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MANEJO NA CRISE SUICIDA: PROPOSTA DE INTERVENÇÃO A PARTIR DE UM

PROTOCOLO
1
RODOLFO MADRUGA MARTINS
2
JÉSSICA COSTA MACHADO
3
PAULA ARGEMI CASSEL

RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar um protocolo de entrevista e observação
clínica para avaliação e manejo da crise suicida em paciente de clínica escola de psicologia.
Especificamente, o protocolo orienta-se a auxiliar estudantes e profissionais de psicologia no
desenvolvimento de suas práticas clínica no contexto da clínica escola, bem como a contribuir
no aporte teórico e prático sobre as alternativas de intervenção em casos de suicídio. Com a
finalidade de levantar dados para a formulação de indicadores para composição do protocolo,
foram realizadas entrevistas semiestruturadas com profissionais psiquiatras e psicólogos sobre
suas atuações no manejo da crise suicida. Elaborado o instrumento, o mesmo foi submetido a
profissionais que emitiram parecer com o intuito de verificar a validade de conteúdo do
protocolo. Houve validade de conteúdo referente à relevância, clareza, abrangência,
objetividade e permanência. Sugere-se que pesquisas complementares de processo completo
de validação e fidedignidade sejam realizadas.
Palavras-chave: protocolo de intervenção; suicídio; crise suicida.

INTRODUÇÃO
O suicídio é uma das grandes preocupações entre diversos profissionais envolvidos na
temática, bem como para a sociedade como um todo, ocorrendo em todas as regiões do
mundo com maior ou menor frequência (Who, 2014). Destaca-se ainda, que o suicídio
consumado é todo caso de morte resultante direta ou indiretamente de um ato levado a cabo
pela própria vítima, que previa o resultado. Por outro lado, a tentativa de suicídio é
caracterizada pelo ato em conformidade com o que foi acima definido, porém com letalidade
insuficiente, isto é, não resulta em morte. Dessa forma, cabe ressaltar que a tentativa de
suicídio não é um ato interrompido, mas um ato completo que acaba não resultando em óbito.
(Klonsky et al., 2016).
Cabe enfatizar que a prevenção do suicídio é possível, bem como a intervenção do psicólogo
no momento da crise, o qual tratará de centrar esforços, junto ao paciente, na busca por
alternativas não letais de solução do sofrimento, e procurando reforçar as condições de
proteção do sujeito e sua família (Conselho Federal de Psicologia, 2013). Não há possibilidade
de prevenir o suicídio solitariamente, é por esse motivo que se deve trabalhar em parceria com
a família e, veementemente, com outros profissionais (Fukumitsu, 2014).
O manejo do suicídio tem se apresentado no âmbito clínico como um grande desafio para os
profissionais da saúde mental, e para os profissionais da área da saúde como um todo. Sendo
um ato ainda considerado como “tabu” pela sociedade em geral, o desconhecimento sobre o
comportamento suicida e a complexidade envolvida na compreensão da ideação,
planejamento, tentativa e consumação da morte ainda são pontos que dificultam a prevenção e
a intervenção em casos de suicídio (CFP, 2013; OPS, 2016).
Igualmente, quando se trata do manejo do suicidio no âmbito da clínica-escola de psicologia,
este encontra-se como uma lacuna na formação dos estudantes. Desta maneira, o
comprometimento com as questões teóricas, práticas e éticas da profissão devem, desde o
início dos trabalhos em um clínica-escola, serem priorizados, de tal forma a fazer com que os
acadêmicos aprendam a trabalhar com impasses e deliberações permeados por questões e
posturas ético-profissionais que, sob hipótese alguma poderão ser negligenciadas (Peres,
Santos & Coelho, 2003; Amaral, 2012). Para tanto, este trabalho objetivou o desenvolvimento
de um protocolo de entrevista e observação clínica para avaliação e manejo da crise suicida
em pacientes de clínica escola de Psicologia.

