situação de rua em que sentiu que sua vida tinha sido ameaçada. Frank ficou
tomado de sentimentos perturbadores, de culpa a raiva por ter sido posto em
dúvida por seus superiores a quem havia servido lealmente.
​Sob minha orientação, ele pôs os óculos, cobrindo seu olho esquerdo
e expondo o direito. Fiz com que ele reconstituísse a situação de rua e ao ter
sua arma retida, seu nível SUDS foi de quatro. Quando ele trocou os óculos
expondo o olho esquerdo, o SUDS pulou para oito, e começou a sentir uma
dor de punhalada no coração. Eu imediatamente fiz com que trocasse os
óculos, expondo de novo seu olho direito, o “olho mais calmo”. Começamos
com movimentos lentos do olho. Frank rapidamente se acalmou e lentamente
processou a experiência e suas consequências.
​Quando ele atingiu o SUDS zero e nenhuma lembrança do incidente
voltou a se manifestar, então eu o fazia trocar os óculos mais uma vez. Com
seu olho esquerdo exposto, a ativação que ele experimentou foi muito mais
moderada do que havia sido em sua primeira exposição com aquele olho.
​À medida que ele acompanhava meu dedo em seu campo visual, ele
se colocou: “Vejo tudo ocorrendo de novo e percebo que posso justificar
minha ação. Fiz o melhor que pude. E o mesmo é verdade para os meus
superiores. É tempo de prosseguir”. Frank estava igualmente calmo em
ambos os lados do cérebro. Dividir a diferença dos hemisférios esquerdo e
direito foi uma clara melhoria. Eu estava impressionado.
​Com a chegada do Brainspotting, pus os óculos de lado. O
Brainspotting de Janela Externa precisava observar o alcance completo da
visão dos clientes. Mas o advento do Brainspotting de Janela Interna mudou a
equação.
​Eu estava trabalhando com Kate, uma jovem mulher lutando com
anos de ansiedade difusa e depressão crônica de baixo nível. Nada parecia
focar nela, inclusive os brainspots. Meus olhos foram direcionados aos
negligenciados óculos de segurança largados em minha escrivaninha. “Por
que não?” veio à minha mente. Então lhe pedi que experimentasse
alternadamente ambos os pares.
​Com seu olho direito exposto, ela me disse que “não sentia muito”.
Quando ela trocou, expondo o olho esquerdo, a cabeça recuada, e as lágrimas
escorrendo de seus olhos. Tomei minha ponteira para determinar qual era a
posição em seu olho esquerdo que lhe havia dado a maior ativação. Ao mover
a ponteira para a esquerda e para cima, alcancei o ponto, e estávamos prontos
para a corrida. O processamento interno revelou abandono na infância e
humilhação em casa e na escola. Kate observou um “filme claro” de uma vida
de dor e desilusão. Este processo continuou por muitas sessões, o que a
deixou debilitada e aliviada.
​Finalmente, tudo estava calmo, nada de novo. Presumi que a cura
profunda em seu olho esquerdo vulnerável não deixava muito a fazer em seu
olho direito, mas, de qualquer modo, decidi verificar. Quando ela trocava os
óculos, deixando o olho direito exposto, o filme começava de novo. Alguns
eventos eram novos, mas alguns eram memórias que emergiam no olho
esquerdo – memórias que pensávamos tinham sido resolvidas. Levou apenas
duas sessões para Kate alcançar a quietude.
​A dicotomia cérebro esquerdo e direito tinha chegado ao
Brainspotting. Não apenas pude fazer o brainspot de todo o campo visual e
processos neurais, mas agora pude também reduzir a zero em qualquer
hemisfério quando o aumento de foco era necessário. Chamei esta variação
de Brainspotting de Um Olho. Logo em seguida, dei-me conta de que
também podia usar a abordagem de um olho com o Brainspotting de Janela
Externa, quando um foco maior era necessário.
​Este método permitia maior especificidade ao tratar condições
difíceis, vagas, inclusive as psicológicas e as físicas. Não somente o
Brainspotting de Um Olho se aplicava a ansiedade, depressão e
distanciamento, às vezes ajudava a reduzir os sintomas de condições como
fadiga crônica, fibromialgia e TDAH (transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade). Utilizei o Brainspotting de Um Olho para ver onde fazia
diferença e onde não fazia. Alguns padrões surgiram, mas alguns clientes
pareciam responder aleatoriamente melhor ou preferiam o Um-Olho invés do
outro, versões de dois olhos e vice-versa. O Brainspotting de Um Olho
tornou-se uma modalidade a ser usada quando os clientes pareciam precisar
mais foco e/ou ativação mais elevada.
​Chamei o olho com o nível mais alto de SUDS de Olho da Ativação e
o outro com nível mais baixo, Olho do Recurso. Observei que não se podia
prever antecipadamente que olho seria mais ativado que o outro. O
procedimento básico veio a ser a identificação do Olho da Ativação e
trabalhar com ele até um SUDS zero, e então atravessar e processar qualquer
ativação remanescente no Olho de Recurso. Observei que a posição do olho,
ou brainspot, mudava frequentemente quando o cliente trocava o olho. O
brainspot que trouxe a maior ativação do primeiro olho que processamos não
era sempre a mesma localização quando atravessamos. De alguma forma, o
cérebro estava se revelando, muito embora eu estivesse incerto sobre como e
porque.
O Brainspotting é como o rio do provérbio. Você nunca pode pisar
no mesmo lugar duas vezes. Ele está sempre mudando, sempre evoluindo. Às
vezes tenho dificuldade para manter o passo com minhas próprias
observações e descobertas. Esta verdade foi aplicada ao Brainspotting de Um
Olho.
​Eu estava trabalhando com um cliente que era tão reativo até mesmo
com a queda de um chapéu. Ted era altamente dissociativo devido a uma
infância repleta de abuso físico, emocional e verbal. Poderia ter havido abuso
sexual em sua história, mas quando tentei o Brainspotting com ele, isto ainda
não havia aparecido. O foco de olhar para o brainspot tende a ser
significativo para os clientes (o que significa que eles seriam mais focados e
menos sobrecarregados), mas Ted seria sobrecarregado com qualquer
brainspot, de Janela Interna ou Externa. Ted “fracassou” em tentativas
prévias com muitos terapeutas armados de uma miríade de técnicas. Eu não
queria desapontá-lo e acrescentar meu nome à sua lista.
​Outra vez olhei os óculos, e tive uma ideia: “Como Ted poderia
responder se eu começasse com ele em Brainspotting no Olho do Recurso”.
Fizemos uma tentativa.
​O nível de ativação de Ted foi dez com os dois olhos abertos. Mas
quando ele cobriu o olho esquerdo, sua ativação caiu para um nível SUDS de
quatro. Foi claramente seu olho do Recurso. Ted colocou os óculos cobrindo
o olho esquerdo e foi capaz de processar de modo produtivo seus traumas
pela primeira vez. Imagine, o processamento não foi rápido nem fácil, mas
foi possível. E assim foi por muitas sessões. O cérebro e a existência de Ted
tinham sido infiltrados pelo abuso diário na infância, e sua cura foi
inconstante e complicada. Mas ele poderia deixar as sessões ileso, e depois
não sofreria seus estados de terror noturno usual durante o sono. (Durante as
sessões dele, eu também repetidamente conduzi Ted a trazer sua consciência
ao seu Recurso Corporal, um lugar específico em seu corpo onde se sentia
calmo e centrado. O Capítulo 4 explica em detalhe o Recurso Corporal e seu
papel no Brainspotting.)
​Após quatro meses, Ted alcançou seu primeiro nível SUDS zero. A
curiosidade me levou ao que tenho de melhor. Ted estava pronto para fazer a
mudança para o Olho da Ativação. Poderia ele lidar com isto? Perguntei-lhe
se queria experimentar, e Ted relutantemente concordou. Aconteceu que ele
compreendeu melhor a si mesmo do que eu. (“O cliente sempre tem razão” é
uma lição que tenho aprendido repetidamente.) Ele ficou imediatamente
tomado de pânico. Instantaneamente fiz com que ele trocasse os óculos, e
levou o resto da sessão para voltar a ficar centrado. Desculpei-me por meu
excesso de zelo, e Ted gentilmente aceitou minha desculpa.
​Mas foi-me dada outra fascinante lição sobre a infinidade de mistérios
retidos pelo cérebro. O trauma bloqueia a capacidade inata do “grande
comunicador” de conhecer a si mesmo. A seu tempo, Ted foi capaz de
encontrar o caminho de volta ao seu Olho da Ativação, seu olho de
vulnerabilidade, e completar a cura, mas levou alguns meses. O poder do
Brainspotting tem suas limitações. No entanto, a cura que frequentemente
leva anos com outras abordagens terapêuticas pode às vezes ocorrer em
meses com o Brainspotting, e décadas de terapia podem ser reduzidas a anos.

Capítulo 4 - O Modelo de Recurso de


Brainspotting: O Cérebro-Corpo é o
Derradeiro Recurso
Eu costumava ser um defensor entusiasta do EMDR. A partir do
momento em que fui treinado e o trouxe de volta ao meu consultório em
1993, fui capaz de ajudar muitos clientes a se curarem mais rápida e
eficazmente que antes. Revelou também que muitos clientes estavam
carregando mais trauma e dissociação do que eu sabia. Um terapeuta
especialista tornou-se um novato de novo, mas a nova oportunidade era uma
verdadeira bênção.
​A nova informação me trouxe um crescente entusiasmo tanto
profissional quanto pessoalmente. Em meu livro Cura Emocional em
Velocidade Máxima: O Poder do EMDR, conto a história de como meu
amigo Uri Bergmann (agora um especialista em Brainspotting) me arrastou
ao meu primeiro treinamento EMDR. Rapidamente nos tornamos Batman e
Robin na defesa do EMDR, agendando apresentações onde fosse possível
para espalhar a notícia de suas propriedades singulares. As clínicas, hospitais,
associações profissionais – nenhuma delas escapou de nosso alcance.
​Em 2000 fui convidado a apresentar o EMDR numa conferência sobre
trauma no AMCHA (que significa “nosso povo” em Hebraico) em Jerusalém.
Foi uma honra, e eu aceitei com muita alegria. A palestra de abertura foi dada
pelo especialista em trauma norte-americano Peter Levine; na palestra, ele
falou acerca da experiência somática (ES), sua abordagem para tratar o
trauma, que era bastante nova para mim.
​Peter mostrou-me um vídeo para ilustrar a resposta natural do animal
a ameaças. O clipe era de um urso polar sendo baleado com uma arma
tranquilizadora. Imobilizado, o infeliz urso ficou deitado de lado. À medida
que o sedativo perdeu o efeito, o urso lutou para ficar de pé e começou a
tremer violentamente. Logo que o tremor terminou, o urso foi embora
correndo como se nada tivesse acontecido. O urso mostrou a capacidade
natural de se livrar do trauma, uma característica que os humanos
basicamente perderam. Peter continuou dizendo que a cura de traumas
envolve a resolução da resposta de ameaça cérebro-corpo natural que, em
humanos, se congela em um estado de percepção incompleta. Libertar-se
disto é necessário para trazer a pessoa para fora do trauma e retornar seu
corpo a um estado de centralidade.
​O urso polar trouxe à minha memória alguns de meus clientes que
haviam tremido, por vezes violentamente, durante o processo EMDR. Eu
havia equivocadamente pensado que este tremor era um problema, quando na
verdade era essencial para sua cura. Peter atraiu a minha atenção.
​Eu ia apresentar minha palestra EMDR alguns dias depois, então
decidi comparecer a este workshop ES. Eu estava sentado atrás,
acompanhando os trabalhos, quando ele solicitou um voluntário para ajudar a
demonstrar seu método. Ergui a mão. Fui até a frente de uma sala com uma
centena de participantes, e Peter me perguntou em que eu gostaria de
trabalhar. Freneticamente procurei por algo significativo. Meu medo de
roedores veio à minha mente. Tenho medo de camundongos, mas odeio ratos.
​Peter me perguntou onde eu sentia desconforto no meu corpo, e então
perguntou onde em meu corpo eu sentia calma. Ele me orientou a substituir
minha atenção para o lugar de calma, e espontaneamente fechei os olhos.
Minha cabeça começou a se mover por si, e Peter respondeu colocando uma
mão gentilmente atrás de minha cabeça enquanto embalava meu pescoço.
​Em poucos momentos eu estava viajando num rodamoinho, me
perguntando: “O que é isto?”, “O canal do nascimento” foi minha resposta
que veio do íntimo. Minha entrada neste mundo, eu sabia, havia sido dezoito
horas de trauma com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Com Peter me
orientando, eu fui cada vez mais fundo no processo. O tempo e o espaço
desapareceram, mas logo fui voltando lentamente à sala de treinamento.
Senti-me seguro e em paz. Abri os olhos e vi o rosto tranquilizador de Peter.
Olhei para o público e percebi que havia me esquecido de estar diante de uma
sala cheia de gente. Verifiquei meu relógio e me dei conta de que havia
estado lá por quase uma hora. Quando me levantei da cadeira, notei que
minha postura estava mais ereta como nunca esteve antes.
​No jantar, sentei à mesa de Peter, e discutimos a experiência à qual
ele me conduziu na sessão daquela tarde. Ele explicou como havia feito o
“pêndulo” para trás e para frente entre meu “vórtice de cura” e meu “vórtice
do trauma”. Ele teve o cuidado de me manter no espaço de cura e apenas
ocasionalmente me levou por um momento ao outro extremo do espaço do
trauma.
​A informação de Peter era totalmente nova para mim, mas
intuitivamente fazia sentido. Contei a Peter que eu estava na conferência para
apresentar o EMDR, e ele ponderou que era uma técnica muito poderosa – de
fato, às vezes, poderosa demais. Disse que é retraumatizante para as pessoas
ficarem ativadas demais durante o processo de cura. “Lento é rápido e rápido
é lento”, ele me disse, acrescentando, “O corpo é o último recurso”. Estas
duas ideias se fixaram em minha mente quando voltei para casa em New
York.

Meses depois, compareci à primeira parte do treinamento ES. A


experiência somática foi muito diferente do EMDR porque enfatizou o
rastreamento de forma gentil das sensações do corpo. No treinamento, fomos
ensinados a trocar a atenção ativada da pessoa para o lugar em seu corpo
onde se sentia mais calma e mais centrada. Fomos também instruídos a não
deixar a pessoa focar demasiadamente no sofrimento do corpo. A ideia foi de
somente levar a pessoa à extremidade externa da tensão ou da dor, e fazer isto
apenas de forma breve. O instrutor explicou como o toque desta extremidade
ajuda a descongelar e descarregar o trauma. Eu fiquei impressionado com o
método e impressionado com os resultados.
​De volta ao escritório, fazendo minha versão mais suave do EMDR,
pensei como integrá-la com a ES. O protocolo EMDR implica começar com
uma imagem alvo, encontrar cognições negativas (ou crenças) associadas a
ela, e então localizar uma crença positiva como contrapartida. O próximo
passo é acessar a resposta emocional e então identificar onde o sofrimento
ativado está preso no corpo. Isto é seguido pelo que é chamado
dessensibilização, que é conseguido com movimentos dos olhos. O terapeuta
induz o movimento ocular fazendo o cliente acompanhar o movimento dos
dedos do terapeuta à medida que se movimenta, para trás e para frente, da
direita para a esquerda. Uma vez que o cliente movimenta os olhos, ele
observa seu processamento interno.
​Veio-me um pensamento: “O que acontece, se após identificar o
sofrimento do corpo, pedimos ao cliente para encontrar em que lugar se sente
calmo e centrado no corpo?“ Chamei esse sentimento calmo, centrado no
corpo de Recurso Corporal (Não tenho certeza se eu cunhei este termo ou se
eu o tinha recebido de Peter Levine) Especulei que a combinação do Recurso
Corporal com os movimentos oculares, lentos, calmos poderiam ajudar os
clientes frágeis a não ficarem sobrecarregados e retraumatizados, como tinha
visto alguns deles fazerem com EMDR. Experimentei isto e encontrei que
esta nova combinação do EMDR Fluir Natural e ES foi altamente eficiente
com os clientes que eram frágeis demais para a abordagem padrão EMDR.
(Deve ser observado que eu não usei propositadamente as palavras seguro ou
segurança em conexão com o Recurso Corporal, porque muitas pessoas têm
crescido sem segurança ou tiveram a experiência de repetidamente perdê-la.
Encontrar um lugar de segurança no corpo é mais imprevisível do que se
possa pensar)
​Pensei se o fato de ter menos clientes vulneráveis fazendo seu
processamento através do lugar centrado, calmo poderia diminuir os
poderosos efeitos da cura que eu vinha observando. Experimentei com muitos
clientes e descobri que não havia desistências nos resultados. De fato, os
resultados foram frequentemente reforçados.
​Acrescentei o Recurso Corporal ao protocolo EMDR, após tomar o
passo de localizar onde um cliente detinha o sofrimento em seu corpo. Esta
síntese se tornou um dos pilares do EMDR Fluir Natural, que eu também
chamava de Processamento Parassimpático. Observei que pessoas
traumatizadas poderiam se curar melhor num estado de desativação
(acalmando-se) em oposição à ativação simpática (preparando-se para a
ação). Fez sentido, porque quando estamos estimulados para uma situação de
sobrevivência, tudo que os nossos cérebros e corpos conseguem focar é
saírem intactos da situação. A fim de sobreviver, precisamos estar em um
lugar centrado, calmo.
​Alguns anos mais tarde, passei ao Peter Levine uma breve experiência
do EMDR Fluir Natural com o Recurso Corporal que eu havia tomado
emprestado de sua ES. Ele ficou impressionado.
Quando descobri o Brainspotting e como era poderosamente
eficiente, uma das primeiras pessoas que chamei foi Lisa Schwarz, que vinha
patrocinando e organizando meus seminários de EMDR Fluir Natural pelos
Estados Unidos. Alguns dias após meu contato com ela sobre o
Brainspotting, ela passou a usar o método intensamente.
​Lisa estava surpresa com os resultados iniciais que obteve com seus
clientes. Ela já vinha inovando com o EMDR Fluir Natural e compartilhando
comigo suas descobertas, especialmente a utilidade do Recurso Corporal com
seus clientes com Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI)). Conhecida
antes como Desordem de Personalidade Múltipla, o TDI é mais conhecido
pelo público como a condição que afeta os personagens principais nos filmes
Sybil e As três faces de Eva. O termo antiquado “dupla personalidade” tem
levado muitos a confundirem o TDI com esquizofrenia, que é uma condição
completamente diferente. O Transtorno Dissociativo de Identidade resulta de
trauma severo repetido na primeira infância. Os traumas causadores mais
comuns são o abuso na infância, particularmente o abuso sexual e o incesto.
As personalidades, agora chamadas de partes, formam como se fossem
encapsulamentos no cérebro que permitem a criança, e eventualmente o
adulto, a sobreviver emocionalmente.
​Logo após a minha descoberta do Brainspotting, Lisa e eu
experimentamos empenhadamente combinar o método com o Recurso
Corporal. O resultado foi uma variação do Brainspotting que chamávamos
Modelo de Recurso ou Modelo Brainspotting de Recurso. Com o
desenvolvimento do Modelo de Recurso, tive que criar um nome mais
preciso para o Brainspotting que vínhamos praticando desde o início. Decidi
que a abordagem original seria chamada de Modelo de Ativação
Brainspotting porque estávamos trabalhando com os clientes num estado
intencionalmente elevado de ativação.
I​ nicialmente observei que olhar os brainspots era muito mais
significativo para os clientes que os movimentos de EMDR. Manter os olhos
fixos num olhar cria menos atividade do cérebro que mover os olhos,
especialmente movendo-os rapidamente. Deste modo pensei que o Recurso
Corporal seria menos necessário no Brainspotting do que no EMDR Fluir
Natural. De alguma forma isto era verdade. No entanto, o Brainspotting é tão
semelhante ao laser que os traumas enterrados podem ser rapidamente
trazidos à luz. Reencontrar esses traumas pode ser muito estimulante, e para
alguns clientes frágeis, até mesmo desestabilizante. Quando isto aconteceu,
eu rapidamente afastava o cliente de sua consciência da ativação do corpo
para os recursos centrados e calmos da experiência do corpo.
​Gosto de contar aos meus clientes que “o que está no corpo está na
mente, e o que está na mente está no corpo”. Isto significa que tudo, inclusive
as sensações do corpo, é sentido na mente. Assim, uma dor no joelho é
realmente uma ilusão, já que é, na verdade, uma dor no joelho, porém sentida
no cérebro. Se você olhar um fMRI ou um SPECT scan do cérebro de um
sobrevivente de trauma, as áreas de ativação estão normalmente
representadas em amarelo ou vermelho, em razão do aumento do fluxo de
sangue nessas regiões. As áreas de calma ou quietude são normalmente azuis,
que refletem o fluxo normal de sangue. A área no corpo em que a pessoa se
sente ativada provavelmente tem correlação ao amarelo e vermelho no
cérebro, e as áreas azuis são provavelmente onde a calma ou a centralidade
está contida no cérebro. Assim, quando os terapeutas Brainspotting orientam
alguém a trocar sua consciência para o Recurso Corporal, eles estão
realmente os colocando em contato com seu Recurso do Cérebro. Mover a
atenção para este lugar é útil e relaxante para qualquer pessoa, mas para
alguém que sofre de trauma ou outras condições psicológicas, pode ser
profundo. Nesse sentido, o Recurso Corporal é o fundamento do Modelo de
Recurso do Brainspotting.

A primeira ampliação que fiz para o Brainspotting foi desenvolver o


conceito do Recurso do Brainspot (agora denominado Ponto de Recurso),
baseado na ideia do Recurso Corporal. Este ponto é derivado do
Brainspotting de Janela Interior, já que é necessária a participação consciente
do cliente para encontrá-la. O terapeuta movimenta a ponteira
horizontalmente primeiro (ao longo do eixo x) e depois, verticalmente (ao
longo do eixo y) para encontrar a posição do olho onde o cliente sente mais a
ativação. Fazemos o mesmo com o Modelo de Recurso, sendo que somente
aqui estamos procurando o ponto onde o cliente se sente mais calmo ou mais
centrado.
​Primeiramente perguntei aos clientes em que posição se sentiam mais
confortáveis. Então Lisa Schwarz correlacionou o ponto diretamente com a
experiência corporal positiva. Ela perguntou aos clientes: “Em que parte do
corpo você mais tem a sensação calma, centrada?”. Então, ela movimentava a
ponteira e perguntava: “Para a esquerda, para o meio, ou para a direita?” Ela
conectou o Recurso Corporal diretamente com o brainspot, e a partir deste
dia, esta é a maneira que os instrutores de Brainspotting ao redor do mundo
ainda ensinam os terapeutas como encontrá-lo.
​Brainspotting é um processo focado mais amplo, com seus
movimentos contínuos e rápidos do olho. O Olho do Recurso, juntamente
com os movimentos mais lentos do olho, faz o EMDR mais suave e amigável
para os clientes. No modelo mais amplo de Brainspotting os efeitos do
Recurso Corporal são ainda mais profundos. De fato, é discutível que o
Modelo de Recurso Brainspotting seja tão eficiente que deveria ser utilizado
com todos os clientes. Durante anos, Lisa iria encorajar, me persuadir, e me
adular de forma a que utilizasse e ensinasse o Modelo de Recurso mais do
que eu havia feito.
​Eu acreditava que manter o olhar na posição do olho era suficiente
para a maioria dos clientes. Mas Lisa e muitos de nossos treinandos estavam
trabalhando com uma clientela mais vulnerável, traumatizada, ativada, e eles
estavam usando o Modelo de Recurso com mais frequência que eu. O
Modelo de Recurso é agora visto e aplicado ao longo de um espectro, desde
as aplicações mais ativadas do Brainspotting às aplicações mais dotadas de
recursos, dependendo das necessidades do cliente. Chamo isto de “Modelo de
Recurso de Brainspotting totalmente articulado”, o que significa que seus
conceitos e técnicas podem ser individualizados e utilizados com todos os
clientes potenciais.

Um dos primeiros clientes com quem utilizei o Modelo de Recurso


foi Fernando, um homem de quarenta anos que sofria de insônia e
fibromialgia decorrentes de uma longa história de bullying sem compaixão,
na infância. Ele tinha uma cabeça incomum, moldada, que era mais estreita
indo da parte da frente para trás do que de um lado ao outro, como resultado
de uma anomalia ao nascer. Em razão desta característica física distintiva,
Fernando havia sofrido abuso verbal e humilhação, sendo às vezes até
empurrado e golpeado. Muitas meninas da classe participavam dos insultos.
Os professores pareciam não notar ou se importar, o que fazia as coisas ainda
piores. Tudo isto o levou a um profundo sentimento de inferioridade e a uma
profunda crença de “Não sou bom o bastante”. A dor e a raiva guardadas
envenenavam em seu íntimo, levando em última instância a dor no corpo e a
inabilidade de livrar-se disto e adormecer.
​Fernando perseverou e buscou uma carreira profissional, mas seu
sofrimento não tinha fim. Ele receava se aproximar de garotas, convencido de
que seria rejeitado de novo. Ele tinha apenas alguns amigos próximos,
acreditando que as pessoas não são confiáveis.
​Em suas primeiras sessões, eu envolvi Fernando calmamente e quis
dar-lhe uma experiência positiva de Brainspotting. Nossa primeira tentativa
foi com as lembranças do seu bullying mais odioso. Seu nível SUDS estava
acima das tabelas. Ele sentia ansiedade e dor atravessando todo o corpo
quando se lembrou dos piores incidentes de sua vitimização. Começamos em
um ponto de ativação, e eu rapidamente o fiz localizar seu Recurso Corporal;
neste caso, o lugar onde ele se sentiu calmo e centrado foi o lugar onde seus
pés tocaram o carpete do meu consultório. Memória após memória de abuso e
humilhação vieram e se foram, somente para serem substituídas por outras.
Gradualmente, com o processo continuado e a liberação, o nível do SUDS
regrediu.
​Mas Fernando relatou o processamento intenso e de ruptura pós-
sessão e o sono ainda mais perturbado por noites de terror. Assim, na sessão
seguinte, fui buscar o Ponto do Recurso, a posição do olho que lhe deu a
mesma sensação de contato com o presente que a sensação proporcionada por
seus pés em contato com o chão. É interessante que ele se sentiu calmo e
centrado quando seus olhos estavam fixos no meio de seu campo visual, no
nível do olho. Este ponto era, em essência, o ponto de contato do olho
comigo. Os olhos escuros dele miravam nos meus, procurando por sinais,
como se pudesse confiar em mim para não rejeitá-lo ou humilhá-lo. Sessão
após sessão, os olhos dele sondaram os meus com incerteza e mágoa.
Eventualmente, ele podia perceber a empatia e compaixão que havia em meus
olhos.
​Levou muitos meses neste processamento, e Fernando certamente
submeteu minha resistência ao teste. Mas finalmente ele parou de ouvir as
ofensas que havia internalizado, e ouviu a voz de dentro que dizia: “Você é
bastante bom”. Fernando compreendeu que a voz que vinha de seu âmago
sabia a verdade a seu respeito. Ele começou a dormir melhor e sentir uma
conexão mais positiva com seu corpo. Ele até mesmo ganhou a confiança de
se arriscar a pedir uma garota para sair com ele. Ela deve ter visto o que havia
descoberto em seu íntimo. Estou convencido de que os pés de Fernando
plantados com firmeza no chão do meu consultório e seus olhos fixados nos
meus foram necessários para que ele se curasse.

