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INSTITUTO DE ESTUDOS E DESENVOLVIMENTO HUMANO ROMÉLIA

BARROSO

CURSO DE PSICANÁLISE CLÍNICA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE IDENTIDADE – TDI.

ANELISE SILVA DE MORAES


PORTO ALEGRE - RS
2020

O conteúdo desta aula em PDF é licenciado para Márcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando os infratores a responsabilização civil e criminal.
SUMÁRIO

1. Sumário.........................................................................................................1
2. Introdução......................................................................................................2
3. Desenvolvimento...........................................................................................3
3.1 Causas do problema................................................................................5
3.2 Sintomas..................................................................................................6
3.3 Diagnóstico..............................................................................................8
3.4 Prognóstico..............................................................................................9
3.5 Tratamento.............................................................................................10
3.6 Um caso real de Transtorno Dissociativo de Personalidade..................13
3.7 Implicações Forenses.............................................................................16
4. Conclusões finais..........................................................................................19
5. Bibliografia....................................................................................................21

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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetivou investigar a prevalência do Transtorno Dissociativo de
Identidade (TDI).
A saúde mental de uma criança ou adulto é sempre motivo para preocupação, tendo
em vista que a capacidade mental exerce influência na vida da pessoa e de quem
está ao seu lado. Dentre as várias situações que podem surgir neste aspecto da
saúde humana, existe uma que demonstra aquilo que especialistas chamam de
sintomas neurológicos funcionais ou dissociativos.
Eles podem ser considerados como sintomas neurológicos que o indivíduo tem e
que são gerados por emoções fortes ou por distúrbios psiquiátricos, não tendo causa
orgânica. Os sintomas não são resultado de infecção, tumor e nenhuma doença em
si, mas por instabilidade emocional.
Os pais podem reparar que muitas dessas características aparecem na infância. As
crianças, quando ansiosas, podem ter dor na barriga, dor na cabeça; sensação de
enforcamento, diarreia, náuseas. Tudo isso é causado por uma insegurança
excessiva e uma angústia vinda de uma expectativa.
Vale ressaltar que esses sintomas são reais e devem ser levadas a sério. Além
disso, tais sintomas também podem dar ao indivíduo sensação de formigamento,
tremores, mão gelada; indisposição intestinal (como se fosse vir uma crise de
diarreia); sensação de tontura; enfim, tudo isso é característica dos sintomas
neurológicos funcionais ou dissociativos.
Todos nós já ouvimos falar, pelo menos uma vez na vida, sobre pessoas que vivem
com dupla personalidade. A dramaturgia e o cinema já retrataram esses casos,
sendo o mais recente mostrado no sucesso hollywoodiano ‘Fragmentado’, em que o
protagonista transita entre 23 personalidades diferentes, alternado quimicamente. O
problema é que essa variação existe na vida real e é conhecido por Transtorno
Dissociativo de Identidade (TDI).
Este trabalho irá falar sobre os conceitos, tipos e subtipos deste transtorno de
personalidade, que afeta muitos indivíduos no mundo e ainda é desconhecido por
algumas pessoas, dentro de sua desorganização emocional.
Vou explicitar também, como são feitos os diagnósticos, tratamentos que envolvem
este transtorno e um caso verídico sobre o mesmo.

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2. DESENVOLVIMENTO

Conceito sobre Transtorno Dissociativo de Personalidade.


A personalidade humana não é construída de forma integrada como muitas pessoas
pensam, necessitando de várias partes para isso. Contudo, nem sempre esses
pedaços se juntam como deveriam e isso pode interferir diretamente na forma como
alguém se comporta.
Anteriormente conhecido como transtorno de múltiplas personalidades, o transtorno
dissociativo de identidade é um quadro onde existem duas ou mais personalidades.
Com isso, se conclui que várias identidades convivem em uma só mente, dividindo o
espaço onde deveria ter apenas uma.
Por conta dessa alternância de personalidades, uma pessoa se mostra incapaz de
se recordar do seu dia por completo. Dessa forma, atividades simples, como
conversar com alguém, se lembrar de algo e até seu nome ficam difíceis de fazerem.
Em geral, quem tem o transtorno não tem plena consciência de que isso acontece.
O transtorno dissociativo de personalidade, em geral, é provocado por alguma
ruptura na psique do indivíduo. Dessa forma, o paciente se valerá de tratamentos
regressivos a fim de identificar a causa específica. É necessário que seja feito um
diagnóstico por completo, a fim de evitar a confusão com outros problemas de
saúde.
Os Transtornos Dissociativos listados na atual versão do DSM-5 incluem Transtorno
Dissociativo de Identidade, Amnésia Dissociativa e Transtorno de
Despersonalização/Desrealização, além de outras duas categorias para transtornos
dissociativos especificados ou sem outras especificações.
O Transtorno Dissociativo de Identidade passou por uma extensa revisão. O Critério
incluiu o que pode ser descrito em algumas culturas como uma experiência de
possessão, além da presença de sintomas neurológicos funcionais.
O grau observável das diferentes identidades varia. Elas tendem a ser mais
evidentes quando as pessoas estão sob estresse extremo. O que é conhecido por
uma identidade pode ou não ser conhecido por outra; i.e., uma identidade pode ter
amnésia para eventos vividos por outras identidades. Algumas identidades
parecem conhecer e interagir com outras em um mundo interno complexo, e
algumas identidades interagem mais do que outras.

