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CARACTERIZAÇÃO E TENDÊNCIAS
CURITIBA
2007
GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ
ROBERTO REQUIÃO - Governador
EQUIPE TÉCNICA
Karen Follador Karam (Orientação Técnico-metodológica)
Ivo Barreto Melão - IPARDES (Coordenação)
Anibal Rodrigues - IAPAR
Marina Maruyama Mori - IPARDES
Moacir Roberto Darolt - IAPAR
Sergio Wirbiski - IPARDES
COLABORAÇÃO
Marisela Garcia Hernández (pesquisadora externa)
Gisele de Lorena Diniz Chaves (pesquisadora externa)
EDITORAÇÃO
Maria Laura Zocolotti - Coordenação
Estelita Sandra de Matias (revisão)
Ana Batista Martins, Ana Rita Barzick Nogueira, Léia Rachel Castellar (editoração eletrônica)
Stella Maris Gazziero (tratamento de imagens)
Lucrécia Zaninelli (geoprocessamento)
Maria Dirce Botelho Marés de Souza (normalização bibliográfica)
CDD 631.147(816.2)
2
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS........................................................................................................................ 4
LISTA DE TABELAS ......................................................................................................................... 6
LISTA DE SIGLAS............................................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 11
1 PARA PENSAR O MERCADO DE ORGÂNICOS NO PARANÁ: ABORDAGEM
TEÓRICO-METODOLÓGICA DO ESTUDO ................................................................................ 16
1.1 MARCO TEÓRICO: O MERCADO COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL ....................................... 16
1.1.1 Os Aportes da Nova Sociologia Econômica.......................................................................... 17
1.1.2 A Abordagem Político-Cultural da NSE e o Mercado de Orgânicos ..................................... 19
1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO DO MERCADO DE
ORGÂNICOS NO PARANÁ ....................................................................................................... 22
1.2.1 Coleta Documental ................................................................................................................ 22
1.2.2 Preparação da Pesquisa de Campo ..................................................................................... 23
1.2.3 Realização da Pesquisa de Campo ...................................................................................... 27
2 O MERCADO DE ORGÂNICOS: CONFIGURAÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL .............................. 31
2.1 AS RECENTES TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO AGROALIMENTAR E OS
PRODUTOS ORGÂNICOS ........................................................................................................ 31
2.1.1 As Mudanças na Sociedade Contemporânea e a Emergência da Agricultura
Orgânica ................................................................................................................................ 32
2.2 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AGRICULTURA ORGÂNICA E A RELAÇÃO COM
OS DIFERENTES MERCADOS DE ORGÂNICOS.................................................................... 38
2.2.1 Síntese do Processo de Regulamentação dos Alimentos Orgânicos no Brasil.................... 40
2.2.2 A Institucionalização da Agricultura Orgânica no Paraná ..................................................... 44
2.2.3 A Certificação e o Mercado de Orgânicos............................................................................. 47
2.3 O SISTEMA DE PRODUÇÃO ORGÂNICO: FATORES TECNOLÓGICOS E A
RELAÇÃO COM OS TIPOS DE MERCADO ............................................................................. 51
2.3.1 A Agricultura Orgânica e as Tecnologias de Processo e de Produto ................................... 51
2.3.2 A Agricultura Familiar e a Produção Orgânica: Potencialidades e Necessidades
Tecnológicas ......................................................................................................................... 56
2.4 O CONSUMO DE PRODUTOS ORGÂNICOS: UMA CARACTERIZAÇÃO A PARTIR
DO CONSUMIDOR .................................................................................................................... 62
2.4.1 O Consumidor de Produtos Orgânicos ................................................................................. 63
2.4.2 O Consumo Coletivo: o Papel do Mercado Institucional....................................................... 69
3 O MERCADO DE ORGÂNICOS: SITUAÇÃO MUNDIAL E INSERÇÃO DO PARANÁ ............. 71
3.1 O PANORAMA DO MERCADO MUNDIAL DE PRODUTOS ORGÂNICOS ............................. 71
3
LISTA DE QUADROS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE SIGLAS
INTRODUÇÃO
1 Darolt (2000) define a diferença entre as formas de produção mencionadas. Para situar brevemente: a agricultura
biodinâmica está baseada em princípios da Antroposofia, instituída por Rudolf Steiner, na Alemanha, nos anos
de 1920, que entende a propriedade agrícola como um organismo, integrando produção animal e vegetal à
paisagem natural, orientando-se por um calendário astrológico biodinâmico, que visa reativar as forças vitais da
natureza. A agricultura orgânica nasce em meados de 1920, com o inglês Albert Howard, e se desenvolve nos
Estados Unidos, a partir de 1948, com J. I. Rodale. Está baseada na melhoria da fertilidade do solo por processo
biológico natural, pelo uso de matéria orgânica, sendo totalmente contrária à utilização de adubos químicos
solúveis. A agricultura biológica foi desenvolvida em 1930 pelo suíço Hans Peter Muller. É praticada na França, e
seu princípio é de que a saúde do solo garante um maior valor biológico e a saúde das plantas. A agricultura
natural tem origem no Japão, em 1938, com as idéias de Masanobu Fukuoka, tem vínculo religioso com a Igreja
Messiânica, e seu fundamento é o de que as atividades agrícolas devem respeitar as leis da natureza, sem
revolvimento do solo e sem a utilização de compostos orgânicos com dejetos animais. A permacultura,
desenvolvida pelo australiano Bill Mollison a partir da agricultura natural, tem como princípio alternar cultivo de
gramíneas e leguminosas e manter a palha como cobertura do solo. E, por fim, a agroecologia, desenvolvida nos
anos de 1980 por Miguel Altieri, nos EUA, adquire status de ciência e propõe a compreensão dos
agroecossistemas segundo princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos.
2 O termo Revolução Verde refere-se ao modelo tecnológico concebido e implementado nos países do norte, a
partir dos anos de 1950, visando à transformação da agricultura a partir das premissas do sistema industrial.
O pacote tecnológico da Revolução Verde foi concebido como de aplicação universal, visando maximizar o
rendimento dos cultivos em situações ecológicas profundamente distintas. Destinou-se a elevar ao máximo a
capacidade dos cultivos a partir da criação artificial de condições consideradas "ideais", utilizando os
agrotóxicos para eliminar competidores e predadores naturais e os fertilizantes sintéticos para fornecer
nutrientes considerados necessários. A utilização desse "pacote" no Brasil, a partir dos anos 60, levou à
homogeneização das práticas produtivas, à simplificação e à artificialização do meio natural, bem como à
desestruturação das relações sociais no campo.
13
estatísticas sejam frágeis e precárias, tanto em termos nacionais como estaduais, acredita-
se que o Estado congrega o maior número de produtores do País, a maioria pertencente à
agricultura familiar, com expressiva representatividade na produção, tanto em quantidade
quanto em diversidade, segundo as especificidades das regiões do Estado.
Ao longo desse período, grande parte das ações esteve voltada ao processo de
conversão do sistema produtivo para a agricultura orgânica, desenvolvida pelos próprios
agricultores e suas entidades, apoiados principalmente por ONGs da área em atividades de
assistência técnica, planejamento da produção, capacitação, assessoria e organização
social. Foram poucos, e na maior parte das vezes pontuais, as ações e/ou programas
desencadeados pelas instituições públicas no período, predominando nesse sentido o
engajamento pessoal dos técnicos das instituições de pesquisa e extensão rural
identificados com a temática. A combinação das relações entre esses agentes é que
efetivamente permitiu o processo de construção da agricultura orgânica no Paraná.
Se no campo da produção vários passos puderam ser dados, no que se refere ao
ambiente da comercialização dos produtos orgânicos as ações e/ou atividades são pontuais
e pouco conhecidas, indo desde aquelas desencadeadas pelos próprios agricultores e suas
entidades de apoio, até, mais recentemente, o ingresso da iniciativa empresarial neste
campo. O poder público classicamente tem se mantido à distância nesse aspecto, com
intervenções ainda tímidas e incipientes.
Entretanto, é importante destacar que não são poucos os processos de
comercialização que marcam o atual mercado de produtos orgânicos no Paraná. Ilustrativas
da própria diversificação que caracteriza o processo produtivo e seus produtores, as
transações econômicas também apresentam um largo espectro de situações, evidenciando
diferentes tipos de mercado. Dentre eles estão o mercado da venda direta, representado
pelas relações face a face entre o agricultor e o consumidor por meio das feiras, entregas de
sacolas, vendas na propriedade etc.; o mercado do varejo, onde ocorrem as transações
através de equipamentos de comércio varejista, como supermercados, lojas especializadas
etc.; o mercado do beneficiamento e processamento de produtos orgânicos; o mercado
institucional, que inclui os programas de merenda escolar e o de aquisição de alimentos
para programas de abastecimento; e, por fim, há as transações voltadas ao mercado
externo, em que atuam agentes inclusos nos demais mercados mencionados acima.
Este estudo identifica e caracteriza os três principais tipos de mercado de produtos
orgânicos no Estado do Paraná na atualidade: o mercado da venda direta, do varejo e da
transformação, sendo que os dois outros mercados – institucional e externo – são abordados
de maneira mais geral, visando contextualizar a situação no País e no Estado.