Capítulo 5 – Gazespotting: Onde


Você Olha Afeta Como Você se Sente
Você já notou o modo como alguém em pensamento profundo pode
olhar fixo para um determinado ponto no chão por um tempo que parece uma
eternidade? Ou você já se deu conta de que você estava fazendo a mesma
coisa e pensou: “Por que estou olhando para aquele ponto? É apenas um
desenho no carpete”. Você já observou alguém falando apaixonadamente,
não para você, como interlocutor, mas para um rachado no teto? Estas
observações podem nos parecer estranhas ou inexplicáveis, e ainda serem
onipresentes e constrangedoras. Alguns acreditam que olhar para esses
pontos “sem qualquer significado” é uma forma de evitar o contato visual.
Obviamente não é isto, já que podemos ver claramente que o foco da pessoa
está magnetizado num ponto específico.
​É uma ironia que este fenômeno, que chamo Gazespotting, foi o
terceiro caminho que eu descobri para localizar as posições relevantes do
olho, ou brainspots, já que é o meio mais óbvio de fazer isto. Todos
experimentamos este fenômeno todo o tempo. Apenas não observamos isto
porque é um produto de nosso cérebro inconsciente. O cérebro consciente,
pensante não pode compreender isto, então aquela parte do cérebro o rotula
como estranho, fortuito ou irrelevante. Mas o cérebro inconsciente não
compreende este fenômeno, porque este aspecto do cérebro se envolve com
ele muito instintivamente.
​Então enquanto eu estava explorando as Janelas Externas e Internas,
eu não notei a janela Gazespotting que abriu e fechou por si só. Quando
descobri seu poder, não houve volta, por assim dizer. Dei-me conta de que
este olhar fixo poderia ser uma terceira via para a localização dos brainspots.
Ocorreu-me que todas as terapias utilizam o Gazespotting, ainda que
inconscientemente. Agora sei que quando eu fazia psicanálise, deitado no
divã, os meus olhos se fixavam num rachado do teto, eu era dirigido para
aquele ponto por causa do acesso ao cérebro que ele me proporcionava. Fico
a imaginar se meu analista acreditaria em mim se eu lhe contasse isto agora –
ou à época. Acredito que todas as terapias, desde a psicanálise até a terapia
cognitivo-comportamental, estão focadas e reforçadas pelo Gazespotting,
ainda que isto não seja reconhecido.
​Aqui está como eu identifiquei isto. Estava trabalhando com James,
um empresário na casa de seus cinquenta anos de idade que tinha medo de
falar em público. Tinha uma história de timidez e fobia social na infância e
adolescência. Seu pai era um homem zangado que o ridicularizava
impulsivamente e abusava verbalmente de seus filhos. Ele chamava James e
seus irmãos de “estúpidos”, e o refrão habitual era: “Cala a boca. Você não
sabe do que está falando”. A mãe de James não protegia os filhos. Na
realidade, ela também era alvo do escárnio dele e se sentia intimidada.
​O James adulto era inteligente e produtivo, fez faculdade e obteve um
MBA. Foi bem-sucedido no mundo dos negócios, mas ficou ‘para trás’ em
razão do que ainda havia de sua fobia social, que se manifestou como medo
de falar em público. O fato de se apresentar em uma reunião de negócios,
requisito do cargo que ocupava, era como enfrentar um pelotão de
fuzilamento sem uma venda nos olhos e sem cigarro. A pior parte era a
ansiedade incapacitante que precedia cada apresentação.
​James respondeu bem nas nossas sessões, mas não parecia ser capaz
de manter seus avanços no mundo aqui fora. Eu havia usado uma combinação
do Brainspotting de Janela Interna e Externa. Brainspotting de um olho e o
Modelo de Recurso também eram ocasionalmente parte do mix, da mesma
forma que era o Modelo de Ativação, mais desafiador. Durante uma sessão,
James estava ao meu lado enquanto pensava sobre uma importante reunião de
negociação onde deveria falar em nome de sua empresa. À medida que falava
ardorosamente sobre sua ansiedade e seus pesadelos, notei, de repente, que
seus olhos estavam fixos num ponto do chão próximo à minha cadeira.
Enquanto eu o ouvia, observei que seu olhar parecia preso no lugar. Quando
ele finalmente deu uma parada e restabeleceu o contato visual comigo, eu tive
um pensamento: “O que seria se eu o levasse a processar aquele ponto no
chão, em vez de ajudá-lo a encontrar um ponto com a ponteira?”
​ isse, então: ”James, notei que quando falava você estava olhando
D
um ponto no chão bem perto da minha cadeira”. Apontei para o lugar, e seus
olhos se voltaram e se fixaram no mesmo lugar.
​Continuei, “À medida que você olha para ali e pensa sobre a reunião,
quão ativado você se sente entre zero e dez?”
​James respondeu: “Oito,” e quando perguntei-lhe onde sentia a
ativação em seu corpo, ele pôs a mão no peito e disse: “Bem aqui”. Ele estava
processando rapidamente, mas suas lembranças não se voltavam às iradas
críticas de seu pai. Ao contrário disto, ele se lembrou de tentar adormecer,
aos dois ou três anos de idade, enquanto seu pai gritava para sua mãe. Seu pai
continuava e continuava, repreendendo-a sem qualquer compaixão por ser
uma má dona de casa.
​“Me sinto congelado,” James resmungou, segurando a garganta.
Enquanto seus olhos permaneceram fixos no gazespot, lembranças similares
apareceram. Seu pânico subiu e depois caiu. Após uma meia hora, ele
espontaneamente fechou os olhos e permaneceu assim por cinco minutos.
Quando abriu os olhos, olhou diretamente nos meus olhos e nada disse.
Perguntei-lhe como se sentia. Ele respondeu: “Acho que posso fazer isto”.
Sua determinação era clara.
​Na semana seguinte James entrou, sentou-se e disse: “Foi cerca de
50% melhor. Vamos”. Os olhos dele se fixaram no gazespot. Este padrão
continuou por mais três sessões, com mais ganhos a cada vez.
​Então James chegou ao quarto compromisso e começou a falar, só
que apenas esta vez, ele olhava para cima para um ponto no teto. Este se
tornou seu novo gazespot, e ele rapidamente se lembrava de levantar os olhos
para o pai, enfrentando outra humilhação verbal. O gazespot levou a um
processamento produtivo, que se estendeu por mais duas sessões. Em
algumas poucas sessões, ele completou o tratamento, embora ele ainda volte
ocasionalmente para uma “afinada”.
​Após minha descoberta com James, não podia deixar de prestar
atenção ao ponto para onde meus clientes olhavam à medida que falavam,
especialmente quando estavam falando sobre suas experiências mais
poderosas carregadas de emoção. Alguns clientes travavam em um ponto;
alguns olhavam para dois, três ou mais. Fiz anotações mentais sobre onde
olhavam mais, onde olhavam por mais tempo, e onde pareciam estar mais
ativados. Quanto mais eu experimentei, mas eu vi resultados interessantes.
​E os clientes aderiram ao Gazespotting tão naturalmente, que era
como se eles nem mesmo notassem que estavam fazendo o Brainspotting!
Quando eu não estava seguro sobre quais dos seus inúmeros gazespots
deveria fazê-los focar, pedi aos clientes que eles mesmos escolhessem.
Parecia que sempre souberam intuitivamente para onde olhar. O Gazespotting
tornou-se uma excelente forma de introduzir o Brainspotting a novos clientes.
Não precisavam ser dirigidos a um brainspot ou ter a estranha experiência de
olhar para a ponta de uma ponteira. Logo que viam o poder de um brainspot,
era normalmente fácil para eles compreender e transitar para o Brainspotting
de Janela Interna ou Externa.
​Em meu continuado zelo experimental, eu imaginava que tipo de
Brainspotting era o melhor. O Gazespotting tornava os outros modos
obsoletos? Descobri eventualmente que todos os três modelos eram
diferentes, e cada um era único. Alguns clientes respondiam melhor a um
tipo, mas outros não respondiam a ele de forma alguma. Alguns clientes
tinham preferências, mas suas preferências eram difíceis de prever. Um bom
número de clientes me contou que os gazespots, como eu os chamava, não
eram tão poderosos como os pontos de ativação da Janela Interna e sentiam
que não recebiam tanto retorno deles. Eles faziam mais o tipo ousado para
quem mais é melhor.

Em seu estudo sobre a fixação do olho, Susana Marinez-Conde e


Stephen L. Macknik (Scientific American, agosto/2007) descobriram que os
olhos continuam a se mover imperceptivelmente quando fixamos o olhar.
Esses micro-movimentos sacádicos são necessários, já que o olhar
completamente fixo gradualmente leva o objeto de nossa atenção a
desaparecer de nossa visão. Martinez-Conde e Macknik também especulam
sobre, e estão estudando, as miríades de efeitos no cérebro do olhar com olho
fixo. Talvez em algum ponto nossos caminhos se cruzem, e cada um de nós
poderá contribuir para o trabalho experimental do outro. É minha firme
convicção de que as respostas sobre como e porque o Brainspotting trabalha
estão no cérebro e sua conexão aos olhos. Também acredito que o que temos
descoberto de toda investigação clínica Brainspotting ajudará os cientistas a
melhor compreender os mistérios do cérebro.
​Considerando que os clientes parecem ter menos processamento de
ativação em gazespots que os brainspots tradicionais, a questão que surge é:
“O gazespot é uma forma de brainspot de Recurso?” É uma postulação
interessante, e as respostas aparecem de forma sutil e em nuances.
​ ativação que as pessoas sentem quando olham para os gazespots
A
parece menos intensa que a ativação que sentem no brainspots revelado pela
Janela Interna ou Externa, e para a maioria dos clientes, Gazespotting é um
processo suave que parece fluir facilmente. (Alguns clientes têm respondido
aos Gazespots assim: “Não quero olhar lá. Não gosto da maneira como isto
me faz sentir”. Era como se seus olhos fossem dirigidos a um acidente na
estrada; eram compelidos a olhar, mesmo que fosse aversivo). Examinando
melhor, os gazespots contêm propriedades diferentes dos Brainspots do
Recurso, que são procurados de forma deliberada e assídua por suas
propriedades tranquilizadoras e capazes de proporcionar condição centrada ao
cliente. Tenho observado que os clientes que são altamente dissociativos e
vulneráveis a se sentirem sobrecarregados têm melhor resultado com o
Modelo de Recurso. Está claro que eles precisam ter seus pés plantados
firmemente no presente por este modelo. Gazespotting é natural, mas não é
literalmente ou figurativamente grounding da mesma forma que o Modelo de
Recurso.
​Minha percepção é de que o Gazespotting é um processo que acessa o
cérebro de forma bem diferente do Brainspotting da Janela Interior ou da
Exterior. Impressiona o fato como uma via espontânea para escanear nosso
ambiente neural interno pode escanear intuitivamente nosso campo visual.
Por meio de mecanismos inconscientes que parecem se originar de nossa
herança animal, sabemos onde procurar aquilo de que precisamos. Esta
reação é chamada de resposta orientada, e também envolve escanear tanto em
relação ao perigo quanto pela segurança. É realmente um reflexo destinado a
nos ajudar a localizar a segurança do abrigo e a presença de comida.
​Porém, a maneira intencional e profunda com que olhamos, às vezes
por muitos minutos, reflete como isto está nos ajudando a acessar e manter
nosso foco em alguma coisa interna. E este processo é tanto experiencial
quanto fonte de informação neurológica. Nosso olhar externo nos dá alguma
coisa bem profunda do que precisamos, mesmo que esteja completamente
fora de nossa percepção inconsciente. Somos profundos em nosso
pensamento na mesma medida em que estamos profundos dentro de nós.
​Pense no ‘olhar perdido na distância’ que vemos em veteranos de
guerra e sobreviventes de desastres naturais. É normalmente percebido como
marcador de dissociação, como se a pessoa realmente não estivesse lá
mentalmente. Mas as coisas não são sempre o que aparentam ou o que
interpretamos. Em meu julgamento, o olhar distante é um reflexo de uma
pessoa olhando no fundo de si mesma, para um lugar muito distante em seu
inconsciente. Não foram “embora”; elas só estão procurando por alguma
coisa que é muito evasiva e distante, muito distante internamente. Quando
oriento estes sobreviventes de trauma a observarem onde seus olhos estão se
fixando na sala e me relatarem sobre seu processo interno, as lembranças
emergem, e no tempo certo, as pessoas “voltam” ao presente.
​Quando ensino o Gazespotting em treinamento Brainspotting, faço
uma advertência: “Este modelo é tão natural, simples, e eficiente que você
será tentado a usá-lo exclusivamente, em detrimento de todos os seus
instrumentos Brainspotting. Não caia nesta armadilha”. Brainspotting é tanto
uma arte quanto uma ciência, compreendida de infinitas variáveis e
combinações. É um reflexo do cérebro como um órgão que tem estruturas
infinitas que se expressam intuitivamente. Nunca subestime a natureza
inextinguível e infinita do cérebro para sobreviver e se adaptar ao seu
ambiente, tanto interno quanto externo.

Capítulo 6 - Moldura de Sintonia


Dual: Permanecendo na Cauda do
Cometa
O cliente é como a cabeça de um cometa. O papel do terapeuta é
encontrar o caminho em direção à cauda do cometa e seguir a cabeça para
onde quer que vá. No momento em que o terapeuta pensa que sabe para onde
o cometa está se dirigindo, ele cai para fora da cauda. “O cliente orienta e o
terapeuta segue” é a regra imutável da sintonização. E a sintonização é um
componente chave do Brainspotting, como ilustra meu trabalho com uma
cliente, a Bette.
​Alguns anos atrás, Bette me procurou seis meses depois de ter sido
diagnosticada como esquizofrênica paranoide. Ela ouvia vozes e sentia que
havia alguém lá fora querendo pegá-la. Os sintomas de Bette começaram
quando estava no hospital após uma cirurgia de emergência para remover o
baço rompido. Sem qualquer conhecimento de seus médicos, as vozes
ameaçadoras que ela ouvia foram disparadas como efeito colateral dos
analgésicos que lhe prescreveram. Como os sintomas pioraram, a dose do
remédio foi aumentada. Para piorar, Bette ficou contida, já que o staff médico
temia que ela se machucasse. Assim, quando se restabeleceu da cirurgia, foi
colocada numa área de pacientes psiquiátricos. Bette recebeu altas doses de
antipsicóticos, que a sedaram.
​À medida que os efeitos colaterais dos analgésicos diminuíram, ela
gradualmente se firmou de novo. Ela foi liberada das instalações psiquiátricas
com uma prescrição de antipsicóticos, que ela prontamente jogou fora. Mas
ela sabia que alguma coisa estava errada porque ainda ouvia vozes em sua
cabeça. Enquanto pesquisava os efeitos colaterais dos antipsicóticos, Bette
descobriu que para uma pequena porcentagem da população, os antibióticos
podem causar paranoia e alucinações como efeito colateral.
​“Sou eu!” ela pensou, “Mas por que ainda estou ouvindo essas
vozes?”
​Bette foi encaminhada a um terapeuta e foi à primeira sessão
esperando receber a ajuda necessária. O terapeuta encerrou a primeira sessão
de avaliação e recomendou que procurasse um psiquiatra e voltasse à
medicação antipsicótica. Depois de tudo, ela ainda ouvia vozes. Ela se
recusou, e o terapeuta não quis continuar a vê-la, rotulando Bette como
“resistente a tratamento”. Bette levou seis meses para juntar coragem para
buscar ajuda outra vez. Ela foi encaminhada a mim por um amigo em quem
confiava.
​Em nossa primeira sessão, Bette relutantemente me contou sua
história. Ela temia que eu pensasse que ela era “doida” e a mandasse para os
médicos, ou, pior, de volta ao hospital. Embora as vozes ainda estivessem
presentes, Bette me impressionou como bastante lúcida em todos os aspectos.
Ela não estava tentando me convencer sobre sua sanidade, da mesma forma
que os clientes com esquizofrenia fazem. Bette simplesmente receava que eu
não acreditasse nela.
​Gosto de dizer: “Um bom terapeuta é um bom detetive”. Então eu a
ouvi atentamente, buscando pistas. Os livros me diziam uma coisa, mas
minhas intuições me diziam outra. Meu sentimento era de que Bette havia
sido profundamente traumatizada pela cirurgia, as vozes que apareceram
depois, e as contenções. Ofereci fazer uso do Modelo Brainspotting de
Recurso com ela. Quando expliquei em detalhe como funcionava, Bette foi,
para minha surpresa, muito receptiva à ideia, considerando tudo que havia
passado.
​Começamos fazendo-a voltar a todas as visões e sons de sua
hospitalização de emergência do baço rompido. O SUDS dela imediatamente
subiu como um foguete a nível dez, e relatou que o peito estava batendo
forte. Notei que suas mãos agarravam os braços da cadeira, e lhe perguntei
como se sentia. Ela respondeu: “É a única coisa que está me mantendo nesta
sala!”. Usamos as mãos dela como seu Recurso Corporal. Os olhos dela se
prenderam aos meus, e eu perguntei como era isto. “De certo modo
animador”, ela respondeu. Assim o contato visual comigo foi seu Ponto de
Recurso.
​O processo seguiu a sequência dos eventos da experiência pré e pós
cirúrgica. Bette se lembrou de que as vozes começaram imediatamente após
ter acordado da anestesia. Naquele momento de seu processamento, ela se
lembrou mais das vozes do que realmente ouviu. Imaginei se talvez ela
tivesse ouvido as vozes dos médicos enquanto estava sob a anestesia, mas me
cuidei para não tirar conclusões precipitadas. Bette literalmente sentiu as
contenções nos braços e pernas à medida que se lembrava de estar sendo
amarrada pelos auxiliares do hospital. Suas lembranças continuaram em
relação à hospitalização psiquiátrica. Lembrou do terror de ser trancada em
uma ala de pacientes altamente psicóticos. Através do processo, os olhos de
Bette permaneceram presos aos meus, talvez procurando ver se eu acreditava
nela. Ela até mesmo processou a experiência negativa do terapeuta que
recusou tratá-la por não procurar um psiquiatra para medicá-la. Ao final da
sessão, o SUDS dela desceu a dois, e ela teve grande alívio em todo o corpo,
embora estivesse exausta. Combinamos nos encontrar na semana seguinte.
​Quando Bette retornou, ela me contou que o nível de ansiedade tinha
gradualmente subido durante a semana. Ela estava agora ouvindo apenas uma
voz, e era masculina. A sensação de contenção nos braços também tinha
voltado, e era poderosa e assustadora. O SUDS voltou a dez. Imaginei se
nossa última sessão não havia sido bem-sucedida como eu pensava. Outra
vez, evitei fazer qualquer suposição, e confiar no processo da Bette,
seguindo-o para onde quer que levasse.
​Em vez de trazê-la de volta da cirurgia e hospitalização, meu íntimo
me disse para ir direto de onde ela estava. Eu a encorajei a trazer sua
consciência à voz e ao sentimento de contenção em seus braços. Os olhos de
Bette imediatamente se voltaram para a esquerda, em direção à janela de meu
consultório. Seus olhos se abriram bem, e ela gritou: “não, não, não!”. Bette
viu uma porta aberta, e seu tio entrou. Ela estava de volta aos seus cinco anos
de idade. Bette sentou paralisada à medida que o sentia aproximar-se, pegar
seus braços e abaixá-la. “É a voz dele!”, ela gritou. Então ela lembrou como
ele a molestou diariamente por um ano enquanto sua mãe estava no trabalho.
​Imediatamente eu entrei e dirigi a atenção de Bette de volta ao
sentimento das mãos nos braços da cadeira e seus pés no chão. Eu a encorajei
a ouvir o som de minha voz, para me certificar de que havia permanecido no
presente tanto quanto possível. Ao final da sessão, ela estava confusa e
sobrecarregada, mas estava aliviada por conectar a voz com seu tio, que havia
sido inadequado com ela e a irmã. Tem havido controvérsia no campo da
psicologia sobre a recuperação de memórias de abuso, e eu sempre deixo isto
para que o cliente decida se suas memórias são acuradas. De qualquer forma,
estas imagens e outras experiências sensoriais que parecem vir não se sabem
de onde podem ser processadas com o Brainspotting.
​Bette continuou as sessões de Brainspotting comigo por seis meses, e
nós processamos suas memórias do tio e outros traumas de infância. Parece
que a cirurgia, e os efeitos colaterais dos analgésicos, desenterraram
memórias de abuso que haviam sido profundamente enterradas por
dissociação. Nenhum dos profissionais que ela havia visto tinha pinçado isto.
As vozes que ouvia desencadearam uma espiral de trauma secundário, na
qual ela foi incorretamente diagnosticada como esquizofrênica paranoide,
com contenção, fortemente sedada, e hospitalizada em uma instituição
psiquiátrica. Porém todas estas experiências eram em última instância
passíveis de tratamento com o Modelo Brainspotting de Recurso. Bette parou
de ouvir vozes e se sentiu confiante e forte em seu corpo.
​O trabalho com ela foi extremamente gratificante e, ainda assim, me
trouxe humildade. Não sou imune a cometer erros. Mas eu havia entrado no
processo com ela sem qualquer suposição, e não me desviei por conta de
sintomas que claramente sugeriam diagnósticos que não eram acurados. Bette
conduziu, e eu segui. Ela era a cabeça do cometa, e eu tinha que trabalhar
duro para entrar e ficar na cauda.
​O âmago do trabalho com Bette foi minha habilidade para ouvi-la e
envolvê-la numa relação de confiança. O que surgiu de sua história, tanto
quanto dos traumas no hospital, desafiou sua capacidade de confiar, tendo eu,
então, que conquistá-la. O trauma era profundo no cérebro de Bette e era
sentido no corpo, então além do relacionamento, ela precisava do foco
cérebro-corpo do processamento e das posições do olho Brainspotting. Anos
mais tarde, vim a chamar a combinação Brainspotting de foco corpo-mente e
a relação terapeuta-cliente de Moldura de Sintonia Dual.
Brainspotting tem tido muitas configurações desde seu início. Nos
primeiros anos depois de sua descoberta, a atenção e a ênfase eram mais nos
desenvolvimentos técnicos do que clínicos. Brainspotting era tão novo, e
havia tanto para observar e absorver. No início, havia outros terapeutas
envolvidos em Brainspotting. Meus amigos e colegas formaram uma
nascente comunidade Brainspotting, uma fonte de feedback e investigação
para mim. A experimentação com as posições do olho e suas respostas eram
diárias. Mais técnicas eram exploradas e descartadas do que as que
acolhíamos. Era fascinante observar, à medida que a dinâmica de exploração
era aberta e assim fluía. Eu estava tentando imaginar o que havia descoberto e
o que era, bem como o que não era – um processo que ainda continua. Dei
completa atenção à localização de brainspots e ao processo que resultou em
que minha consciência foi afastada da essência da cura: o relacionamento
entre o terapeuta e o cliente. Levou algum tempo para desenvolver a ideia da
Sintonia Dual e ainda mais tempo para formar o conceito de moldura
(enquadramento) em torno dele.
​Em 2007, alguns anos depois de minha descoberta inicial, eu estava
me preparando para me apresentar no retiro anual de Oliver Schubbe, meu
amigo alemão e pioneiro da comunidade europeia Brainspotting. (Eu conto a
história dele no Capítulo 14.) Eu estava escrevendo num flipchart, tentando
organizar minha apresentação. A ideia e as palavras começaram a fluir, e eu
tentei capturá-las no papel tão rápido quanto podia. Havia me dado conta de
que minha ênfase no trabalho sobre posição do olho e seu processamento
havia me distraído das raízes terapêuticas, e meu cérebro começou a sintetizar
os aspectos técnicos e relacionais de minha descoberta mais rapidamente do
que podia escrever. Em minha cabeça, vi uma hélice dupla, entrelaçando o
clínico e o técnico. As palavras “Brainspotting clínico” faiscaram em minha
mente, e eu as escrevi no alto do papel. Então preenchi todos os cantos da
folha do flipchart nos escassos quinze minutos. Depois de haver decifrado
meus rabiscos, dei-me conta de que havia desenvolvido toda a apresentação.
Uma nova linha me veio: “O relacionamento não tem a finalidade de servir
ao Brainspotting; o Brainspotting tem a finalidade de servir ao
relacionamento”. Desde então, tenho falado essas palavras incontáveis vezes
em treinamentos e palestras. É um ponto que vale a pena repetir – de fato, é
um ponto vital para a compreensão do Brainspotting.
​Vamos adiante para outubro de 2009. Eu havia desenvolvido o
modelo Brainspot Clínico (ou Relacional) e o integrei aos treinamentos. Lisa
Schwarz e eu estávamos apresentando um treinamento Brainspotting em
Boulder, Colorado, que é um dos grandes centros Brainspotting do mundo.
Entra, então, Robert Scaer, MD, autor do The Body Bears the Burden e The
Trauma Spectrum. Bob é um especialista de nível mundial em cérebro e
trauma psicológico. Ele descobriu que muitas condições físicas, tais como
whiplash (efeito chicote), são dramaticamente exacerbadas pela história de
TEPT, especialmente o TEPT derivado de trauma de infância. Utilizo Bob
como recurso quando surgem questões neurológicas, o que me protege de
expor quaisquer lacunas em meu conhecimento sobre o assunto. Neste
treinamento em Boulder, Bob, ao responder uma questão, discorreu de forma
eloquente sobre a “rara sintonia” do Brainspotting e a forma como
acompanha o cliente tanto relacional quanto neurologicamente. Senti como se
um raio tivesse me atingido. Em algumas frases, Bob capturou a essência do
Brainspotting: era a sintonia do terapeuta não apenas com o cliente como
pessoa, mas também com o cérebro do cliente que explicava porque o
Brainspotting é tão poderoso e único. Imediatamente prestei atenção de como
esta sintonia simultânea ocorreu em meu trabalho com meus clientes.
Eu sabia que tinha que ter um nome digno do fenômeno. Enquanto
estudava os mecanismos do EMDR, aprendi o conceito de atenção dual.
Basicamente, quando uma pessoa está atendendo há duas coisas diferentes ao
mesmo tempo, o cérebro está mais pronto a mudar. Parece que a atenção dual
faz com que o cérebro seja mais receptivo a trafegar por vias neurais quando
confrontado com novas experiências. Parece óbvio que o Brainspotting
utiliza a atenção dual (talvez mesmo a atenção tripla); os clientes focam em
uma posição do olho com consciência corporal enquanto rastreiam seu
processo interno. Assim, minha mente jogava com o som e o ritmo da
atenção dual e veio com o termo atenção dual.
Este termo capta a essência do esforço do Brainspotting. O terapeuta tem que ser multi-tarefa a
fim de acompanhar de perto os diferentes níveis de comunicação do cliente, enquanto ao mesmo tempo
acompanha os sinais olho/cérebro/corpo do cliente. Prestar atenção a todos estes elementos é um ato
altamente desafiador, não para os de coração débil ou os de vontade fraca. Nunca é uma tarefa fácil
mesmo para mim, que sou quem desenvolveu o Brainspotting.

O aspecto da sintonia neural do Brainspotting me ensinou muito


acerca da sintonia pessoa-a-pessoa do processo de ouvir. A forma como ouço
agora os meus clientes é totalmente diferente de como eu ouvia antes do
Brainspotting. Estou pensando no cérebro todo o tempo, e estou vendo e
sentindo a informação fluindo pelas amplas e complexas vias sinápticas à
medida que ouço suas histórias. E isto tem me mostrado que aquilo que eu
pensava que o cliente estivesse comunicando é frequentemente muito
diferente do que eu havia acreditado.
​Comunicação é tudo sobre codificação e decodificação. O que fala
codifica sua mensagem, e o ouvinte a decodifica. Mas tenho observado muito
mais se perder nesta tradução do que nos damos conta. Frequentemente
acreditamos que estamos compreendendo a mensagem codificada quando não
estamos, assim como acreditamos que nossos códigos estão sendo
efetivamente decodificados quando não estão. No consultório de terapia, o
processo de cura pode se elevar ou baixar, baseado no sucesso relativo deste
processo de comunicação codificar-decodificar. Os terapeutas relacionais
vivem ou morrem dependendo do quanto conseguem ouvir bem. A boa
escuta por parte do analista constitui o âmago da “cura pela fala”, de Freud,
da mesma forma que as terapias interpessoais. Afinal, como poderia uma
técnica ser boa se os terapeutas não podem ouvir bem seus clientes? Este
modelo de escuta me foi ensinado no treinamento analítico, e tem me servido
bem por toda minha carreira. Aprimorar minhas habilidades de escuta tem
sido um processo de desenvolvimento permanente para mim em décadas
como terapeuta.
​Mas o Brainspotting e meus estudos do cérebro têm alterado
drasticamente o modo como eu ouço. Quando soube que há mais de um
quatrilhão de conexões no cérebro, percebi que não poderia obter sinais do
que acontecia lá dentro. Esta realização foi realmente uma liberação para
mim. Já que não podemos saber o que não é possível saber, como é que os
terapeutas podem saber alguma coisa? A resposta é ouvir cuidadosa e
intencionalmente o que o cliente nos conta, e não assumir que podemos saber
algo mais. É isto - algo mais é uma assunção, uma imposição dos processos
de nosso próprio cérebro.
​Este tipo de escuta exige muito foco. Exige que os terapeutas
observem e afastem seus próprios pensamentos, inclusive as observações
intuitivas, informadas, sábias que vêm à sua mente. Este tipo de escuta
demanda prática e que o terapeuta procure constantemente um estado Zen. Na
melhor das hipóteses, encontramos e perdemos este estado repetidamente. Eu
ainda trabalho isto todos os dias e sei que sempre terei de fazê-lo.
​À medida que limpamos nosso processo interno, podemos então
começar a escutar cuidadosamente as comunicações do cliente, palavra por
palavra, sentença por sentença. Todo ser humano fala uma linguagem
diferente. As mesmas palavras e frases na mesma língua significam diferentes
coisas a diferentes pessoas. Às vezes a variação é cheia de nuances; outras
vezes, é drástica. Então é preponderante aprender e utilizar a linguagem do
cliente. É crucial não mudar a palavra ou a frase quando nos comunicamos de
volta ao cliente, já que a modificação das palavras arrisca mudar seu
significado. Usar cuidadosamente as palavras precisas do cliente possibilita
não só a sintonia como a maneira de espelhar-se para ele. Esta escuta
reflexiva pode ajudar a curar tanto a alma como o cérebro, se provida
consistentemente e por um tempo suficientemente longo.
​Mesmo quando o terapeuta está em silêncio, o cliente está consciente
da presença e testemunho do terapeuta Brainspotting. Sei porque meus
clientes me dizem isto quando eu pergunto. A sintonia dual significa que a
presença relacional se integra com o aspecto técnico e baseado no cérebro do
Brainspotting.