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Ao longo das últimas décadas, tornou-se cada vez mais claro que o
TDI é caracterizado por muito mais do que os “alters”. Pessoas com TDI
rotineiramente exibem uma gama variada de sintomas dissociativos. Em
outras palavras, TDI é mais do que um transtorno de identidades múltiplas;
é um transtorno dissociativo complexo e crônico (DELL, 2009, p. 392).

Em um pequeno estudo comunitário nos EUA, a prevalência de 12 meses do


transtorno de identidade dissociativa foi 1,5%, com homens e mulheres afetados
quase proporcionalmente. O transtorno pode começar em qualquer idade, desde
cedo na infância até a velhice.
Transtorno dissociativo de identidade tem as seguintes formas:
 Possessão
 Não possessão
Na forma de possessão, as identidades geralmente se manifestam como se
fossem um agente externo, normalmente um ser ou espírito sobrenatural (mas às
vezes outra pessoa), que assumiu o controle da pessoa, fazendo com que a ela
fale e aja de uma maneira muito diferente. Nesses casos, as diferentes identidades
são muito evidentes (prontamente notadas pelos outros). Em muitas culturas,
estados de possessão semelhantes é parte normal da prática cultural ou espiritual
e não são considerados transtorno dissociativo de identidade. A forma de
possessão que ocorre no transtorno dissociativo de identidade difere pelo fato de
que a identidade alternativa é indesejada e ocorre involuntariamente, causa muita
aflição e deficiência e se manifesta em tempos e lugares que violam as normas
culturais e/ou religiosas.
Formas de não possessão tendem a ser menos evidentes. As pessoas podem
sentir uma alteração súbita na forma como veem o self, talvez sentindo como se
fossem observadores de sua própria fala, emoções e ações, em vez de o agente.
Muitos também têm amnésia dissociativa recorrente.

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3.1 Causas do problema.

Como visto, o transtorno dissociativo de identidade é resultado de algum trauma de


vida em seu passado. Durante a infância, esse ente pode ter experimentado algum
evento que tenha causado estresse opressivo. Isso acaba por abalar a sua psique
em construção, de modo que não consiga integrá-la de forma saudável.
Graças a esse traumatismo e outras experiências ruins, se cria um selo à unificação
desse canal. A morte de um parente próximo, por exemplo, impacta negativamente
em alguém que está crescendo. Ademais, doenças graves que exigiram
recuperação cansativa e abusos também colaboram ao surgimento do transtorno.
Cabe ressaltar que quanto mais um lar é estruturado, mais favorece ao crescimento
desse jovem. Isso porque permite que os pequenos nutram uma compreensão
complexa, mas coesa de si mesmos e dos demais. Aos que permanecem em estado
emocional segregado, podem fugir da realidade, se refugiando nas próprias mentes.
Transtorno dissociativo de identidade geralmente ocorre em pessoas que
experimentaram trauma ou estresse opressivo durante a infância.
As crianças não nascem com um sentido de identidade unificada; ele se
desenvolve de várias fontes e experiências. Em crianças oprimidas, muitas partes
do que deveria ter sido integrado permanecem separadas. Abuso crônico e grave
(físico, sexual ou emocional) e negligência durante a infância são quase sempre
relatados e documentados em pacientes com transtorno dissociativo de identidade
(nos EUA, Canadá e Europa cerca de 90% dos pacientes). Alguns pacientes não
foram abusados, mas passaram por perda importante precoce (como a morte de
um dos pais), doenças graves ou outros eventos estressores graves.
Em contraste com a maioria das crianças que desenvolvem uma compreensão
complexa e coesa de si mesmas e dos outros, crianças gravemente maltratadas
podem passar por fases em que diferentes percepções e emoções são deixadas
segregadas. Ao longo do tempo, essas crianças podem desenvolver capacidade de
escapar dos maus-tratos “se distanciando”—ou seja, se desconectando de seus
ambientes físicos adversos—ou buscando refúgio em suas próprias mentes. Cada
fase do desenvolvimento ou experiência traumática pode ser utilizada para gerar
uma identidade diferente.

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Em testes padronizados, as pessoas com esse transtorno têm classificação alta
para suscetibilidade à hipnose e dissociação (a capacidade de desatrelar
memórias, percepções ou identidades da consciência).

3.2 Sintomas.

Diversos sintomas são característicos do transtorno dissociativo de identidade.

a) Identidades múltiplas

Na forma de possessão, as identidades múltiplas são facilmente visíveis para os


familiares e colaboradores. Pacientes falam e agem de uma forma obviamente
diferente, como se outra pessoa ou ser assumisse. A nova identidade pode ser
aquela da outra pessoa (muitas vezes alguém que morreu, talvez de forma
dramática) ou aquela de um espírito sobrenatural (muitas vezes demônio ou deus),
que pode exigir punição pelas ações passadas.