Para tanto, assume-se aqui que mercado é uma construção social, constituído a
partir de um conjunto de relações sociais desencadeadas por diferentes agentes. Buscar-se-á
identificar esses diferentes agentes envolvidos e, sempre que possível, destacar o papel que a
14
agricultura familiar desempenha nesse mercado, com o propósito de apontar futuras políticas
públicas destinadas a fortalecer esses agentes. Isso decorre do reconhecimento da condição
histórica e precursora desses agentes no processo da produção propriamente dita, não só no
Estado do Paraná como no próprio País, buscando agora apoiá-los na esfera da
comercialização, a partir dos tipos de mercado existentes.
Os tipos de mercado e as transações neles contidas são o ponto de partida deste
estudo. E é com esta perspectiva que se buscará identificar e caracterizar o atual mercado
de produtos orgânicos no Paraná, a partir dos seguintes objetivos específicos:
a) analisar as restrições e oportunidades ao desenvolvimento do mercado de
produtos orgânicos no Estado, considerando as especificidades das principais
regiões produtoras e consumidoras do Paraná;
b) realizar um estudo prospectivo dos principais produtos orgânicos para o
mercado paranaense, com apreciação sumarizada para os mercados
nacional e internacional;
c) identificar e caracterizar os principais agentes envolvidos na produção,
comercialização e distribuição, bem como na agroindustrialização e na
demanda de produtos orgânicos no Paraná;
d) apontar o perfil do consumidor de produtos orgânicos no Paraná;
e) identificar e caracterizar os tipos de mercado de produtos orgânicos no Paraná;
f) caracterizar os principais problemas de funcionamento das entidades de apoio
(públicas, privadas e da sociedade civil) ao desenvolvimento dos mercados de
orgânicos no Paraná;
g) apresentar os resultados do estudo em seminário e debater com interessados as
proposições de ações e políticas públicas ao mercado de orgânicos do Paraná.
Espera-se que tais procedimentos possam resultar na proposição de políticas
públicas voltadas ao mercado de orgânicos do Paraná, destacando-se ações direcionadas à
agricultura familiar, e em subsídios para a tomada de decisão por parte dos distintos agentes
envolvidos nesse mercado. Também se espera estimular e fomentar estudos e projetos, de
caráter científico e/ou tecnológico, em instituições de pesquisa, universidades e outras.
O projeto, em sua concepção original, pretendia também levantar subsídios para a
constituição de uma rede eletrônica de informações que desse suporte e apoio às ações de
comercialização. Entretanto, o estudo constitui um diagnóstico com sistematização de
informações dispersas, tendo, dentre seus resultados, um cadastro dos principais agentes
de comercialização e de apoio que poderá contribuir para a constituição de uma rede
eletrônica de informações.
Os resultados do estudo que se apresentará a seguir decorrem de distintos
procedimentos de pesquisa, tanto na coleta de dados primários como de dados secundários.
15
No final dos anos 70 e início dos 80, sociólogos dos Estados Unidos e da Europa
recuperaram as idéias, conceitos e métodos de autores clássicos da Sociologia,
particularmente de Max Weber e Karl Polanyi, para fazer a crítica à abordagem da economia
neoclássica sobre a autonomia da esfera econômica no conjunto da sociedade. Tais autores
destacam a centralidade da dimensão socializadora nas relações econômicas, e por
conseguinte nas relações mercantis, em detrimento da perspectiva da relação individual e
intimista. Com eles se restaura a compreensão dos fenômenos econômicos como sociais, e,
em decorrência, o mercado deixa de ser visto como uma "entidade" à parte e abstrata,
passando a ser visto como algo construído socialmente.
Karl Polanyi é um dos autores mais críticos com relação à economia de mercado,
considerada por ele como um sistema institucional único e peculiar que se consolidou no
Ocidente no século XIX, e que resulta em uma crise que assola as primeiras décadas do
século XX. Ao escrever o livro A Grande Transformação (2000), em 1947, sua motivação
estava na busca por uma "orientação em termos de instituições humanas", a fim de
suplantar tal período e descortinar possibilidades vindouras.
Nesse sentido, dedica-se a analisar os sistemas econômicos e as sociedades, e
destaca que "anteriormente a nossa época, nenhuma economia existiu, mesmo em
princípio, que fosse controlada por mercados. Embora a instituição do mercado fosse
bastante comum desde a Idade da Pedra, seu papel era apenas incidental na vida
econômica" (POLANYI, 2000, p.62). E prossegue afirmando que as pesquisas históricas e
antropológicas mais recentes, à sua época, revelam que "a economia do homem, como
regra geral, está submersa em suas relações sociais" (p.65).
Polanyi faz uma crítica contundente das teses formalistas da economia sobre a
visão generalizante do indivíduo como maximizador de lucro, e defende que haja a
superação do naturalismo histórico na apreensão do mercado, uma vez que tanto este como
aquele estão submersos no todo social, do qual fazem parte. Para o autor, a idéia de um
"mercado auto-regulável" é uma utopia elaborada por economistas, pois o mercado só existe
como construção social e está enraizado na vida social a partir de elementos fundamentais
como as regras, as normas e as paixões.
A noção de "enraizamento", apreendida de Polanyi por Granovetter (2003), será
um dos alicerces para os estudos do mercado na atual sociologia econômica. Em 1985,
18
3 Economia e Sociedade é uma obra póstuma – Weber faleceu em 1920 –, organizada por sua viúva Marianne
Weber a partir de manuscritos do autor. A edição brasileira resulta da tradução da quinta edição, que tem
origem na versão padrão da obra. A versão original, de 1921, foi organizada a partir de escritos de períodos
distintos da produção weberiana, ordenada segundo temas. Segundo o revisor da tradução brasileira, "houve
uma tradução dentro da tradução" da terminologia de 1913, quando Weber desenvolveu o quadro conceitual
sobre a "Sociologia Compreensiva", publicado sob o título Economia e Sociedade, para a terminologia de
1918, quando trabalhou os "conceitos sociológicos fundamentais", que constituem o primeiro capítulo do
volume 1 da obra.
19
introduzem a dimensão política à visão do mercado, por meio da noção de luta. O autor
entende que há uma pluralidade de interessados no mercado que competem e que lutam
por oportunidades de troca. Diz ele: "a troca é um compromisso de interesse entre os
participantes pelo qual se entregam bens ou possibilidades como retribuição recíproca. Toda
troca racionalmente orientada é a conclusão mediante um compromisso de uma prévia luta
de interesses aberta ou latente" (RAUD, 2003).
Tal dimensão política inspirou o sociólogo Pierre Bourdieu (2005) na elaboração
da proposta de campo econômico, onde ocorre a ação entre dominados e dominantes,
formulação relevante para a atual sociologia econômica, cuja discussão será retomada mais
adiante, dada a sua importância para este trabalho.4 Outro autor que merece destaque
nesta perspectiva é Neil Fligstein (2003), cuja abordagem se aproxima da de Bourdieu no
que se refere à noção de campo econômico, ao propor que a emergência de mercados
passa pelo entendimento das relações internas e externas às empresas e suas relações
formais com o Estado.
A fim de sintetizar a compreensão da NSE para o estudo de mercados, a qual
balizará este estudo, vale a pena registrar a definição proposta por Swedberg:
4 Como a Nova Sociologia Econômica não é ainda um campo teórico unificado, dado seu tempo de existência e
pluralidade de abordagens, cabe mencionar que os estudos sobre o mercado têm sido realizados a partir dos
seguintes enfoques: o estrutural, o cultural, o cognitivo e o político. Sumariamente: o enfoque estrutural define
os intercâmbios econômicos como padrões de relações interpessoais concretas; o enfoque cultural analisa o
papel dos significados coletivos na definição das estratégias econômicas; o enfoque cognitivo está dirigido à
regularidade estrutural dos processos mentais que limitam o exercício da racionalização econômica; e, o
enfoque político privilegia as lutas pelo poder entre instituições sociais e políticas, como o Estado e as classes
sociais. (ver autores como Wanderley (2002), Lopes Junior (2002), Swedberg (2004)).
20
principalmente ao fato de apresentar limites para lidar com outros fatores relevantes, dentre
eles "com a cultura, com as instituições, com os macrofenômenos e com a política – os
quais, tomados em conjunto, constituem uma parte considerável da economia" (SWEDBERG,
2004, p. 25). Dessa forma, outros enfoques têm sido desenvolvidos dentro da NSE.
Para o estudo do mercado de produtos orgânicos no Paraná utilizar-se-á
principalmente a abordagem político-cultural, a partir das reflexões desenvolvidas por Pierre
Bourdieu (2005), fundamentadas na noção de campo econômico.
O mercado de produtos orgânicos no Paraná será pesquisado como um campo
de ação construído por diferentes atores sociais, procurando verificar o papel e o lugar da
agricultura familiar no seu interior. Para tanto, está-se assumindo a proposição de Bourdieu
quando afirma que a idéia de campo é central para delimitar um espaço de ação,
entendendo que são os agentes e suas relações que criam um espaço como produto da
história coletiva, o qual se reproduz nas histórias individuais. É pressuposto para este
projeto que as disposições econômicas dentro de tal campo "não têm nada de natural e de
universal", sendo produto de construção social.