1
Acadêmico do Curso de Psicologia da Universidade Franciscana de Santa Maria. E-mail:
ro_ma23@hotmail.com
2
Profissional do Curso de Psicologia. E-mail: costamachadojessica@gmail.com
3
Profissional do Curso de Psicologia da Universidade Franciscana de Santa Maria. E-mail:
paula.acassel@gmail.com
METODOLOGIA
Este trabalho trata de uma pesquisa descritiva exploratória com apresentação da elaboração
de um protocolo para o manejo da crise suicida e alcançar as primeiras etapas de validação do
mesmo. A validade total de um instrumento poderá ser mensurada através da validade de face,
constructo, conteúdo e de critérios, referindo-se, então, ao grau que um teste mede aquilo que
se propõe a medir (Markus & Borsboom, 2013; Furr; Bacharach, 2014).
Inicialmente realizou-se levantamento através de pesquisa exploratória nas bases de dados
Pubmed, Scopus, BVS-Psi, teses e dissertações CAPES e livros. Desta maneira, foi construído
um protocolo inicial de entrevista e observação clínica para avaliação e manejo da crise
suicida.
Com a finalidade de estabelecer indicadores para a construção e composição do protocolo
definitivo, foram realizadas entrevistas semiestruturada com cinco profissionais psicólogos e/ou
psiquiatras eleitos com base nos seguintes critérios: possuir, no mínimo, cinco anos de
experiência clínica e residência ou especialização na área clínica. Em segundo momento, com
base nos dados levantados nas entrevistas e referencial teórico, foram construídos os itens
tanto para avaliação quanto para o manejo da crise. Posteriormente, foi realizada avaliação de
cada item pelos profissionais, relacionando a sua relevância, clareza, permanência e
abrangência de conteúdo. Por fim, foram eleitos outros cinco profissionais entre psicólogos
e/ou psiquiatras que atuaram como avaliadores na apreciação do instrumento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As instruções do protocolo de entrevista e observação clínica para avaliação e manejo da crise
suicida em pacientes de clínica escola de psicologia foram baseadas nas obras de Wenzel et
al. (2010) e Botega (2015). O protocolo consiste de duas etapas de aplicação, a avaliação e o
manejo, ambas compostas por itens que devem ser preenchidos ou de forma escrita ou pela
marcação de quadros de múltipla escolha. As instruções orientam-se a detalhar cada um dos
procedimentos previstos no protocolo, de modo a elucidar o psicoterapeuta acerca de cada
conceito e tarefa presentes no roteiro.
A estruturação da avaliação é feita em cinco etapas. A primeira etapa é o rapport, onde busca-
se investigar os questões focadas no contexto e na compreensão dos eventos desencadeantes
da crise suicida e sua motivação. Em um segundo momento, a avaliação tem como objetivo o
exame de estado mental atual do paciente, além de elucidar questões acerca da
psicomotricidade, linguagem, entre outras funções. Em seguida, é avaliada a intencionalidade
suicida, quando são levantadas informações que, somadas aos fatores de risco, auxiliarão na
definição da graduação do risco de suicídio. Após isso, então, faz-se a investigação dos fatores
de risco e por último, define-se a graduação do risco de suicídio. As etapas de avaliação
supracitadas, são sugeridas por Botega (2015), o que foi elaborado neste protocolo ,
entretanto, foi o detalhamento e definição de itens para cada uma das etapas de avaliação
sugeridas pelo autor.
Os itens foram elaborados com base em entrevistas e validados pelo processo descrito no
método, tendo sido tomado o cuidado de que se adequassem à realidade da clínica escola, de
forma a fazer com que o protocolo fosse compatível com essa prática clínica. O protocolo foi
avaliado por cinco especialistas na área de saúde mental, sendo psiquiatras e psicólogos. Em
relação à validade de face, todos os especialistas afirmaram que a apresentação gráfica, as
orientações sobre a forma de preenchimento e a estrutura de sequência dos itens permitiam
leitura adequada e compreensão do manejo clínico a serem realizados pelos estudantes em
formação em psicologia em clínica escola, considerando as especificidades desse público.
O manejo clínico dos casos de comportamento suicida configura um desafio para os
psicoterapeutas, uma vez que as diferentes abordagens teóricas tanto da psicologia quanto da
psiquiatria propõem diversos caminhos rumo ao tratamento, o que se constitui como um norte
para o entendimento teórico de algumas práticas na intervenção ao suicídio (Botega, 2015),
mas não o insere de forma pontual e padronizada na prática cínica no momento da crise.
É justamente na possibilidade de intervenção precedente à tentativa que o manejo da crise
ganha validade e encontra uma via de acesso ao sujeito que idealiza e planeja a própria morte.
À vista disso, pela importância na identificação do estágio de ideação suicida e até mesmo do
planejamento, não negligenciando os sinais apresentados pelo sujeito, é que o manejo do
comportamento suicida deve considerar e integrar na intervenção os laços de cuidado, seja da
família ou outros membros da rede de apoio (CFP, 2013).
No contexto do manejo, é imprescindível a avaliação prévia acerca do funcionamento familiar,
a fim de estabelecer se a família se constitui ou não como rede de cuidado, pois, caso não,
esta pode ser um fator interveniente desadaptativo para o cuidado do paciente. Uma família
funcional constitui um importante círculo de proteção para o sujeito que apresenta
comportamento suicida bem como representa proteção contra qualquer agravo em saúde
mental (Wenzel, Brown & Beck, 2010).
O comportamento suicida, em contrapartida, também pode despertar disfunções na família,
uma vez que o sentimento de culpa poderá se instalar como produto dos pensamentos
orientados à tentativa de compreender os motivos do sujeito em crise. Por essa razão, as
intervenções do psicoterapeuta devem ser direcionadas não apenas ao indivíduo, mas também
ao grupo familiar, de forma a desenvolver um trabalho conjunto e unir esforços na
compreensão da situação e manejo de eventos relacionados ao comportamento suicida. Dessa
forma, o olhar sobre o contexto em que o comportamento suicida se desenvolve deve ser
sistêmico e abrangente. Possuir uma rede de apoio, ser casado ou até mesmo ter filhos, são
situações que podem se constituir como um dos principais fatores de proteção contra o
suicídio, sendo uma variável psicológica de proteção que define a capacidade do sujeito em
identificar razões pontuais para viver (Wenzel, Brown & Beck, 2010).
Igualmente, à nível de avaliação e manejo, é preciso considerar fatores de risco como a
presença de tentativas de suicídio anteriores, que constituem um dos principais elementos de
predição de um suicídio, a partir da história clínica do mesmo, no intento de potencializar a
avaliação do risco de suicídio. Salienta-se que o risco do suicídio está distante da previsão se
de fato irá ocorrer ou não, mas de uma probabilidade de maior ou menor risco a fim de formular
a orientação de um manejo clínico adequado com intervenções psicoterapêuticas adequadas
frente ao potencial de suicídio (Botega, 2015).