Na forma de não possessão, as diferentes identidades muitas vezes não são tão
evidentes para os observadores. Em vez disso, pacientes experimentam
sentimentos de despersonalização; i. e., eles se sentem irreais, removidos de seu
próprio self e desconectados de seus processos físicos e mentais. Os pacientes
dizem que se sentem como um observador de suas vidas, como se estivessem em
um filme sobre o qual não têm nenhum controle (perda da entidade pessoal). Eles
podem achar que seus corpos têm uma sensação diferente (p. ex., como a de uma
criança pequena ou alguém do sexo oposto) e não pertencem a eles. Eles podem
ter pensamentos repentinos, impulsos e emoções que parecem não pertencer a
eles e que podem se manifestar como múltiplos fluxos de pensamento confuso ou
como vozes. Algumas manifestações podem ser notadas pelos observadores. Por
exemplo, atitudes, opiniões e preferências dos pacientes (p. ex., em relação a
alimentos, roupas ou interesses) podem mudar subitamente, então mudar de volta.
Pessoas com transtorno de identidade dissociativa também sentem que suas
atividades cotidianas são invadidas quando há uma alternância nas identidades ou
interferência por um estado de identidade no funcionamento do outro. Por exemplo,
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no trabalho, uma identidade irritada pode repentinamente gritar com um colega ou
chefe.

A fim de procurar um tratamento adequado, é preciso se atentar aos sintomas do


transtorno dissociativo de identidade. O problema deixa marcas bem
características no indivíduo, ainda que ele mesmo não consiga vê-las. Sendo assim,
quem está próximo precisa se atentar a como esse age, observando:

b) Comportamento diferente e alternado


Durante nossa vida, construímos uma determinada identidade, que abriga toda a
nossa essência. Entretanto, alguém com mais de uma personalidade alterna o seu
comportamento com frequência. É como se outra pessoa assumisse seu corpo e sua
mente, fazendo com que esta socialize de forma incomum. Muda da água para o
vinho com facilidade.

c) Despersonalização
É como se ela pudesse se ver desconectado do seu próprio corpo. Sentem-se
irreais, expectadores de suas próprias vidas e ações. Além disso, há o surgimento
de impulsos que parecem não pertencer a essa pessoa, o que inclui sentimentos e
pensamentos. Uma sensação de invasão toma conta, já que as personalidades
agem subitamente.

d) Amnésia
Por causa da alternância entre personalidades, esse indivíduo tem lacunas de
memória durante o seu dia. Com isso, pode não se lembrar de determinadas
conversas ou atividades feitas durante o dia. Esse tipo de reação é facilmente
percebido por quem interage com ele, visto que são pela ausência de memória
completa.

e) Outros sintomas
Além de ouvir vozes, pacientes com transtorno dissociativo de identidade podem
ter alucinações visuais, táteis, olfativas e gustativas. Dessa forma, os pacientes
podem ser diagnosticados erroneamente como psicóticos. Mas esses sintomas
alucinatórios diferem das alucinações típicas dos transtornos psicóticos,
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como esquizofrenia. Pacientes com transtorno dissociativo de identidade sentem
esses sintomas como se viessem de uma identidade alternativa (p. ex., como se
uma outra pessoa quisesse chorar com seus próprios olhos, ouvir a voz de uma
identidade alternativa criticando-os).
Depressão, ansiedade, abuso de drogas, autolesão, automutilação, crises não
epilépticas e comportamento suicida são comuns, assim como disfunção sexual.

Mudanças de identidade e barreiras amnésicas entre elas quase sempre resultam


em vida caótica. Geralmente, os pacientes tentam ocultar ou minimizar seus
sintomas e os efeitos que têm sobre os outros.

3.3 Diagnóstico.
O diagnóstico é constituído de ideias fundamentais para o desenvolvimento do
trabalho médico, as quais são baseadas em fenômenos que ocorrem com a pessoa
e que são agrupados e classificados conforme especificidades. Porém, como tais
agrupamentos se dão por traços ou sinais que guardam alguma semelhança entre
si, muitas vezes patologias podem ser confundidas em seu diagnóstico. Isso ocorre
com a esquizofrenia e com o Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), por
exemplo, cujos sinais têm alguma semelhança. Historicamente, as desordens
dissociativas têm sido confundidas com a esquizofrenia, inclusive em seus aspectos
conceituais. Isso porque os sintomas de primeira ordem descritos por Schneider –
inserção do pensamento, percepção delirante, alucinações auditivas, dentre outros –
não são patognomônicos da esquizofrenia, mas também característicos do TDI,
anteriormente denominado “personalidade múltipla”.
Ainda que seja característica, não é tão fácil identificar por completo o transtorno
dissociativo de identidade nas pessoas. Isso porque determinado sinais acabam se
confundindo com outras doenças, levando a um diagnóstico incompleto sem
conhecimento adequado. Em geral, especialistas mais experientes se guiam por:

a. Mais de uma personalidade


Sendo o sinal mais observado, os psicoterapeutas observarão se o indivíduo carrega
mais de uma personalidade. A sua identidade deveria ser integrada e ser resumir a