No início de meu treinamento fui ensinado que há um problema


presente e então há um problema real. Descobri que isto é uma inverdade. O
problema presente é o problema real. Envolve neurobiológica e
existencialmente a dificuldade consciente e inconsciente do cliente. Pode ser
emocional, cognitiva, comportamental ou relacional. Quando o problema
presente é resolvido, o tratamento está completado.
​Não sou um behaviorista. Simplesmente acredito que o cliente sempre
sabe mais. O problema está em seu cérebro e a solução está em seu cérebro.
Assim como o freguês sempre tem razão, assim é o cliente. Certamente os
clientes precisam de psico-educação (termo que me diverte) para
compreender o processo Brainspotting e para cooperar efetivamente.
Também forneço aos meus clientes uma educação básica e clara de como o
cérebro trabalha, e recorro a esta informação frequentemente durante o
tratamento. Fico maravilhado como os clientes respondem a esta informação,
dizendo: “Isto faz sentido” e “Acho isto um alívio”. Minha observação é de
que o cérebro cognitivo, pensante pode facilmente perder o caminho, mas o
cérebro intuitivo, não. Sabemos o que sabemos, e bem no fundo de nós é
onde sabemos. Quando um terapeuta confirma esta sabedoria interna ouvindo
cuidadosamente e confiando no que o cliente tem a dizer, o cliente se sente
sintonizado como nunca poderia ter se sentido antes.
​Não é, assim, a sintonia uma questão para todas as terapias e não
apenas para o Brainspotting? Bem, sim e não. Sim, porque estes princípios de
sintonia se aplicam a todas as abordagens terapêuticas que se baseiam no
relacionamento entre o cliente e o terapeuta. Não, porque há limites sobre
como um terapeuta pode alcançar um cliente somente com a troca verbal. A
fala alcança apenas as áreas do cérebro que possuem a linguagem. Isto deixa
de fora o cérebro direito, o mediano, e o reptiliano, onde reside a consciência
corporal, intuitiva e emocional.
​O Brainspotting sonda o campo visual procurando os pontos que
seguram e revelam ressonância em nosso cérebro mais profundo. O
Brainspotting de Janela Externa os encontra por meio do terapeuta
observando as respostas reflexivas do cliente. O Brainspotting de Janela
Interna encontra-os por meio do terapeuta ajudando o cliente a identificar a
posição do olho onde o cliente sente a maior ativação, somática ou
experimentalmente. E com o Gazespotting, o cliente espontaneamente, sem o
direcionamento do terapeuta, olha para estes pontos de acesso em seu campo
visual. Dirigindo os clientes para e/ou notar estes brainspots com o cliente, os
terapeutas interagem com os clientes de uma forma diferente e mais profunda
da que fazem na mais sintonizada das terapias verbais.
​Mas o processo Brainspotting não termina aqui – começa lá. O cliente
já está ativado em torno da questão na qual quer trabalhar. Estão cientes
quanto ao lugar onde estão retendo a ativação em seu corpo. Juntos, o
terapeuta Brainspotting e o cliente estão olhando um ponto que tem
correlação com sua experiência interna cérebro-corpo. Então o cliente
conscientemente observa seu processo interior, para onde quer que vá,
enquanto periodicamente relata ao terapeuta, que ouve estas comunicações
com abertura e curiosidade. O terapeuta, sem qualquer suposição, segue o
processo do cliente, para onde quer que vá, e espera pelas surpresas que o
cliente nunca poderia antecipar ou mesmo sonhar. Consequentemente, o
terapeuta é tanto testemunha quanto participante do processo de cura do
cliente. O que ocorre nunca poderia acontecer se o terapeuta e o cliente
estivessem simplesmente conversando. No entanto, eles estão conversando,
mas somente no contexto do processamento do brainspot do cliente. Este
fenômeno da cura é único, e em minha experiência, não poderia ser
demonstrado de outra maneira qualquer. Representa a quintessência da
Moldura de Sintonia Dual. É esta simultaneidade da sintonia relacional e
neurobiológica que estimula sinergicamente o processo profundo, focado e
poderoso que leva à resolução da cura.
​O papel do terapeuta no processo Brainspotting, não obstante qual
modelo de Brainspotting esteja sendo usado, é prover um conteúdo de
sintonia e espelho para o cliente. Para este fim, o terapeuta cria uma moldura
que prende e define o cliente dentro de sua experiência interna.

O cérebro é um mecanismo de solução de problemas, que


simultaneamente processa o panorama interno e externo. A função mais
importante do cérebro é promover a sobrevivência física. Feito isto, o cérebro
tenta ajudar uma pessoa a se adaptar continuamente para alcançar e manter a
homeostase. Quando uma pessoa vem ao terapeuta Brainspotting, isto
significa que identificou problemas que não foi capaz de resolver por si. Seu
sistema neural infinito não foi capaz nem de identificar o problema nem de
corrigi-lo.
​Todas as partes do cérebro estão se comunicando com cada uma das
outras partes o tempo todo. Esta comunicação inclui mensagem direta entre a
área mais primitiva (tronco cerebral) e a área mais avançada (o neurocortex)
do cérebro. Para mim, um colapso da capacidade do cérebro de processar
efetivamente qualquer coisa é essencialmente um colapso nas comunicações.
De alguma maneira a mensagem não está saindo, entrando ou passando. Em
minha opinião, este colapso na comunicação é a causa de todos os problemas
que os indivíduos trazem aos terapeutas. Isto é particularmente verdadeiro no
caso de trauma. Considerando que o trauma sobrecarrega a capacidade do
cérebro de processar totalmente o incidente, pode-se prontamente ver como
as experiências traumáticas não seriam responsivas à terapia verbal somente,
com seu limitado alcance cérebro-corpo.
​Contudo, o problema não está somente no cérebro e no sistema neural
do cliente, mas na solução também. A Moldura da Sintonia Dual do
Brainspotting ajuda o cérebro e o corpo do cliente a se curar de dentro para
fora. A moldura ideal leva ao processamento ideal, que resulta na solução
ótima. Mas a sabedoria não está no terapeuta; está na genialidade do sistema
nervoso do cliente.
​No Brainspotting, o terapeuta cria a moldura neurobiológica
encontrando as posições ressonantes do olho com o cliente, que é ativado em
torno da questão de sua escolha. O terapeuta então orienta o cliente a manter
seu foco no ponto e cuidadosamente observar o processo interno, passo a
passo. O terapeuta então segue o processo do cliente de perto, ainda de forma
aberta, para onde quer que for. Esta presença sintonizada testemunhal provê a
moldura relacional conhecida em outras terapias como ambiente de
contenção. No Brainspotting, esta moldura relacional é continuamente focada
pelo terapeuta e o cliente utilizando o brainspot, as sensações corporais e o
processamento.
​Esta moldura existe dentro da continuidade desde a forma mais
ativada à mais recorrida de todas as formas de Brainspotting. O Modelo de
Ativação não apenas encontra o brainspot de maior ativação, mas também dá
a maior latitude relacional e espaço ao cliente. Embora muito presente, o
terapeuta pode ser relativamente inativo se o processamento é feito
eficientemente. E ainda assim o cliente sempre sente a presença do terapeuta.
Frequentemente pergunto aos meus clientes o quanto sentiram minha
presença e quão poderosa foi minha presença. Sua resposta é normalmente
alguma versão de “Eu não poderia fazê-lo sem você”.
​No Modelo de Recurso, o brainspot é determinado pelo Recurso
Corporal (o lugar de calma ou centralização no corpo) e o Ponto de Recurso
que corresponde. Mas os clientes utilizando o Modelo de Recurso
normalmente precisam do terapeuta para serem mais interativos. Muitos
destes clientes tinham ligações insuficientes com seus cuidadores, e como
resultado, têm o que os terapeutas chamam de questões de afetividade. Estes
indivíduos facilmente se sentem perdidos e ansiosos se o terapeuta não for
suficientemente ativo. Desta forma, o terapeuta verifica mais frequentemente
durante a sessão. Alguns clientes precisam até mesmo de um diálogo
continuado para mantê-los centrados. Mas isto não significa que há algo
errado com esses clientes. É simplesmente o que seus sistemas mente-corpo,
afetados por negligência ou abuso, estão precisando. No Brainspotting, como
terapeutas, dizemos que estamos usando uma “moldura mais apertada” nestes
casos.
​Definir o espaço com a moldura é parte do processo de sintonização.
Não é incomum para os terapeutas Brainspotting ajustar a moldura na hora,
algumas vezes avançando mais, outras vezes recuando rapidamente. O
Modelo de Ativação pode ser transferido gradualmente para uma utilização
mais ampla do Modelo de Sintonia. Seguir o processo e as necessidades do
cliente naquele momento é tudo uma questão de sintonia.
​A cauda não conduz a cabeça do cometa. A cabeça sempre conduz a
cauda. A Moldura de Sintonia Dual é como o terapeuta Brainspotting
trabalha para chegar à cauda e se segurar lá, tanto quanto for humanamente
possível.
Capítulo 7 - Brainspotting como
Modelo Integrativo: Não Há Limites
Quando se Trata de Cura
Sigmund Freud é visto por muitos, por mim inclusive, como o pai da
psicologia moderna. Ele atraiu um círculo íntimo de devotos que
regularmente estudavam junto com ele. Com o tempo, muitos discípulos de
Freud desafiaram seus conceitos e se separaram dele, formando suas próprias
escolas de pensamento – C.G.Jung, Alfred Adler, e Otto Rank, por exemplo.
Estas deserções levaram a uma fragmentação das teorias centrais e das
práticas de Freud. Nas décadas que se seguiram à divisão do círculo íntimo
de Freud, surgiram centenas de outros métodos terapêuticos, incluindo tanto
abordagens cognitivas quanto comportamentais, que adotam ideias bastante
opostas às de Freud. (É interessante notar que a base comum existente entre
as abordagens cognitiva e comportamental levou à integração delas ao que é
denominado terapia cognitivo-comportamental, ou TCC. Mas, com o tempo,
as divisões reapareceram na comunidade TCC).
​Durante muitas décadas no campo psicoterápico, tenho sido exposto a
muitas abordagens altamente eficientes, tais como Gestalt, hipnose,
psicodrama, terapia orientada ao corpo e terapias existenciais. Sem dúvida,
estou deixando de lado muito mais das minhas influências diretas e indiretas
que incluí nesta lista. Talvez a existência de tantas abordagens terapêuticas
eficientes seja um real reflexo da complexidade do sistema humano. E com
os avanços da ciência do cérebro, ainda estamos aprendendo mais sobre este
intrincado sistema todos os dias.
​Os terapeutas costumavam ser puristas muito mais do que tendem a
ser hoje. O termo eclético costumava ser quase uma diminuição quando
aplicado a terapeutas. Significava que o terapeuta não era somente
comprometido com qualquer abordagem terapêutica, mas também que não
estava firmemente apoiado em qualquer método. Hoje, o termo eclético
geralmente significa que o terapeuta utiliza qualquer coisa que funcione com
um determinado cliente. Sugere que as técnicas que o terapeuta usa são
altamente individualizadas e não podem ser generalizadas de um cliente para
o outro.
​O termo integrativo está muito mais em voga atualmente. Há mesmo
escolas de pensamento que são verdadeiramente chamadas psicoterapia
integrativa. Muitos, se não a maioria dos terapeutas reconhece a necessidade
de ser integrativo em suas práticas hoje. Os terapeutas normalmente estudam
mais de um método a fim de enfrentar os desafios diários em suas clínicas.
Não é claro se os clientes estão trazendo questões mais complexas à terapia
agora ou se os avanços neste campo ajudam os terapeutas a identificar melhor
as complexidades dos clientes. São necessários muitos anos de experiência
para se tornar um bom terapeuta. A sabedoria envolve aprendizado sobre o
que dizer, quando e como dizê-lo. Mas também inclui saber o que não dizer.
A experiência que leva à sabedoria confere aos terapeutas a habilidade de
integrar diferentes técnicas à abordagem geral.
​Fui treinado inicialmente como psicanalista e psicoterapeuta
psicodinâmico. Passei por muitos treinamentos e seminários em minhas
décadas de prática, e me tornei mais ativo e interativo com meus clientes do
que fui ensinado a fazer no início. Mas a escuta acurada que aprendi em
minhas raízes analíticas sempre ficaram comigo.
​Minha experiência e treinamento foram desafiados quando estudei
EMDR, por ser um novo paradigma. Foi contra minha natureza me tornar um
purista com EMDR. Eu queria aprender este novo método ao mais elevado
grau de proficiência; no entanto, não pude evitar experimentar o EMDR. O
método trazia um poderoso conjunto de ferramentas que pediam a
experimentação. Eu inovei com o Som BioLateral e a estimulação contínua
(ininterrupta), e integrei o EMDR à abordagem psicodinâmica. Para mim, o
processamento que ocorreu com o EMDR foi uma outra versão da livre
associação que foi decisiva para a abordagem da análise que eu havia
aprendido muitos anos antes. Ao estudar a experiência somática e ser a ela
exposto percebi que havia ainda mais para integrar. A observação profunda
da experiência do corpo foi rica, sendo um novo território para mim, mas a
ideia de usar os recursos que o corpo retém foi particularmente uma mudança
do jogo. Juntei todo esse conhecimento e experiência no EMDR Fluir
Natural, meu único ponto de integração naquele momento. Assim, estava
preparado para fazer a integração quando descobri o Brainspotting.
​Tenho feito a integração com outras abordagens, um fundamento do
método Brainspotting. O Brainspotting é concebido como um modelo aberto,
intuitivo (modelo de respiração) que reflete como o sistema humano é aberto
e intuitivo. A Moldura da Sintonia Dual, discutida no último capítulo, é uma
integração essencial da sintonia baseada no cérebro e a sintonia do
relacionamento terapêutico. Daniel Siegel, MD, em seus próprios estudos
independentes, denominou esta combinação de neurobiologia interpessoal.
​Quando os terapeutas chegam à Fase 1 dos treinamentos
Brainspotting, eles são encorajados pelo instrutor a não deixar para trás suas
outras abordagens. Muitos treinandos ficam surpresos ao saber que não
somente é OK integrar o Brainspotting aos seus métodos atuais, como
também que se espera que os terapeutas façam isto. Tenha em mente que os
terapeutas não vêm para estudar novas técnicas porque não têm bom
resultado com o que já estão fazendo. Os bons terapeutas estão cientes de que
têm necessidade de continuar a buscar novos aprendizados. Há um velho
ditado que diz: “Quanto mais você sabe, mais você sabe que nada sabe”. Os
terapeutas nunca param de aprender, mesmo se praticam bastante até seus
oitenta anos de idade. Como pode ser que um método abranja todos os
fundamentos do sistema humano, quando este sistema é essencialmente
infinito em sua complexidade?
​Tenho um ditado: “Não há limites quando o assunto é cura”. Muitas
outras abordagens têm caído na armadilha de se tornarem hierárquicas ou
exigirem pureza na aplicação de suas técnicas. Em pesquisa, se exige
fidelidade, mas se estiver muito aderente ao trabalho clínico, pode falhar em
sintonia. Se os terapeutas estão dando demasiada atenção em fazer os
protocolos e os procedimentos de forma correta, como podem acompanhar de
perto o processo do cliente? A psicoterapia é tanto uma arte quanto uma
ciência, e no Brainspotting eu abraço e ensino este dualismo. Os treinandos
Brainspotting me dizem frequentemente: “Obrigado por me darem permissão
para ser flexível”. Eu frequentemente respondo: “Por que você deixaria que
alguém tomasse esta permissão de você?” O público em geral normalmente
confere autoridade aos terapeutas que percebem como sensatos e confiáveis.
Contudo os terapeutas são muitas vezes mais vulneráveis que a maioria das
pessoas consegue perceber. Cada pessoa é um indivíduo único, e isto inclui o
terapeuta. Assim, cada processo terapêutico – de fato, cada sessão – é
diferente. O que se mantém igual é a necessidade do cliente de ser ouvido
muito cuidadosamente.

Há muitas maneiras em que o Brainspotting pode ser integrado com


outras abordagens. Conforme descrevi no último capítulo, a Moldura de
Sintonia Dual é a integração fundamental da sintonia relacional e
neurobiológica. Se tanto o terapeuta quanto o cliente têm sorte, o processo
nesta Moldura de Sintonia Dual será puro e resolverá o problema de perto.
Na prática, isto raramente acontece, porque os seres humanos são muito
complexos e imprevisíveis. Quando alguém procura um psicoterapeuta,
normalmente já esteve lutando por muitos meses, se não anos. A maior parte
dos problemas são complicados e têm sua origem na infância. O trauma e as
retraumatizações são geralmente parte do quadro do cliente. As questões
complexas não estão retidas numa parte do cérebro; eles infiltram o cérebro
inteiro.
​A complexidade das questões do cliente e do cérebro leva os
terapeutas Brainspotting a confiar em seus outros métodos quando se trata de
compreender e intervir junto com os clientes durante as sessões. Mas esses
outros métodos são utilizados enquanto o cliente permanece focado no
brainspot. A posição do olho, ou brainspot fornece a definição e o conteúdo,
não importa que outras técnicas são trazidas ao processo.
​Os treinandos Brainspotting provêm de todos os backgrounds e de
todas as orientações. Muitos estudantes Brainspotting já são treinados em
EMDR, experiência somática e hipnose. Mas, muitos treinandos vêm de
métodos tão diversificados, como terapia de família, análise junguiana,
bioenergética, programação neolinguística, e terapia cognitivo-
comportamental. Cada tipo de terapeuta intervém diferentemente num
brainspot quando necessário. Um terapeuta Brainspotting treinado
analiticamente pode fazer uma transferência ou interpretação de resistência.
Um hipnoterapeuta Brainspotting poderá utilizar a sugestão. Um terapeuta
Brainspotting treinado em TCC pode empregar uma reestruturação cognitiva.
Um terapeuta de respiração poderá orientar o cliente através de alguns
exercícios de respiração. Mas todas estas intervenções são mais eficientes
porque são enquadradas e focadas no atendimento ao brainspot. Se todos
esses diferentes terapeutas forem treinados e sintonizados ao cliente, suas
intervenções provavelmente serão eficientes. E se por acaso eles fossem
menos que bem-sucedidos, os terapeutas saberiam recuar para esperar e ver o
que acontece em seguida.
​Bons terapeutas sabem que todo o trabalho de terapia é tentativa e
erro.
​Eles não fazem alguma coisa porque sabem o que vai acontecer.
Fazem algo porque pensam que pode ajudar, e então se sentam e vêem o que
acontece: Os bons terapeutas estão prontos a errar bem como a acertar. Isto
tudo é parte do processo terapêutico. Os clientes são normalmente
perdoadores quando o terapeuta está equivocado, desde que o terapeuta
escute e confie no cliente. Um terapeuta que aprende que o erro feito na
terapia pode ser uma experiência corretiva para o cliente, que pode observar o
terapeuta tanto como falível e desejoso a admitir e corrigir seus próprios
erros.
​Quando os terapeutas entram com outras técnicas enquanto fazem o
Brainspotting, a esperança é de que a intervenção vá funcionar, e o terapeuta
então poderá recuar. Alguns terapeutas se fortalecem quando têm sucesso
com uma técnica integrativa, então continuam a usar isto repetidamente. Eles
não reconhecem que quando um cliente está bem moldurado num brainspot, a
maior parte do que ocorre é a cura autocorretiva. Uma boa intervenção
desbloqueia um processo travado, o que permite o processo de continuar
fluindo. O cérebro sabe o que fazer – e 99% do tempo, ele sabe o que fazer
mais do que o terapeuta.
O trabalho do terapeuta Brainspotting é saber o que fazer durante aquele 1%
do tempo em que ele é chamado a se colocar.

A história seguinte exemplifica como a integração de outra


abordagem com o Brainspotting pode ser essencial para alcançar uma
resolução de cura. Wes me procurou com fobia de dirigir que começou um
ano antes, após ter sofrido dois acidentes em um mês. O segundo acidente foi
mais grave que o primeiro, e ele foi atingido de lado por um carro que
avançou o sinal vermelho. Embora Wes não tenha sido ferido seriamente, o
carro dele teve perda total. Ele então alugou um carro, e toda vez que dirigia,
ele ficava cada vez mais ansioso. Wes evitava o cruzamento onde havia sido
atingido. (A evitação é um sintoma clássico do TEPT.) Gradualmente sua
ansiedade aumentou, e ele dirigiu cada vez menos. Ele parou de dirigir nas
estradas e então fez sua mulher dirigir sempre que estavam juntos no carro.
Finalmente, Wes parou de dirigir completamente.
​Começamos a terapia dele com o padrão Brainspotting de Janela
Externa. Começamos processando o primeiro acidente, o menos grave. Em
dez minutos foi feito do começo ao fim. Os traumas de evento único na fase
adulta geralmente são processados rapidamente porque eles parecem estar
mais contidos em uma área do cérebro. Traumas de infância e traumas
repetidos tendem a se infiltrar mais no cérebro e consequentemente são mais
difíceis de resolver.
​O segundo acidente foi muito mais desafiador. Orientei Wes a trazer o
primeiro momento em que soube que percebeu que ia ser atingido de lado.
Ele viu o carro à direita, em sua visão periférica. Seu nível de SUDS subiu a
nove, e ele sentiu a força do impacto. Os eventos traumáticos tendem a ser
gravados sequencialmente no cérebro. No Brainspotting, esses eventos
também tendem a se processar sequencialmente, passo a passo. É por isto que
os terapeutas Brainspotting são ensinados a começar pedindo aos clientes que
se lembrem do primeiro movimento em que perceberam que alguma coisa
ruim estava prestes a acontecer.
​A experiência de Wes através do segundo acidente foi
dramaticamente diferente do processamento do primeiro. Desta vez, o
processamento foi lento e árduo, com altos níveis de ativação. No corpo dele,
Wes não somente reviveu o impacto em sua cabeça e pescoço, mas também
sentiu uma profunda ansiedade no peito. Até mesmo o Recurso Corporal e o
Recurso do Ponto foram limitados em sua eficiência.
​Decidi integrar o Brainspotting com uma técnica da hipnose chamada
Ponte Afetiva. Orientei Wes a se perguntar sobre alguma questão anterior em
sua vida que pudesse de alguma forma ser associada com este acidente.
Enquanto ele olhava intencionalmente para a ponteira, uma lembrança veio à
sua mente. Os olhos de Wes ficaram arregalados e as lágrimas brotaram.
Quando tinha cinco anos de idade, ele e sua família tiveram um acidente de
carro no caminho para a igreja. Seu pai estava dirigindo, e Wes e sua irmã
estavam atrás. A mãe estava na frente, no lugar do passageiro, e Wes estava
sentado exatamente atrás dela. Adivinhe? O carro deles foi abalroado pela
direita! O carro teve perda total, e tanto Wes quanto sua mãe ficaram feridos
e foram hospitalizados. Felizmente os dois se recuperaram, mas sua mãe
ficou no hospital durante um mês com uma vértebra fraturada.
​Esta lembrança da infância se processou de forma
surpreendentemente rápida. E depois de resolvida, o segundo acidente,
ocorrido um ano antes, foi também liberado mais facilmente que antes.
​Então orientei Wes em um trabalho focado em Brainspotting na
questão da fobia de dirigir, ainda remanescente, mas agora reduzida. Este
medo desceu a SUDS nível zero também. Mas ainda não foi o fim da história.
​Semana após semana, Wes voltava à nossa sessão e não me falava se
tinha voltado a dirigir. Quando perguntei, ele foi evasivo, mas admitiu que
ainda não havia tentado. Os acidentes foram processados e sua fobia de
dirigir foi contida, então qual era o problema? A ansiedade antecipatória
ainda remanescente ainda o bloqueava. Diante da cura, este bloqueio poderia
parecer estranho, mas eu tinha me deparado com ele antes. A ansiedade
antecipatória pode ter vida própria. O estado da mente ainda pode se manter
depois que tudo o mais foi resolvido. A ansiedade antecipatória pode mesmo
bloquear o poder do Brainspotting.
​Eu sabia que era tempo de integrar uma forma de terapia de
exposição. Perguntei ao Wes: ”Como foi que você veio à sessão hoje?”.
​“Minha esposa me trouxe” foi a resposta.
​“Ela ainda está aqui com o carro?”.
​“Está na sala de espera”. Wes sabia para onde eu me encaminhava
com esta linha de indagação.
​Então eu disse: “Vou levar você de carro a uma rua isolada a algumas
quadras daqui. Então você vai tomar a direção do carro comigo no banco de
trás”.
​Wes concordou, e lá fomos nós. Eu tomei a direção, e quando
chegamos ao local designado, trocamos de lugar. Wes estava chocado por
estar calmo. Deixando a antecipação para trás, a ansiedade também foi
deixada. Wes ligou o carro e dirigiu sem qualquer problema. Ele olhou para
mim e disse: “Posso levar você de volta ao consultório?”. Quem era eu para
contestar?
​De volta ao consultório, localizamos o brainspot que se
correlacionava com seu desempenho bem-sucedido. Ele sentia orgulho no
peito em lugar de ansiedade. Levamos sua mulher do consultório para casa,
deixando para trás, no retrovisor a fobia de dirigir e a evitação.
​Ficou claro para mim que a despeito da notável cura emocional de
Wes dos acidentes de carro, incluindo o da infância, o Brainspotting por si só
não resolveria a fobia de dirigir. In vivo, ou na vida real, a exposição era
necessária. Wes, como todos os seres humanos, era complexo. Problemas
complexos às vezes requerem integração intuitiva, informada, criativa de
abordagens terapêuticas, mesmo quando utilizamos o Brainspotting altamente
eficiente.

Capítulo 8 - Eixo Z e Brainspotting


de Convergência: Brainspotting em
Três Dimensões
Ellen estava presa num relacionamento destrutivo com seu chefe.
Bem, Paulo não era exatamente seu chefe. Ele deveria ser o parceiro de Ellen
num negócio lucrativo de fornecimento de material para festas que haviam
começado oito anos antes. Mas à medida que os anos passaram e o negócio
prosperou, Paulo gradualmente assumiu o controle. Ambos haviam
trabalhado duro e de forma igual, mas Ellen não havia se colocado de forma
assertiva quando Paulo registrou o negócio em seu nome. “Não se preocupe,
vou cuidar de você. Somos parceiros”, Paulo garantiu a ela. Toda vez que
Ellen pedia uma compensação justa, Paulo a descartava dizendo, “Todos os
lucros estão sendo aplicados no negócio”. Ela foi facilmente manipulada e era
incapaz de ser assertiva. Ellen me revelou que, de alguma forma, ela não
sentia que merecia sua parte. Este sentimento a levou ao padrão de família
abusiva onde seu irmão mais velho era o favorito. Ellen me contou: “Eu era a
Cinderela. Quando pedia alguma coisa, meus pais me diziam que eu era
egoísta e gananciosa. Aos poucos, comecei a acreditar nisto”.
​Crenças distorcidas são estabelecidas de forma profunda e pode ser
difícil mudá-las. Mesmo com Brainspotting, pode levar tempo para encontrar
a raiz dessas crenças e liberá-las. Não importa que tipo de Brainspotting eu
usasse com Ellen, nada parecia fazer diferença. Tentamos todas as
combinações de Janela Interna e Externa, Gazespotting, e Brainspotting de
Um Olho. Até mesmo o Modelo de Recurso não conseguiu fazê-la ceder.
Então experimentei alguma coisa que eu tinha acabado de ler; era chamado
de Terapia de Convergência Visual.
​Seu ponto de ativação estava à direita e acima do nível do olho. Para
esta nova abordagem, era necessário que Ellen fosse capaz de olhar a posição
do olho acima. Dei-lhe a ponteira e a fiz alinhar a ponta da ponteira com seu
brainspot cerca de trinta centímetros de distância do rosto. Então orientei
Ellen a olhar a ponta da ponteira para o ponto mais distante da sala. Ela o
encontrou na parede, diretamente atrás e além da ponta da ponteira. Instruí-a
ir para trás e para frente entre olhar para a ponteira e olhar para o ponto da
parede a cada cinco segundos, durante um minuto.
​Depois de experimentar esta técnica, Ellen relatou: “Isto foi estranho.
Senti toda a ansiedade drenar de mim à medida que eu ia para trás e para
frente. Sinto meu peito muito melhor agora”. Orientei Ellen a continuar o
procedimento. Ela realizou mais nos vinte minutos seguintes do processo,
com a convergência, do que tinha feito nos três meses anteriores da terapia
Brainspotting. Em duas sessões deste novo vai-e-vem, trabalho perto-e-
distante, Ellen foi capaz de curar profundamente e liberar suas crenças
destorcidas de desvalor. Ela foi capaz também de confrontar Paulo e não ser
colocada de lado por conta de suas manipulações ou agressões.
​Fiquei surpreso pela resposta de Ellen em fazer convergência no
brainspot. Desde então tenho observado que cerca de 5% a 10% de meus
clientes, que não respondem a nada mais, se saem bem com esta abordagem
vai-e-vem. Para estes indivíduos, assim como foi para Ellen, tem sido uma
dádiva de Deus. Tem sido uma bênção para mim também. Uma vez mais, ao
usar o modelo integrativo, experimental, descobri como usar a terapia de
convergência como o Brainspotting por tentativa e erro.

Segue a história de como descobri a terapia de convergência visual.