Importa a este estudo conhecer, identificar e caracterizar no campo econômico de
produtos orgânicos no Paraná o peso de cada agente que dele faz parte. Isso se torna
relevante na medida em que, como afirma Bourdieu, é o peso de cada um que vai conferir
uma certa estrutura ao campo – neste caso o mercado de produtos orgânicos – e a força de
cada agente vai depender de seus recursos e do volume e estrutura de capital nas suas
diversas formas5. Tal tarefa é importante na medida em que permite que se conheça, no
interior do campo, aqueles que são os dominantes, e os agentes, que são os dominados.
Condição relevante em tal abordagem, na medida em que se entende que um campo
econômico é também um campo de tensão e de luta permanente, a partir das relações
sociais que o constituem.
A utilização da teoria do campo, proposta em Bourdieu, permite que se estude o
mercado de produtos orgânicos no Paraná como uma estrutura de relação de forças,
entendendo-o não como abstrato ou genérico, estático ou acabado, mas como um campo
econômico dinâmico com permanente ação e embate entre agentes, que visam conservar
ou transformar o campo de forças. Como afirma o autor, é fundamental que se mantenha
claro que "longe de estarem em um espaço sem gravidade e sem pressões – os agentes
estão diante de um espaço de possibilidades que dependem muito estritamente da posição
que ocupam no campo" (BOURDIEU, 2005, p.34).
5 Quando Bourdieu está falando de capital está considerando-o a partir de suas diversas formas: capital
financeiro, cultural, tecnológico, jurídico, organizacional, comercial e simbólico. Para conhecer com maior
detalhe o que o autor entende por cada uma dessas formas, ver Bourdieu, 2005, p.25.
21
6 Vale a pena transcrever a citação a seguir, a qual elucida significativamente a relevância da relação com o
Estado: "A competição entre as empresas assume freqüentemente a forma de uma competição para o poder
sobre o poder do Estado – notadamente sobre o poder de regulamentação e sobre os direitos de propriedade
– e para as vantagens asseguradas pelas diferentes intervenções do estado, tarifas preferenciais, patentes,
regulamentos, créditos para pesquisa-desenvolvimento, compras públicas de equipamento, ajudas para
criação de emprego, inovação, modernização, exportação, habitação etc. Em suas tentativas para modificar a
seu favor as 'regras do jogo' em vigor e valorizar assim algumas de suas propriedades suscetíveis de
funcionar como capital no novo estado do campo, as empresas dominadas podem utilizar seu capital social
para exercer pressões sobre o Estado e obter dele uma modificação do jogo a seu favor. Assim, o que se
chama de mercado é apenas, em última instância, uma construção social, uma estrutura de relações
específicas, para a qual os diferentes agentes engajados no campo contribuem em diversos graus, através de
modificações que eles conseguem lhe impor, usando poderes detidos pelo Estado, que são capazes de
controlar e orientar". (BOURDIEU, 2005, p.40).
7 No primeiro caso o autor cita como exemplo as grandes descobertas petrolíferas do começo do século XX;
com relação à demografia, exemplifica com a queda da natalidade ou o aumento da expectativa de vida; e no
que tange aos estilos de vida, destaca o crescimento do trabalho das mulheres, ocasionando a queda de
produtos e criando outros, como, por exemplo, os dos produtos congelados e dos fornos de microondas etc.
(BOURDIEU, 2005, p.41).
22
condições que levaram a um processo de construção social desse mercado. Nesse sentido o
ponto nevrálgico foi a crise ambiental e, em decorrência, os questionamentos sobre o tipo de
desenvolvimento nas sociedades capitalistas contemporâneas. A constatação da degradação,
da poluição e da finitude dos recursos naturais – água, solo, fauna e flora – expôs os aspectos
negativos dos sistemas produtivos mantenedores dos mercados de produtos agroalimentares.
Em contrapartida há uma mobilização de contracultura que, entre outras tantas coisas, aposta
na produção e no consumo de alimentos "limpos e saudáveis" como uma das possíveis
estratégias para a conservação não só ambiental, mas também de qualidade de vida para os
homens em geral.
Enfim, conhecer o mercado de produtos orgânicos no Paraná coloca-se como um
desafio e também como um aprendizado, segundo a perspectiva ora adotada e apresentada
sumariamente. Trata-se de um percurso que vale a pena iniciar, pois traz o vigor de
desfazer a idéia de autonomia e de auto-regulação do mercado em relação à vida social,
apontando-o como palco de ação e construção, onde agentes sociais, instituições e políticas
públicas têm parte e responsabilidade.
QUADRO 1.1 - MATRIZ DAS GRANDES REGIÕES PESQUISADAS, SEGUNDO OS PRINCIPAIS MUNICÍPIOS, GRUPOS
DE PRODUTOS E AGENTES DE COMERCIALIZAÇÃO - PARANÁ - 2006
Metropolitana e Mandirituba, São José dos Hortaliças, plantas medicinais e Associações de produtores,
Litoral Pinhais, Balsa Nova, Colombo, frutas varejistas, empresas
Antonina, Morretes, Campo Largo processadoras e distribuidoras
e Campina Grande do Sul
Oeste Marechal Cândido Rondon, Leite, milho, suínos, hortaliças e Entidades de apoio e
Cascavel e Jesuítas café assessoria, e associações de
produtores
Sudoeste Francisco Beltrão e Pato Branco Soja, aves, leite e hortaliças Entidades de apoio e
assessoria, varejistas,
associações de produtores e
empresas
Norte e Noroeste Londrina, Maringá, Paranacity, Café, açúcar mascavo, melado, Processadoras, assentamentos,
Loanda, Cruzeiro do Oeste, mandioca, frutíferas, soja e atacadistas, feiras, associações
Campo Mourão e Ivaiporã hortaliças de produtores, entidades de
apoio e assessoria
Centro-Sul Guarapuava, União da Vitória, Feijão, plantas medicinais, Prefeituras, ONGs, empresas
São Mateus do Sul, Irati, Lapa, mate, mel e hortaliças distribuidora e processadora, e
Turvo, Ponta Grossa e Palmeira associações de produtores
FONTE: Pesquisa de campo - IPARDES e IAPAR
GRANDES REGIÕES
AGENTES Norte e
Centro-Sul RMC e Litoral Sudoeste Oeste TOTAL
Noroeste
Agentes de Apoio 12 13 25 12 20 82
Governo 4 8 13 3 10 38
ONGs 4 2 2 2 2 12
Associações e Cooperativas 4 3 10 7 8 32
Agentes de Comercialização 6 25 15 5 9 60
Supermercados 1 11 6 1 5 24
Lojas - 3 4 1 1 9
Feiras 2 1 2 - - 5
Empresas de processamento
e beneficiamento 3 10 3 3 3 22
Total 18 38 40 17 29 142
N.º de Municípios 10 10 17 5 18 60
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29
8 Guilherme Delgado (2001) destaca que "a chamada ‘modernização conservadora' da agricultura nasceu com
a derrota do movimento pela Reforma Agrária [...] foi também uma maneira de responder aos intensos
desafios da industrialização e urbanização, combinados com uma necessária diversificação e elevação das
exportações primárias e agroindustriais do Brasil [...] significou a efetiva integração técnica da indústria com a
agricultura que ocorreu no Brasil nas décadas de 60 e 70, estando apoiada na articulação do Sistema
Nacional de Crédito Rural, a partir de 1965, e no fortalecimento das estruturas fomentadoras da produtividade
e funcionalidade do crescimento capitalista no setor [...] perseguiu-se na política agrícola a concepção de
planejamento induzido dos mercados de produtos rurais [...] estimulou-se a adoção de pacotes tecnológicos
da 'Revolução Verde', então considerados sinônimos de modernidade, e incentivou-se um enorme
aprofundamento das relações de crédito na agricultura mediando a adoção desses pacotes com volumosas
subvenções financeiras".
10 Esta constatação tem inúmeras implicações e permanece envolta num debate acadêmico e político-
institucional acirrado. Entretanto, como destaca Abramovay, "esta característica da agricultura, no plano
internacional, contribuiu para ao menos colocar em dúvida a idéia de que, tanto quanto na indústria, as
unidades produtivas fundadas no trabalho familiar estavam, na agricultura, condenadas ao desaparecimento e
só existiam ali onde o capitalismo não se desenvolver no campo" (1996).
36
contexto das discussões sobre o meio ambiente que ocorriam na década de setenta11,
permaneceram nas décadas seguintes e culminaram no evento da Eco-9212, mantendo-se
como questões desafiadoras neste século.
A envergadura que assumiram as questões ambientais pode se associar à idéia
de mudança societária. Esta mudança oportuniza refletir sobre a noção de campo,
trabalhada por Bourdieu (2005), em que as conseqüências ambientais e os debates em
torno dela configuram-se em ameaças às fronteiras do campo hegemônico do mercado
agroalimentar, propiciando a emergência dos alimentos orgânicos no seu interior, e, em
conseqüência, a construção social de um mercado com suas particularidades.