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apenas uma, totalizando o seu self. Assim que duas ou mais personalidades entram
em conflito, um descontrole inerente se dá início.
Nível de sofrimento
Além desses sintomas, é observado como esse ente segue a sua vida comum ou o
mais perto dela. Por meio de questionários e avaliações, se verificará o quanto a sua
vida pessoal e laboral está prejudicada. Ao invés de dedicar a uma vida comum e
relaxada, se ele se ocupa no conflito existente em sua mente.

b. Lacunas na memória
Por conta da sua dualidade mental, muitas vezes a memória também se fragmenta.
Com isso, alguém com esse transtorno tem dificuldades em reunir toda a sua
vivência. Ele começa a perder a memória de eventos que acontecem de forma
comum em sua rotina. Isso inclui conversas, dados pessoais e até eventos
marcantes de sua vida.
O primeiro passo para um bom tratamento é o diagnóstico correto em relação ao
transtorno, que pode ser bastante controverso entre os especialistas. O TDI se
confunde com muitos outros transtornos psicológicos, como a esquizofrenia,
bipolaridade e transtorno de personalidade borderline, mas a questão central é a
aceitação de sua existência nos manuais psiquiátricos ao redor do mundo. Alguns
especialistas acreditam que o transtorno não passa de uma fantasia, fingimento dos
pacientes. No entanto, pesquisas com imagens de ressonância magnética mostram
o contrário.
Em seguida, o tratamento é feito com terapia, confiança e aceitação. Um especialista
em TDI pode levar vários meses para ajudar um paciente. Para começar, é
necessária a criação de um laço forte com um terapeuta que poderá ajudar o
paciente a conversar com suas diferentes partes e respeitá-las, pois quando as
barreiras entre as partes começaram a cair, há uma sobrecarga.

3.4 Prognóstico.
O comprometimento no transtorno dissociativo de identidade varia
significativamente. Pode ser mínimo em pacientes altamente eficientes; nesses

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pacientes, relacionamentos (p. ex., com filhos, cônjuge ou amigos) podem ser
prejudicados mais do que o funcionamento ocupacional. Com tratamento, o
funcionamento relacional, social e ocupacional pode melhorar, mas alguns
pacientes respondem muito lentamente ao tratamento e pode ser necessário
tratamento de suporte a longo prazo.
Os sintomas flutuam espontaneamente, mas o transtorno dissociativo de
identidade não se resolve de forma espontânea. Os pacientes podem ser divididos
em grupos com base nos seus sintomas:
 Os sintomas são principalmente dissociativos e pós-traumáticos. Esses
pacientes costumam funcionar bem e se recuperam completamente com o
tratamento.
 Os sintomas dissociativos estão combinados com sintomas proeminentes de
outros transtornos, tais como transtornos de personalidade, de humor,
alimentares e abuso de substância. Esses pacientes melhoram lentamente e
o tratamento pode ter menos sucesso ou ser mais longo e motivado
principalmente por crises.
 Os pacientes não apenas têm sintomas mais graves de transtornos mentais
coexistentes, como também podem permanecer profundamente ligados
emocionalmente aos seus abusadores. Esses pacientes podem ser um
desafio para o tratamento, quase sempre precisando de tratamentos mais
longos que, em geral, visam ajudar a controlar os sintomas, mais que a obter
reintegração.

3.5 Tratamento.

Ainda que seja delicado, o tratamento do transtorno dissociativo de identidade é


possível. O mesmo atua de forma conjunta, de modo a integrar a mente com o
corpo. Assim, o uso de medicamentos configura o trabalho na parte física, bem
como os efeitos na mente. A depressão, ansiedade e os impulsos são controlados
por isso.
De forma conjunta, a psicoterapia serve para intervir e condicionar o seu
comportamento a um ritmo saudável. Assim que o paciente for estabilizado, será

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feito um estudo de cada personalidade integrada ali. A ideia é descobrir como elas
surgiram e fazer com que passem a colaborar entre si e reduzam os sintomas.
Já que cada caso varia bastante, alguns necessitam de internação enquanto outros
podem fazer acompanhamento de forma livre. Independente de qual seja, é preciso
ter em mente que o tratamento não pode ser interrompido. A partir do momento em
que as causas da dissociação forem identificadas, o trabalho de junção não pode
parar.
O tratamento da despersonalização/desrealização deve abordar todos os estresses
associados ao início do transtorno, assim como estressores anteriores (p. ex.,
abuso ou negligência na infância) que possam ter predisposto os pacientes ao
posterior início da despersonalização e/ou desrealização.
Várias psicoterapias (p. ex., psicoterapia psicodinâmica, terapia cognitivo-
comportamental) têm sucesso em alguns pacientes:
 Técnicas cognitivas podem ajudar a bloquear pensamentos obsessivos
sobre o estado irreal de ser.
 Técnicas comportamentais podem ajudar os pacientes a se engajarem em
tarefas que os distraiam da despersonalização/desrealização.
 Técnicas de grounding usam os 5 sentidos (p. ex., tocar uma música alta ou
segurar um pedaço de gelo na mão) para ajudar os pacientes a se sentirem
mais conectados com eles mesmos e com o mundo e sentirem-se mais reais
no momento.
 A terapia psicodinâmica ajuda os pacientes a lidar com sentimentos
negativos, conflitos subjacentes ou experiências que tornam certos afetos
intoleráveis para o self e que, dessa forma, são dissociados.
 Rastrear momento a momento e rotular o afeto e a dissociação nas
sessões de terapia funcionam bem para alguns pacientes.
Vários fármacos foram utilizados, mas nenhum claramente demonstrou eficácia.
Entretanto, alguns pacientes são aparentemente ajudados por inibidores de
recaptura de serotonina, lamotrigina, antagonistas opioides, ansiolíticos e
estimulantes. Contudo, esses fármacos podem funcionar predominantemente
tendo como alvo outros transtornos mentais (p. ex., ansiedade, depressão) que
estão muitas vezes associados ou são precipitados pela despersonalização e
desrealização.