​Eu estava dando um treinamento Brainspotting em 2006 em
Pittsburgh. No último dia, um dos treinandos me entregou um papel que
dizia: “Leia isto. Penso que você vai achar isto interessante para o que está
fazendo”. O papel era intitulado “Terapia de Convergência Visual como uma
Manobra Vagal: Um Paliativo Inesperado para Dor de Angina e Questões
Relacionadas”. O autor era Merrill Bowan, um neuro-optometrista, e era
realmente o rascunho de um artigo que nunca havia sido publicado.
​O trabalho continha uma leva de termos que me eram estranhos, como
músculos extraoculares, reflexo óculo-cardíaco, e a terapia de convergência
visual. Os músculos extraoculares (MEOs) são os seis músculos que seguram
cada globo ocular no lugar. Sendo os seres humanos binoculares, ou que
vêem com os dois olhos, estes músculos têm que constantemente trabalhar
juntos, ajustando ambos os olhos independentemente para manter a visão
focada. Isto é um trabalho crucial, complexo e delicado. Não somente nossa
aptidão de ver claramente, mas também nossa capacidade de sobreviver
depende desses doze músculos ligados a nossos globos oculares. De acordo
com isto, os MEOs contêm muitos terminais nervosos e são a fonte do
reflexo óculo-cardíaco (ROC). O ROC é um reflexo calmante do corpo,
parassimpático imediato, primitivo ainda que poderoso. O ROC pode ser
ativado tanto pela pressão dos globos oculares como por convergir
rapidamente (movimentando junto) e então divergindo (movimentando
separadamente) os olhos. Quando olhamos um objeto de perto, nossos olhos
convergem, e quando olhamos à distância, nossos olhos divergem. De acordo
com isto, quando olhamos para trás e para frente intencionalmente, ou de
longe para perto, podemos deliberadamente ativar o ROC. Olhar
repetidamente para trás e para a frente, perto e longe, é o que eu usava para
um grande efeito com Ellen em seu brainspot.
​Deixe-me levá-lo de volta ao título desafiador do artigo de Bowan e
explicá-lo um pouco mais. Ele chama a terapia de ativação do ROC uma
“manobra vagal”. Isto significa que o ROC afeta o nervo vago, que vai do
cérebro diretamente ao coração e estômago. O nervo vago ativado envia um
sinal para acalmar o coração e relaxar o corpo. De acordo com Bowan, esta
desaceleração do coração ajuda a reduzir não somente as dores de angina no
coração, mas a atenuar os intensos sentimentos de ansiedade também.
​Bowan, um inovador no campo da optometria, deu um caso como
exemplo em seu trabalho. Ele ajudou uma paciente a reduzir
significativamente seus ataques de pânico utilizando uma terapia de
convergência visual (também chamada simplesmente terapia de
convergência, TC). Ele fez sua paciente segurar o dedo a trinta centímetros
dos olhos e mover o olhar para trás e para frente, entre seus dedos fechados e
a parede ao longe, a cada dois segundos, por um tempo de dois minutos.
Bowan relatou que sua paciente ficou livre do pânico durante um ano após
uma série de tratamentos TC.
​O fato de um não terapeuta poder efetivamente tratar uma condição
emocional fortalece minha crença de que as respostas às nossas questões
psicológicas se encontram no fundo de nossos cérebros e corpos. Bowan
tratou uma desordem de pânico ativando o ROC, um reflexo primitivo que
acessa o nervo vago, desacelerando o coração e acalmando o corpo. Não
houve qualquer conversa, qualquer análise, e qualquer intervenção cognitiva
– apenas resultados.

Com a Ellen, eu sobrepus a terapia de convergência em sua posição


ativada do olho. Saiba que não havia nada verdadeiramente psicológico sobre
seu brainspot. Foi apenas a locação no espaço visual onde Ellen sentiu o
corpo apertar quando pensou sobre o comportamento de Paulo para com ela.
Juntando o Brainspotting com a terapia de convergência visual, eu estava
utilizando um reflexo (o ROC) para acalmar (ou liberar) outro reflexo (o
aperto no peito de Ellen). Isto foi simplesmente um processo de corpo a
corpo. Quando Ellen foi capaz de liberar a reação na qual estava presa em
relação a Paulo, suas crenças destorcidas de desvalor também desapareceram.
Imagino se poderia ter um efeito similar com outros clientes emperrados.
​ omecei a experimentar um novo modelo chamado Brainspotting de
C
Convergência utilizando-o com qualquer dos meus clientes que pudessem se
beneficiar dele. Para alguns, fez uma grande diferença em acelerar seu
processo e trazer mudança e alívio para eles. Para outros, parecia fazer
pequena diferença, então tive que continuar a experimentar novas técnicas e
combinações de técnicas com eles.
A terapia de convergência visual chamou minha atenção para algo
óbvio que eu havia perdido: o campo visual é tridimensional. Até o momento
que usei a terapia de convergência com a Ellen, eu estava limitado ao uso dos
eixos x e y num plano bidimensional. O Brainspotting de Janela Interna
começou com o eixo x da esquerda e direita. Foi então expandido em duas
dimensões para o eixo y acima ou abaixo por sugestão de meus clientes. O
trabalho de convergência me fez pensar de forma tridimensional. Este novo
trabalho perto-e-longe abriu todo o campo visual à minha exploração. Martha
Jacobi, uma colega de New York e especializada em matemática, sugeriu o
termo eixo z para a dimensão de profundidade.
​Enquanto isto, outro colega do Colorado, Roger Reynolds também
estava relatando resultados animadores utilizando Brainspotting com
profundidade, quando movia a ponteira perto e longe para ajudar a liberar
sintomas whiplash (efeito chicote) em sobreviventes de acidentes de carro.
Comecei a refletir se poderia expandir meu uso de convergência
desacelerando os movimentos para trás e para frente junto com o eixo z.
Também pensei se distâncias diferentes num brainspot, mais perto ou mais
distante, poderia trazer mais ou menos ônus para os clientes.
​Então uma vez mais, comecei a experimentar. Fiquei surpreso com o
que encontrei. Quase sempre houve uma diferença entre olhar de perto ou
olhar para longe no brainspot. Para a maioria dos clientes, a diferença era
notável. No entanto, com 10% ou 15% dos clientes, olhar de perto no
brainspot os fez se sentirem mais calmos e olhar de longe era mais
estimulante.
​Fazia sentido que o foco em um objeto ou ponto mais adiante faria
uma pessoa se sentir mais calma e o ponto menos perigoso. No reino animal,
um predador parece mais ameaçador quanto mais perto estiver e, por
contraste, menos ameaçador se estiver distante. Você já assistiu a um
programa de TV sobre natureza onde as zebras estavam pastando, e os leões
em sua visão, algumas centenas de metros à frente? Pode parecer estranho
que as zebras não disparassem à visão e ao cheiro de seus predadores. Temos
vontade de chamar as zebras e dizer: “Fujam, fujam, fujam por suas vidas!”.
Estamos claramente nos identificando com as zebras e também revelando
nossa herança animal comum do reflexo lutar/fugir. As zebras sabem que elas
estão fora da distância de alcance dos leões, mas estão vigilantemente
mantendo uma observação próxima. Quando os leões despercebidamente
fecham a distância e se aproximam muito, as zebras ficam ariscas e andam,
ou correm se necessário, para criar mais distância.
​À medida que a ponteira se move mais perto de um cliente que está
ativado em torno de uma questão, seu nível de ansiedade tende a aumentar e
o nível SUDS se eleva. O cliente racionalmente sabe que se trata apenas de
uma ponteira na mão do terapeuta, e ainda assim a resposta de ameaça é
ativada. Esta resposta sugere fortemente que as forças instintivas estão
atuando. Isto reforça minha crença de que as forças psicológicas são sempre
dirigidas fisiologicamente. Com grande proximidade, estamos induzindo a
mesma reação de ameaça nos seres humanos que surge em animais. É a
resposta para lutar, fugir ou congelar que é frequentemente experimentada
pelos seres humanos como ansiedade.
​Então por que deveria uma pequena porcentagem de clientes reagir à
ponteira mais próxima como mais confortante e mais distante como mais
insegura? Não parece fazer sentido. Refleti sobre isto por muito tempo antes
que um cliente me desse uma dica.
​A mãe de Stacey estava doente com câncer durante toda a infância
dela, e desde a primeira infância. A mãe dela foi hospitalizada muitas vezes e
morreu quando Stacey tinha seis anos. Stacey, que me procurou no início dos
seus quarenta anos de idade, tinha muitas lembranças de sua mãe sendo
levada na ambulância. Ela também se lembrava de muitas vezes não ser
autorizada a entrar no quarto de hospital da mãe. Ao contrário disto, ela foi
deixada em pé à porta, ansiando estar perto de sua mãe.
​Durante as sessões de Brainspotting, Stacey se sentiu muito mais
confortada olhando a ponteira de perto. Sua ansiedade se elevou quando
olhava da ponteira para a parede. Às vezes, quando lhe pedi para olhar de
perto para longe, o braço e a mão dela se levantaram, se erguendo
instintivamente. Uma vez eu pontuei isto para ela, e ela respondeu: “Minha
mãe parece tão fora de alcance”.
​Esta experiência me levou a especular que as pessoas com questões
afetivas podem se sentir mais calmas olhando de perto e mais angustiadas
olhando à distância. Os problemas afetivos são encontrados em pessoas com
perdas repetidas precoces ou instabilidade em seu relacionamento com o
cuidador primário, normalmente a mãe. Se minha hipótese sobre perto e
distante for verdadeira, ainda reflete um fenômeno mais físico que
psicológico.

Em acréscimo à rápida convergência para trás-para frente, desenvolvi


uma abordagem eixo z mais gradual. No Brainspotting de Um Olho,
utilizamos a diferença nos níveis de ativação entre os olhos direito e
esquerdo. Gosto de chamar isto de “dividir a diferença”. Dei-me conta de que
poderíamos também dividir a diferença nos níveis de ativação entre perto e
longe ao longo do eixo, exatamente como fazemos entre os olhos esquerdo e
direito.
​Observei que alguns clientes processaram mais rápida e efetivamente
quando usavam longe perto mais especificamente. Começávamos usando os
passos básicos para encontrar uma Janela Interna Brainspot, embora se possa
também usar o eixo z com o Brainspotting de Janela Externa. Em seguida, eu
pedia ao cliente para primeiro olhar para a ponta da ponteira e me dizer seu
nível SUDS de ativação. Então orientava o cliente a olhar diretamente através
da ponteira para o ponto mais distante na sala, que era normalmente a parede.
Poderia ser também o chão ou o teto, se estivessem olhando para baixo ou
para cima. Então eu perguntaria sobre o nível SUDS no ponto distante. Havia
normalmente uma diferença numérica entre perto e longe (como um oito
perto, e um cinco longe). Às vezes a diferença era pequena, e às vezes era
significativa. Como descrevi mais cedo, normalmente perto era um nível
SUDS mais alto e longe era mais baixo.
​Orientei os clientes a começarem a olhar para a distância SUDS mais
baixo durante cerca de dez minutos. Depois disto, eu pedia a eles para trocar
seu olhar para a distância SUDS mais elevada, normalmente a distância mais
próxima. Eu retomava o SUDS para ver se havia mudado de seu nível
original. Descobri que o processamento consistente no ponto distante baixava
a ativação no ponto próximo, e o reverso também era verdade. Depois de dez
minutos, troquei para a outra distância, tomando o nível do SUDS outra vez.
Fiquei surpreso de como a troca contínua de distâncias no eixo z parecia
acelerar o processamento.
​Em geral, tenho observado que qualquer mudança da forma como e
onde olhamos traz uma certa mudança no estado do cérebro e leva adiante o
processo de cura. Isto inclui periodicamente fechar os olhos e depois abri-los.
Junto com o eixo z, eu levaria o cliente a tomar progressivamente menos
tempo em cada distância, trocando para trás e para frente mais rapidamente.
Começando de dez minutos perto, e dez minutos longe, em seguida
prosseguimos para cerca de sete e sete, então para cinco e cinco, e então para
três e três. Finalmente, perto e longe, e então para trás e para frente a cada
minuto. Isto levou tanto a manter o processo se movendo como a impeli-lo
para frente. Quanto mais ativo o cérebro é, mais tende a mover a informação
em seu vasto circuito, facilitando a mudança e promovendo a cura.
​Eventualmente, o eixo z termina no passo original de convergência,
onde o cliente está trocando para trás e para frente a cada cinco segundos no
eixo z, claramente ativando o reflexo óculo-cardíaco. Tenho desde então
considerado tanto a convergência quanto o eixo z como ferramentas
inestimáveis. Para alguns clientes Brainspotting, esta combinação é a
diferença entre o sucesso e o fracasso no processo. Para outros clientes,
coloca adiante um processo que já estava tendo um bom desempenho.

Capítulo 9 - A Neurobiologia do
Brainspotting: É Tudo Coisa do
Cérebro
Meu treinamento como terapeuta começou nos anos 1970 na
Universidade Yeshiva de Trabalho Social e se aprofundou no início dos anos
1980 na Sociedade de Estudo e Pesquisa Psicanalítica, onde fui treinado
como psicanalista. O que me impressionou naquele tempo foi que os
professores e terapeutas sempre falaram da mente e nunca do cérebro. Eu
sempre imaginava: “Onde está a mente?” Minha resposta interna era: ”Deve
estar no cérebro”.
​Eis que os anos 1990 emergiram como a década do cérebro. O que os
cientistas aprenderam nos anos 1990 levou a uma mudança revolucionária de
como compreendemos o cérebro e como afetava tudo que pensamos,
sentimos e fazemos. Infelizmente, a revolução tem sido lenta para chegar à
prática da psicoterapia. Muito no campo da saúde mental ainda adere a
variantes da terapia verbal sem dar atenção ao imperativo neurobiológico que
orienta o processo da cura.
​Em 1993, meu treinamento em EMDR abriu a porta para uma forma
mais técnica de fazer terapia, que incluía o movimento dos olhos, escala de
avaliação, e particularmente, orientação corporal. Quando falo sobre o
cérebro neste livro, também estou me referindo ao corpo, já que o cérebro e o
corpo são uma unidade integrada no sistema nervoso abrangente. Não
acredito na conexão mente-corpo porque eu não acredito que haja qualquer
separação mente-corpo. Como disse antes, o que está no cérebro está no
corpo, e o que está no corpo está no cérebro.
​O lugar do corpo na saúde mental, reconhecido há um século por
Pierre Janet e trazido à devida importância nos anos 1920 e 1930 por
Wilhelm Reich, tem recebido o devido valor com as abordagens terapêuticas
tais como a Experiência Somática e a Psicoterapia Sensoriomotora. Contudo,
há ainda muitos terapeutas que nunca perguntam sobre as sensações físicas de
seu cliente. Além disto, os traumas e as dissociações, condições altamente
associadas ao cérebro e ao corpo, são frequentemente ignorados como fatores
que contribuem para as questões psicológicas que levam as pessoas a buscar
a terapia – a despeito do fato de que o campo da traumatologia tem indicado
o papel do trauma na vida de todos nós. Quando deixamos o cérebro e o
corpo fora da equação da terapia, vemos somente uma parte fraturada,
pequena de todo o quadro. O tratamento se torna longo, desfocado, e muito
frequentemente, improdutivo. Alguns clientes são considerados “de baixa
resposta”, e alguns são condenados como sendo “não-responsivos“. As
limitações do processo de tratamento são raramente vistas como contribuindo
para um resultado menos que desejado.
​Brainspotting traz o cérebro, e, portanto, o corpo, de volta à equação
da terapia. Brainspotting acessa partes do cérebro que a troca verbal nunca
pode alcançar, muito menos entender, e é isto que o separa da terapia verbal
mais tradicional. O que acontece realmente em nosso cérebro durante o
Brainspotting? Até que tenhamos uma pesquisa definitiva, minhas respostas
são especulativas.
​No entanto, The Brain That Changes Itself, um livro de Norman
Doidge, MD, detalha o fenômeno da neuroplasticidade, a habilidade do
cérebro de se modificar através da vida, formando novas conexões neurais.
Pensava-se previamente que na fase adulta o cérebro humano estava
estabelecido e incapaz de mudar. Doidge discorre sobre muitas histórias de
como os cérebros das pessoas mudaram de maneiras que se acreditavam
impossíveis há apenas alguns anos atrás. Sabe-se também que o cérebro é
capaz de criar novas células pela vida toda, um fenômeno chamado
neurogênese. Tem sido demonstrado que os sobreviventes de traumas severos
sofreram redução do hipocampo – uma parte do cérebro envolvido na
formação, organização e armazenamento da informação – mas que as
intervenções terapêuticas eficientes levaram a neurogênese do hipocampo em
sobreviventes de trauma.
​Tenho utilizado o Brainspotting por dez anos com cerca de uma
centena de clientes, e tenho visto seiscentos outros terapeutas Brainspotting
terem sucesso igual, alcançando mudanças antes tidas como impossíveis. Os
resultados que tenho observado no Brainspotting me convencem de que ele
muda o cérebro, afetando sua neuroplasticidade e que talvez também
contribua para a neurogênese, o crescimento de novas células cerebrais.
Tenho uma hipótese de que o campo visual é um reflexo dos
processos continuados ocorridos no cérebro e sentidos no corpo. Neste
sentido, acredito que podemos aproveitar este campo visual para ganhar
acesso aos processos neurais e influenciá-los. A localização de brainspots no
campo visual faz o mecanismo de escaneamento massivo do cérebro voltar-se
para si e então o utiliza para começar a curar o cérebro.

​Os cientistas sabem que cada cérebro humano contém cerca de 100
bilhões de neurônios. Estas células cerebrais são conectadas através de
160.934 km de axônios que envolvem de 100 trilhões até 1 quatrilhão de
conexões sinápticas. Colocando esses números em perspectiva, a Via Láctea
é feita de somente 100 a 400 bilhões de estrelas. Esses números cósmicos são
um testemunho da vasta, quase infinita complexidade do cérebro.
​Por que somos dotados deste mecanismo infinitamente poderoso?
Meu palpite é de que o cérebro possui a capacidade de observar o corpo,
inclusive a si mesmo, até o nível celular e talvez molecular. Este processo de
auto-escaneamento aparece relacionado ao nosso sistema imune, que tanto
identifica quanto resolve os problemas no corpo. Desta mesma forma, o
cérebro tanto observa como corrige anomalias nos sistemas do corpo. Mas
acredito que o cérebro também observa a si mesmo em nível neuronal e
sináptico. A capacidade do cérebro de “conhecer-se a si mesmo”, de Sócrates,
é a derradeira expressão de nossa habilidade de introspecção. Parece-me que
nossa habilidade cérebro-corpo de se observar e se curar é existencial, já que
esta capacidade nos possibilita sobreviver e nos adaptar aos nossos ambientes
internos e externos.
​Vamos pôr essas ideias singulares de forma mais simples. Quando
algo importante nos incomoda, ficamos ativados, e há posições em nosso
campo visual que combinam com os lugares em que estamos mantendo esta
ativação em nosso cérebro. Refletir sobre onde sentimos a ativação no corpo
leva a focar nosso cérebro neste lugar. Nos capítulos anteriores, compartilhei
exemplos sobre o que parece uma sessão Brainspotting vista de fora – o que
peço aos clientes para fazer e como eles respondem. Com o próximo
exemplo, vou lhe dar um quadro sobre o que eu penso estar acontecendo
dentro, no cérebro, durante uma sessão Brainspotting.
​Donald me procurou com trauma de um acidente de carro que quase
lhe tirou a vida. Ele tinha flashes diários e pesadelos, e toda vez que dirigia
ficava convencido de que outro acidente era iminente. Pedi-lhe que
internalizasse e se ativasse em torno do acidente. Donald informou ver, ouvir,
e sentir o momento do impacto. Fiz com que ele seguisse a ponteira que eu
movimentava pelo seu campo de visão e lhe pedi para que me informasse
onde ele sentia mais. Quando a ponteira alcançou um ponto do seu lado
esquerdo, Donald apontou e disse: “Bem aqui!”.
​O que realmente aconteceu no cérebro de Donald quando seus olhos
seguiram a ponteira para a extrema esquerda e encontrou o ponto onde ele
“sentia mais”? Penso que quando pedi a Donald para “ativar-se” em torno do
acidente, seu cérebro intuitivamente buscou em seus infinitos neurônios e
conexões neurais os lugares em que o trauma do acidente estava retido.
Quando ele reviveu o acidente experimentalmente trazendo as lembranças à
sua mente, o resultado foi que vários lugares de seu cérebro se tornaram
ativados. Simultaneamente, as áreas do cérebro de Donald que não estavam
envolvidas na lembrança do acidente não foram ativadas. Os pesquisadores
têm visto estas reações no escaneamento do cérebro, onde partes do cérebro
“acendem” (refletindo aumento do fluxo de sangue) enquanto outras áreas se
aquietam. Creio que o ponto específico que encontramos no campo visual de
Donald combinou, ou correspondeu aos pontos no seu cérebro que foram
ativados. Em outras palavras, quando Donald escaneou seu campo visual, seu
cérebro simultaneamente começou a se escanear para as áreas de ativação.
​O cérebro resolve a maior parte dos desafios por si só como resultado
de sua bem-dotada estrutura e funções. Aquilo que os terapeutas chamam
“sintomas psicológicos”, tais como ataques de ansiedade ou flashbacks
aparecem quando o cérebro é incapaz de resolver um problema por si. Ou o
cérebro não pode localizar o problema lá dentro, ou ele sabe onde o problema
está, mas não sabe como desatá-lo. Esses problemas insolúveis são
frequentemente causados por trauma.
​Enquanto o olhar de Donald se fixava no brainspot, eu o dirigi para
observar seu processo interno sem julgamento passo a passo, por onde fosse.
Periodicamente, Donald me informava seu processo interno, e se não me
falasse voluntariamente, eu lhe pedia para me contar o que estava
acontecendo. Às vezes, a mente de Donald repassava o acidente de carro, e,
por outras vezes, pulava para outras experiências da vida, algumas das quais
pareciam relacionadas ao acidente e outras, não. Donald às vezes via imagens
invertidas e ouvia sons, enquanto outras vezes, ele sentia sensações no corpo.
Em alguns pontos, sua mente ficou em branco, e em outros pontos, ele
refletia sobre tarefas cotidianas diárias. Não era o conteúdo que era
importante – era o processo. Por que? Porque o cérebro cognitivo de Donald
estava observando os mecanismos do seu cérebro inconsciente.
​Olhando o ponto que ele havia encontrado no seu lado esquerdo,
Donald ajudou seu cérebro a manter o foco nas áreas do problema neural e
começar a descobri-los. Esta descoberta, ou desatamento não ocorre de uma
forma linear, cognitiva. É um processo profundo do cérebro, e sua
complexidade está bem além do alcance e da compreensão de nosso
consciente. Os terapeutas chamam-no de processamento, e outros
reconhecem este processo como uma forma de consciência. Conforme
explicado em detalhe no Capítulo 2, o self consciente observa o self mais
profundo de uma maneira não crítica, curiosa, aberta. Este processamento
mindfulness focado é feito num estado que eu chamo ativação focada (ativado
com a consciência corporal no brainspot), então é mais rápido, contido, e
mais ao ponto do que a maior parte das consciências.
​Os processos do cérebro profundo são inacreditavelmente rápidos,
complexos e intuitivos. Considerando que refletem os processos que o
cérebro utiliza para regular todas as funções do corpo, eles são um reflexo de
como literalmente vivemos e respiramos. Se nosso cérebro consciente tenta
compreender o fluxo inconsciente que acontece quando estamos focados em
um brainspot, ele falha. No entanto, quando nosso cérebro consciente
sabiamente aceita suas limitações e confia em nosso cérebro profundo, é
levado a um caminho de cura e resolução. Este foi o desfecho final de
Donald. Ele se recuperou do TEPT e não mais sofreu de flashbacks,
pesadelos, e o que os terapeutas gostam de chamar “medo de recorrência”.
​ om seu vasto poder focado, pela posição do olho, nas áreas de
C
ativação, o cérebro pode verdadeiramente observar-se resolver
neurologicamente seus enigmas psicológicos. Da mesma forma que milhares
de outros terapeutas brainspots treinados pelo mundo podem atestar, o
processo é surpreendente e às vezes, miraculoso.

O Brainspotting também fornece aos terapeutas uma oportunidade de


educar seus clientes tanto como o processo Brainspotting trabalha e como seu
cérebro está respondendo à experiência. Esta educação faz uso do modelo
descrito por Bonnie Badenoch em seu livro inovador Being a Brain-Wise
Therapist: A Practical Guide to Interpersonal Neurobiology. Ao
passo que o cérebro cortical – o cognitivo, pensante – pode ser confundido
pelos processos do cérebro mais profundo que ele observa, ele também pode
ser educado para compreendê-los. De fato, este cérebro observador é
altamente curioso e ama ser alimentado de informação. Gosto de chamar esta
parte do cérebro o “bebê gênio”, já quem como uma criancinha, ele absorve
grandes quantidades de informação todo o tempo, mas fica facilmente
aborrecido ou distraído. Quando você se envolve com este bebê gênio, ele se
prende a você e a tudo o que você diz.
​Ao explicar o Brainspotting, os terapeutas se envolvem e educam este
bebê gênio, e ao fazê-lo, ajudam o cérebro consciente, cortical a aceitar os
profundos processos complexos não-lineares. Por exemplo, aqui está o que
digo para educar o bebê gênio sobre o Brainspotting:
O lugar para onde você olha afeta como você sente. Em outras
palavras, quando você olha para a esquerda ou a direita ou para cima
ou direita, você está experimentando coisas diferentemente. A
diferença pode ser sutil ou muito notada. E quando você foca em
alguma coisa com a qual você tem fortes sentimentos, esta diferença
de olhar esquerda-direita, ou para cima-para baixo será mais bem
pronunciada.
​Então por que você reage diferentemente quando olha em
direções diferentes? Bem, a mudança da posição do olho de alguma
forma modifica o que está acontecendo em seu cérebro, embora não
tenhamos certeza ainda de como isto funciona. Você pode pensar
que você está consciente de tudo que vai dentro de você, mas nosso
cérebro é um vasto universo. Quando você olha este universo, você
pode pensar que o vê completamente. Não se engane – você está
vendo uma pequena parte dele. É como se estivesse olhando a
superfície do oceano – você pode pensar que o vê totalmente, mas
bem abaixo da superfície, onde você não pode ver, é onde está a
maior parte do vasto oceano. O Brainspotting vai ajudá-lo a
encontrar mais sobre seu vasto e complicado cérebro. Mas você
precisa aprender que as regras que são diferentes de você são
utilizadas para aplicar lá embaixo.
E aqui está o que digo para ajudar a preparar o cérebro cortical para o que
acontece quando o cérebro profundo começa a desatar o problema que é o
foco:
Ao olhar para este ponto, quero que você observe para onde sua
mente vai. Esta observação é uma forma de consciência. Você não
dirige onde sua mente vai – apenas acontece. Onde vai pode fazer
sentido para você ou não, mas não importa. Seu cérebro profundo
sabe o que fazer. É como respirar. Podem vir lembranças,
sentimentos, ou sensações corporais. Não julgue; simplesmente vá
em frente.
Confie em seus instintos.
Alguns clientes fazem naturalmente este processo de consciência focada,
enquanto outros resistem no início. Em nossa cultura ocidental, somos
treinados a seguir o linear e a desconfiar do intuitivo.
​É interessante que a vulnerabilidade em relação às questões de
desempenho frequentemente aparece cedo no processo. Os clientes podem
interpretar mal e sentir que não estão “fazendo direito”, quando estão na
verdade “se desempenhando” exatamente como deveriam. Esta
vulnerabilidade revela um cérebro cortical que desconfia do cérebro profundo
e está em necessidade de educação sobre si mesmo.
​Os clientes às vezes puxam para trás o processo, dizendo: “Não gosto
de como isto me faz sentir”. Nestas ocasiões, trago à tona a sábia orientação:
“Não reaja às suas reações. Observe-as com curiosidade e veja aonde vão”.
Nas sessões, e na vida, as pessoas se inibem porque estão confusas e com
medo de suas experiências emocionais e corporais. Os clientes precisam ser
orientados a ver que aquilo que seus corpos e emoções estão lhes dizendo é
um feedback relevante e significativo. Esta orientação ajuda as pessoas não
somente a se tornarem mais autoconscientes, mas também a se tornarem mais
integradas.
​A derradeira educação para o cliente vem mais tarde no processo
Brainspotting, quando eu os instruo a retornar à sua questão original e ver
como ressoa agora. “Com o que parece?”, eu pergunto. “Como se sente?
Como seu corpo se sente?” O mais importante neste processo é retomar o
nível SUDS. Mesmo se os clientes não compreendem o processo intuitivo
rápido, eles compreendem quando seu nível SUDS caiu significativamente,
como de nove para três. Isto é onde o não linear se torna linear. O cliente
começou com a ativação nível nove, com todos os seus componentes.
Fizeram o processo enquanto focado no brainspot, e o SUDS está agora em
três. A levou a B, que levou a C. Este é o “momento aha!”, quando o cérebro
cortical põe toda a informação junto e começa a compreender melhor a si e o
processo. Há alguma coisa sobre esta mudança na autoconsciência que parece
estimular o processo continuado também.

Os terapeutas são criaturas de hábito e parecem ter um senso do que


funciona e porque funciona em terapia. Contudo, educar os clientes sobre
como seus cérebros funcionam não parece tão poderoso, ou mesmo relevante,
para muitos terapeutas. Eu mesmo tenho ficado surpreso sobre quanta
diferença faz para o cliente obter conhecimento sobre o cérebro. Não somente
os clientes repetidamente relatam: “Isto faz sentido”, mas também
respondem: “Isto me faz sentir melhor”.
​Frequentemente eu encorajo os clientes a baixar fotos do cérebro da
internet. A informação escrita na maior parte dos websites é muito complexa
para o público em geral; às vezes, é além da minha compreensão.
Ironicamente, os websites que descrevem o cérebro para as crianças podem
ser os mais informativos para adultos.
​Em meu escritório, também tenho um modelo do cérebro que eu uso
para explicar e demonstrar diretamente como o cérebro fica traumatizado e
como ele pode curar. Não é raro ter uma pessoa a tocar a parte de trás da
cabeça e o pescoço para sentir onde está o tronco cerebral. Então digo: “Aí
está onde você vive e respira. É daí que vêm seus instintos de sobrevivência”.
Os clientes frequentemente dão um suspiro de alívio ao saber onde se localiza
dentro deles sua capacidade de sobrevivência.