Associando-se às discussões em curso acirra-se o debate que põe em xeque o
modelo de produção de alimentos padronizada. Dentre as questões levantadas está aquela
que evidencia o fato de os alimentos perderem a identidade com seus locais de origem, uma
vez que o lugar da produção é somente uma contingência no elo da cadeia produtiva,
orientada principalmente pelas relações entre a indústria e o varejo. A diversidade alimentar
torna-se reduzida e, dadas as características da produção para a indústria, alimentos que
anteriormente dependiam de condições ambientais específicas e que obedeciam a ciclos de
sazonalidade são produzidos em condições controladas tecnologicamente, definidos como
parte de uma cesta de alimentos padrão. Nessas condições estão incluídos não só os
alimentos destinados ao processamento industrial, mas vários dos alimentos frescos e in
natura, a exemplo do tomate, batata, laranja, manga e uva, entre outras frutas e hortaliças.
Como destaca Khatounian, o "alimento moderno não tem mais identidade, se
internacionalizou [...] não pertence a lugar nenhum, não tem sabor de coisa alguma, enche o
estômago, mas não alimenta a alma no contexto dos aromas, história, de vínculo com o
meio ambiente. Enche o estômago, mas a alma percebe o seu vazio" (2001, p.48).
11 Naquela oportunidade foi promovida pela ONU a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente Humano (1972), conhecida como Conferência de Estocolmo, na cidade de Estocolmo, Suécia. O
evento trouxe ao debate global a discussão do tema da segurança ecológica, acrescentando-o às demais
questões consideradas prioritárias, como a paz, os direitos humanos e o desenvolvimento com igualdade. A
conferência tornou-se um marco de referência para as discussões sobre o que, na seqüência, viria a se
constituir numa das questões mais complexas e mais cruciais da história recente da humanidade, ou seja, a
questão do desenvolvimento sustentável (VOGT, 2003, p.10).
12 A segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUCED), também
conhecida como ECO-92, reuniu representantes de 175 países e de Organizações Não-Governamentais (ONGs),
tendo sido considerada o evento ambiental mais importante do século XX. Foi a primeira grande reunião
internacional realizada após o fim da Guerra Fria e a maior reunião de chefes de Estado da história da humanidade.
Governantes de quase todos os países de todos os continentes encontraram-se para discutir o maior dos desafios
de interesse global: como reverter o atual processo de degradação ambiental – incluindo perda de florestas e
redução da biodiversidade – e de mudanças climáticas globais, garantindo, ao mesmo tempo, um desenvolvimento
que resulte na melhoria da qualidade de vida das populações mais carentes do planeta.
38
É nessa busca por alimentos que possam também "encher a alma" que emerge a
demanda por produtos com sabor e qualidade, ou seja, alimentos produzidos "naturalmente".
Uma das primeiras denominações para este outro sistema de produção era a chamada
agricultura alternativa ou sustentável13, e sob este "guarda-chuva" também estava a
agricultura orgânica14. Cabe destacar, entretanto, que as críticas ao "Padrão Técnico
Moderno" já existiam mesmo antes de sua consolidação e expansão mundial no pós-segunda
guerra. Tanto é assim que a maior parte das correntes que se abrigavam sob aquele "guarda-
chuva" corresponde às primeiras décadas do século XX, à exceção da agroecologia.
Contudo, foi somente com o ambiente histórico das últimas décadas do século
passado que aqueles movimentos puderam emergir, encontrando espaço para se manifestar e
se tornar efetivamente públicos. O conjunto das críticas não se restringia às questões relativas
ao sistema de produção, às relações sociais de produção e às questões ambientais. Também
acompanhava o debate a distinção de formas diferenciadas de comercialização da produção,
enfatizando o estreitamento nas relações entre o agricultor/produtor e o consumidor urbano. Era
a busca pela construção social de um outro tipo de mercado, onde predominassem as relações
do tipo face a face, rompendo a lógica do atual mercado de produtos agroalimentares, baseada
em relações anônimas e impessoais.
Nos itens a seguir situa-se o cenário de construção do mercado de orgânicos. Inicia-
se abordando o processo de institucionalização da agricultura orgânica e a relação com os tipos
de mercado, apresentando-se, a seguir, alguns elementos que particularizam o sistema
tecnológico da produção orgânica. Por fim, trata-se da situação do consumo de orgânicos,
destacando-se o consumidor individual e um novo consumidor, que é o mercado institucional.
14 A agricultura orgânica é uma das denominações que compõem o chamado movimento da agricultura
sustentável, estando aí inseridas também a agricultura natural, a biodinâmica, a biológica e, recentemente, a
agroecologia. Entretanto, a denominação agricultura orgânica adquiriu um status de maior abrangência
quando, em 1972, foi criada a IFOAM (Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica).
39
15 Ver o estudo A dinâmica da comercialização dos produtos orgânicos em Santa Catarina" (ZOLDAN; KARAM,
2004).
16 Weinstein (1995, p.222-223) refere-se ao conceito de nicho de mercado da seguinte forma: "Nichos de
mercado são pequenos segmentos que oferecem oportunidades de negócios incrementais [...] a escolha de
nichos é o processo pelo qual a empresa integra marketing e atividades de planejamento para otimizar sua
competitividade e posição no mercado. Uma estratégia de posicionamento derivada de segmentação para
um consumidor-alvo focalizado é a parte principal da escolha de nichos". [grifo nosso].
17 A discussão sobre a institucionalização de orgânicos no Brasil pode ser melhor conhecida nos trabalhos de
20 Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), "a certificação é um conjunto de atividades
desenvolvidas por um organismo independente da relação comercial, e tem como objetivo atestar
publicamente, por escrito, que determinado produto, processo ou serviço está em conformidade com os
requisitos especificados. Estes requisitos podem ser: nacionais ou internacionais. Considera-se que a
certificação não é uma ação isolada e pontual, mas parte de um processo voltado a garantir a qualidade de
um produto, para a manutenção da competitividade e conseqüente permanência no mercado, passando pela
utilização de normas técnicas e pela difusão do conceito de qualidade por todos os setores da organização,
abrangendo seus aspectos operacionais internos e o relacionamento com a sociedade e o ambiente".
21 No âmbito internacional, a publicação das diretrizes pela Comunidade Européia impulsionou outros países à
regulamentação. A Argentina regulamentou em 1994, os EUA iniciaram em 1990 e finalizaram em 2002, o
Canadá publicou em 1999, o Japão regulamentou em 2000, e a Austrália e a Tailândia estão desenvolvendo
normas nacionais. (NEVES, 2003b)
41
seriam responsáveis pela certificação e controle de qualidade orgânica no Brasil. Cabe destacar,
entretanto, que o foco da IN 007/99 estava no processo de produção e industrialização, e,
quanto à comercialização e/ou distribuição, o aspecto destacado era a certificação.
Nesse sentido, determinava que as entidades certificadoras seriam pessoa
jurídica e sem fins lucrativos, as quais deveriam estar credenciadas junto aos Órgãos
Colegiados Nacionais (OCN). Para que se procedesse à importação de produtos orgânicos,
instruía que estes deveriam ser certificados em seu país de origem, porém condicionados às
leis fitossanitárias do Brasil e com a análise prévia e anuência de uma certificadora
registrada no OCN.
Entretanto, um aspecto que permanece preocupando as entidades, organizações
e agricultores que atuam no movimento orgânico refere-se aos interesses distintos entre
certificadoras, processadores e agricultores familiares. Pois, como o custo da certificação
tem variado de 0,5% a 2,5% do valor da produção orgânica, é praticamente impossível para
pequenos agricultores e pequenas agroindústrias arcarem com tal desembolso, limitando
suas transações comerciais com distintos tipos de mercado ou mesmo inviabilizando-as. Isto
se torna particularmente importante quando se trata da comercialização com os mercados
de circuito longo, como os grandes equipamentos do varejo, e também com o da
exportação, em que a garantia através da certificação por selo evidencia que a relação é
unicamente com o produto.
O que predominava na época, contudo, eram os processos que envolviam a
"certificação participativa", também denominada informal ou local, afinados aos princípios
que orientam a prática orgânica. A Rede Ecovida de Agroecologia é provavelmente a
principal representante desta proposta de certificação. Ela se constituiu em 1998, no Estado
de Santa Catarina, e rapidamente abrangeu os outros dois estados do sul do País, Paraná e
Rio Grande do Sul. O fundamento dos procedimentos está no processo de construção da
certificação segundo seus principais interessados, agricultores e consumidores, respeitando
as características sociais, culturais e ambientais, bem como o contexto político e os tipos de
mercado em que se inserem. Neste caso a certificação não é individual, mas sim para o
grupo organizado em famílias de agricultores, sendo que estes grupos estruturam-se em
núcleos, os quais são filiados à Rede.
A continuidade do processo do marco legal da agricultura orgânica no País se dá
em 2002, com a criação do Grupo de Agricultura Orgânica (GAO), durante a realização do
I Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). O grupo foi composto por representantes das
entidades e organizações ligadas ao movimento orgânico de todo o País, e tinha como
principal objetivo acompanhar, debater e influenciar o processo de institucionalização, o qual
tramitava no Congresso Nacional, como Projeto de Lei (1999) para a regulamentação da
agricultura orgânica.
No ano seguinte, em 2003, o GAO propôs mudanças no texto original do projeto de
lei, tanto no que se referia à definição sobre agricultura orgânica como com relação aos critérios
43
No ano seguinte, em 2005, a partir do conjunto das propostas trabalhadas nos grupos
temáticos, foi sistematizada uma minuta de regulamentação da lei, para discussão na Câmara
Setorial de Agricultura Orgânica, onde foram votados os principais pontos de desacordo e o
texto final, que seguiram para consulta pública para posterior regulamentação.