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 Para recuperar a memória, um ambiente que forneça apoio e, algumas vezes,
hipnose ou um estado semi-hipnótico induzido por farmaco.
 Psicoterapia para lidar com questões associadas às memórias recuperadas
dos eventos estressantes ou traumáticos
Se a perda da memória ocorrer por período muito curto, o tratamento de suporte da
amnésia dissociativa é geralmente adequado, sobretudo, se os pacientes não
tiverem necessidade aparente de recuperar a memória de algum evento doloroso.
O tratamento para perda de memória mais grave começa com a criação de um
ambiente seguro e que ofereça suporte. Essa medida isolada resulta quase sempre
em recuperação gradual das memórias esquecidas. Quando isso não acontece ou
quando a necessidade de recuperar a memória é urgente, questionar os pacientes
em hipnose ou, raramente, em estado semi-hipnótico induzido por fármaco
(barbitúrico ou benzodiazepínico) pode ter sucesso. Tais estratégias devem ser
utilizadas delicadamente, pois as circunstâncias traumáticas que estimularam a
perda de memória provavelmente serão recuperadas e podem ser muito sofridas.
O entrevistador precisa ser cuidadoso ao expressar as questões para não sugerir a
existência de um evento e correr o risco de criar uma memória falsa. Pacientes que
sofreram abuso, sobretudo durante a infância, provavelmente esperam que os
terapeutas explorem ou abusem deles e imponham memórias desconfortáveis, em
vez de ajudá-los a lembrar memórias reais (transferência traumática).
A precisão de memórias recuperadas com essas estratégias só pode ser
determinada com corroboração externa. Entretanto, independente do grau de
precisão histórica, preencher essa lacuna, o máximo possível, com frequência é útil
terapeuticamente para restaurar a continuidade da identidade e noção do eu do
paciente, além de criar uma narrativa coerente de vida.
Uma vez que a amnésia for preenchida, o tratamento ajuda com o seguinte:
 Dar sentido ao trauma ou conflito subjacente
 Resolver problemas associados ao episódio amnésico
 Ajudar o paciente a seguir em frente com sua vida
Se os pacientes experimentaram fuga dissociativa, psicoterapia, às vezes
combinada com hipnose ou entrevistas facilitadas por fármacos, pode ser usada
para tentar restaurar a memória; esses esforços muitas vezes são mal sucedidos.
Apesar disso, um psiquiatra pode ajudar os pacientes a explorar como eles lidam

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com os tipos de situações, conflitos e emoções que precipitaram a fuga e, assim,
desenvolver respostas melhores a esses eventos e ajudar a prevenir a recorrência
das fugas.

3.5 Um caso real de Transtorno Dissociativo de Personalidade.

A britânica Melanie Goodwin, de 64 anos, tinha uma vida normal, apesar de não se
lembrar de nenhuma memória de sua infância e parte de sua adolescência. Porém,
desde os seus 40 anos de idade, após uma tragédia familiar, as coisas mudaram e
aos poucos, Melanie descobriu dentro de si diferentes personalidades, de suas
diferentes fases da vida a partir dos três anos de idade, segundo informações da
rede britânica BBC.
Melanie sofre do mesmo transtorno mental de Kevin, personagem principal do filme
‘Fragmentado’, do diretor M. Night Shyamalan, lançado este ano. Ambos foram
diagnosticados com transtorno dissociativo de identidade (TDI), também conhecido
como transtorno de múltiplas personalidades, em que memórias, comportamentos,
atitudes e a própria percepção de idade podem alternar de uma hora para outra.
A diferença é que enquanto Kevin é apenas um personagem que vive com 23
personalidades em seu corpo – muitas delas extremamente agressivas -, Melanie é
casada, tem filhos e trabalho e “nove partes adultas diferentes”.
“Nós [forma como ela se refere a suas diferentes personalidades] tínhamos várias
partes adultas. No desenvolvimento deveria haver uma transferência, mas como não
crescemos naturalmente, adaptamos a nós mesmos. No fim, havia nove partes
adultas diferentes, cada uma administrando um estágio de nossa vida adulta sem
abusos.”, contou à BBC.
Felizmente, hoje, com apoio psiquiátrico e de seu marido, ela aprendeu a viver e a
conviver com suas múltiplas personalidades.