Outra técnica Brainspotting que eu desenvolvi é a chamada


Brainscan Interno. Você pode experimentar por si mesmo agora, como vou
descrever a seguir.
​Como já expliquei neste capítulo, Brainspotting é baseado na crença
de que o cérebro se rastreia continuamente. Na abordagem Brainscan Interna,
encorajo os clientes a experimentarem o auto-scan em primeira mão, neste
momento. Aqui está o que devo dizer:
​Pense em alguma coisa que esteja aborrecendo você, e depois veja –
numa escala de zero (o mínimo) a dez (o máximo) – quanto está
incomodando. Agora observe onde você está sentindo isto em seu corpo.
​Agora quero que você feche os olhos e literalmente olhe para dentro
de seu cérebro e veja qual a parte do seu cérebro está ativada. É na frente, no
meio, atrás? É à esquerda ou à direita? Em cima ou embaixo?
​Agora que você localizou a ativação, quero que observe com o que
parece. Observe o tamanho e a forma. Observe a cor ou a escuridão ou
luminosidade.
​Agora quero que você abra os olhos e veja onde eles querem ir,
enquanto você mantém a consciência do que você acabou de ver ou sentiu em
seu cérebro. Continue olhando para o ponto e simplesmente observe para
onde quer que sua mente esteja indo.
Após alguns minutos de processamento, digo:
​Quero que você feche os olhos e volte ao lugar em seu cérebro que
você olhou antes. Observe o que parece e sente agora. Mudou?
​Se mudou, observe como mudou e como sente agora. Quero que você
tome seu SUDS (zero a dez) outra vez e veja o que é agora.
Todo o processo passo a passo é repetido várias vezes. O que é interessante
sobre isto é que o cliente não apenas encontra um ponto fora, mas um ponto
dentro também. E os clientes frequentemente relatam que sentem a conexão
entre os pontos. Talvez este processo seja um verdadeiro aproveitamento da
capacidade do cérebro de se escanear, não apenas metafórico.
​Os clientes ficam frequentemente surpresos pelo que acontece numa
sessão ou treinamento Brainspotting. Muitos estiveram em terapia antes e
nunca chegaram perto dos resultados que obtém do Brainspotting. Em apenas
uma sessão, os clientes podem ver as coisas mudarem em sua experiência
própria e na vida. Quando me perguntam: “Como isto é possível?”, eu
sempre respondo: “É tudo coisa do cérebro”. E eu acredito nisto.
Capítulo 10 - Brainspotting e o
Corpo: O Corpo é Memória
Randi tinha me procurado inicialmente para tratamento por causa dos
sintomas de pânico e síndrome da dor. Ela cresceu numa família onde seus
pais brigavam dia e noite. Às vezes a briga ficava violenta. Nos primeiros
cinco anos de sua vida, Randi era muito mais próxima de seu pai que de sua
mãe. Sua mãe a rejeitava ao ponto de abuso. As palavras “Você é feia, você é
burra”, e “você não tem valor” incansavelmente eram vomitadas da boca da
mãe sobre Randi.
O pai era mais maternal com Randi que sua própria mãe. Mas isto
ocorreu até Randi completar cinco anos. Alguma coisa aconteceu, e foi
provavelmente o resultado da escalada de álcool do pai de Randi. Primeiro
ele se tornou frio e distante. Então começou a se enfurecer e se tornar
fisicamente abusivo com Randi. Ela nunca soube o que a atingiu –
literalmente. Randi tentou ser a melhor filha que podia; de fato, ela se tornou
a cuidadora dos pais. Mas ser a filha “perfeita” não interrompeu o ataque
diário.
​Ninguém sabia do tormento diário de Randi. Seus pais eram diabos
em casa e anjos na rua. Eram muito respeitados na comunidade. Randi era
vista como vinda de uma família ideal, quando na verdade, ela vivia num
inferno particular.
​Em sua adolescência, ela começou a ter ataques de pânico que
pareciam vir não se sabe de onde. Ela acordava no meio da noite sentindo
como se o peito estivesse sendo esmagado. Sua ansiedade se formava durante
o dia e crescia à noite. Randi foi estudar educação na faculdade, e com
firmeza e determinação, conseguiu de alguma forma concluir seus estudos.
Ela foi capaz de se manter com seu trabalho de professora e começou a
namorar. Mas os ataques de pânico nunca cessaram, e ela lutava todos os
dias.
​Com a idade de vinte e quatro anos, Randi começou a sentir dores nas
pernas. À medida que os meses passavam, a dor se intensificava e se
espalhava para as costas e o pescoço. Ela procurou ajuda profissional e foi de
médico em médico. Nenhum dos especialistas da área médica foi capaz de
encontrar a origem da dor ou de chegar a um diagnóstico definitivo. Houve a
hipótese de que Randi poderia ter fibromialgia, neuropatia, distrofia reflexa
do simpático, ou simplesmente uma dor de causa não diagnosticada. Em
razão de sua história de pânico, muitos médicos percebiam que a dor poderia
ser de origem psicológica, e um deles disse ainda que era “na sua cabeça”.
​Esse médico era insensível, mas não estava errado. A dor que Randi
sentia era, em algum sentido, “em sua cabeça”. Existia na cabeça dela – e em
seu sistema nervoso. Considerando que nossos sistemas nervosos envolvem
tanto o cérebro quanto o corpo, tudo o que sentimos no corpo é, de fato,
sentido no nosso cérebro. Nossos corpos e nossos cérebros são inseparáveis;
são uma unidade integrada. Assim, quando me refiro ao corpo neste capítulo,
também estou me referindo ao cérebro.
​Sentimos dor emocional em nosso corpo. A dor no coração é uma
ilustração clara. Doença, ferimentos, e dor são psicologicamente
traumatizantes também, e o trauma emocional de condições físicas também
reside no sistema nervoso. O físico e o psicológico interagem e estão
interligados um ao outro. Em algum nível, as experiências física e emocional
são indistinguíveis. Isto não significa que não possamos ter diagnósticos
diferenciados de condições físicas e psicológicas. Mas significa que os
médicos precisam estar conscientes da sempre presente repercussão
psicológica que acompanha as doenças físicas. Os psicoterapeutas precisam
estar igualmente conscientes das questões somáticas que acompanham todas
as condições psicológicas.
​Quando Randi me procurou para psicoterapia, não era meu papel
diagnosticar plenamente sua condição física, já que não sou médico. Mas era
minha responsabilidade ser consciente da interação entre seu pânico e
condições da dor, especialmente no contexto de sua história de trauma. Eu
sabia que, usando o Brainspotting, eu teria a oportunidade de alcançar onde
ela retinha seu trauma emocional em seu sistema nervoso, e eu sabia que
fazendo isto poderia reduzir a dor no corpo. A psicologia é um reflexo da
fisiologia, e Brainspotting é uma abordagem fisiológica com consequências
psicológicas. O Brainspotting não deveria ser usado como tratamento
primário para condições médicas, mas quando é usado para curar o trauma
emocional de uma condição física, pode reduzir os sintomas físicos e ajudar o
tratamento médico a fazer seu trabalho.

Ao tratar Randi com o Brainspotting, eu estava curioso de como seus


sintomas, tanto psicológicos quanto físicos, reagiriam. Levantei um histórico
pessoal extenso, que incluía as experiências familiares, e sua história
psicológica e médica. Notei que às vezes durante o processo de levantar seu
histórico, Randi era muito profunda, e, outras vezes, ela falava de um jeito
monótono e muito objetivo. Ela me contou que seu maior trauma não era o
abuso verbal vicioso de sua mãe, mas a perda do amor de seu pai, quando ele
se afastou e se voltou contra ela. Foi neste ponto que começamos o processo
Brainspotting. Em razão da história traumática de Randi e de sua condição de
dor sem explicação, agi com cautela. Utilizei o Modelo de Recurso, inclusive
o Recurso Corporal e o Ponto de Recurso, e o Brainspotting de Um-Olho,
começando com o Olho do Recurso (onde o nível de SUDS era mais baixo).
Inclusive, orientei Randi a olhar além da ponteira, diretamente para a parede
(eixo z), o que a ajudava a se sentir menos ameaçada. Monitoramos de perto
a dor do corpo para ter certeza de que não estava exacerbada em razão da
revelação de suas lembranças dolorosas. Nas primeiras sessões, me
certifiquei de que Randi e eu pudéssemos falar durante todo o processo, para
que ela sentisse minha presença e permanecesse centrada.
​Quando trouxe a lembrança crucial em que seu pai literalmente se
afastou dela, Randi olhou para o brainspot na parede como se estivesse
assistindo a um vídeo. Os olhos dela estavam arregalados, e as pupilas
estavam profundamente dilatadas. Ela gritou repetidamente: “Paizinho, o que
fiz de errado? Que fiz de errado?”. Mas as lembranças não pararam aí. Randi
viu imagem após imagem de rejeição e abuso físico do pai. Ela sentiu o
álcool no hálito do pai e gritou de dor ao sentir a fivela do cinto bater nas
pernas e costas. E viu a mãe ao lado, incitando o pai de Randi a lhe dar uma
coça.
​Você pode imaginar o que foi para mim testemunhar um processo tão
doloroso. Após décadas como terapeuta, aprendi a manter uma distância
emocional e, ao mesmo tempo, não ficar tão afastado a ponto de perder o
contato empático com os clientes. É um equilíbrio estranho, porque eu estou
simultaneamente exposto ao horror e pesar de uma pessoa e ao milagre dessa
pessoa em processo de cura em frente aos meus olhos. Na verdade, se você
realmente se importa, essa exposição em lugar do outro se acumula no
sistema do terapeuta em nível profundamente inconsciente. Como terapeuta
de trauma isto tem um custo e exige cuidar-se permanentemente.
​O Brainspotting de Randi foi longo e árduo. O abuso físico nas mãos
do pai continuou até os quinze anos de idade, quando ela foi morar com uma
tia. Mês após mês, o processamento do trauma gradualmente levou a uma
redução da dor física, embora a dor chegasse ao pico muitas vezes durante e
entre as sessões. Usamos as muitas formas de Brainspotting inclusive a
Janela Interna e a Janela Externa, Gazespotting de Um-Olho e Dois-Olhos, e
o Brainspotting Eixo Z. Era necessário ajudar a liberar as lembranças do
corpo que Randi carregava, junto com o pânico que veio do terror em que ela
vivia, esperando a próxima surra.
​Gradualmente seu corpo sentia cada vez menos dor, o que era um
alívio tremendo para ela em todos os níveis. Mas o alívio da dor chegou ao
platô em nível três de dez, o processamento continuado foi incapaz de romper
a barreira. Havíamos processado as lembranças do corpo das agressões que
haviam sido armazenadas no cérebro de Randi, mas não havíamos processado
a dor emocional que também estava retida em seu cérebro. Ela ainda sentia a
dor emocional fazer seu curso através dos mesmos lugares onde a dor física
das surras tinha estado.
​A dor emocional remanescente veio da cruel rejeição da mãe, no
nascimento de Randi. Você deve se lembrar do levantamento histórico que
fiz no início da terapia de Randi de que havia momentos em que ela se
distanciava. Esses desligamentos vinham quando ela estava falando de sua
mãe. Randi acreditava que já havia trabalhado as questões com a mãe e que
era da traição e abuso do pai que ela não podia se recuperar. Na verdade, ela
havia inconscientemente enterrado, ou dissociado, a agonia emocional
sentida durante as odiosas críticas de sua mãe. Esta dor emocional estava
encontrando expressão no corpo de Randi.
​Então ela recomeçou e usou o Brainspotting para localizar as posições
do olho que revelavam as lembranças trazidas dos primeiros cinco anos da
vida de Randi. Ainda confiávamos fortemente no Modelo de Recurso para
evitar de se perder em sua dor. Funcionou. À medida que continuamos
durante meses com o processamento das lembranças do trauma, Randi se deu
conta de que a dor física e a dor emocional estavam interligadas como
resultado da forma como ambos os pais a tratavam, juntos. Durante seus
primeiros cinco anos, seu pai não a protegeu da mãe, e nos anos seguintes, a
mãe não somente não a protegia do pai, mas também o provocava a dar mais
surras.
​Este profundo trabalho havia reduzido a dor, mas a dor ainda
permanecia em um nível básico, com picos ocasionais de desconforto. Essa
prolongada dor física foi finalmente liberada nos últimos meses do
tratamento de Randi, na forma de raiva e pesar em relação ao que ela havia
passado, emocional e fisicamente, e o que havia perdido em sua infância de
sofrimento. No final, Randi estava livre da dor, exceto quanto a dores e males
que todos sentimos.
​O trabalho Brainspotting foi essencial para a cura de Randi. A terapia
verbal alcança somente as áreas do cérebro que utilizam a linguagem, não as
áreas do cérebro onde as emoções mais profundas e a experiência do corpo
estão retidas. A dor física e a emocional baseada no trauma estão
inexoravelmente interligadas no sistema nervoso dela. Ambas as
manifestações precisaram ser tratadas simultaneamente para que ficasse livre
da dor física e do pânico emocional. Com o Brainspotting, o cérebro pode
focar, como um laser, para encontrar, manter no lugar, processar, e liberar o
trauma emocional e físico retido no cérebro e sentido no corpo.
Os terapeutas Brainspotting são instruídos a verificar com os médicos
indicados a condição clínica do cliente. Nunca assumimos que o
Brainspotting é a cura para a dor física ou a doença, e consultamos os
médicos dos clientes quando necessário. Mas descobrimos que o
Brainspotting dá suporte ao tratamento das doenças físicas reduzindo os
sintomas e promovendo a cura. Em um número significativo de situações, o
Brainspotting tem reduzido com sucesso, e às vezes eliminado sintomas não
diagnosticados e difíceis de tratar, inclusive dores e fadigas. Os terapeutas
Brainspotting nunca fazem suposições de que alguma condição seja isto ou
aquilo, mas também nunca assumem que não seja. Cautelosamente, mas de
forma otimista, aplicamos o Brainspotting e vemos o que acontece.
Brainspotting é um modelo fenomenológico, de não se fazer suposições, que
trabalha a partir do princípio da incerteza e que confia no rastreamento
sintonizado do terapeuta no processamento do cliente.

O trauma na cabeça é outra condição em que tenho utilizado o


Brainspotting com resultados interessantes, especialmente nos casos onde o
trauma envolveu a perda da consciência, como frequentemente ocorre em
acidentes de carro e situações similares.
​Tenho ouvido pessoas, e mesmo especialistas dizerem: “Eles nunca
vão recobrar a memória, e estão melhor assim”. Isto não é necessariamente
verdade, e não é necessariamente assim. Há dois tipos de amnésia: a de
ordem física e a ordem psicológica. A última é chamada dissociação. Um
acidente de carro com lesão na cabeça, por exemplo, é tanto um trauma físico
no cérebro quanto um trauma emocional no cérebro. Assim, a consequente
perda de memória pode ser tanto de ordem física quanto psicológica,
originada tanto de traumas físicos quanto emocionais.
​Descobri que a perda de memória tinha suas raízes em traumas físicos
e emocionais à medida que eu usava o Brainspotting com clientes que haviam
sofrido traumas na cabeça devido a acidentes de carro; tratava esses clientes
da mesma forma que tratava os clientes com TEPT. Primeiramente, pergunto
ao cliente: “Qual foi o primeiro momento em que você percebeu que algo
estava para acontecer?” A resposta normalmente é algo assim: “Eu vi o carro
atravessar a linha divisória, e eu sabia que não podia evitar”. Se houve perda
de memória devido à perda de consciência, pergunto sobre a última coisa que
a pessoa lembrava antes de perder a memória e a última coisa de que se
lembra depois de recobrar a consciência.
​Então encontramos um brainspot que acompanha o início do acidente
ou o momento em que a pessoa perdeu a consciência. Verificamos o nível
SUDS e localizamos onde a ativação está retida no corpo. Então começamos
o processo.
​É fascinante observar como a pessoa normalmente processa a
experiência como qualquer outro trauma que não tenha origem de acidente. O
processamento vai sequencialmente através do evento, do início ao fim, com
imagens, sons, emoções e experiências do corpo. Então oriento o cliente a
voltar ao início e começar de novo. Com muita frequência o nível SUDS caía,
e o trauma começava a retroceder ao passado.
​Alguns dos sintomas de lesão cerebral podem ter sido reduzidos, e
alguns sintomas de amnésia podem ter sido elevados. Muitas vezes, os
clientes têm dito coisas como: “Recobrei a consciência por alguns minutos
na ambulância, e agora estou me lembrando”. Não é normal que uma
pessoa duvide de sua própria experiência quanto a memórias, dizendo:
“Isto não pode ter acontecido, devo estar inventando isto”. Esta é a mesma
dúvida que tenho ouvido de muitos sobreviventes de trauma emocional
quando o véu da dissociação é levantado diante dos seus olhos.
​Observe, por favor, que os terapeutas Brainspotting sabem que a
memória humana pode ser pouco confiável, sendo, então importante que
os eventos precisam ser verificados antes de serem aceitos como fatos. Ao
falar com a família e os amigos, os clientes podem confirmar os detalhes
dos eventos e das conversas que ele capturou durante o processamento
Brainspotting. Em algumas oportunidades, os clientes são capazes de
lembrar totalmente o que haviam assumido como perda de memória
devido ao trauma da cabeça. Os clientes experimentam a volta da memória
como integração, ao contrário de serem forçados a se lembrar de alguma
coisa que é preferível esquecer. Nestes casos, como no de Randi, os
traumas emocionais e físicos são tão estreitamente ligados ao sistema
nervoso, que a cura do trauma psicológico ajuda a curar o trauma físico
também.
​Tenho trabalhado com muitos membros das forças militares que
retornam do Iraque e do Afeganistão com diagnóstico de TEPT, ou lesão
cerebral traumática leve ou moderada (LCT), ou ambos. Ao vê-los voltar
para casa trazendo seus pedaços que haviam deixado para trás, congelados
na zona de combate, parece que estamos vendo um milagre acontecer.
Parece um grande milagre ver que as perdas de consciência e outros
sintomas de lesões do cérebro são curadas tranquilamente.
​Brainspotting, junto com outros métodos paralelos, está na
vanguarda do trabalho de cérebro-corpo. Embora ainda não
compreendamos exatamente como atuam esses métodos baseados no
cérebro, sinto que estamos nos aproximando de novas perspectivas de
cura, tornando-nos capazes de acessar o cérebro com precisão e mantê-lo
no lugar à medida que cura a si mesmo e o corpo.

Capítulo 11 - Brainspotting e a
Performance no Esporte:
Reconstruindo o Campo Destruído dos
Sonhos
Fui atleta e fã de esporte desde os cinco ou seis anos de idade.
Como terapeuta verbal, ocasionalmente trabalhava com pessoas ligadas aos
esportes. Não era, contudo, capaz de fazer a conexão entre meu self atleta e
meu self terapeuta.
​Isto mudou quando, nos meus primeiros dias de EMDR, soube que
ele estava sendo aplicado para a performance, especialmente nos esportes.
Na primeira conferência EMDR a que compareci em 1994, eu muito
animadamente me inscrevi num workshop de EMDR e performance.
Durante todo o seminário, aguardei a iluminada informação dos dois
especialistas psicólogos esportivos que se apresentavam. Fiquei
desapontado, pois o que foi apresentado era muito padrão EMDR, com
aplicação pouco singular e inovadora. Soube depois que os apresentadores
eram terapeutas cognitivos comportamentais, não sintonizados com a
abordagem psicológica profunda que eu estudei nos meus dias de
psicanálise. Os apresentadores também disseram de forma definitiva que
quando “os problemas emocionais surgiam” com seus clientes de
“performance”, eles encaminhavam os clientes para outro terapeuta EMDR
para um trabalho “pessoal”. Quando as questões pessoais eram resolvidas, o
trabalho de performance era retomado. Em outras palavras, os
apresentadores separavam as questões de performance das questões
pessoais.
​Embora eu fosse novato em relação ao EMDR e ao trabalho de
performance, esta separação me parecia desprovida de sentido. Eu sabia lá
no fundo que aquela ansiedade de performance era uma ansiedade pessoal
expressada através da performance. Também sabia que os bloqueios de
performance eram bloqueios pessoais ou de natureza dissociativa. A
dissociação vem do trauma, assim é que os bloqueios de performance
devem derivar do trauma também.
Quando comecei a fazer EMDR com os clientes que tinham
bloqueios de performance no esporte e ansiedade, não fiquei surpreso por
surgirem experiências traumáticas mais profundas. Muitos desses traumas
ocorreram durante os desempenhos atléticos dos clientes e durante a prática e
a preparação das performances. Mais tarde eu cunhei o termo Transtorno de
estresse pós-traumático ligado ao esporte (TEPTS) para atletas para me
referir a estas experiências. Mas vários desses traumas vinham de muito cedo
na vida, e eram o mesmo tipo de traumas que eu via em meus outros clientes.
Estes traumas antigos eram o que frequentemente se chama na psicologia de
questões afetivas. Este termo se refere a rupturas em nossas ligações afetivas
com a nossa mãe ou outros cuidadores. Estas rupturas ocorrem antes que
aprendamos a linguagem e pensemos, e assim não podem ser expressas ou
compreendidas; são simplesmente sentidas. Ficou logo aparente para mim
que a performance está no executante e o executante é uma pessoa. Se você
retira a pessoa da execução, não sobra muita coisa, e qualquer trabalho de
performance fica limitado em alcance, duração ou efeito.
​Tive muito sucesso com os atletas utilizando o EMDR para resolver
questões de traumas de esporte. Minha transição para o Brainspotting me
ajudou a ser mais focado e bem--sucedido não somente em minha prática
geral de terapia, mas com meus clientes de performance também. Em meu
trabalho posterior Brainspotting com atletas, fiz algumas descobertas que me
surpreenderam.

Trabalhava com Phil, um receptor de uma equipe de basebol da


Divisão I da universidade, em suas dificuldades que apresentava com os
arremessos. Phil não tinha problemas para eliminar um corredor de base
desonesto ou para fazer jogadas rápidas. Para ele, esses movimentos se
baseavam em reações reflexas e não apresentavam problemas. Sua
dificuldade era no arremesso de rotina da bola de volta para o lançador após
cada arremesso. Era então quando lhe sobrava tempo para "raciocinar no que
fazia". Essa perda de função é uma das aflições mais frustrantes para um
atleta. Um jogador profissional de golfe que não consegue colocar a bola no
buraco com uma leve tacada a uma distância de pouco mais de um metro ou
menos sofre de um mal semelhante. Isso é conhecido como "o bloqueio" e os
atletas também o chamam de "a fera", "a coisa" ou simplesmente "ela".
Receia-se que o bloqueio seja contagioso e, portanto, não é comentado pelos
atletas ou pelos treinadores. Por conseguinte, os atletas a consideram uma
aflição rara, quando na verdade, ela é consideravelmente generalizada em
todos os esportes ao redor do mundo. Os atletas portadores de bloqueio
sofrem de isolamento auto-imposto e subitamente imposto por colegas de
equipe e comissões técnicas.
​Os problemas de arremesso de Phil apareceram no início de uma
primavera quando ainda era calouro. Um lance de falta acertou Phil
diretamente onde o equipamento de proteção não cobria seu ombro direito. O
seu braço ficou adormecido até as pontas dos dedos da mão, que pulsavam.
Duas voltas depois, o arremesso de volta que Phil fez após um lançamento
passou por cima da cabeça do lançador. Por sorte, não havia ninguém na
base, e todos, inclusive Phil, fizeram pouco caso. Contudo, Phil parou de rir
quando disparou o seguinte arremesso de volta para o chão a 1,5 metro em
frente à base do batedor. No arremesso de volta seguinte, a mão de Phil
travou na bola em uma "garra mortífera" e o seu braço paralisou. Na verdade,
Phil olhou para a bola em sua mão, sentindo como se estivesse vendo um
objeto estranho. Ele literalmente congelou e teve de ser retirado do jogo.
​Os treinadores classificaram isto de lesão, porém um treinador tinha
sofrido esse bloqueio antes em sua carreira e identificou o problema de Phil.
O treinador trabalhou com Phil nestes mecanismos de lançamento, e fizeram
uma melhora gradual. Mas Phil nunca mais foi o mesmo agarrador talentoso
e toda vez que ele ficava atrás da base, sentia-se cada vez mais ansioso.
​Phil procurou um psicólogo esportivo que apregoava um índice de
100% de cura para os dos bloqueios. O psicólogo usou a combinação
tradicional de visualização, exercícios de relaxamento, trabalho cognitivo
comportamental de “força mental”, e hipnose. Phil experimentou leve
melhora que logo foi perdido. O psicólogo deu a Phil um dever de casa, que
Phil fez com afinco. Frustrado com a falta de progresso de Phil, o psicólogo
acusou Phil de “não cumprir o programa”. (Imagino que seja assim que o
psicólogo esportivo alcançou seus 100% de taxa de cura: ele despedia
qualquer cliente que não estivesse curado.) Phil nunca retornou para as
sessões e ficou ainda mais frustrado e desencorajado. Ele considerou a
possibilidade de abandonar o esporte que tanto amava e para o qual tinha
tanto talento.
Phil foi encaminhado a mim por um amigo da família. A esta altura, ele
duvidava de que qualquer coisa poderia ajudá-lo.
​Em nossa primeira sessão, levantei uma breve história e então tentei
um Brainspotting inicial para ver como ele responderia. Orientei Phil para se
lembrar do primeiro momento em que seus bloqueios apareceram. Três
imagens vieram à mente: a primeira foi a bola que ele lançou por cima da
cabeça do lançador, a segunda foi a dele bloqueando a bola, e a terceira foi
sendo dele removido do jogo. Foi interessante, mas não incomum, que ele
não visualizou ter sido atingido no ombro pela bola.
​Começamos com a primeira imagem. O SUDS de Phil era nível oito,
e sem qualquer surpresa, ele o sentiu no ombro que usava para fazer o
lançamento. Achamos uma Janela Interna do Brainspot, e Phil começou o
processamento. Seu processamento imediatamente regrediu à condição de
lesionado no ombro pelo lance da falta. Entretanto, o que se seguiu me pegou
desprevenido. O processamento de Phil pulou de uma lesão de esporte para
outra. Primeiro foi uma lesão do ombro quando tinha quinze anos. Depois foi
uma mão quebrada aos treze, seguida de um deslocamento de cotovelo
naquele mesmo ano. A lesão mais forte que ocorreu foi aquela em que Phil
foi derrubado inconsciente e sofreu uma concussão severa como resultado de
uma colisão na base do estádio quando tinha dezessete anos.
​De repente dei-me conta de que as lesões de esporte são traumas
altamente significativos. Estes traumas esportivos cobram com o tempo,
apenas para emergir, e às vezes para irromper num momento que não é
previsto nem compreendido. Olhando para trás, devo ter compreendido
intuitivamente esta conexão por conta de todas as lesões esportivas que
experimentei quando jovem.
​Meus amigos e eu não jogávamos esportes organizados como faz
atualmente a maioria das crianças. Brincávamos de esportes de treino que
organizávamos ao nosso modo. Decidimos se íamos jogar baseball,
basquetebol, ou futebol, e então escolhíamos os lados. Às vezes, meus
amigos e eu organizávamos e jogávamos contra outro grupo de garotos da
vizinhança ou contra os garotos de outras vizinhanças. Esse era o Queens,
New York, nos anos 1960. Era tudo espontâneo e quase sempre parecia
funcionar. Mesmo sem as equipes formais da Little League, a competição era
feroz, e o jogo era duro e áspero. Não era incomum que alguém se
machucasse, e eu não era exceção, normalmente “sacudíamos a poeira” e
suportávamos as dores. Às vezes alguém “dava baixa” e tinha que ser
carregado para fora do campo e até levado para casa. As visitas ao hospital
eram raras, mas havia. Creio que tive algumas concussões, e lembro-me bem
quando sofri uma grave lesão no olho ao ser empurrado na quadra de
basquetebol. Também quebrei o pé durante uma partida de basquetebol, mas
continuei jogando, mancando até que o jogo terminasse. As lesões de esporte
ainda são aceitas como naturais, mesmo quando são as crianças que jogam.
​Ao tratar outros atletas depois de Phil, eu repetidamente observei
como as lesões eram traumas esportivos profundos, cumulativos que
interferiam direta ou indiretamente com o desempenho do atleta. Nunca havia
lido sobre esse fenômeno em qualquer literatura sobre psicologia ou
performance no esporte. Ao estudar lesões de esporte como trauma esportivo,
cheguei a uma conclusão sobre porque elas afetam os atletas de forma tão
poderosa. Uma lesão física é um trauma no sistema nervoso que é sentida no
lugar da lesão e alojada no cérebro. Mas uma lesão física, especialmente
durante o esporte, é também uma lesão psicológica no sistema nervoso. A
simultaneidade dos traumas físico e psicológico faz com que sejam
registrados juntos, e como tal, interligados e presos juntos no cérebro e no
corpo. Em algum nível, acredito, que os traumas físicos e emocionais se
tornam inexoravelmente interligados, especialmente à medida que mais
traumas se acumulam no tempo. Deste modo, o sistema nervoso do atleta é
como um campo minado que possui um número crescente de minas
terrestres, apenas esperando serem pisadas. Brainspotting, com seu uso
semelhante ao laser do campo visual para explorar e localizar os traumas
retidos no cérebro e no corpo, é uma ferramenta eficiente para localizar essas
minas e desativá-las também. Mas é raramente um processo rápido e fácil
para os atletas, e Phil não era exceção.
​Sessão após sessão, Phil e eu processamos seus traumas de lesões
esportivas. Parecia haver um fornecimento infindável de minas terrestres de
seu cérebro-corpo. Durante o curso de quatro meses de tratamento, Phil
lentamente, aos trancos e barrancos, readquiriu sua habilidade de jogar a bola
naturalmente de volta para o lançador. Mas seu tratamento não foi completo
até que ele localizou dois brainspots remanescentes de traumas.
​Quando Phil tinha dois anos, sua mãe teve um parto complicado da
irmã de Phil, Sara. A mãe de Phil foi hospitalizada por três semanas, e até
onde ele sabia, sua mão faleceu. Juntamente com a interrupção da ligação
afetiva, a chegada de Sara à cena, deixou Phil se sentido posto de lado. O
segundo trauma pessoal que Phil sofreu foi a morte da avó quando ele tinha
seis anos. Phil havia sido muito próximo dela. Ela tinha cuidado dele durante
a ausência da mãe depois do nascimento de Sara. Com estes traumas
clareados, através de uma combinação da Janela Interior, Eixo-Z, e o
Gazespotting, Phil foi capaz de atuar livremente e sem ansiedade.
​Alguns anos depois do trabalho com Phil, tive a oportunidade de
trabalhar com o jogador Mackey Sasser, do New York Mets. Meu trabalho
com ele está no meu livro com Alan Goldberg, This is your Brain on Sports.
A carreira profissional de Mackey encerrou em razão do mais famoso caso de
bloqueio de lançamento de volta. De fato, esta inibição é conhecida no
mundo do baseball como Síndrome Sasser de Mackey Sasseritis. Meu
trabalho com Phil e outros agarradores me prepararam para tratar Mackey,
que tinha uma longa lista de traumas de lesões esportivas desde a infância
através de sua longa carreira de jogador profissional. Ele também tinha
traumas pessoais importantes da infância e adolescência. Ele fez três sessões
estendidas de Brainspotting, e Mackey estava pronto para livremente jogar
durante a prática de tacadas com a equipe do colégio que ele treinava.
Mackey disse que o Brainspotting também tinha tirado um peso de vinte e
cinco quilos das costas.
Nem todo atleta tem bloqueios de desempenho da magnitude de Phil
e Mackey. Mas todos os atletas passam por fracassos prolongados e perda de
autoconfiança. Todos os atletas passam por experiências de fracasso e
humilhação, que são traumáticas por si mesmas. Quando um atleta se abre,
eles compartilham as inseguranças que normalmente carregam. Diante de um
fracasso, a insegurança deles só piora.
​Tenho trabalhado com atletas de vários esportes e os tenho ajudado a
passarem por derrotas mais curtas e superficiais. Com o Brainspotting, o
atleta naturalmente volta ao seu cérebro profundo e se afasta de sua conversa
negativa no cérebro cognitivo, consciente. O Modelo de Recurso é
inestimável na ajuda aos atletas para se centrarem no corpo e se sentirem
mais relaxados em seu desempenho. Em nossas sessões, identificamos o
Ponto do Recurso onde o atleta se sente calmo e centrado. Eu os oriento a
utilizar aquele ponto entre as sessões, não apenas quando estão se esforçando,
mas também quando estão se sentindo bem. Quanto mais o atleta trabalha o
ponto, mais centrado fica nele. Não é incomum para os atletas que tenho
tratado olharem o ponto por alguns segundos justo no momento da
competição. Todos os atletas olham para todos os cantos que podem
encontrar, e este auto-spotting provê o que precisam.
​Isto leva a outra aplicação do Brainspotting nos esportes, que chamo
de Modelo de Expansão Brainspotting que pode ajudar os atletas a
expandirem e ampliarem sua performance. (Prefiro o termo expansão da
performance a pico da execução, já que pico implica em que haja limites ao
aperfeiçoamento da performance). O Modelo de Expansão, de fato, se aplica
a todos os tipos de performance, e a criatividade e autossatisfação também.
Brainspotting não é apenas uma forma de afastar e curar as feridas
emocionais, e um brainspot não só acessa onde alguma coisa negativa está
retida no sistema de uma pessoa. Há brainspots para virtualmente tudo,
inclusive confiança, insight e amor próprio. Alguns dos meus clientes
espiritualizados encontraram um ponto de oração e mesmo um ponto de
Deus. Um brainspot é simplesmente um acesso ou portal à neurobiologia
mais profunda e ao corpo. Cada pessoa possui talvez um número infinito de
pontos em seu campo de visão que se correlaciona à vastidão de sua
experiência interna.
​Há duas aplicações para o Modelo de Expansão Brainspotting nos
esportes. A primeira vem quando os traumas de esporte de um atleta são
clareados e estão preparados para processar de um modo positivo. Como
sempre, o corpo é o modo como acessamos qualquer experiência, quer
negativa ou positiva. Gosto de orientar os atletas a retornarem sua
consciência à área de seu corpo que mais reteve a ativação negativa durante
as sessões. Se um atleta for verdadeiramente clareado, então esta área do
corpo (geralmente o peito, estômago, garganta, cabeça ou costas) se sentirá
neutra ou positiva. Todo o trabalho de cura Brainspotting que fizermos até
aquele ponto transformará aquela área de vulnerabilidade do corpo em
Recurso Corporal. Ao transformar a fraqueza em força, os atletas sentem
grande poder e resiliência. Assim, encontramos o brainspot que se equipara a
este recém-criado Recurso Corporal e processamos a partir daí. Muitas vezes
observo os atletas olhando adiante, antecipando performances positivas. Às
vezes seu cérebro retorna a falhas passadas e espontaneamente reescreve o
script de uma forma positiva. Este processo de revisão natural é outro
exemplo marcante de como o cérebro pode se curar.
​A segunda aplicação do Brainspotting na expansão da performance é
para atletas que não estão lidando com dificuldades, mas estão buscando
somente melhorar sua performance. Brainspotting não tem a ver
simplesmente com a remoção de bloqueios e o alívio da ansiedade; aplica-se
também ao crescimento e à expansão da resiliência. Um jogador de baseball
que está acertando .280 pode tentar melhorar sua média de acerto para .300.
Um jogador de golfe com um handicap de 8 pode tentar baixar para um 6.
Um miler pode tentar diminuir segundos de sua corrida. Minha crença é de
que quanto maior a performance de um atleta (ou outro executante qualquer),
maior será seu potencial ascendente. Se você conversar com os grandes
desportistas de qualquer modalidade, eles vão explicar a você, de forma
acurada, suas áreas de deficiência. Lembre-se de que todos os atletas
carregam a carga neural de inúmeros traumas de esporte acumulados. Os
melhores performers em esporte têm o gênio da adaptação nos níveis mais
elevados. Se os traumas dos atletas de elite forem afastados, eles terão o
potencial de alçarem novas conquistas. Os recordes em todos os esportes
estão caindo todo o tempo, mesmo os considerados insuperáveis.
​Ao utilizar o Brainspotting para a expansão da performance com os
atletas que vêm simplesmente para melhorar sua performance, começo por
identificar seus pontos fortes e encontrar os brainspots para eles. O Modelo
de Expansão é como uma versão supercarregada do Modelo de Recurso;
encontramos onde os atletas sentem o domínio e o talento em seu corpo e
então combino isto com qualquer tipo de Brainspotting que flui com ele. O
processamento que emerge deste trabalho de expansão é animador e às vezes,
estimulante. Ocasionalmente, uma inibição virá à tona e então se processa. Se
o atleta quiser, após este processamento positivo, podemos fazer algum
trabalho dirigido para identificar e passar por qualquer trauma de esporte
(normalmente lesões esportivas). Depois de feito isto, voltamos ao ponto
positivo e à experiência corporal, e a expansão normalmente se dá a partir
daí.
Os esportes exigem graça, agilidade, e inventividade, todos expressos
em sua maior parte através de movimento do corpo. Os grandes atletas são
frequentemente chamados de criadores, à medida que fazem coisas novas e
inesperadas acontecerem todo o tempo. Quando os muitos bloqueios são
superados, eles inventam muito mais.
​Tudo isto é verdade em relação aos artistas, especialmente aqueles nas
artes ligadas ao espetáculo. No próximo capítulo, vou focar como o
Brainspotting pode identificar e limpar os bloqueios da expressão criativa em
artistas.