Ainda em 2005, o NEAD (Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural),
órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),voltado para a produção e difusão de
conhecimentos que subsidiem políticas para o desenvolvimento rural, publicou um estudo23
sobre a regulamentação da agricultura orgânica. Com o objetivo de levar informações à
agricultura familiar, público-alvo da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, o trabalho sistematiza dados referentes aos procedimentos
regulamentares e o aparato legal sobre a agricultura orgânica no Brasil e no mundo, para
servir de referência para técnicos e lideranças de produtores.
24 O técnico, Geraldo Deffune, era quem havia desenvolvido o trabalho com os agricultores do município de
Agudos do Sul.
46
25 O Projeto de Lei foi apresentado à Assembléia Legislativa do Paraná pela deputada estadual do Partido dos
Trabalhadores (PT) Luciana Guzella Rafagnin.
26 As atribuições do CEAO estão inscritas na Lei no seu artigo 2º, a saber: I - Definir as políticas públicas e
Embora a Lei tenha sido debatida e aprovada pela Assembléia Legislativa, foi
vetada pelo governador em exercício, Jaime Lerner.
Em 1999, quando o Ministério da Agricultura instituiu a Instrução Normativa nº
007/99, criou-se o CNPOrg - Órgão Colegiado Nacional e havia a previsão de criação dos
colegiados estaduais (CEPOrg) pelas Delegacias Estaduais do Ministério da Agricultura. No
Paraná o mesmo não teve a necessidade de ser criado, pois à época estava em funcionamento
o CEAO, o qual cumpria as funções previstas pela IN 007/99. O CEPOrg-PR só foi criado
oficialmente no Paraná após a promulgação da Lei 10.831, em 2003, que regulamenta a
agricultura orgânica no País, e o "patrimônio" do CEAO foi incorporado a tal instância.27
O CEPOrg-PR é desde então coordenado pela Superintendência Federal da
Agricultura no Paraná, órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e
conta com a participação de instituições governamentais estaduais e de entidades não-
governamentais representantes dos agricultores orgânicos do Estado.
produtos orgânicos; IV - realizar e/ou apoiar a realização de seminários e outros eventos objetivando a
divulgação, fortalecimento e desenvolvimento da agricultura orgânica; V - cooperar e realizar convênios com
órgãos federais, estaduais, municipais e com instituições da sociedade civil organizada na consecução de
meios para o fortalecimento e desenvolvimento da agricultura orgânica; VI - fomentar intercâmbios com outras
organizações congêneres nacionais e internacionais, e contribuir com iniciativas pertinentes à área da
produção de alimentos orgânicos; VII - manter atualizada a documentação e a legislação pertinente à área da
agricultura orgânica; VIII - instituir o seu regimento interno.
27 As informações sobre o processo de criação do CEAO e sua destituição foram fornecidas em entrevista por
Rogério Rosa, em outubro de 2006, na época presidente da AOPA, entidade não-governamental criada em
1995, na RMC, a qual teve papel ativo durante todo o tempo de vigência do Conselho.
48
tampouco pelo Estado, mas sim por uma terceira parte. Esta parte é representada por
organismos certificadores, que, a partir de inspeção externa feita nas propriedades e de
análises laboratoriais, verificam se a produção está em conformidade com o padrão ISO
definido. Neste caso não é o inspetor quem certifica, mas todos os protocolos são
encaminhados ao organismo certificador, e é ele que atesta por certificado a qualidade.
Nesse sistema de avaliação o que ocorre é "um processo de intermediação da
confiança". Não são os produtores/agricultores que asseguram aos compradores a
qualidade de seus produtos, mas sim um organismo certificador. Este sistema responde de
maneira efetiva à estrutura do hegemônico mercado agroalimentar nacional e internacional.
Distinta da certificação de terceira parte é a certificação participativa. O
fundamento deste sistema está na confiança e participação dos envolvidos no processo
para que haja a garantia da qualidade do produto, desde a produção até o consumo. A este
tipo de garantia se denomina atualmente de "conformidade social", o qual está mais próximo
do mercado das relações diretas, seja na relação com o consumidor final individual ou
coletivo, seja com determinados programas do mercado institucional (merenda escolar,
compra direta de agricultores e associações).
A certificação participativa pode ser melhor conhecida a partir da definição da
Rede Ecovida de Agroecologia, entidade que deu início ao sistema no Brasil, em 1998, no
Estado de Santa Catarina:
COMPONENTES DO SISTEMA DE
GARANTIA SOLIDÁRIA GARANTIA DE TERCEIRA PARTE
GARANTIA DE QUALIDADE
Meios de verificação
- Inspeção - Não existe inspetor externo. - Existe inspetor externo.
- Registros - Realizados de maneira sistemática. - Realizados de maneira sistemática.
- Documentação - Mantida descentralizada. - Mantida centralizada.
Organismo certificador
- Funções de certificação e assessoria - Integrada - Separada
técnica
- Decisão de certificação - Descentralizada - Centralizada
- Técnico - Residente na comunidade - Externo
ORGANISMOS
CONTINENTES PAÍSES DE ORIGEM
CERTIFICADORES
28 O IBD-Instituto Biodinâmico, empresa brasileira sem fins lucrativos, iniciou seus trabalhos de certificação em
1990 e opera em todo o território brasileiro e em alguns países da América do Sul. Em 1995 obteve o
credenciamento IFOAM; em 1999, o ISO 65 (Alemanha); e em 2002 teve a aprovação do USDA (United
States Department of Agriculture). É a única entidade brasileira habilitada internacionalmente a conceder a
certificação para produtos orgânicos e biodinâmicos. É o representante no Brasil do "Demeter International".
51
29 Segundo Romeiro (1997, p.64), na natureza, diversidade é sinônimo de estabilidade. Quanto mais um
30 De acordo com Darolt (2000), a maioria dos trabalhos de investigação, bem como as orientações técnicas,
Cabe destacar ainda um outro fator relevante para abordar o sistema de produção
da agricultura orgânica, que é a inovação tecnológica. Veiga (1996) aborda esta questão
quando discute as possibilidades atuais de os sistemas de produção agrícola passarem por
um processo de transição para uma agricultura com base na sustentabilidade ambiental,
capacidade individual e coletiva dos agricultores de reavaliar os seus conhecimentos herdados, ou próprios, e
de apreender as técnicas de agricultura orgânica, de modo a construírem eles mesmos novos desenhos de
sistemas agrícolas por meio de experimentação e aprimoramento, em permanente processo de socialização
de conhecimentos.
56
Desde meados dos anos 90 do século passado muitos estudos têm sublinhado o
caráter familiar de inúmeros estabelecimentos agrícolas, tanto no Brasil como em outros
países, o que tem conduzido a um debate que possa caracterizar as diferenças desta forma
33 Tal debate decorre do trabalho de dois autores franceses, Pierre Dockès e Bernard Rosier (1992), apresentados
34 Ver, para o caso brasileiro, Abramovay (1992) e Wanderley (1996), bem como Lamarche (1993), que coordenou
um estudo sobre o tema em cinco países: Canadá, França, Turquia, Polônia e Brasil.
58
Nesse contexto é que se tem considerado que a agricultura familiar é aquela que
reúne as condições mais favoráveis ao desenvolvimento da produção orgânica35, tanto no
Brasil como nos demais países. Mas é importante ter em mente que também aqui se está
tratando da diversidade, ou seja, os agricultores familiares que praticam a agricultura
orgânica também não são uma categoria homogênea.
Embora não se pretenda aprofundar a discussão sobre as características ou o
perfil do atual agricultor orgânico, o objetivo aqui é destacar a heterogeneidade das formas
presentes, no sentido de estimular o aprofundamento do conhecimento sobre tais agricultores,
não só com relação ao perfil e características, mas principalmente no que tange à relação
com os diversos tipos de mercado.
Embora a literatura não apresente uma tipologia para categorizar os agricultores
familiares que praticam a agricultura orgânica, vai-se partir de estudos realizados no Paraná
com agricultores familiares orgânicos para se sugerir que se está tratando de pelo menos três
grupos distintos36 – agricultores familiares orgânicos tradicionais, neorurais37 e migrantes:
- agricultor familiar orgânico tradicional: é considerado como uma certa 'condição
camponesa', cuja vida se reproduz material, social e culturalmente no meio
rural, o que o diferencia dentre outros segmentos sociais;
- agricultor familiar orgânico neorural38: é aquele que, por livre escolha, bem
precisa e particular, decide não mais morar na cidade e não mais trabalhar em
profissões urbanas, resolvendo mudar para o campo e trabalhar na agricultura ou
criação de animais;
- agricultor familiar orgânico migrante: é aquele que migra para a cidade, vive um
período de experiências urbanas e retorna posteriormente à agricultura.
36 Esta tipologia é proposta a partir do trabalho de Karam (2001), que, ao estudar os agricultores orgânicos da
região metropolitana de Curitiba, adotou como principal critério para diferenciar os grupos de agricultores que
pesquisaram a trajetória de vida do responsável pela unidade produtiva, diferenciando dois grupos, o dos
agricultores tradicionais e o dos neorurais. Hernández (2005), além de adotar a tipologia, identificou ainda um
terceiro grupo, propondo mais uma categoria, a de agricultores orgânicos migrantes.