A. MÚLTIPLAS PERSONALIDADES

Porém, chegar nesse estágio harmônico não foi fácil. A descoberta das diferentes
personalidades trouxe à sua consciência não só as lembranças perdidas, mas
também memórias de abuso que havia sofrido na infância, o primeiro com apenas
três anos de idade, e na adolescência – o último foi aos 16 anos. “Eu não tenho
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provas. Eu tenho que aceitar o que eu acredito que aconteceu, a minha realidade.”,
disse.

B. TRAUMAS NA INFÂNCIA

Hoje, Melanie é tratada no Centro Pottergate para Dissociação e Trauma, em


Norwich, no Reino Unido. Remy Aquarone, psicoterapeuta administrador do centro,
disse à BBC que na maioria dos casos diagnosticados de TDI existe um histórico de
abuso infantil, muitas vezes iniciado antes dos cinco anos.
A criança, ao tentar lidar com essas experiências traumáticas tão cedo, divide-se em
partes. Uma parte lida com o abuso e as consequências emocionais e físicas e outra
continuam a lidar com a existência cotidiana, permitindo que ela siga em frente.
Essas partes podem ser inúmeras, dependendo dos diferentes cenários.
“Ela está usando sua cognição inconsciente para adaptar sua maneira de pensar e
seu comportamento para conseguir se manter segura. O trauma pode congelar você
no tempo. E porque o trauma continua com o passar dos anos, há vários pequenos
congelamentos acontecendo por toda parte.”, explicou Aquarone.

C. LIGAÇÕES AFETIVAS

No entanto, nem todas as pessoas que passam por abusos na infância desenvolvem
o transtorno. Segundo o especialistas, fatores como a ausência de ligação
afetiva normal e saudável durante a infância pode desencadear o distúrbio. Na
psicologia, essa ligação é o laço formado entre uma criança e um cuidador, que a
apoia emocionalmente e ajuda educa-la. Quando as crianças desenvolvem laços
seguros, conseguem lidar melhor com a vida de uma forma geral.
“Suas relações tendem a ser mais tranquilas. Elas tendem a ganhar mais dinheiro,
ser mais apreciadas e reconhecidas pelos outros e se meter menos em brigas. Elas
também tendem a experienciar a vida com mais tranquilidade, então é mais
agradável para elas”, disse Wendy Johnson, professora de psicologia da
Universidade de Edimburgo.
Por outro lado, sem essa laço, a criança cresce sem referências e precisa se
defender sozinha. Para Melanie, é exatamente isso que falta para as pessoas com
TDI. “O que não tivemos quando criança é um pai ou mãe metaforicamente
segurando você e o ajudando a aprender como lidar consigo mesmo.”
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D. FALTA DE ESTABILIDADE

“Na verdade, nossos ambientes tendem a ter mais estabilidade, o que contribui à
consistência que tendemos a demonstrar”, explicou Wendy. Se as influências
externas mudam, até mesmo na vida adulta, nós também mudamos. Perder o
emprego ou ter filhos são grandes mudanças que surpreendem nossos
comportamentos. Por isso os questionamentos de identidade entre os jovens, no
início da vida adulta, é algo tão discutido.
Essa estabilidade não é presente na vida de quem vive com identidades
dissociativas, portanto, suas personalidades podem mudar dramaticamente. Melanie
tem uma parte anoréxica e uma parte que já tentou suicídio duas vezes, quando as
barreiras das personalidades não pareciam suportar a dor. Sua parte de três anos
de idade se assusta facilmente com coisas que trazem de voltalembranças de seus
traumas, como um cheiro ou o andar de um homem. Nesses casos, ela congela ou
até mesmo se esconde. Por outro lado, sua parte de 16 anos pode até flertar.

E. MEMÓRIAS APAGADAS

Algumas pessoas com o transtorno podem se sentir perdidas no tempo, como se


estivessem sempre pulando dias ou até mesmo semanas. “Algumas pessoas
desenvolvem casos [extraconjugais]. Bem, não são exatamente casos porque elas
não tinham ideia de que eram casadas”, explicou Melanie. “Você nasce e tem uma
linha do tempo com toda sua vida. Se você ficar fragmentado, você não tem mais
essa linha.”
De acordo com Aquarone, muitos pacientes se sentem superficiais em relação às
emoções e ao passado. “De certa forma elas são, porque a essência de quem você
é fica presa do lado de dentro”, disse ele. “Eu posso me referir a um comportamento
que tinha quando adolescente, por exemplo, para ter uma visão mais ampla de mim
mesmo. O preço da dissociação é que não há como lembrar como as coisas eram
antes.” Psicólogos costumavam pensar que a nostalgia, o uso da memória para
lembrar bons tempos no passado, era negativa e prejudicial. Agora, devido a esse
dilema, existem estudos que apontam o oposto.

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F. DESCOBERTA

Melanie suspeitou que pudesse ter o transtorno lendo o livro The Flock (“O Bando”,
em tradução livre), de Joan Frances Casey. Assim como Casey, ela tinha diferentes
partes emergindo em si. Ela então conversou sobre o assunto com seu marido, com
quem era casada há mais de 20 anos.
“Surpreendentemente, ele achou que fazia sentido e contou-lhe que uma vez havia
perguntado se ela queria café e Melanie disse ‘Sim, adoraria um café”. No dia
seguinte ele perguntaria ‘Você quer um café?’ e ela respondeu “Você sabe que eu
não bebo café, sou alérgica a café!”.
Hoje, Melanie sabe que a parte de 16 anos não consegue beber café, mas ela ama
café. No entanto, ao contrário de outras pessoas com TDI, ela sente que há uma
parte dominante com uma idade compatível com a de seu corpo.