Capítulo 12 - Brainspotting e
Criatividade: O Mundo Todo é Um
Palco
Eu cunhei um dito, “Não há cura sem criatividade, e não há
criatividade sem cura”. O processo de cura de Brainspotting é altamente
criativo, e Brainspotting também pode soltar e expandir a criatividade dos
artistas.
​Como processo terapêutico, o Brainspotting não é dirigido por
protocolo; não há passos ou procedimentos que devam ser seguidos.
Qualquer coisa pré-determinada interrompe e distrai a sintonia intuitiva do
terapeuta com o cliente no momento e interfere no processo de cura criativa
do cliente. Brainspotting trabalha simultaneamente com o cérebro direito e o
cérebro esquerdo, espelhando e integrando tanto o cérebro artístico como o
de natureza científica. Brainspotting iguala a arte na medida em que também
incorpora forma e estrutura, ferramenta e técnica, especialmente na pista
aberta do processamento do cliente dentro da Moldura de Sintonia Dual.
​ sobrevivência, a resiliência e a recuperação exigem e revelam nossa
A
criatividade. Brainspotting acessa o gênio do cérebro profundo. No processo
de cura Brainspotting, consigo ver como os seres humanos são intuitivos,
inventivos e inteligentes. O processamento que eu observo com os clientes,
ativados e focados em um brainspot, é profundo, rápido e imprevisível. Estou
sempre esperando pela surpresa, e raramente fico desapontado. Surgem cenas
de diferentes acontecimentos da vida, como imagens que se sucedem, para
depois se transformarem em um turbilhão de emoções e sensações fluidas do
corpo. As perguntas vêm ao cliente, e são seguidas por respostas
convincentes que parecem vir não se sabe de onde. Ou então, somente
aparecem como de lugar nenhum, porque as respostas vêm dos locais mais
profundos do cérebro que são normalmente inacessíveis à consciência. De
alguma forma, em resposta ao processamento, o nível SUDS do cliente cai
inexoravelmente para zero, com picos ocasionais na medida em que surge
novo material. Este processo tem como paralelo o processo criativo, onde o
artista recebe e observa o fluxo de ideias que emerge de seu self profundo.
​Tenho trabalhado com centenas de artistas de várias áreas, inclusive
atores, dançarinos, compositores, escritores, pintores, desenhistas e
escultores. Tenho usado Brainspotting para ajudar essas pessoas em seus
problemas pessoais e com suas questões criativas. Também desenvolvi o
Brainspotting como método especificamente para treinar atores. Quando uso
o Brainspotting para ajudar os artistas com a expansão da criatividade e para
treinar dentro de suas formas particulares de arte, observei que a cura
profunda ocorre simultaneamente com a abertura criativa e o
aprofundamento. Realmente acredito que a base do aprimoramento criativo é
a cura. Em outras palavras, “não há cura sem criatividade, e não há
criatividade sem cura”.
​Muitos artistas, incluindo a gama de atores a pintores e escritores,
acreditam que se forem curados de seus traumas, perderão sua criatividade.
Esta é uma noção equivocada e supersticiosa. A verdade é que o trauma não
gera criatividade; inibe a criatividade. O trauma não garante o acesso à
experiência; bloqueia a experiência com barreiras reflexivas de dissociação.
Os artistas podem criar a partir do trauma, mas seu processo criativo acessa
somente uma faixa estreita da ferida. Uma tela pode ser coberta de riscos em
preto e vermelho, e um ator pode representar uma alma torturada. Quando o
Brainspotting cura o artista de suas feridas, seu espectro de criatividade se
expande dramaticamente. O pintor pode usar todas as cores da palheta, e o
ator pode trazer nuance e esperança mesmo para o mais torturado
personagem. O trauma encapsula a capacidade artística (literalmente no
cérebro), enquanto o Brainspotting libera a criatividade em suas
possibilidades exponenciais.
​Algumas pessoas equivocadamente acreditam que os brainspots
somente localizam o trauma no cérebro. Há, de fato, incontáveis pontos em
nosso campo de visão que acessam qualquer e todos os aspectos de nós
mesmos. Os brainspots são pontos de acesso para a criatividade como
também para os ferimentos. Além disso, há uma variedade de brainspots de
criatividade. Um ator que também canta terá provavelmente diferentes
brainspots para conectar suas habilidades como ator e cantor. Um compositor
pode produzir palavras e música para a mesma canção usando diferentes
brainspots. Um escritor que vai da comédia ao drama terá que trocar com
frequência seu brainspot da criatividade. Muitas vezes um artista tem talento
para muitas formas diferentes de criatividade, e assim tem e pode se
beneficiar ao acessar uma variedade de brainspots.
Soren tinha uns trinta e poucos anos quando veio a primeira vez para
as minhas sessões. Ele tinha imigrado de seu país nativo, a Dinamarca, aos
vinte e dois anos de idade. Ele me procurou para ajudá-lo a desbloquear sua
criatividade e superar seus profundos sentimentos de inadequação. À medida
que abria sua história, Soren gradualmente me revelava seus talentos um por
um. No início do tratamento, ele estava trabalhando como primeiro dançarino
na Broadway. Ele não podia deixar de ser gracioso, pois isto estava em sua
natureza. Então me confidenciou que estava também aspirando a ser ator. Em
seguida revelou seus dotes de cantor. E depois me contou que era um
dramaturgo e tinha terminado de escrever uma peça para um musical. Soren
então me disse que também havia escrito as palavras e as letras de um
musical.
​Com o tempo, meu trabalho com Soren evoluiu do trauma
Brainspotting ao trabalho de expansão criativa. Soren era de uma família de
quatro irmãos. Sua mãe era um “poço de energia” que ofuscava e
frequentemente diminuía o pai de Soren. Por extensão, ela demonstrava
hostilidade em relação a todos os homens, como gênero. Tanto quanto Soren
podia dizer, sua mãe não parecia notar que ele era do sexo masculino. Parecia
a Soren que sua mãe estava tentando levá-lo a acreditar que os homens eram
rudes e incompetentes. Isto somente plantou as sementes de seus sentimentos
de insegurança e inferioridade. “Não sou bom o bastante” tornou-se o seu
mantra.
​Os professores e preparadores de artistas podem ser muito exigentes e
críticos ao ponto de serem abusivos. Os professores de Soren não eram
exceção, especialmente a instrutora-chefe da academia de dança que Soren
frequentara em sua adolescência. Ele era o favorito da professora, mas de
alguma forma aquele papel também fez dele o principal receptor de seu
desprezo. Soren não podia dizer se ela estava exigindo muito dele por conta
de seu talento ou pela falta de talento. Uma vez, em retaliação, a professora
excluiu Soren da apresentação anual da academia. Em vez de brilhar como
estrela da produção, Soren assistiu ao espetáculo sentado na plateia. Embora
soubesse que sua expulsão foi um capricho e injusta, ele não pode escapar do
que seus ouvidos diziam: “Não sou bom o bastante”. Ao mesmo tempo, em
algum lugar lá no fundo, Soren sabia que ele não era somente bom o bastante,
mas especial.
​Não é surpresa que além de ser altamente criativo, Soren era
altamente sensível. Os artistas vêem o mundo diferentemente da maioria da
população. De fato, alguns vêem um universo diferentemente da maioria da
população. A percepção deles pode tomar a forma de imagens, sons,
movimentos ou conceitos. Os artistas possuem esta intuição desde seus
primeiros anos. Mas quando os dotados do talento da criatividade
compartilham essa consciência, isto não é normalmente compreendido ou
bem recebido pelos pais, professores, irmãos e colegas. Como resultado, as
pessoas dotadas de talento, a começar na infância, são feridas na área mais
preciosa e, não obstante, mais vulnerável que possuem, que é seu talento. Seu
talento atrai a atenção e o desprezo de outras pessoas. Essas feridas são os
cortes mais cruéis de todos e os mais profundos também. O abuso em uma
área de talento de uma pessoa e suas expressões têm um efeito duplo: fere a
alma, e põe abaixo o fundamento da ansiedade criativa e bloqueia. Em todas
as décadas de prática profissional, meus clientes artistas têm igualmente
compartilhado que sofreram abuso por causa de sua natureza criativa. “Você
não sabe do que está falando,” ”Você é burro,” ”Você está louco,” ”Você é
problemático,” e o sempre presente “Você é sensível demais” são epítetos
normalmente dirigidos ao talentoso. Desta forma, Soren entrou numa concha,
acreditando ser inadequado.
​Além disto, os artistas, tais como os atletas, frequentemente sofrem
lesão ao praticar sua arte. Estas lesões são bem conhecidas entre os
dançarinos, que forçam o corpo ao ponto de sentirem dor na prática e na
apresentação. Este processo começa cedo na carreira de crianças que dançam
e dura a vida toda. Os dançarinos atuam na conexão entre a arte e o atletismo
e são vulneráveis tanto a lesões no esporte como na criatividade. Quando
ocorre uma lesão durante uma importante apresentação de palco, isto se
agrava. Soren não estava isento desta cruel realidade.
​Mas os dançarinos não são os únicos artistas sujeitos a lesões físicas.
Os atores usam e abusam de seu corpo para o palco e a câmera. Para o filme
Touro Indomável, Robert De Niro primeiramente se sacrificou até chegar a
uma incrível forma para representar o lutador de box Jake LaMotta, e então
engordou vinte e cinco quilos para atuar como LaMotta mais velho, nos
últimos estágios do filme. A cantora Idina Menzel, em sua penúltima
apresentação de Wicked na Broadway, caiu em um alçapão e fraturou as
costelas. Uma vez trabalhei com um famoso ator de cinema que sofreu
concussões múltiplas ao trabalhar num filme de ação. Então, quando exposto
a uma luz estroboscópica, ele ficou completamente cego por duas horas. Os
músicos com frequência sofrem com o movimento repetitivo e lesões do
túnel de carpo que podem atrasar ou encerrar sua carreira. Estas mesmas
lesões podem ocorrer com artistas gráficos como escultores e pintores.
​Como estas lesões físicas acontecem durante o processo artístico com
lesões psicológicas concorrentes, as duas são retidas indecifravelmente
juntas, exatamente como ocorre com atletas. Os movimentos e a arte são
inseparáveis, e qualquer inibição ao movimento inibe o processo criativo,
trazendo ansiedade.
​O trauma mais pernicioso que os artistas enfrentam é a rejeição. Isto
se aplica a toda forma de arte. Para cada aceitação, há centenas, se não
milhares, de rejeições. É de se admirar como algum artista possa sobreviver e
se manter através desta avalanche de rejeição. Audições com frequência são
intencional ou inadvertidamente abusivas. Estas “experimentações” podem
ser alguma coisa entre o banimento e a condenação. Não importa quantas
vezes acontece, ouvir “Próximo” ou “Obrigado!” em meio a um monólogo é
um choque e é humilhante. Às vezes um ator ou cantor recebe uma grande
ovação ao fazer uma audição, mas não recebe a gentileza de uma
comunicação informando-o de que não foi escolhido. Os atores ouvem coisas
assim: “Gostamos de você, mas seus olhos são muito juntos” ou “Não
gostamos de seus ombros”. Com muita frequência, os artistas são isolados
sem qualquer ideia do porquê não conseguiram a participação. Mesmo
quando conseguem o papel, os atores, cantores, e dançarinos frequentemente
sofrem a humilhação e os gritos de diretores abusivos. Alguns artistas são
demitidos por mero capricho nos ensaios ou no set. Trabalhei com artistas
gráficos cujos trabalhos foram roubados ou desfigurados.
​Finalmente, o termo ‘artistas morrendo de fome’ reflete acuradamente
como alguns dos mais dotados artistas vivem com rendimentos mínimos. A
meta na arte de atuar não é se tornar uma estrela; é se tornar um “trabalhador
ator”. Esta frase significa simplesmente ser capaz de se manter do seu
trabalho de artista. Com um escritório em Manhattan, tenho o privilégio de
fazer o Brainspotting com muitos artistas que procuram a cidade como uma
meca. Muitas vezes reduzo, até mesmo drasticamente, os honorários
cobrados deles; é minha maneira de ser patrono das artes.
​Posso fazer muitas sessões de Brainspotting para curar as profundas
feridas dos artistas. Foi assim o meu trabalho com Soren. Felizmente, ele foi
o que chamo um caso de “alta resposta” ao Brainspotting. Abrigado em
qualquer forma de brainspot, e ouvindo o Som Biolateral através de fones de
ouvido, Soren estava pronto para a batalha. Seu processamento foi tão
surpreendente quanto sua capacidade artística. Gostaria de ter visto as
imagens do trauma até a cura registradas em sua cabeça e que escaparam à
sua descrição. Às vezes eu simplesmente observava com encantamento as
fases de mudança da emoção, realização, e libertação no rosto de Soren. A
cura criativamente dada nas mais criativas formas. Os artistas têm
surpreendentes caminhos neurais, formados pela genética e o constante
desenvolvimento de seu ofício.
​Um por um, os traumas de Soren foram liberados à medida que ele se
curava. Era extremamente importante para ele que eu compreendesse a
intrincada criatividade que havia sido tão ferida por toda sua vida. Não
somente não julguei nada, mas também me sintonizei ao seu talento. Posso
ter sido a primeira pessoa a se dar conta de como ele era brilhante e refletir
esse reconhecimento nele. Enquanto segurava a ponteira para focar seu olhar,
eu ficava fascinado ao descobrir novos aspectos de seu talento. Tenho visto
alguns terapeutas intimidados ou mesmo diminuídos por clientes com
habilidades especiais. Para mim, trabalhar com Soren era como uma viagem
para a ‘Disneylândia ideal’. O ideal é quando o terapeuta criativamente
dotado, trabalha com um cliente criativamente dotado.
​Gradualmente nosso trabalho se modificou da cura emocional para o
trabalho de expansão da performance. Primeiro, Soren trouxe um monólogo
que ele queria trabalhar para melhorar sua performance. Fiz com que ele lesse
o monólogo uma vez, e então o ajudei a encontrar o “ponto do personagem”.
Orientando Soren com o Brainspotting de Janela Interna, movimentei a
ponteira primeiro para a direita, então para o meio, para a esquerda, seguido
do nível do olho para cima e para baixo. Perguntei: “Onde você sente melhor
o personagem em seu corpo?” Soren, sem palavras, pôs a mão no coração.
Perguntei-lhe: “Que linha do monólogo vem à sua cabeça agora?” E ele
respondeu: “Nunca soube”.
​Orientei Soren a observar seu processamento com a noção de que era
o personagem (chamado Charles) que estava processando, não ele, o ator.
Soren tinha uma série de lembranças que apareciam com profunda
ressonância emocional e física. Contudo houve uma reviravolta. As
lembranças não eram de Soren, mas de Charles. À medida que o olhar dele
ficou retido no brainspot, visões, sons, e cheiros todos apareceram à frente de
Soren. Pareciam vir não se sabe de onde, mas eram todos orgânicos para
Charles e o monólogo. Os atores passam horas e dias tentando criar e se
conectar com os personagens, e Soren estava fazendo isto quase que sem
perda de tempo.
​Depois de quinze minutos, ele recitou o monólogo. Um arrepio
percorreu minha espinha quando Soren incorporou o personagem justo em
meu consultório. Eufórico, Soren disse: “Não posso acreditar!”
​Mas o processo não havia terminado. Quando se leva um ator tão
profundamente ao personagem, não é sábio deixá-lo lá. Então achamos o
ponto de Soren, ou ponto do ‘self’ que o ajudou a se processar para fora do
Charles e voltar a si mesmo. Soren disse: ”Quero segurar um pouco do
Charles para o público”. Então lhe perguntei: “Onde em seu corpo você quer
se apegar ao Charles?” Soren levantou a mão esquerda, e encontramos o
brainspot que levou a transferência a acontecer. Charles lentamente saiu do
corpo de Soren e se ‘escoou’ gentilmente para a mão esquerda de Soren.
​Fiz uma sugestão final a Soren: “Antes de sua audição, ponha a mão
esquerda no coração e olhe para a esquerda e para cima e localize o ponto do
personagem em que trabalhamos hoje”.
​Soren seguiu minhas instruções e arrebentou na audição. Ele
conseguiu o papel.
A sessão da atuação foi o início do trabalho de Soren comigo em
todos os aspectos de seu processo criativo. Um dia ele apareceu com um
gravador de fita e disse: “Quero trabalhar uma canção”. Eu sabia que Soren
estava tendo aulas de canto, mas sua voz me surpreendeu. Então ele
perguntou: “Pode me ajudar nisto?” E pensei comigo: “O que eu poderia
fazer para esta canção ficar ainda melhor?”
​Por meio de meu trabalho com os artistas tenho descoberto que a
criatividade é exponencial. “É impressionante que quanto mais alto você
segue, mais avançado fica seu lado potencial. Durante a sessão, aumentou a
ressonância vocal de Soren e aumentou a conexão emocional à canção.
​Noutra sessão ele começou dizendo: “Estou trabalhando em uma
rotina de dança, e estou emperrado num lugar”. Saímos para minha sala de
espera, mais espaçosa, com minha ponteira e começamos a trabalhar.
Consegui ver um outro lado do talento de Soren, e foi estimulante. Ele me
mostrou o movimento com que tinha dificuldades, e me parecia muito bem.
Mas ele sabia onde estava o problema, então localizamos o brainspot que
identificava onde ele se sentia bloqueado. Trabalhamos nisto, literalmente
passo a passo. Soren quase voou pela sala quando terminamos.
​No capítulo final da história, Soren entrou em meu consultório com o
script de uma peça. Ele disse: “Escrevi isto” e me entregou. “Você pode ler
para mim?”. Eu havia trabalhado antes como consultor de script de filmes e
peças de modo a assegurar que as histórias tivessem consistência psicológica.
Então peguei o script e respondi: “Claro”. Soren me disse que havia escrito a
peça toda ouvindo os CDs BioLaterais. A peça era sobre um artista de
múltiplos talentos, e eu vi como Soren se colocava no personagem principal.
​Ao ler a peça, fiquei impressionado com duas coisas: primeiro, Soren
tinha um senso de humor ácido que ele nunca havia compartilhado comigo.
Segundo: seu inglês escrito, sua segunda língua, era impecável – nenhum erro
gramatical, nenhum erro ortográfico, excelente emprego do idioma norte-
americano. Era perfeito, o que é quase impossível para um estrangeiro. A
peça de Soren, que incluíam uma música e uma letra compostas por ele, era
incrível. Fiz algumas observações positivas quanto à psicologia do
personagem principal, e Soren apreciou muito a minha contribuição.
​Soren tinha uma decisão crucial quanto à escolha do diretor da peça.
Ele considerou a possibilidade de ele mesmo dirigir, mas sabia que os
patrocinadores gostariam de indicar o nome do diretor. Tirei minha ponteira e
disse: “Vamos encontrar seu ponto de decisão”. O brainspot era bem no
centro. Soren olhou o ponto por dez minutos, então fechou os olhos. Pude ver
que ele olhava o mesmo ponto lá dentro. Soren precisou de mais dez minutos
enquanto eu esperava pacientemente.
​Finalmente ele abriu os olhos e disse: “Vou dirigir a peça”. Soren
também decidiu produzir e coreografar sua peça, e nunca olhou para trás.
​Continuamos o Brainspotting em todas as questões criativas e
pessoais que surgiram no processo de tornar sua peça uma realidade. Às
vezes, sob pressão, Soren tinha um lapso temporário de insegurança. Não era
preciso muito Brainspotting, e ele estava de volta ao caminho. Ele fez um
grande workshop de sua peça e está agora no processo de arrecadar um
montante significativo de dinheiro necessário para montar um musical na
Broadway. O mantra de Soren não é mais: “Não sou suficientemente bom”.
Seu mantra evoluiu para: “Sou artista com muito orgulho”.

Concebi o Brainspotting para ser um modelo aberto e criativo. Em


um brainspot, o terapeuta acompanha no momento o processo intuitivo de
cura do cliente. Este componente criativo faz do Brainspotting um
instrumento adequado tanto para tratar os artistas como para expandir sua
criatividade potencial. Uso as técnicas Brainspotting que funcionam na
sessão com o artista e ensino o artista a usar estas ferramentas fora do
consultório, por sua conta. No próximo capítulo, vou lhe mostrar como usar
seu campo de visão para fazer auto-Brainspotting, por conta própria.

Capítulo 13 - Auto-Brainspotting:
Tirando Proveito de Seu Campo
Visual
As pessoas sempre me perguntam: “Pode-se fazer Brainspotting em
si mesmo?” Normalmente respondo: “Você está fazendo neste exato
momento”. Então explico que olhando para mim, o interlocutor estabeleceu
uma posição do olho que está relacionada com a ativação em áreas discretas
de seu cérebro. Descrevo como o Brainspotting é profundamente intuitivo, e
em sua maior parte, inconsciente.
​Fazemos Brainspotting todos os dias, o tempo todo. Quando
ganhamos consciência de como somos afetados por aquilo que olhamos,
podemos tirar proveito desse fenômeno natural. Ao saber que você está
acessando informação baseado no lugar para onde você está olhando ajuda
você a compreender a si mesmo e a usar as posições do olho
conscientemente. De fato, você está fazendo isto agora à medida que está
lendo esta sentença. Tenha consciência disto. Rastreie seu processo interno
por um minuto quando você olha para estas palavras, e veja para onde isto o
leva.
​Não inventei o poder de onde olhamos; simplesmente observei isto.
Na verdade, sempre soube, exatamente como todos sabem, bem fundo de
minha percepção inconsciente. Mas conscientemente reconheci o poder de
uma posição do olho quando vi os olhos de minha cliente Karen tremerem e
sustentei meu dedo firmemente no ponto em que ela estava olhando quando
isto ocorreu. O fato de que Karen não tinha qualquer ideia de que seus olhos
estavam tremendo aponta para a realidade de que ninguém pode fazer por si
mesmo o que pode fazer com a ajuda do terapeuta, especialmente com
Brainspotting. Neste livro, tenho me referido à Moldura de Sintonia Dual –
onde o terapeuta se sintoniza com o cliente em base relacional e neurológica
– como o poder do Brainspotting. Não se pode observar a si mesmo do lado
de fora, então não se pode fazer a sintonia dual num voo solo.
​Também não é sábio tentar trabalhar trauma profundo por si mesmo,
porque nunca se sabe o que poderá desenterrar. Quando as coisas emergem
inesperadamente numa sessão Brainspotting, as chances são de que o
terapeuta tenha visto as mesmas coisas muitas vezes antes e sabe muito bem
como ajudar você a se manter centrado e estabilizar. As lembranças e
sentimentos profundos emergem para nós periodicamente, e com ajuda e
tempo, somos normalmente capazes de processá-los e nos reequilibrar.