37 Karam (2001, p.140-141), para estabelecer a tipologia proposta – agricultor orgânico tradicional e agricultor
38 A noção de neorural utilizada é proposta por Giuliani (1990, p.60), a partir de referência a estudos na França.
59
Tal tipologia parece útil para se refletir sobre o perfil e as características dos
agricultores familiares orgânicos do Paraná, bem como sobre as distintas relações que possam
existir entre eles e os tipos de mercado.
Com relação aos mercados é importante considerar a proximidade ou distância
dos agricultores de aglomerações urbanas. Bianchini (2001) chama a atenção para tal condição,
destacando que a proximidade com centros urbanos parece propiciar ao agricultor familiar
mais oportunidades de acesso aos diferentes mercados para produtos; maior disponibilidade
de recursos humanos, em especial de profissionais qualificados em diversas áreas,
inexistentes em municípios mais isolados; facilidades para encaminhar reivindicações e
negociar demandas junto às estruturas regionais do governo estadual, assim como maiores
possibilidades de participar de estruturas sociais de cooperação.
Os elementos apresentados até o momento indicam a potencialidade social da
agricultura familiar à prática da agricultura orgânica. Contudo, é importante refletir sobre tais
potencialidades verificando quais são os elementos facilitadores e quais as necessidades.
Em relação às potencialidades, cabe ressaltar a importância da centralização da
gestão da produção e do trabalho numa mesma figura que possui os mesmos interesses: a
família. Esta característica permite estabelecer uma relação mais estreita entre ambos os
processos, diminuindo o custo de gestão e supervisão de mão-de-obra, necessários ao
controle da qualidade do processo de produção.39
Dado que a propriedade familiar é tanto um espaço de produção como um espaço
de estabelecimento e reprodução da família, isto é, a terra e seus recursos não são apenas
uma fonte objetiva de renda, mas também uma fonte de vida, existe a preocupação pela
preservação dos recursos naturais. Esta preocupação facilita a incorporação dos princípios
ecológicos, fazendo da agricultura familiar o principal veículo de transição para a agricultura
baseada nestes princípios. A vida da família na propriedade também possibilita o conhecimento
detalhado dos diversos ambientes da propriedade, o que, sem dúvida, facilita o desenho
específico de sistemas produtivos.
Uma outra característica da agricultura familiar que se apresenta como um elemento
facilitador na adoção da agricultura orgânica é o tamanho da propriedade familiar. A agricultura
orgânica, que enfatiza o uso de tecnologia de processos, dada a sua complexidade, é dificilmente
adaptável a operações agrícolas de larga escala, já que não admite mecanização pesada e
exige uma gestão do uso do espaço e do tempo bastante elaborada.40
39 Como já se mencionou, a gestão do uso do espaço e do tempo na agricultura orgânica é bastante elaborada e
40 Cabe ressaltar que, segundo Weid (2001, p.63), teoricamente nada impede a adoção da agricultura orgânica
plena adoção desta agricultura orgânica nas grandes propriedades, qualquer mudança nos padrões de
produção que represente de fato menos perda de solo, menos desperdício de água, menos consumo de
energia, menos perda de biodiversidade e menor contaminação deve ser considerada positiva no processo de
transição para a produção com maior grau de sustentabilidade.
41 Segundo Padel (2001), o obstáculo maior, do ponto de vista técnico-organizacional, é a falta de informação e
conhecimento tanto no que se refere às normas e técnicas do sistema de produção orgânico – particularmente
ao modo como usar essa tecnologia e ao domínio prático desta – como às tecnologias de gestão, em especial
as ferramentas de planejamento.
42 Cabe mencionar que, apesar do crescimento da produção orgânica, existem poucas linhas de crédito específicas
para esta agricultura. Isto faz com que o agricultor tenha duas dificuldades de distinta ordem: existência limitada
de financiamento e desconhecimento de instrumentos de financiamento.
61
O quadro 2.5, a partir do estudo de Hernández (2005), traz uma síntese das
potencialidades e necessidades da agricultura familiar no desenvolvimento da agricultura orgânica
no que se refere a aspectos socioeconômicos e técnico-organizacionais.
Nos últimos anos os estudos vêm mostrando interesse crescente pelas atitudes e
preocupações dos consumidores relacionadas aos alimentos orgânicos. Naspetti e Zanoli
(2005) mostraram que existem percepções diferenciadas para a compra, dependendo do
país. O quadro 2.6 resume os três principais motivos para a compra de orgânicos em alguns
países da União Européia, comparados com as tendências no Brasil.
QUADRO 2.6 - PRINCIPAIS MOTIVOS PARA A COMPRA DE ORGÂNICOS PELOS CONSUMIDORES EM PAÍSES DA
EUROPA E BRASIL
Austrália (PEARSON, 1999); Estados Unidos (HENDERSON, 1999); França (SYLVANDER, 1998;
SYLVANDER et al., 2005); Dinamarca e Noruega (DUBGAARD; HOLST, 1994 e SOGN; PERSILLET;
SYLVANDER, 2002, respectivamente); Polônia (ZAKOWSKA-BIEMANS, 2002); Espanha (SOLER; GIL;
SÁNCHEZ, 2002) e Costa Rica (AGUIRRE; TUMLTY, 2002) e Argentina (RODRIGUEZ; LACAZE, 2005).
64
Um segundo tipo, mais recente e ainda pouco estudado, é o consumidor das redes
de supermercados, que, de acordo com os estudos, embora também mencione preocupações
com a questão ambiental, compra mais por impulso e de forma menos regular, comparativamente
com o grupo anterior.
Uma outra pesquisa de opinião pública, desta vez direcionada aos alimentos
orgânicos, foi realizada pelo Instituto Gallup45 no município de São Paulo. Os resultados
mostraram que os compradores de legumes e verduras já têm consciência da toxicidade dos
produtos cultivados com agrotóxicos e da dificuldade de produzi-los sem agrotóxicos. Por
isso, segundo a pesquisa, esses consumidores admitem pagar entre 20% e 30% a mais
pelos produtos orgânicos, desde que devidamente assegurados de que estes são mais
saudáveis que os produtos convencionais.
No que se refere ao perfil dos consumidores de produtos orgânicos, algumas
pesquisas realizadas no sul do Brasil (DAROLT, 2002a; KARAM; ZOLDAN, 2003; e KIRCHNER,
2006) mostraram que o consumidor orgânico é predominantemente do sexo feminino, atua
como profissional liberal ou funcionário público, sua idade varia entre 31 e 50 anos, com
famílias de 3 a 4 membros. Os dados mostram ainda que a maioria é usuária de internet, com
renda entre 9 e 12 salários mínimos, apresentando nível de instrução correspondente ao
ensino superior completo. Com relação aos jovens com menos de 20 anos, os estudos têm
apontado que a presença deles nos locais de vendas de orgânicos é praticamente
insignificante, menos de 2%.
De um modo geral também se aponta como características dos consumidores de
orgânicos o hábito de praticar esportes com freqüência e, mesmo morando na cidade,
procurarem um estilo de vida que permita o contato com a natureza, o que os faz
freqüentadores de áreas verdes urbanas e rurais. Além disso, são pessoas que privilegiam
terapias e medicina alternativas, tanto no tratamento da saúde como na manutenção da
qualidade de vida.
45 A pesquisa, patrocinada pelo Sítio "A Boa Terra", uma empresa agrícola que produz e comercializa hortaliças
orgânicas no município de São Paulo, foi realizada entre novembro e dezembro de 1996, com o objetivo de
conhecer a aceitabilidade dos legumes e verduras orgânicos que estavam sendo comercializados na cidade
de São Paulo.
66
Para Fonseca (2005), a demanda por produtos orgânicos acaba por pressionar
diferentes organizações no sentido de sensibilizar, satisfazer e proteger os consumidores,
dando-lhes garantia de que o produto está em conformidade com o que é apresentado. Dadas
as características predominantes do atual mercado agroalimentar, é por meio da certificação, do
selo e da rotulagem que vem se dando a garantia dos produtos orgânicos aos consumidores,
em particular naqueles estabelecimentos do varejo onde esses desconhecem completamente
a origem e o processo de produção.
Outros estudos têm mostrado que a questão da certificação é bastante flexibilizada
naqueles ambientes em que predominam relações características de circuitos locais de
comercialização. Nestes, as estratégias baseiam-se em relações de confiança que,
normalmente, têm raízes em um processo histórico ou de reconhecimento de competência
técnica e reputação em âmbito local, como é o caso das feiras, da distribuição de cestas,
das lojas de produtos naturais e outras redes sociais.
Algumas estratégias de fortalecimento do mercado orgânico local e regional vêm
sendo desencadeadas em vários locais do País, não só nas grandes como nas médias e
pequenas cidades, envolvendo uma rede de atores que abrange produtores, consumidores,
ONGs, iniciativa privada e poder público. A materialização de tais ações se expressa na
comercialização de produtos orgânicos em feiras mistas ou exclusivas, associações de
produtores, organizações de consumidores, restaurantes, lojas e pequeno varejo, bem como
em outras iniciativas de comércio justo e solidário.