G. CONVIVÊNCIA

Durante os dez anos que se passou depois de suas identidades emergirem, Melanie
acreditava ser impossível administrar qualquer coisa além do básico em sua vida.
Com o tempo, ela aprendeu a ouvir suas vozes e as histórias que tinham a contar.
“Aprendemos a compartilhar essa vida em comum entre nós”. Agora, ela dirige a
associação First Person Plural (Primeira Pessoa do Plural, em tradução livre), onde
conversam com psicólogos, psiquiatras e cuidadores, com o objetivo de divulgar
mais informações sobre o TDI.
Recentemente, com a participação de Aquarone e do Centro Pottergate para
Dissociação e Trauma, a associação organizou a primeira conferência
sobre tratamentos para dissociações relacionadas a traumas, com médicos e
voluntários do Reino Unido. Um dos principais desafios é que um especialista em
TDI pode levar vários meses para ajudar um paciente e, geralmente, isso está
apenas disponível no sistema privado de saúde.

3.6 Implicações Forenses.

Os modelos do trauma e da fantasia, entretanto, não possuem apenas uma utilidade


teórica. Enquanto conjuntos de hipóteses a serem testados empiricamente, os dois
modelos fornecem pouca preocupação para além das indagações dos
pesquisadores. Mas o fato é que muitos clínicos são treinados em uma dessas duas
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abordagens. Decisões tomadas em psicoterapia e em outros contextos, como o
contexto jurídico e criminal, frequentemente se baseiam em um dos dois modelos,
revelando, assim, suas implicações práticas. São muitos os casos na literatura
psiquiátrica e psicológica de pessoas que cometeram algum tipo de violência a
outrem alegando depois amnésia dissociativa para o evento ocorrido ou a ação de
uma personalidade alternativa (em algumas culturas, ou dependendo do referencial
religioso do indivíduo, tal personalidade pode ser descrita como o demônio ou outro
ser espiritual/sobrenatural). Também se observam casos em que pessoas se dizem
vítimas de abuso sexual ou físico após terem sido submetidas a hipnose ou outro
procedimento que teria revelado uma memória reprimida do evento, casos esses
que geralmente culminam na acusação de alguém como tendo sido o(a)
perpetrador(a) do abuso. Scott (2015, p. 116) também observa que: O diagnóstico
de TDI tem sido normalmente usado para questionar a competência do julgamento
em duas situações: (1) o réu não pode controlar suas personalidades e, portanto,
seu comportamento é imprevisível e prejudica sua capacidade de participar do
processo do julgamento ou de testemunhar; e / ou (2) a personalidade do acusado
que esteve envolvida no suposto crime não está presente de forma consistente ou
não se lembra do crime, prejudicando a capacidade do indivíduo de ajudar na sua
própria defesa Scott (2015) comenta que uma avaliação rigorosa do quadro clínico
deve ser realizada antes de se chegar a uma conclusão acerca do diagnóstico de
TDI. Há muitas situações em que a alegação de uma divisão da
identidade/personalidade é mais bem explicada pelas crenças culturais do indivíduo
e não pela presença de um transtorno mental. Assim, “se forem apresentadas
alegações de TDI, o examinador forense deve revisar cuidadosamente não apenas a
alegação, mas provar que os sintomas causam sofrimento ou prejuízo clinicamente
significativo. A avaliação de fingimento será particularmente relevante para esse
diagnóstico” (SCOTT, 2015, p. 117). Scott observa, ainda, que há grande variação
na maneira como os tribunais nos Estados Unidos avaliam a responsabilidade
criminal em casos de pessoas com alegações de TDI, não havendo consenso entre
os estados. Mas alguns critérios de ordem geral podem auxiliar na avaliação de
simulação dos sintomas. Scott afirma que indivíduos que fingem um diagnóstico de
TDI relatam sintomas bem conhecidos, como perda de memória, embora não
relatem sintomas menos comuns, como depressão. Além disso, o DSM-5 indica que