A primeira ferramenta é a mais fácil de usar. De fato, eu a usei


enquanto estava escrevendo este livro. É o Som BioLateral, que move o som
suavemente para trás e para frente de um ouvido para o outro. (Ver Capítulo
3 para saber como desenvolvi o Som BioLateral e usar nas sessões
Brainspotting com os clientes.)
​Os CDs de Som BioLateral e os arquivos de música que podem ser
baixados são programados para mudar de faixa, ou moverem as músicas
suaves para a cura e os sons de natureza, da esquerda para a direita.
Trabalham de duas maneiras ao mesmo tempo. Primeiro, ativam o sistema
nervoso parassimpático, ou relaxante. Isto ajuda a relaxar o corpo e o cérebro,
que também nos coloca em um estado de performance expandida. Em
segundo lugar, ao mover o som de um ouvido para o outro de forma
revezada, o som alternadamente estimula os cérebros esquerdo e direito. Esta
estimulação promove a comunicação do cérebro esquerdo-direito, a
integração e a harmonia. O Som BioLateral é altamente eficiente quando
usado em sessões Brainspotting, mas é também válido para uso próprio.
​O próprio uso do Som BioLateral tem muitas aplicações.
Primeiramente, como observado, promove a calma da mente e o relaxamento
do corpo. Se você estiver tenso ou ansioso, ouvir o Som BioLateral ajudará a
acalmá-lo. Se você já estiver num estado de calma, você provavelmente vai
encontrar seu caminho a um estado ainda mais calmo. Este efeito calmante
varia de pessoa a pessoa e de situação para situação. Algumas pessoas
respondem rapidamente, enquanto outras levam mais tempo. Ter paciência
consigo mesmo é sempre uma boa ideia; assim, quando você ouvir o som,
separe tempo e espaço e libere as expectativas. O relaxamento não vem por
comando; vem naturalmente, muitas vezes quando você nem nota. O cérebro
cognitivo não acalma o cérebro profundo; é o contrário. Lembre-se, o cérebro
profundo é onde vivemos e respiramos.
​Muitas pessoas acham que o Som BioLateral as ajuda a cair no sono
reparador. Isto faz sentido porque promove o relaxamento e o relaxamento
promove o sono. Normalmente não cura a insônia crônica, já que o distúrbio
de sono tem muitas causas, algumas profundas e outras físicas. Mas muitas
pessoas que têm dificuldade de pegar no sono acham que o Som BioLateral
ajuda quando combinado com outros bons hábitos de sono, como a restrição
de ingestão de cafeína, a prática de um horário regular de sono, e ter um
período de tempo de descanso antes de se deitar. É uma boa ideia usar
primeiro o Som BioLateral para relaxamento durante o dia antes de
experimentar no momento que antecede o sono.
​Quando você usa primeiramente o Som BioLateral, você pode
experimentar um aumento temporário em sua ativação. Por que? Porque
esvazia o que estiver em sua mente, bem abaixo da superfície. Se alguma
coisa está lhe incomodando, precisa sair antes que você se sinta mais calmo
ou centrado. A ativação imediata é normalmente seguida de um sentido de
liberação e alívio. Assim experimente o Som BioLateral durante o dia em vez
de justamente antes da hora de dormir. Isto evitará a pequena possibilidade de
ficar ativado e ter seu sono interrompido.
​Você pode ouvir o Som BioLateral para relaxamento ou redução da
ansiedade enquanto estiver inativo ou enquanto você estiver envolvido em
uma atividade. Quando usado durante a atividade, o Som BioLateral também
começa a proporcionar a performance ou a expansão da criatividade.
Estudantes têm relatado que seu estudo e preparação para as provas melhorou
enquanto ouviam. Muitos atores com quem tenho trabalhado ouvem o Som
BioLateral justamente antes de entrarem no palco ou em frente à câmera. Os
atores relatam que o som ajudou a abrir sua criatividade, a se aprofundarem
em seus personagens, e a deixá-los centrados. Dois pintores que me
procuraram para a terapia sempre ouvem o Som BioLateral através de fones
de ouvido enquanto aplicam a tinta à tela.
​A beleza de usar o Som BioLateral é que você não precisa fazer nada
para que dê resultados. O som se movendo vai diretamente aos seus ouvidos
e viaja até o fundo do cérebro e até o interior do corpo. Parece trabalhar com
o nervo vago, a área central do sistema nervoso parassimpático (calmo), que
vai desde o cérebro diretamente aos sistemas do coração, o digestivo e o
respiratório. O nervo vago nos avisa que estamos livres da ameaça, e então
podemos nos acalmar e desacelerar e deixar que nossa atenção se dirija ao
nosso ambiente interno. Esta resposta vagal traz simultaneamente uma
condição centrada e de abertura, produzindo tanto o relaxamento quanto o
desempenho expandido e a criatividade.
​Veja a seção de recursos ao final deste livro sobre onde e como
encomendar CDs de Som BioLateral e baixar os arquivos de música.
Aqui estão mais três ferramentas para Brainspotting. A primeira é um
exercício que utiliza o Recurso do Corpo do Modelo de Recurso. Ele utiliza a
consciência focada com o Recurso do Corpo para os propósitos de
relaxamento, esclarecimento e centralidade. Para alguns problemas mais
específicos, auto-cura ou expansão da performance, utilize os exercícios 2 e 3
e as variações de auto-utilização do Gazespotting e o Brainspotting de Janela
Interior.

Exercício 1 - Encontrando e Usando Seu Recurso do Corpo


Este exercício de auto-utilização emprega o Recurso Corporal, o
fundamento do Modelo de Recurso de Brainspotting. O Capítulo 4 tem toda a
informação sobre o que você precisa para compreender o Recurso Corporal,
mas colocado de forma simples, é o lugar em seu corpo onde você se sente
mais calmo e mais centrado.
​Passo 1: Encontre o seu Recurso Corporal. O jeito simples de
encontrar seu Recurso Corporal é escanear vagarosamente seu corpo, da
cabeça aos pés, até o lugar onde você se sente calmo ou centrado. Pode ser
uma área grande, como o peito ou suas costas, ou uma área tão pequena como
uma moeda atrás do joelho ou na base do pé. Confie em seus instintos. Você
poderá localizar este lugar rapidamente, ou pode levar um tempo. De
qualquer maneira, seja paciente e gentil consigo mesmo.
​Lembre-se também de que seu Recurso Corporal corresponde a uma
área em seu cérebro que lhe dá realmente a sensação de estar calmo e
centrado. Pode lhe ajudar ir além e imaginar ou visualizar onde aquele ponto
se localiza em seu cérebro. Veja as orientações do Brainscan Interno no
Capítulo 9 para orientação de como encontrar aquele ponto interno.
​Passo 2: Busque o estado calmo e centrado. Primeiramente, se
estiver sentado, sinta seus pés em contato com o chão. Você pode pressionar
seus pés suavemente no chão ou mudá-los de posição. Tenha consciência de
que enquanto estiver sentindo seus pés em contato com o chão, sua mente
também está. Em seguida, tenha consciência da cadeira que segura e suporta
seu corpo. (Se estiver deitado, tenha consciência da cama ou do chão em que
está.) Mantendo-se centrado desta forma irá capacitá-lo a se sentir
emocionalmente mais centrado. É como o cérebro e o corpo trabalham juntos
todo o tempo.
​Se você se sente suficientemente centrado, pode passar para o passo 3.
Se você precisa de calma adicional ou ficar centrado antes de seguir adiante,
aqui estão duas formas de conseguir isto.
​A primeira é tão simples que é quase uma bobagem. Tudo o que tem a
fazer é ouvir sua respiração. Não tente diminuir ou alterar sua respiração de
forma alguma que vá contra o exercício. Apenas ouça quando inspira e ouça
quando expira. Perceba que quando inspira, você está inalando oxigênio que
preenche seu corpo todo ao nível celular. E que quando você expira, está
exalando dióxido de carbono e assim limpando seu corpo ao nível celular.
​A respiração é controlada pelo sistema nervoso autônomo em nosso
tronco cerebral. Não é preciso que nos ensinem a respirar; é uma ação
intuitiva que fazemos desde o nascer. Ao ouvir sua respiração, você observa
seu tronco cerebral trabalhar para você. Ao ouvir o ritmo de sua respiração,
sua respiração gradualmente se auto-regula, o que é calmante por si e para si
mesma.
​Para continuar a ajudar você a se manter centrado enquanto observa
sua respiração, leve os dedos de uma das mãos e coloque-os gentilmente na
área onde a parte de trás da cabeça se une ao pescoço. Você está sentindo
exatamente onde seu tronco cerebral corre de seu cérebro até a espinha. Aí
está onde vivemos e respiramos. Quando você toca este ponto ao ouvir sua
respiração, você vai se conectar consigo mesmo e se sentir ainda mais
centrado.
​Uma segunda maneira de aumentar a calma e sensação de estar
centrado é deixar uma das mãos espontânea e vagarosamente levantar um
pouco e calmamente tomar a outra mão. Guie a mão que segura e acaricie
gentilmente a mão segurada. Note como isto faz sentir-se calmo e
encorajador. Esta técnica literalmente toma o lado direito e o esquerdo de seu
cérebro para acalmar um ao outro.
​Agora que você localizou seu Recurso Corporal e proporcionou a
você mais sensação de calma e de estar centrado, você pode, se necessário,
mudar para a fase de mindfulness focada.
​Passo 3: Processamento com mindfulness focada. O Brainspotting
faz uso completo de mindfulness no processamento que ocorre após você
preparar o localizar o brainspot. Se você tem conhecimento sobre a meditação
mindfulness, vai precisar de pouca instrução, exceto por iniciar e retornar
ocasionalmente à consciência de seu Recurso Corporal. Para os que não estão
familiarizados com a meditação mindfulness, é realmente muito simples
combinar isto com o Recurso Corporal.
​O seu Recurso Corporal é onde você começa, onde você
ocasionalmente retorna para ficar novamente centrado, e onde você termina.
No meio disto está o processamento mindfulness focado. A chave é que esta
mindfulness não é direcionada. Conforme ocorre com a maioria dos
brainspottings, quanto menos direcionado, melhor. Quando estiver consciente
onde você se sente calmo e centrado em seu corpo, apenas observe, sem
expectativa ou julgamento, aonde quer que sua mente vá. Pode pular para
coisas que parecem não se relacionar ou simplesmente ficar em um lugar por
um momento. As lembranças, pensamentos, emoções, ou sensações do corpo
podem ir e vir. Se o que vem parece aleatório ou inexplicável, não caia na
armadilha de duvidar do processo. Seu cérebro consciente observador está
simplesmente observando os processos de seu cérebro profundo inconsciente.
A chave é confiar em seus instintos. Também gosto de dizer: “Observe com
curiosidade”.
Permita que a mindfulness focada continue por cerca de um minuto
antes de checar seu Recurso Corporal. Então comece de novo, desta vez
deixando que a mindfulness focada continue por três ou cinco minutos antes
de checar de novo. À medida que o processo continua, você vai encontrar seu
próprio ritmo e timing. Algumas pessoas gostam de checar regularmente seu
Recurso Corporal; algumas vagueiam por quinze ou vinte minutos antes de
voltarem a ficar centrados.
​Pode-se fazer este simples processamento do Recurso Corporal por
qualquer período de tempo. Use o tempo que tiver, quer seja breve ou mais
longo. Quanto mais repetidamente usar o exercício, mais benefício você terá,
já que seus efeitos são cumulativos. Você vai precisar sentar em um lugar
confortável, sem distrações para eficiência máxima.
Exercício 2 - Auto Gazespotting
Este exercício usa nossa tendência natural para olhar em uma direção
que se relaciona com a posição no cérebro onde estamos retendo uma
experiência. O Capítulo 5 descreve em detalhe como atua o Gazespotting.
Este exercício ficará melhor se combinado com a escuta do Som BioLateral,
embora se possa fazer os passos com eficiência sem ele.
​O Self-Gazespotting começa com o Recurso Corporal, então você
precisará refazer os passos do exercício 1, “Encontrando e Usando Seu
Recurso Corporal,” antes de prosseguir.
​Passo 1: Localize um gazespot. Logo que você localizar ou
desenvolver seu Recurso Corporal, você estará pronto para começar. Mude
sua consciência para este lugar calmo, centrado em seu corpo e fique com ele
por cinco ou quinze segundos. Durante ou após este período de tempo, você
pode notar que seus olhos se elevaram e se fixaram em alguma coisa em seu
campo de visão. Este é seu gazespot. Se seus olhos não mudarem
imediatamente, você provavelmente precisa de mais tempo. Continue
focando em seu Recurso Corporal e deixe que sua mente vagueie por um
tempo. Antes que você tome consciência disto, você estará olhando para um
ponto inconscientemente escolhido, ou gazespot.
​Algumas pessoas naturalmente fecham os olhos quando buscam o
Recurso Corporal. Se isto acontece com você, observe que você na verdade
está olhando numa direção, mesmo com os olhos fechados. Quando você
abrir os olhos, mantenha a posição do olho e veja com o que se alinha em seu
campo visual.
​Passo 2: Prepare-se para processar. Quando tiver seu gazespot,
estará pronto para começar a processar aquele ponto. Pode escolher focar em
alguma coisa específica, como um discurso que você precisa fazer ou um
relacionamento em que está envolvido, ou você pode deixar aberto o campo
de exploração.
​O que quer que você decida tratar, apenas pense nisto por um
momento com foco no gazespot. Rever a questão enquanto focando no ponto,
serve para ativar você em torno da questão, que também ativa as áreas do
cérebro que estão retendo a experiência. Dê um número ao SUDS ao nível de
sua ativação. O SUDS é de zero a dez, onde nenhuma ativação é zero e dez é
a mais elevada possível. Não quero que você procure a ativação em seu corpo
agora; isto é trabalho dentro da sessão Brainspotting.
​Continuando a olhar para o gazespot, volte sua consciência para o
Recurso Corporal. Lembre-se, seu Recurso Corporal é apenas seu ponto de
partida. Você não deve manter sua consciência alerta no Recurso Corporal, à
medida que seus pensamentos devem vaguear para qualquer lugar. É somente
seu olhar para o gazespot que permanece fixo através do exercício.
​Passo 3: Processe com mindfulness focada. Agora que você
completou seu preparo, você está pronto para o processo mindfulness focada.
Este é o mesmo que o Passo 3 do Exercício 1, exceto agora que o processo
está ocorrendo enquanto você está focado numa questão e em um gazespot.
Assim, o processamento é normalmente mais preciso e específico.
​A meta aqui é justamente ver aonde as coisas vão lá dentro, sem
expectativas. Confie que seu cérebro mais profundo é programado para saber
como processar as experiências e levar a soluções e equilíbrio. Assim, não
tente preordenar seu destino, já que você não vai chegar lá. Confie que onde
quer que vá e onde quer que chegue é aí que você precisa estar.
​De vez em quando, verifique a questão original e veja seu nível de
SUDS para manter registro sobre onde você está no processo. Quando
verificar seu SUDS, simplesmente leve sua consciência de volta para o
Recurso Corporal (enquanto você ainda está olhando para o gazespot), mas
não tente ficar focado no Recurso Corporal, já que, repito, é meramente um
lugar de começo ao qual se volta ocasionalmente.
​A meta deste exercício de auto-Gazespotting não é alcançar um nível
zero do SUDS. Isto pode ou não acontecer. O que é importante é dar ao seu
sistema mente-corpo mais profundo uma oportunidade de trabalhar na
questão e processar mais adiante. Se você tem tempo sem limitação, você
pode intuitivamente sentir quando encerrar o processo. Também pode ajudar
ao fixar um tempo predeterminado e terminar quando você atingir aquele
tempo. Você pode sempre voltar e trabalhar no assunto num contexto futuro.
Mas lembre-se, o processo não para quando o exercício para. Nosso cérebro
está processando a todo o tempo, assim não é incomum que o seu continue
processando por minutos ou horas após você terminar o auto-Gazespotting.

Exercício 3 - Auto Brainspotting de Janela Interna


O Brainspotting de Janela Externa exige que alguém esteja
observando seus olhos e seu rosto com respostas reflexas em várias posições
do olho. Considerando simplesmente que não se pode ser o observador e o
observado ao mesmo tempo, não se pode fazer a Janela Externa por si
próprio. Mas com o Brainspotting de Janela Interna, a posição do olho é
determinada por sua auto-observação dos sinais de seu corpo. Pode-se por si
mesmo encontrar os locais visuais onde sente uma resposta do corpo.
​O Auto-Brainspotting, conforme descrito neste capítulo, utiliza o
Recurso Corporal do Modelo de Recurso. Assim, encontramos a o brainspot
de Janela Interna determinando onde sentimos mais o Recurso Corporal.
​Quando você encontra o lugar calmo centrado em seu corpo, você
está pronto para encontrar o brainspot de Janela Interna. A posição do olho
está simplesmente onde você sente mais a presença, ou a conexão com seu
Recurso Corporal. Não importa se você começa primeiro à esquerda ou à
direita, mas vou ilustrar começando da esquerda.
​Olhe para alguma coisa no cômodo à esquerda e ao nível do olho.
Veja como seu Recurso Corporal responde ao seu olhar ali por uns dez
segundos. Agora olhe para um objeto à sua direita, ao nível do olho, e reflita
de novo em seu Recurso Corporal. Escolha entre esquerda, centro, e direita
sobre onde você sente mais seu Recurso Corporal.
​Quando você tiver determinado onde o ponto está horizontalmente, ou
no eixo x, você está pronto para prosseguir verticalmente no eixo y. Da
posição de eixo x (esquerda, centro ou direita) onde você sentir mais o
Recurso Corporal, olhe diretamente para cima, acima do nível do olho. Olhe
ali por dez segundos. Agora volte para o nível do olho e faça o mesmo. Então
olhe diretamente para baixo por dez segundos. Veja onde no eixo y você mais
sente em seu corpo a presença ou a conexão do sentimento calmo de estar
centrado.
​Quando tiver localizado seu brainspot de Janela Interna, você estará
pronto a seguir adiante. Para instruções sobre o processo de preparo e
mindfulness focada, volte aos passos 2 e 3 do exercício 2.
Convém lembrar que estamos fazendo auto-spotting todo o tempo, mesmo
com os olhos fechados. O auto-spotting é como nos orientamos no espaço e
no tempo, tanto em nosso ambiente externo quanto em nosso ambiente
interno. Este processo é raramente óbvio, já que é determinado pelo cérebro-
corpo profundo. Da próxima vez que você se encontrar olhando para um
ponto, não pense que o que você está fazendo é estranho ou aleatório.
Continue olhando para o ponto com a consciência alerta de que há alguma
coisa para você. Então veja o que está se revelando a você.

Capítulo 14 - Brainspotting como


Fenômeno Internacional: Ao redor do
Mundo com Brainspotting
Quando descobri o Brainspotting em 2003, meu primeiro
pensamento foi de que eu me deparava com uma ferramenta nova, única,
poderosa. Após um mês usando o Brainspotting juntamente com meus
colegas, meu segundo pensamento foi que eu queria desenvolver um
programa de treinamento para Brainspotting. O terceiro pensamento veio
rapidamente: “Brainspotting será um fenômeno internacional, não apenas
norte-americano”. Passaram-se dez anos, e há mais de seis mil terapeutas
treinados em Brainspotting, mais da metade deles fora dos Estados Unidos.
Treinei vinte e um treinadores Brainspotting: seis estão nos Estados Unidos,
quatro estão na América do Sul, dez estão na Europa, e um está no Oriente
Médio. E o Brainspotting tem sido ensinado até agora em seis línguas: Inglês,
Espanhol, Português, Alemão, Holandês e Hebraico.
​A linguagem e a cultura são partes essenciais de nossa identidade e
experiência próprias. Tanto a linguagem como a cultura estão integradas em
nossos cérebros, talvez em nosso DNA. Nos Estados Unidos, a maior parte
das pessoas falam somente inglês, embora isto esteja mudando já que nos
tornamos cada vez mais multiculturais. Na Europa, as pessoas tendem a falar
mais de uma língua, e o inglês é frequentemente o segundo idioma. Alguns
europeus falam cinco ou mais idiomas. Cada idioma tem suas próprias
expressões idiomáticas e nuances que são frequentemente intraduzíveis; essas
expressões vêm mais do cérebro direito intuitivo que do cérebro esquerdo da
informação. A cultura é altamente ligada à linguagem, mas envolve muitos
outros aspectos. Família, comunidade, costumes, comida, música, e muito
mais são exemplos ricos de dinâmica que variam de cultura para cultura.
O Brainspotting, com seu acesso direto ao cérebro profundo e ao
corpo, é facilmente traduzível para as diferentes culturas e línguas. O
terapeuta Brainspotting, no contexto da Moldura de Sintonia Dual, está
aberto e responsivo a qualquer e a todas as comunicações ou reações de
clientes. Com o modelo de não–assunção e o princípio de incerteza, o
terapeuta Brainspotting segue o cliente para onde ele for, apenas tentando
seguir a cauda do cometa. Se o terapeuta Brainspotting perde um sinal
cultural ou linguístico, não tem importância desde que o terapeuta siga
acompanhando o cliente com aberta curiosidade. O modelo aberto integrativo
de Brainspotting se presta a sintonizar os clientes de diferentes culturas e
idiomas.
​As associações Brainspotting estão se formando em todo o mundo.
Não demorará o dia que vamos ter nosso primeiro congresso internacional
Brainspotting. Pode ser nos Estados Unidos, ou pode na Europa ou na
América do Sul. Onde quer que aconteça, a mistura vibrante da comunidade
Brainspotting em expansão em todo o mundo será expressada neste encontro.
As diferentes línguas no universo Brainspotting não são uma cacofonia, mas
uma harmonia. O que nos faz diferentes é também o que nos faz um.

Desde muito cedo, eu queria que o Brainspotting não estivesse


associado à minha pessoa, mas que se projetasse além de mim. O
desenvolvimento da comunidade Brainspotting internacional é minha maior
conquista do Brainspotting. Sempre me perguntam como foi que tornei o
Brainspotting esse fenômeno internacional. Minha resposta é que eu já estava
ensinando fora dos Estados Unidos quando descobri o Brainspotting. Tinha
ligações com outros países e amigos profissionais em cada um deles que
apoiaram meus esforços no sentido de difundir o Brainspotting pelo mundo.
​Quando me perguntam por que eu sentia que era tão importante levar
o Brainspotting para outros países, eu explico que me tornei uma pessoa
internacional quando tinha sete anos de idade. Assim, não penso que os
Estados Unidos são o único país no mundo ou mais importante que outras
nações. Sinto-me tanto um cidadão do meu país quanto um cidadão do
mundo. Assim, tenho um forte ponto de vista que me compele a ir ao
encontro de terapeutas de outros países.
​Quando tinha sete anos, meus pais levaram minha irmã, Debbie, e a
mim numa viagem de quatro meses à Europa e ao Oriente Médio. Meu pai
estava embarcando para um tour de palestras internacionais, e meus pais
decidiram tornar este fato uma aventura de família. Viajamos à Inglaterra e
voltamos de transatlântico, em uma viagem de uma semana em cada direção.
Durante nossa viagem visitamos o Reino Unido, Holanda, Bélgica, França,
Itália, Suíça, Áustria, Iugoslávia, Grécia, Turquia e Israel. É interessante que
os treinamentos em Brainspotting já foram realizados em dez desses onze
países.
​Meus pais não dirigiam, então viajamos para todo lado usando os
famosos sistemas ferroviários da Europa. Tenho lembranças muito claras de
olhar através das janelas do trem, vendo as fazendas, florestas, vilas,
montanhas e os túneis sob os Alpes. Contudo, mais do que qualquer coisa me
lembro das pessoas. Meu pai tinha amigos em cada país, o que era, com
certeza, uma marca daquele homem. Alguns de seus amigos eram rabinos;
outros eram educadores, escritores e artistas. Eram todos personagens
fascinantes. Muitos dos amigos de meu pai tinham família e filhos, então
minha irmã e eu tínhamos companheiros por toda a viagem. Quando as outras
crianças não falavam inglês, nós sempre compartilhávamos a língua comum
da brincadeira. Mesmo com a idade de sete anos, percebia as coisas comuns e
as diferenças entre as pessoas. Era estimulante viver essa experiência tanto
em família quanto na viagem ao exterior.
​Não sei se era a intenção de meus pais, mas eles me ajudaram a
desenvolver o interesse pela pessoa internacional. Eles fizeram a diferença
entre as pessoas como interessantes em vez de aterrorizantes, e incorporavam
esta abertura com suas ações. Tenho tido dificuldade em compreender a
xenofobia, já que o “outro” é sempre fascinante para mim. Em meu íntimo,
eu sei que o tecido multiétnico dos Estados Unidos é o que faz o país
grandioso. Soube que em minha cidade de New York são faladas oitocentas
línguas.
​Minhas primeiras oportunidades de ensinar fora dos Estados Unidos
vieram no final dos anos de 1990, quando ensinei o EMDR Fluir Natural em
workshops em Londres e na Holanda. Foi fascinante voltar à Europa, não
como criança, não como turista, mas como especialista em meu campo
profissional. Todo o enriquecimento cultural obtido na infância me encorajou
e melhorou meu desempenho e minha experiência. Comecei a construir uma
rede internacional de amigos que iria crescer nos anos seguintes e mais tarde
apoiar meus esforços para levar o Brainspotting a todo o mundo. Dentro de
uns anos após ensinar na Europa, eu estava ensinando o EMDR Fluir Natural
na Argentina e Israel. Uma querida amiga e treinadora EMDR, Maria Elena
Aduriz, me levou a Buenos Aires. Os terapeutas a quem ensinei lá eram de
excelente nível, iguais aos melhores em New York. Todos os da América do
Sul, e na Argentina em particular, têm uma longa história, rica em estudos de
psicanalíticos e desenvolvimento. Li que na Argentina há mais psicólogos per
capita que qualquer outro país no mundo.
​Foi uma emoção única retornar a Israel para ensinar. Já viajei a Israel
dez vezes na vida. O treinamento em EMDR Fluir Natural foi organizado
pelo meu querido amigo, Fran Yoeli. Experimentei profundos sentimentos
enquanto me apresentava em Israel, tanto sobre informação que eu partilhava
com os treinandos e também pelo fato de ensinar em minha segunda pátria,
um país que era tão amado por meu pai. Até tentei falar Hebraico, minha
segunda língua, e me surpreendi como meu vocabulário estava bom.
​No mês depois que descobri o Brainspotting, estava programado para
comparecer, pela primeira vez, a um retiro de estudos para terapeutas de fala
alemã na ilha grega de Hydra. O encontro foi feito pelo Instituto Oliver
Shubbe para Terapia de Trauma em Berlin. Coincidentemente, Oliver e eu
tínhamos nos encontrado rapidamente quando ambos fomos ao nosso
treinamento de EMDR em New York em 1993. Em Hydra, Oliver e eu logo
nos tornamos amigos. Apresentei o EMDR Fluir Natural e disse depois a
Oliver: “Acho que descobri uma coisa importante. Gostaria que lhe
mostrasse?” Oliver respondeu: “Super!” e lá fomos nós. Dei a Oliver uma
sessão Brainspotting rudimentar e então lhe perguntei o que pensava. Oliver
disse palavras que tenho repetido muitas vezes: “O Brainspotting é uma
forma de olhar para dentro olhando para fora”. Ele estava descrevendo
simultaneamente tanto os aspectos neurobiológicos quanto os experimentais
do Brainspotting.