Darolt (2005) descreve algumas experiências que estão ocorrendo na RMC47
envolvendo diretamente os consumidores e agricultores. Dentre elas destaca a visita orientada
de consumidores às propriedades orgânicas, ocasião em que é possível informar e dirimir
dúvidas dos consumidores a respeito de diversos aspectos, desde as dificuldades encontradas
pelos agricultores, sistema de produção, beneficiamento, comercialização e certificação. Dentre
47 Tais experiências estão sendo executadas pela Associação dos Consumidores de Produtos Orgânicos do
os objetivos de ações dessa natureza está o de buscar contribuir para mudanças de atitude do
consumidor, bem como do próprio produtor, por meio do diálogo e do conhecimento.
Também faz parte dessa estratégia possibilitar a relação de comercialização direta na
propriedade, por meio do sistema "colha-e-pague", que permite uma maior aproximação do
consumidor com o alimento. Além disso, no momento da visita valoriza-se a identidade dos
alimentos, que se expressa por meio da culinária, seja mediante um almoço com produtos
orgânicos na propriedade, seja pela degustação nas feiras livres ou em outros estabelecimentos,
situação que ganha significado para além da palavra.
O que tem se verificado em tais situações é que há uma troca de informações
entre as pessoas envolvidas nessa rede. Novos sabores, receitas e alimentos, com funções
de nutrir e curar, transformam-se em uma forma de sensibilização e comunicação,
envolvendo valores e o conjunto dos sentidos – paladar, olfato, tato, visão.
A venda direta na propriedade, face a face, também tem se revelado uma importante
estratégia de comercialização para muitos agricultores, fortalecendo a comunicação entre
estes e os consumidores. O resgate dos costumes e tradições locais na forma de produzir,
complementado com preços compensadores, qualidade biológica do produto, frescor e
sabor são algumas das vantagens desse processo. Contudo, neste caso têm sido essenciais
investimentos em infra-estrutura por parte do agricultor (estacionamento, banheiros, placas
indicativas) para a recepção de pessoas, situação bastante limitante para a maioria dos
agricultores orgânicos.
Nessa direção vêm se verificando também estratégias que visam à integração
das propriedades orgânicas em circuitos de turismo rural, em que aos processos produtivos
agroecológicos soma-se a valorização, pelos consumidores urbanos, da "redescoberta" do meio
rural, em que o ambiente natural, os rios com águas limpas e o ar puro integram a paisagem.
Uma outra estratégia que tem sido desenvolvida é a de motivar pessoas a formar
e participar de organizações de consumidores. Iniciativas têm sido registradas em vários
estados brasileiros, as quais têm se desenvolvido e mantido, seja através da divulgação e
informação sobre os produtos orgânicos, seja através de processos de comercialização. Na
Região Sul a pioneira nesse quadro foi a Cooperativa Ecológica COOLMEIA, fundada em
1978, em Porto Alegre-RS (em 2006 encerrou suas atividades), seguida da COOPET -
Cooperativa dos Consumidores de Produtos Ecológicos de Três Cachoeiras, fundada em
1999, no município de Três Cachoeiras-RS, e da ACOPA - Associação dos Consumidores de
Produtos Orgânicos do Paraná, fundada em 2000, em Curitiba-PR.
As feiras exclusivamente de produtos orgânicos, bem como as feiras mistas, têm
sido também uma importante estratégia de divulgação e ampliação no consumo de
orgânicos. Grande parte dos estudos que têm abordado a temática mostra que a feira tem
sido um lugar de encontro, de troca, um espaço privilegiado de educação para o consumo e
de ampliação nas relações de confiança para construção do mercado de orgânicos como um
projeto de cunho sustentável, colocando como um desafio a expansão desses espaços
(feiras/mercados fixos) em todas as cidades. Nesse sentido, é importante salientar aqui a
69
escolha do local para as feiras, pois tem-se verificado que aquelas situadas em parques,
praças e bosques têm se mostrado como locais ideais para o sucesso de uma feira de
orgânicos, principalmente nas grandes cidades.
Muitos dos estudiosos que têm trabalhado na perspectiva do consumidor de
orgânicos apontam a necessidade de tornar o consumidor um protagonista e articulador de
mudanças, como a estratégia fundamental para a consolidação do mercado de orgânicos.
Nesse sentido, o conhecimento, a educação para o consumo e a conscientização não só
sobre o produto mas também sobre o processo que envolve a agricultura orgânica torna-se
um dos principais desafios, lembrando-se que um dos maiores obstáculos para uma vida
sustentável é o aumento contínuo do consumo material, segundo tem destacado Capra (2003).
Motivar o consumidor individual a participar de processos organizativos tem sido
uma tarefa de grupos interessados. Contudo, é estratégico também que as políticas públicas
direcionadas ao desenvolvimento da agricultura orgânica contemplem a ação para e com
esses atores, apoiando os grupos já constituídos e estimulando a formação de novos grupos.
A seguir apresenta-se sinteticamente algumas considerações sobre a importância de se
considerar os consumidores de um ponto de vista coletivo, principalmente por meio de iniciativas
que envolvam a ação do Estado como um agente relevante no mercado institucional.
PNAE/MEC, em 2006, no Brasil, foi destinado R$ 1,5 bilhão à merenda escolar de alunos da pré-escola e do
ensino fundamental e de crianças mantidas por entidades filantrópicas com registro no Conselho Nacional de
Ação Social. Para os alunos do ensino fundamental e da pré-escola, o valor da merenda escolar é de R$ 0,22
por aluno/dia.
70
49 Este Acordo comercial foi firmado entre Canadá, Estados Unidos e México.
73
convencionais. O país importa principalmente: massa, cereais, café (do Brasil, da América
Latina), chá preto, erva-mate (Paraguai), vinho, cerveja, óleo, presunto, mel, vegetais
congelados (EUA, Nova Zelândia, Austrália, Canadá), nozes secas, frutas secas, frutas
frescas – kiwi, banana (México e Filipinas), laranja, carne bovina e de aves, açúcar, pão,
molhos, grãos e produtos à base de soja (China e EUA), salmão (Noruega).
Os três principais mercados no Japão são: (i) o sistema Teikei50; (ii) supermercados
e restaurantes; e (iii) cesta em domicílio. O sistema Teikei ("caixa") começou em 1971,
coordenado por dois grupos: a Associação Japonesa de AO (JONA51) e a Fundação
Internacional de Pesquisa em Agricultura Natural, baseada numa aliança entre produtores e
consumidores. Dos supermercados que vendem extensa linha de produtos naturais, verdes,
os que têm orgânicos adquirem seus produtos via brokers52 de alimentos, exportadores e
atacadistas. Segundo dados do Ministério da Agricultura Japonês para 2001 (MURAYAMA,
2003, p.25), a participação dos supermercados e restaurantes na comercialização de
produtos orgânicos é quase igual à participação das cooperativas de consumidores mais as
vendas diretas (cerca de 24%). Os outros mercados existentes são: cooperativas agrícolas
(33%), processadores de alimentos (14%), atacadistas (3%) e para consumo próprio (2%).
Nos países de alta renda, os produtos certificados da agricultura orgânica são
transacionados em diferentes mercados, podendo ser encontrados em diversos pontos de
comercialização. Nos grandes centros já existem supermercados só de produtos orgânicos,
como o Biogros, na França, o Bioethic, na Alemanha, a rede Planet Organic, no Reino
Unido, ou a cadeia de supermercados naturais Whole Foods, nos EUA. Cresce também o
mercado da venda direta, com transações entre "produtor-consumidor", como os Farmer
Street Market (Mercado dos Produtores) e CSA53.
Esse tipo de mercado, de venda direta, também tem crescido com as Feiras
Ecológicas nos países da América Latina e Caribe. Nestes países, além dos supermercados
também se identificam outros locais de venda, como as lojas de produtos naturais,
restaurantes, spas, hotéis, empresas aéreas e também o mercado institucional (merenda
escolar, hospitais etc.).
52 Brokers: sistema que substitui ou incorpora os diversos agentes envolvidos com a distribuição de alimentos,
quais sejam: o representante comercial, o distribuidor e o atacadista. A indústria e o atacado realizam a venda
por meio eletrônico e os fabricantes terceirizam o trabalho de ponto de venda com os brokers, que passam a
administrar as vendas.
53 CSA - Community Supported Agriculture, esquema de cooperação entre pequenos produtores e consumidores
urbanos, em que estes últimos apóiam com recursos financeiros e humanos a produção e distribuição de
seus alimentos.
74
A tabela 3.1 apresenta uma visão dos diferentes tipos de mercado para a
comercialização dos produtos orgânicos certificados nos principais países importadores.
Observa-se que a importância que cada canal representa depende de cada país, de cada
cultura, história de fomento, e está ligada também à estrutura já montada para abastecer
esses locais com produtos convencionais.
TABELA 3.1 - DISTRIBUIÇÃO DE PRODUTOS ORGÂNICOS NOS PRINCIPAIS MERCADOS DOS PAÍSES
DE ALTA RENDA
TABELA 3.2 - EVOLUÇÃO DA TAXA DE CRESCIMENTO DA ÁREA SOB MANEJO ORGÂNICO NOS BLOCOS
COMERCIAIS - 1999/2003
conhecimentos locais para atingir esses objetivos. Essas agências têm promovido ações no
sentido de incentivar e garantir o acesso dos agricultores familiares aos mercados locais. A
FAO, em 1999, incluiu a agricultura orgânica no seu programa de agricultura sustentável,
desenvolvendo um plano de médio prazo para traçar o perfil e apoiar o desenvolvimento dos
sistemas de agricultura orgânica (FAO, 2001).