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indivíduos que fingem TDI parecem gostar de ter o distúrbio, em forte contraste com
o fato de que o transtorno implica em sofrimento e prejuízo clinicamente
significativos. Por fim, o indivíduo que sofre de TDI frequentemente apresenta
variações de identidade extremadas (por exemplo, personalidades muito boazinhas
versus muito más), às vezes com perda de memória fingida, como um meio de obter
um objetivo específico (por exemplo, evitar punições criminais). Como em todo
fingimento, estabelecer se há (e qual é) o incentivo externo é fundamental (SCOTT,
2015). Os psicólogos forenses se deparam por vezes com a tarefa de educar o juiz,
o júri ou advogados sobre a evidência científica a respeito dos sintomas de
transtornos mentais – podendo-se incluir aqui os transtornos dissociativos – de modo
a auxiliar na tomada de decisões em processos criminais. Nesse sentido, em um
ensaio de duas partes, Brand et al. (2017a, 2017b) fornecem informações e
conselhos a especialistas em transtornos dissociativos sobre como avaliar os
sintomas de TDI e sua relação com abusos de que o réu seja acusado, por exemplo.
Os autores defendem a importância de se investigar um histórico de traumas na
infância e ao longo da vida da vítima, bem como seu histórico de sintomas e
episódios dissociativos. Salientam também a importância de se reconhecer a
dificuldade que algumas pessoas possuem de assumir que tenham sofrido abusos
ou que sejam portadoras de um transtorno. Defendem que a falta de informações
por parte do juiz ou do júri podem levar a decisões equivocadas, baseadas no
estereótipo de que a vítima esteja inventando uma doença quando, na verdade, seu
quadro é real e pode ser diagnosticado por um especialista.
Para os autores, é essencial discutir os aspectos neurológicos do TDI e, por
conseguinte, seus danos à saúde e à vida social da vítima, com ênfase no
prognóstico desses casos e nos custos advindos do tratamento de um quadro
geralmente crônico como é o TDI. Por outro lado, reconhecem que a mídia e as
narrativas fictícias em livros e filmes sobre múltiplas personalidades tendem a
perpetuar falsas concepções acerca do TDI, como a ideia de que os portadores do
transtorno seriam violentos e antissociais ou que os sintomas são evidentes e
intensos, quando, na verdade, os episódios de violência seriam infrequentes e, em
muitos casos, os sintomas do transtorno seriam sutis ou mesmo imperceptíveis a um
observador externo.

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4.0 CONCLUSÕES FINAIS.

Para quem convive com alguém que tem o transtorno dissociativo de identidade a
rotina nunca é fácil. Não há como saber com quem você está interagindo no
momento e o clima imprevisível assusta bastante. Todavia, é justamente essa
pessoa que ajudará na reabilitação do ente a uma vida saudável.
Caso alguém que conheça demonstre sinais ou tenha declaradamente o
problema, oferte apoio durante o tratamento. Sua intervenção, ainda que mínima,
pode trazer resultados que elevarão a proposta inicial da psicoterapia. Mesmo que
esse não se cure por completo do problema, terá mais controle de si e da qualidade
de vida que leva.
A proposição de que a dissociação é causada por experiências traumáticas
(geralmente ocorridas em tenra infância) tornou-se lugar comum entre os
especialistas no tratamento dos transtornos dissociativos e constitui uma convicção
difícil de ser abalada. De nossa parte, entendemos que a controvérsia em torno do
tema é mais benéfica do que prejudicial, justamente pelo fato de impedir o
esgotamento do assunto em estereótipos equivocados. A subjetividade e o
comportamento humanos são complexos demais para permitirem causalidades
simplórias e unilaterais, e o debate sobre as origens da dissociação deve se manter
dinâmico, de modo a fazer jus a essa complexidade. Não se pode negar que exista
alguma relação entre dissociação e trauma.
Cabe finalizar salientando a importância de que todas as hipóteses disponíveis
sejam levadas em conta. Sintomas dissociativos podem ser influenciados por uma
série de fatores além das experiências traumáticas, como transtornos do sono e uso
de substâncias. Como vimos, muitos autores da área sugerem que o TDI não se
caracterizaria tanto pela divisão objetiva da personalidade em subpersonalidades
mais ou menos completas, mas pela crença do indivíduo de que ele/ela é mais de
uma pessoa, crença essa reforçada por uma série de sintomas dissociativos, como
sintomas de despersonalização, falhas de memória e alucinações, bem como pelo
contexto cultural e grupos de referência. Isso não significa negar, por outro lado, que
tais experiências causem sofrimento. Também não significa que sejam resultado
exclusivamente de engodo e simulação. O fato de serem formatadas culturalmente
não nega seu impacto na vida das pessoas, mas nos deixa alertas, por outro lado, à

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possibilidade de que concepções populares acerca do TDI, fomentadas pela mídia e
pelo mundo do entretenimento, não correspondam sempre à maneira como esses
casos se apresentarão e podem até mesmo influenciar negativamente a
confiabilidade da avaliação clínica ou forense.

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6. BIBLIOGRAFIA

American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders -


DSM-5. 5th. ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.

DSM-IV-TRTM - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Cláudia


Dornelles; - 4.ed. rev. - Porto Alegre: Artmed,2002.

Link: https://www.psicanaliseclinica.com/transtorno-dissociativo-de-identidade/

Link: http://clinicasocial.com.br/plus/modulos/noticias/ler.php?cdnoticia=50

1. Johnson JG, Cohen P, Kasen S, Brook JS: Dissociative disorders among adults in the
community, impaired functioning, and axis I and II comorbidity. J Psychiatr Res 40 (2):131–140,
2006.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders,
fifth edition (DSM-5). Washington, DC: American Psychiatric Publishing.

Link https://www.msdmanuals.com/pt/casa/dist%C3%BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/transtornos-
dissociativos/transtorno-dissociativo-de-identidade

Link:http://www.psiqweb.med.br/site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerClassificacoes&idZClassificaco
es=214

Link http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbtcc/v16n1/v16n1a07.pdf

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