CONCLUSÕES
Uma vez que a quantidade de referencial disponível nas bases e plataformas de dados
especificamente sobre elaboração de protocolos e validação dos mesmos é escassa, esse
trabalho colaborou para complementar o que faltava a teoria. Além disso, a contribuição do
olhar de profissionais psicólogos e psiquiatras por meio de entrevista pode dar suporte para
orientação prática da elaboração do protocolo. Sugere-se a realização pesquisas que abordem
metodologia de validação completa de protocolos de intervenção clínica na crise suicida, com a
finalidade de obter maior fidedignidade e legitimidade nos resultados.

REFERÊNCIAS
Amaral, A. E. V., Luca, L., Rodrigues, T. C., Leite, C. A., Lopes, F. L., & Silva, M. A. (2012).
Serviços de psicologia em clínicas-escola: revisão de literatura. Boletim de Psicologia,
62(136), 37-52. ISSN 0006-5943.
World Health Organization. Mental Health: Suicide (2018). Genebra, 2018. Disponível em:
http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/
Klonsky, E. D., May, A. M., & Saffer, B. Y. (2016). Suicide, suicide attempts, and suicidal
ideation. Annual review of clinical psychology, 12, 307-330. Vancouver, University of British
Columbia.
Fukumitsu, K. O. (2014). O psicoterapeuta diante do comportamento suicida. Psicol. USP, 25
(3), 270-275. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564D20140001
Conselho Federal de Psicologia. (2013). O Suicídio e os desafios para a psicologia. (1a ed.) .
Brasília.
Peres, R. S., Santos, M. A., & Coelho, H. M. B. (2003). Atendimento psicológico a estudantes
universitários: considerações acerca de uma experiência em clínica-escola. Estud. psicol.
(Campinas), 20(3), 47-57. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2003000300004.
Furr, R. M., & Bacharach, V. R. (2014). Psychometrics: an introduction. (2a ed.). Los Angeles:
Sage.
Markus, K. A., & Borsboom, D. (2013). Frontiers of Test Validity Theory: Measurement,
Causation, and Meaning (Multivariate Applications Series). New York: Routledge.
Botega, N. J. (2015). Crise Suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed.
Wenzel, A., Brown, G. K., & Beck, A. T. (2010) Terapia cognitivo comportamental para
pacientes suicidas. Porto Alegre: Artmed.

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