Em 2004, um ano após minha descoberta, dei os três primeiros


treinamentos Brainspotting nos Estados Unidos: em Boston, New York e
Chicago. Você nunca sabe como um treinamento recém-desenvolvido vai
ocorrer até realizá-lo. Felizmente, os treinamentos foram bem. Desde então,
dei quase uma centena de treinamentos Brainspotting. O treinamento original
de dois dias ficou sendo a Introdução Fase 1, e ensinei esta parte enquanto
desenvolvia o treinamento avançado Fase 2. É significativo o fato de que eu
dei os treinamentos da primeira Fase 2 Brainspotting em Berlim, e não numa
cidade dos EUA; isto já refletia o fato de que o Brainspotting foi feito para
ser um método terapêutico internacional.
​O primeiro treinamento internacional Brainspotting teve lugar em
Buenos Aires em 2005, com tradução para o Espanhol, e o primeiro
treinamento europeu aconteceu em Berlim seis meses depois. Esses
treinamentos levaram ao estabelecimento das primeiras comunidades
internacionais Brainspotting, e ambas ainda existem hoje na América do Sul
e Europa. Após três anos de ter Oliver patrocinando meus treinamentos em
Berlim, eu o ensinei a ser o primeiro instrutor Brainspotting em Berlim, além
de mim. Com Oliver como instrutor, o Brainspotting começou a se difundir
em outros países e terapeutas sem meu envolvimento direto. Isto foi um
marco no movimento mundial do Brainspotting.
​Logo após o primeiro treinamento Brainspotting na Alemanha, Fran
Yoeli organizou o primeiro treinamento Brainspotting em Israel. A resposta
foi excelente, e assim surgiu a comunidade Brainspotting em Israel. O
desenvolvimento dessa comunidade excedeu minhas mais loucas
expectativas. Tenho muita tristeza por meu pai não ter vivido o suficiente
para ver o Brainspotting em Israel, sendo ele um sionista apaixonado. Mas
fico feliz porque minha mãe viveu para me ver levar o Brainspotting a Israel
e a todo o mundo. Fran tem desde então mantido o espírito pioneiro dirigindo
o primeiro Brainspotting na Grécia em 2011.
​A história do Brainspotting internacional fez uma virada crucial
quando Maria Elena Aduriz me apresentou à sua amiga próxima Esly
Carvalho, líder do EMDR no Brasil. Esly foi uma das pioneiras do método
Psicodrama não somente no Brasil, mas também na América do Sul. Esly
organizou o primeiro treinamento Brainspotting brasileiro em 2007. Após
isto, ela não somente me trouxe de volta ao Brasil repetidamente, mas
também me levou a outros países, iniciando um notável efeito dominó. Ela
primeiro insistiu que Santiago Jacome, o líder do EMDR no Equador, me
chamasse para fazer o treinamento Brainspotting em Quito. Desde então
tenho dado numerosos treinamentos no Equador, e Esly traduziu cada um (ela
é fluente em Inglês e Espanhol, bem como em Português). Uma forte
comunidade Brainspotting existe agora no Equador, e Santiago e Glenda
Villamarin foram estabelecidos como treinadores lá. Em anos recentes,
Santiago viajou duas vezes ao Chile para dar treinamentos Brainspotting.
​A reputação de Esly como treinadora EMDR e especialista se
estendeu a Portugal e Espanha, onde ela ajudou a estabelecer as comunidades
EMDR. Por meio das ligações com Esly, Margarida Couto, agora treinadora
Brainspotting, me levou a fazer treinamentos em Lisboa, traduzidos
novamente pela incansável Esly. Portugal, a despeito de seu pequeno
tamanho, foi o primeiro país a estabelecer uma associação Brainspotting
nacional oficial.
​O passo seguinte foi a Espanha, onde Esly me apresentou a Mario
Salvador, um líder europeu na área da psicoterapia de análise transacional e
integrativa. Eu esperava que um homem da estatura de Mario se tornasse um
apoiador do Brainspotting, e fiquei honrado quando ele assim o fez. Esly,
mais uma vez, traduziu o primeiro treinamento em Lugo. Com Mario na
liderança, a comunidade Brainspotting espanhola se tornou uma das mais
fortes no continente.
​A segunda geração das histórias Brainspotting continua, pois Mario
levou-o à Romênia, onde ele já tinha fortes ligações. Há agora naquele país
uma comunidade Brainspotting romena bem estabelecida (Mario tem
retornado repetidamente) com a qual não tenho tido ligação direta ainda. O
mesmo é verdade na Eslovênia, onde Mario introduziu recentemente o
Brainspotting.
​Em 2009, Oliver Schubbe, o pioneiro Brainspotting na Europa,
estabeleceu uma próspera comunidade Brainspotting na Áustria, ajudado
pelos treinadores Elizabeth Luitgard Peer e Thomas Weber. Oliver também
tem feito treinamentos na Suíça e Letônia.
​Posso ter começado o Brainspotting, mas como era minha esperança,
ele foi muito além. O fato de que o Brainspotting continua a ser trazido a
novos países por outros treinadores além de mim é uma prova positiva de que
o Brainspotting cresceu muito além de mim e é o melhor sinal de se tratar de
um trabalho bem feito da minha parte. Enquanto isto, continuo a expandir o
alcance internacional do Brainspotting.
​Em 2009, viajei à Austrália e ajudei a estabelecer a comunidade
Brainspotting lá com Roby Abeles. Em 2012, dirigi treinamentos no Reino
Unido com Philip Dutton e na Holanda com Marie-Jose Boon. A
Escandinávia está agora no horizonte, assim como os terapeutas noruegueses
e suecos treinados em outras partes da Europa levam o método aos seus
países nativos. Como em 2012, ainda temos que dirigir um treinamento na
França, mas temos algumas sondagens por lá.

O cérebro humano é reflexo do nosso planeta. O cérebro é feito de


regiões, e cada região é composta de bilhões de células cerebrais. Todos esses
neurônios estão juntos em rede de um quatrilhão de conexões. O
mundo tem aproximadamente duzentos países e sete bilhões de pessoas.
Todos temos um ancestral comum. Com a tecnologia de hoje podemos nos
comunicar com qualquer um, a qualquer tempo, em volta do globo. É natural
que o Brainspotting é um fenômeno internacional. Mesmo sendo os seres
humanos tão diversificados, nossos cérebros são em essência semelhantes. A
resposta humana ao Brainspotting é universal. À medida que os traumas
passados regridem, podemos experimentar o presente livre de suas sombras.
Podemos ser nós mesmos neste momento. Podemos olhar para frente com
curiosidade.
​A internacionalização do Brainspotting é para mim um sonho feito
realidade. O aspecto relacional da Moldura de Sintonia Dual está sendo
passada de pessoa para pessoa e de país a país. Os terapeutas estão
experimentando de forma criativa o Brainspotting todos os dias. Estou
aguardando alguém ter uma epígrafe igual ou maior àquela que tive com a
Karen, a patinadora. Pode acontecer nos Estados Unidos, pode acontecer na
Eslovênia, ou pode acontecer num país que não tem o Brainspotting ainda.
Nada permanece igual: tudo é destinado a mudar. O movimento é próprio da
natureza humana e da natureza universal. E o movimento é a natureza do
cérebro.

Conclusão: O Futuro do
Brainspotting
O Brainspotting é diferente de outras psicoterapias e modalidades de
cura por várias maneiras. Utiliza estrategicamente o campo visual do cliente
para acessar o auto escaneamento de seu cérebro e as propriedades de auto
cura. Preconiza que a psicologia é um reflexo de fisiologia e que as
abordagens fisiológicas podem ter consequências psicológicas. Tanto utiliza
como bloqueia intencionalmente o impulso de sobrevivência e adaptação.
​No Brainspotting, sabe-se e se aceita que estamos trabalhando num
campo de incerteza, onde sabemos apenas um fio do que existe para saber
sobre o universo interno do cérebro humano. Os terapeutas Brainspotting
sabem que a única solução para os problemas que os clientes levam à terapia
estão dentro deles mesmos. O Brainspotting abrange um amplo espectro de
possíveis intervenções com os clientes, de acordo com suas necessidades,
desde o mais ativado ao uso mais recorrido da posição do olho e experiência
corporal. É destinado específica e intencionalmente para ser integrado com
outros métodos.
​Finalmente, o Brainspotting integra completamente a sintonia
relacional e neurobiológica do terapeuta ao cliente. O terapeuta Brainspotting
ouve as palavras do cliente e sua experiência corporal, e observa os olhos, o
rosto e o corpo do cliente enquanto observa os sinais reflexos. O
Brainspotting é baseado na ideia de que o sistema humano é auto curável e
que o papel do terapeuta é colocar e manter uma moldura que promove e
utiliza as capacidades do cliente de se curar.
​Brainspotting é concebido para a eficiência. Toda sessão é importante,
e cada sessão vale por si mesma. Gosto de chamar este conceito “wire to
wire”. Este termo, que vem da corrida de automóveis e significa liderar a
corrida do começo até o fim, reflete a importância de cada momento
intencional, focado, desde o começo até o final de cada sessão. A eficiência
como de um laser é possível quando você está processando num brainspot,
prendendo a atenção do cérebro na região específica do cérebro que precisa
de cura.
​Outro conceito único do Brainspotting é de que a cura ocorre não
somente nas sessões, mas também entre as sessões. Afinal, há 168 horas na
semana, e apenas uma hora é dedicada a cada sessão. Como pode a mudança
ocorrer numa fração tão pequena de nossa vida semanal? Chamo esta atitude
alternativa em favor do tempo e da mudança na terapia de ‘suporte de livros’
já que as sessões semanais Brainspotting são vistas como ‘suporte de livros’
em cada ponta do processo em curso e a mudança que acontece dentro do
cliente durante a semana. Com esta atitude, as sessões Brainspotting, ou
‘suporte de livros’, são vistas como oportunidades para facilitar a mudança
que vai ocorrer depois que a sessão terminar. A sessão seguinte, ou de
acompanhamento, começa revendo ou reforçando a mudança para a semana
seguinte, provendo, assim, um outro ‘suporte de livros’.
​Mas o que faz o Brainspotting verdadeiramente diferente de outras
terapias é que o método é concebido para ser uma estação intermediária e
temporária entre o ponto ao qual chegou o campo da psicoterapia até onde
está se encaminhando. Os avanços realizados pelo Brainspotting, como
abordagem, não têm a intenção de permanecer no campo da saúde mental
para sempre; pretendem abrir novos panoramas teóricos e descobertas
clínicas que possam em última instância tornar o Brainspotting obsoleto.
Como toda história, tudo tem um início, meio e um fim. A topografia de
nosso planeta está sempre fluindo, desde as forças externas da erosão às
pressões internas de elevação e ruptura. A nova descoberta na psicoterapia,
além do Brainspotting, pode ocorrer no consultório de um terapeuta em
algum lugar longínquo do mundo, que terá uma experiência transcendental
como a que tive com Karen, a patinadora. Ou o próximo avanço terapêutico
poderá ocorrer num laboratório de pesquisa ou um hospital, à medida que
pesquisadores estudarem o fMRI (imagem de ressonância magnética
funcional) ou o QEEG scans (eletroencefalograma quantitativo) do cérebro
de pessoas que receberam a terapia Brainspotting.
​Dentro do contexto de um projeto de pesquisa, uma equipe de
cientistas do cérebro e eu já dirigimos uma sessão Brainspotting com um
cliente num scanner fMRI num hospital universitário de excelência em
Arkansas. Estamos estudando o efeito Brainspotting no cérebro de
sobreviventes de trauma. Esta primeira experiência produziu resultados
promissores, embora ainda preliminares, e estamos agora pretendendo dirigir
mais experiências com mais temas. O treinador de Brainspotting Thomas
Weber está desenvolvendo um vasto estudo com QEEG e fMRI sobre
Brainspotting no mais prestigiado hospital de pesquisa em Viena. Discussões
estão em curso na Escola de Medicina da Universidade de Pittsburgh para
desenvolver um estudo que examinará como as pupilas do olho responde
durante as sessões Brainspotting. Estou animado quanto aos resultados
iniciais de um estudo de pesquisa psicológica internacional comparando a
eficiência do Brainspotting à eficiência do EMDR, um estudo co-dirigido
pelo Dr. Mark Stemmler (presidente do Departamento de Pesquisa de
Psicologia na Universidade de Erlangen, Alemanha) e por mim. Na Escócia,
o Dr. Frank Corrigan escreveu um artigo de jornal bastante profundo
especulando sobre os fundamentos neurobiológicos do Brainspotting. Ele
acredita que o Brainspotting acessa diretamente e promove a cura de uma
área do tronco encefálico (a área entre as partes do cérebro chamadas de
colículo superior e de substância cinzenta periaquedutal, ou PAG em inglês)
que ele acredita conter “a própria essência do ser”.
Meu interesse primário e o de outros no crescimento da comunidade
Brainspotting não são as questões de poder e controle que parecem surgir
virtualmente dentro de todas as estruturas organizacionais. Desde o início de
minha carreira, tenho visto organizações bem-intencionadas perderem suas
finalidades originais e inconscientemente fazerem uma auto-preservação e
ampliação de seus objetivos originais. Na comunidade Brainspotting, meu
interesse primário é relacional; estou interessado na crescente rede de
relacionamentos entre os terapeutas Brainspotting e as comunidades
Brainspotting. O relacionamento é a principal essência tanto do processo de
tratamento entre o cliente e o terapeuta, como na crescente comunidade
global dos terapeutas Brainspotting. As organizações são importantes, e cada
nação onde o Brainspotting é ensinado tem desenvolvido ou está
desenvolvendo sua própria associação Brainspotting. No entanto, estou
trabalhando muito para me certificar que o Brainspotting não caia na
armadilha de se tornar tão estruturada que as organizações venham a ofuscar
o imprescindível aspecto relacional do Brainspotting.
​No futuro, esperamos levar o Brainspotting a novos países em cada
um dos continentes onde já temos feito treinamentos. Estamos planejando
levar o Brainspotting à África e Ásia, onde não houve qualquer treinamento
até hoje.
​Também estou expandindo as oportunidades de aprendizado tanto
para os terapeutas novos quanto para os terapeutas experientes em
Brainspotting. Embora muito tempo e desenvolvimento têm sido dedicados
aos treinamentos da Fase Básica 1 e 2, estou continuamente renovando e
melhorando essas fases. Em 2011, acrescentei o treinamento Fase 3 para os
terapeutas Brainspotting; trata-se da performance no esporte e a expansão da
criatividade, e inclui as demonstrações com um atleta e um ator que faz a
apresentação de um monólogo antes e depois de um coaching Brainspotting
em atuação. Lisa Schwarz desenvolveu seus próprios treinamentos avançados
no Brainspotting de Modelo de Recurso e suas aplicações para trabalhar com
os traumas mais complexos e distúrbios dissociativos.
​Denominei o treinamento mais avançado que faço de “o Intensivo”. É
um período de cinco dias inteiros para no máximo doze terapeutas
Brainspotting. A designação “intensivo” é muito acurada, por ser
pessoalmente desafiadora para os que estão presentes. São doze sessões
Brainspotting experimentais conduzidas no meio do grupo em círculo; cada
participante tem a oportunidade de ser o cliente e o terapeuta Brainspotting
uma vez. Sento-me perto do terapeuta e o oriento a trabalhar da forma mais
aberta, criativa, que chamo de “Brainspotting livre”- da mesma forma que
trabalho em meu consultório. No Intensivo, não somente o aprendizado é
profundo, mas as experiências pessoais de cura também são poderosas.
Conduzi quinze Intensivos no mundo. Minha meta final seria ensinar
Brainspotting numa base curricular, da mesma forma que os cursos são
ensinados no ambiente da universidade. Descobri que é bom expor terapeutas
jovens ao Brainspotting cedo em suas carreiras, considerando que os novatos
são mais abertos e precisam da Moldura de Sintonia Dual.
Para você, leitor, este livro marca o início de uma jornada
Brainspotting que é unicamente sua. Talvez você procure e trabalhe com um
terapeuta Brainspotting para sua cura pessoal ou para seu desempenho ou
expansão da criatividade. Não importa qual seja o próximo passo em sua
jornada, você ficará mais consciente de que “onde você olha afeta como você
se sente”.

Recursos Sugeridos
Livros citados neste livro
Badenoch, Bonnie. Being a Brain-Wise Therapist: A Practical Guide to
Interpersonal Neurobiology. New York: W. W. Norton & Company, 2008
Bergman, Uri. Neurobiological Foundations for EMDR Practice. New
York: Springer Publishing Company, 2012.
Doidge, Norman. The Brain That Changes Itself: Stories of Personal
Triumph from the Frontiers of Brain Science. New York: Penguin Books,
2007.
Grand, David. Emotional Healing at Warp Speed: The Power of EMDR.
New York, NY: Harmony, 2001.
Grand, David and Alan Goldberg. This Is Your Brain on Sports:
Beating Blocks, Slumps and Performance Anxiety for Good! Indianapolis:
Dog Ear Publishing, 2011.
Martinez-Conde, Susana, and Stephen L. Macknik. “Windows on the
Mind.” Scientific American, 297 no. 2 (August 2007): 56-63
Scaer, Robert. The Body Bears the Burden: Trauma, Dissociation, and
Disease. New York: Routledge, 2007.
Scaer, Robert. The Trauma Spectrum: Hidden Wounds and Human
Resiliency. New York: W. W. Norton & Company, 2005.
Siegel, Daniel. Pocket Guide to Interpersonal Neurobiology: An
Integrative Handbook of the Mind. New York: W. W. Norton &
Company, 2012.
Schiffer, Frederic. Of Two Minds: A New Approach For Better
Understanding and Improving Your Emotional Life. London: Pocket
Books, 1997.

Como encontrar um terapeuta Brainspotting


Para encontrar um terapeuta Brainspotting nos Estados Unidos, por
favor acesse brainspottindirectory.com. Se estiver interessado em encontrar
um terapeuta Brainspotting fora dos Estados Unidos, procure, por favor, no
website Brainspotting Internacional (brainspottinginternational.org), e clique
em “Global BSPI Network” (ou vá diretamente a
brainspottinginternational.org/global-bsp-organizations) para os links das
organizações Brainspotting em todo o mundo.

Informações Gerais
Brainspotting.com é o website oficial de David Grand Ph.D. Este site
fornece ampla informação sobre o Brainspotting nos Estados Unidos e em
todo o mundo. Inclui vídeos de David Grand e Robert Scaer discorrendo
sobre o Brainspotting, e uma “visão interna”do Brainspotting escrita por um
cliente.
BioLateral.com fornece informação sobre aquisição de CDs e
downloading mp3 do Som BioLateral, Brainspotting Fase I e 2, DVDs de
treinamento, artigos e um áudio do trabalho de David Grand com o
apanhador Mackey Sasser do New York Mets.
Brainspottinginternational.org fornece informação sobre as
organizações Brainspotting na Europa, Oriente Médio, América do Sul e
Austrália. Veja a página do site “Global BSP Organizations” para contato e
links de cada organização.

Agradecimentos
Meus mais profundos agradecimentos à família Sounds True pelo
apoio que recebi para fazer deste livro uma realidade. Obrigado a Tami
Simon por acreditar que valia a pena publicar Brainspotting e por me apoiar
durante todo o processo criativo. Minha profunda apreciação à minha editora,
Amy Rost, pelas incontáveis horas de ajuda despendidas para dar uma forma
fluente e coesa ao livro. A paciência e a capacidade dela em sua excelente
colaboração às vezes eram até mesmo divertidas. Agradecimentos a Jennifer
Holder por captar o fio de um texto final e levar o livro à sua conclusão.
​Agradecimentos são devidos à minha assistente, Laurie Delaney, que
apoiou meus esforços com a competência, dedicação, lealdade, e bom ânimo
que traz a tudo que faz. Minha apreciação a Lisa Schwarz que tornou possível
os treinamentos Fluir Natural, que estabeleceu os fundamentos dos
treinamentos Brainspotting. Minha apreciação a Oliver Schubbe, que
apostou em mim e tornou-se um pioneiro do Brainspotting na Europa. Meus
especiais agradecimentos a Pie Frey que de forma abnegada, promoveu o
Brainspotting e fez a região de Rocky Mountain do estado do Colorado, um
bastião desta modalidade. Uma profunda apreciação a Esly Carvalho por
primeiro levar o Brainspotting ao Brasil e então ao Equador, Portugal e
Espanha. Agradeço ao Mario Salvador por seus talentos aplicados ao
desenvolvimento do Brainspotting na Espanha e então levá-lo à Romênia,
Eslovênia e Bósnia. Minha calorosa apreciação ao Fran Yoeli por levar o
Brainspotting a Israel e apoiar seu crescimento na Grécia com Tessa Pratos.
Agradeço a Glenda Villamarin e Santiago Jacome pelo trabalho com
Brainspotting no Equadro e Chile. Minha apreciação a Maria Elena Aduriz
por abrir a Argentina e a América do Sul para mim. Obrigado a Elisabeth
Luitgard-Peer e Thomas Weber por desenvolver o Brainspotting na Áustria.
Obrigado a Philip Dutton e Marie-Jose Boon por levar o Brainspotting ao
Reino Unido e à Holanda. Agradeço a todos os treinadores Brainspotting por
sua dedicação, inclusive nos Estados Unidos: Roberto Weiz, Ruby Gibson,
Ron Schwenkler, e Margot Nacey. Internacionalmente: Margarida Couto,
Luciana Caruso, Contanze Weiland-Horn, Birgit Koenig, Christa Ludwig-
Trendel, Christian Knorr, e Alexandre Reich.
​Profundos agradecimentos a Robert Scaer por seu apoio profissional.
Apreciação a Norman Doidge por seu precioso apoio. Obrigado a Uri
Bergmann pela amizade e por me ensinar tudo o que sei sobre o cérebro.
Minha gratidão a Clara Kaufmann por me ensinar o verdadeiro significado de
“coragem”. Minha apreciação a Mark Stemmler por seu vigoroso trabalho na
pesquisa dos fundamentos do Brainspotting. Agradecimentos a Frank
Corrigan pelos estudos na neurobiologia do Brainspotting. Agradecimentos a
Rob Polishook e Alan Goldman pela ajuda com o desenvolvimento do
Modelo de Trauma de Esporte. Agradecimentos à família Brainspotting, que
inclui Christine Ranck, Martha Jacobi, Cynthia Schwartzberg, Deborah
Antinori, Susan Pinco, Kathy Heeg, Alecia Ralston, Tom Taylor, Susan
Dowell, Russ Camarda, Sjoerd DeJongh, Terrie Williams, Elyse Kirsch,
Laura Hillesheim, Earl Poteet, Annette Goddman, Silvia Guz, Andre
Monteiro, Calder Kaufmann, Diane Israel, Iria Salvador, Connie Konikoff,
Cecile Kossman, Petra Riedel, Erica Thorkildsen, e Barbro Andersen.
​Os melhores e mais carinhosos agradecimentos a minha esposa, Nina,
que tem estado comigo em todas as situações – inclusive incontáveis horas à
mesa da sala de jantar escrevendo e editando este livro. Meu amor ao meu
filho, Jonathan, por seu humor e inspiração, trazidos de todas as coisas que
sobreviveu. Meu agradecimento ao meu pai pela ponteira, literal e figurada,
que orienta meu caminho.

Sobre o Autor
David Grand, um clínico na área de trabalho social licenciado com
Ph.D da Universidade Internacional, tem um atendimento particular em
psicoterapia em Manhattan. Sua lista de clientes inclui muitos atores bem-
sucedidos de televisão, cinema e teatro; atletas profissionais; líderes no
campo dos negócios; sobreviventes de traumas profundos (incluindo o 11/09
e o Furacão Katrina), e veteranos combatentes das Guerras do Iraque e do
Afeganistão. Ele agora tem passado muitos meses do ano viajando por todo o
mundo, fazendo palestras e treinando terapeutas na utilização do
Brainspotting. Ele é o autor de Cura emocional em Velocidade Máxima
(Harmony, 2001 & EMDR Treinamento e Consultoria, 2013), diretor e
produtor do filme documentário Come Hell or High Water, e autor da peça I
witness. Foi entrevistado na CNN, NBC, no programa Nightline, no Jane
Pauley Show, e NBC Extra, e teve destaque no New York Times, no
Washington Post, O Magazine, Golf Digest, e Newsday. Para mais
informações, por favor, visite brainspotting.com.

Glossário
Observe, por favor, que algumas palavras neste glossário são
empregadas somente na área do Brainspotting, enquanto outras têm um uso
mais geral. Estes termos de uso mais geral normalmente adquirem um
significado específico quando usados em relação ao Brainspotting.
Ativação – Termo genérico, abrangente que representa como percebemos
a elevação tanto das emoções quanto das sensações do corpo quando
trazemos nossa atenção para aquilo que está nos incomodando.
Ativação focada – O estado alcançado pelo processo do Brainspotting
(ativação, avaliação do nível de SUDS, e consciência corporal). A
ativação focada ajuda o terapeuta e o cliente a localizarem o brainspot e
leva à mindfulness focada. Há uma teoria de que a ativação das emoções e
das sensações do corpo que ocorrem em torno de uma única questão ou
situação provoca mais atividade focada do cérebro.
Ativar - Intensificar intencionalmente nosso interior emocional interno e
a experiência corporal focando o que está nos incomodando. Nós nos
ativamos em preparação para encontrar um brainspot.
Brainspotting de Convergência– Movimentando-se para trás e para
frente rapidamente (a cada três a dez segundos) entre perto e longe (no
eixo z) num brainspot. O brainspot de Convergência ativa o reflexo óculo-
cardíaco e leva a processamento rápido e profundo.
Brainspotting de Janela Externa– O modo original de Brainspotting no
qual o terapeuta localiza e utiliza as posições do olho, observando as
respostas reflexas nos olhos, rosto e corpo do cliente.
Brainspotting de Janela Interna– O modo do Brainspotting no qual o
cliente identifica internamente as posições do olho com grande ativação,
tanto horizontalmente (no eixo x) como verticalmente (no eixo y).
Brainspotting de Um Olho - O modo do Brainspotting no qual um olho
é coberto e o outro exposto. Com um olho, o cliente sente o maior nível
de ativação (o Olho da Ativação), e com o outro, o mais elevado nível de
estar centrado com calma (o Recurso do Olho). Quando a diferença está
determinada, o terapeuta Brainspotting pode orientar o cliente a usar o
olho mais apropriado para o processamento, de acordo com as
necessidades únicas do momento.
Campo de visão – Também conhecido como o campo de vista ou o
campo visual, é a extensão do mundo observável que pode ser visto num
determinado momento. O campo visual é onde estão localizados os
brainspots no cliente.
EMDR – Dessensibilização e Reprocessamento através de
Movimentos Oculares, um modelo de tratamento desenvolvido por
Francine Shapiro no final dos anos 1980. Combina os movimentos dos
olhos e outras formas de estimulação bilateral com protocolos específicos.
O EMDR é altamente pesquisado e utilizado eficientemente em trauma e
outras condições emocionais.
Experiência somática (ES) – Um método de acesso e localização de
recursos do corpo para ajudar a curar o trauma. Desenvolvido por Peter
Levine, o a ES utiliza o pêndulo, ou movimento de vai-vem, entre as áreas
de força (o vórtex da cura) e de vulnerabilidade (vórtex do trauma) para
ajudar o sistema nervoso a completar o trauma congelado e a curar.
Mindfulness focada – A forma específica de mindfulness ou
processamento utilizada no Brainspotting, assim chamada porque ocorre
no cliente que está em estado de ativação focada, ou ativada ativado em
torno de uma questão específica ou memória. Ver também ativação
focada e processamento.
Modelo de Ativação – O modelo básico de Brainspotting para clientes
que podem tolerar confortavelmente níveis mais elevados de ativação.
Modelo de Expansão – Utiliza o Brainspotting para promover e melhorar
a performance, a criatividade, e a experiência pessoal. Inerente ao Modelo
de Expansão é a crença de que o potencial de crescimento humano é
infinito.
Modelo do Recurso – O modelo de Brainspotting utilizado com os
clientes que consideram o Modelo de Ativação por demais avassalador ou
intenso. O Recurso Corporal é o fundamento do Brainspotting de Modelo
de Recurso do Brainspotting e é utilizado para encontrar o Ponto do
Recurso. O Modelo do Recurso tem sido grandemente expandido por Lisa
Schwarz.
Moldura da Sintonia Dual – O conteúdo proporcionado para o cliente
pela sintonia simultânea do terapeuta ao relacionamento e ao brainspot. A
moldura permite ao cliente usar com eficiência a natureza adaptável do
sistema nervoso para localizar o que estiver sem cura e resolver isto
internamente.
Olho da Ativação – No Brainspotting de um Olho, o olho que, quando
exposto, estando o outro coberto, provoca o nível mais alto de ativação. O
Olho da Ativação é usado quando os clientes necessitam de mais foco
e/ou ativação mais alta.
Olho do Recurso – No Brainspot de Um Olho, o olho que, quando
exposto com o outro coberto, provoca o nível mais baixo da ativação. O
Olho do Recurso é utilizado quando os clientes necessitam mais
contenção e/ou ativação mais baixa.
Ponto do Recurso - O brainspot que corresponde ao Recurso Corporal
(onde nos sentimos mais calmos e mais centrados no corpo).
Processamento Parassimpático – Processamento que é desempenhado
enquanto o sistema nervoso parassimpático (calmo) é simultaneamente
ativado. O Processamento Parassimpático é utilizado no Modelo de
Recurso com clientes altamente vulneráveis e dissociados.
Processar – Experimentar emocional e/ou neurobiologicamente,
internamente, passo-a-passo, em um período de tempo prescrito, a fim de
afetar uma mudança de percepção ou atitude.
Processo – A experiência interna do cliente, inclusive memórias,
pensamentos, emoções ou sensações no corpo, como observado pelo
cliente, passo-a-passo num período de tempo prescrito. No Brainspotting,
o processo é feito num estado de ativação focada e é assim mencionado
com mindfulness focada.
Recurso Corporal – O lugar onde nos sentimos mais calmos e mais
centrados no corpo. O Recurso Corporal é o fundamento do Brainspotting
doe Modelo de Recurso do Brainspotting e é usado para encontrar o
Recurso do brainspot.
Recurso do brainspot – Ver: Ponto do Recurso
Sensação sentida (felt sense) - Este termo, cunhado por Eugene Gendlin,
se refere a alguma coisa não esclarecida que é sentida no corpo e também
experimentada não-verbalmente.
Sintonia Dual – o terapeuta Brainspotting sintoniza-se com o processo do
cliente no relacionamento terapêutico e com a resposta mente-corpo do
cliente, em um brainspot. Sintonia Dual é o fundamento do processo de
Brainspotting.
Som BioLateral - Sons suaves da natureza e música curativa que é
programada para se movimentar para trás e para frente de um ouvido para
o outro. O Som BioLateral, disponível em CD e downloads mp3, é
utilizado como música de fundo como apoio ao processo Brainspotting.
Trauma de Esporte - Ver: trauma de performance.
Trauma de Performance – Trauma experimentado durante a prática para
uma performance ou durante a performance propriamente dita. Este
trauma pode incluir lesões físicas, erros e humilhações. Os traumas de
performance no sistema nervoso do executante ocorridos na infância
levam a bloqueios de performance e ansiedade.
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Título: Brainspotting
A Nova Terapia Revolucionária Para Mudança Rápida e Efetiva
© 2016 TraumaClinic Edições, Primeira edição
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução.

“Não Furtarás.” Êxodo 20:15

ISBN-13: 978-1-941727-38-6
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Tradução: Ronald Ozorio


Revisão Técnica: Andréa de Almeida Lara Ribeiro
Arte: Claudio Ferreira
Layout: Marcella Fialho

Publicado originalmente em inglês:


Brainspotting, by David Grand
© 2013 David Grand

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida
de qualquer maneira ou por quaisquer meios sem a expressa permissão prévia da casa publicadora.

This translation published by exclusive license from Sounds True, Inc.


À minha mãe, que me ensinou a amar as palavras.

[1]
(Nota do Editor: SUDS refere-se à “Escala de Unidades Subjetivas de Perturbação”, em inglês The
Subjective Units of Disturbance Scale)

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