Contudo, preocupações foram expressas pela UNCTAD no sentido de que as altas
taxas de crescimento da demanda por produtos orgânicos não sejam sustentáveis no longo
prazo, e que os objetivos dos governos europeus para o crescimento da produção podem não
ser realistas. Acredita-se que serão necessários maiores subsídios para atingir as metas
ambiciosas da União Européia. Pode haver um risco de saturação do mercado, embora isto
dependa dos preços dos produtos orgânicos certificados nos mercados (VOSSENAAR; JHA;
WYNEN, 2004).
Segundo dados da ITC, o mercado varejista mundial de alimentos e bebidas
orgânicos aumentou de US$ 10 bilhões de dólares, em 1997 (ITC, 1999), para 17,5 bilhões
em 2000, tendo sido estimado para 2003 entre US$ 23 e 25 bilhões, tendo por base a taxa
média de crescimento anual de cerca de 20%. Os mercados que mais cresceram nos dois
últimos anos foram do Reino Unido e dos EUA. Embora o mercado esteja crescendo a taxas
consideráveis (10 a 20% nos países de alta renda), indicando um enorme potencial, ainda é
pequena a fatia que os produtos orgânicos alcançam no market share total de vendas de
alimentos (1 a 3%, com destaque para Suíça e Dinamarca).
55 Para maiores informações, ver Conselho Estadual de Agroecologia Orgânica do Paraná (2002).
82
Social. Nele tem sido incentivada a produção de orgânicos por meio da compra de produtos
da agricultura familiar. Para isso, a CONAB possui uma linha especial de compras de produtos
oriundos da agricultura familiar para produtos agroecológicos ou orgânicos, desde que seja
atestada a origem do produto por entidade credenciada ou publicamente aceita como apta.
Aos produtores são pagos até 30% a mais por um produto agroecológico ou orgânico.
O conjunto das informações apresentadas permite afirmar que o Brasil ainda não
dispõe de ações programáticas e ordenadas para a agricultura orgânica. Constata-se isto
quando se verifica que há várias iniciativas que se encontram dispersas em diferentes
programas, desenvolvidas por diferentes ministérios. Tal situação indica a necessidade de
políticas mais contundentes e melhor orquestradas, evitando sobreposições e permitindo
que se vislumbre um efetivo desenvolvimento da agricultura orgânica no País.
56 Os dados referentes ao número de produtores apresentados pela SEAB/PR e EMATER/PR mostram problemas
de consolidação, uma vez que se percebeu, no decorrer da pesquisa de campo, que na maior parte das vezes o
mesmo produtor é contabilizado mais de uma vez, a partir dos diferentes cultivos existentes no estabelecimento.
Desta forma, não é possível considerar o número total de produtores para o Estado, embora se tome como
verossímil a informação relativa ao número de produtores para cada produto, a área e a produção.
84
TABELA 3.5 - NÚMERO DE PRODUTORES, PRODUÇÃO, ÁREA MÉDIA E PARTICIPAÇÃO DA PRODUÇÃO DOS
PRINCIPAIS PRODUTOS ORGÂNICOS DA GRANDE REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA E LITORAL
DO PARANÁ - SAFRA 2003/2004
PARTICIPAÇÃO
PRODUÇÃO DA PRODUÇÃO DO
PRINCIPAIS NÚMERO DE ÁREA MÉDIA DA GRANDE
GRANDE REGIÃO (t) PARANÁ (t)
PRODUTOS PRODUTORES (ha) REGIÃO/PARANÁ
A B
B/A (%)
Oeste
Nesta região a produção orgânica concentra-se em dois pólos situados nas cidades
de Cascavel e Toledo, os quais apresentam diversificação em termos de produtos cultivados,
embora a participação no total do Estado seja de apenas 8,7%. Os principais produtos são o
milho, que tem a maior participação estadual (21%), seguido da cana-de-açúcar, destinada à
86
produção de açúcar mascavo, e da soja (tabela 3.6). Na produção animal a região também se
diversifica, com a produção de aves (frango para corte), suínos, piscicultura e, principalmente,
com a produção de leite, com mais de 1,1 milhão de litros no ano de 2004, metade da produção
do Estado.
A comercialização dos produtos é praticada local e regionalmente, nas feiras e
supermercados.
TABELA 3.6 - NÚMERO DE PRODUTORES, PRODUÇÃO, ÁREA MÉDIA E PARTICIPAÇÃO DA PRODUÇÃO DOS
PRINCIPAIS PRODUTOS ORGÂNICOS DA GRANDE REGIÃO OESTE DO PARANÁ - SAFRA 2003/2004
PARTICIPAÇÃO
PRODUÇÃO DA PRODUÇÃO
PRINCIPAIS NÚMERO DE DA GRANDE
ÁREA MÉDIA (ha) GRANDE REGIÃO (t) DO PARANÁ (t)
PRODUTOS PRODUTORES REGIÃO/PARANÁ
A B
B/A (%)
Cana-de-açúcar
(açúcar mascavo) 32 1,6 2.366 19.486 12,1
Soja 66 8,7 1.123 9.295 12,0
Mandioca 18 3,0 904 8.721 10,3
Milho 69 2,3 607 2.848 21,3
Hortaliças 75 0,6 452 12.244 3,7
Frutas 35 0,5 132 7.752 1,7
TOTAL GERAL 366 2,8 5.799 66.256 8,7
FONTES: SEAB, EMATER
NOTA: Os valores totais referem-se ao total dos produtores da grande região e ao total da produção da grande região e do Estado.
Sudoeste
A grande região Sudoeste tem uma produção orgânica agrícola e pecuária bastante
diversificada, com alto grau de organização dos agricultores familiares, sendo que a produção é
comercializada em feiras, em equipamentos varejistas locais e regionais. A região é responsável
por 43% da soja orgânica produzida no Estado, sendo comercializada por empresas proces-
sadoras da região ou mesmo de fora, em geral para exportação. Além da soja, a região
participa com 1/5 da produção estadual de mandioca e milho (tabela 3.7).
TABELA 3.7 - NÚMERO DE PRODUTORES, PRODUÇÃO, ÁREA MÉDIA E PARTICIPAÇÃO DA PRODUÇÃO DOS
PRINCIPAIS PRODUTOS ORGÂNICOS DA GRANDE REGIÃO SUDOESTE DO PARANÁ - SAFRA 2003/2004
PARTICIPAÇÃO
PRODUÇÃO DA PRODUÇÃO DO
PRINCIPAIS NÚMERO DE ÁREA MÉDIA DA GRANDE
GRANDE REGIÃO (t) PARANÁ (t)
PRODUTOS PRODUTORES (ha) REGIÃO/PARANÁ
A B
B/A (%)
Norte e Noroeste
TABELA 3.8 - NÚMERO DE PRODUTORES, PRODUÇÃO, ÁREA MÉDIA E PARTICIPAÇÃO DA PRODUÇÃO DOS
PRINCIPAIS PRODUTOS ORGÂNICOS DA GRANDE REGIÃO NORTE E NOROESTE DO PARANÁ -
SAFRA 2003/2004
PARTICIPAÇÃO
PRODUÇÃO DA PRODUÇÃO DO
PRINCIPAIS NÚMERO DE ÁREA MÉDIA DA GRANDE
GRANDE REGIÃO (t) PARANÁ (t)
PRODUTOS PRODUTORES (ha) REGIÃO/PARANÁ
A B
B/A (%)
Cana-de-açúcar
(açúcar mascavo) 64 4,4 10.972 19.486 56,3
Mandioca 22 9,0 5.757 8.721 66,0
Hortaliças 227 1,0 2.406 12.244 19,6
Frutas 165 3,1 2.255 7.752 29,0
Soja 99 9,3 2.089 9.295 22,4
Milho 26 4,7 472 2.848 16,5
Café 152 6,0 428 473 90,4
TOTAL GERAL 853 4,0 24.826 66.256 37,4
Centro-Sul
Embora esta grande região participe com menos de 10% do total da produção
orgânica do Estado, em termos de produtos tem participação importante na produção de
grãos, principalmente do feijão orgânico, nas regiões de Guarapuava e Ponta Grossa, e do
trigo, nesta última região (tabela 3.9). No caso do feijão, é expressivo o número de produtores
da região, representando cerca de 1/3 do total de agricultores familiares do Estado. Do mesmo
modo, também é significativa a produção de erva-mate nas regiões de União da Vitória e
Guarapuava, onde o produto é beneficiado para consumo na forma de chás.
Dentre os produtos de origem animal a produção de mel merece destaque, com
46% da produção do Estado concentrada na região de Irati. Com menor representatividade
seguem as produções de frango para corte, suínos, peixe e leite.
TABELA 3.9 - NÚMERO DE PRODUTORES, PRODUÇÃO, ÁREA MÉDIA E PARTICIPAÇÃO DA PRODUÇÃO DOS PRINCIPAIS
PRODUTOS ORGÂNICOS DA GRANDE REGIÃO CENTRO-SUL DO PARANÁ - SAFRA 2003/2004
PARTICIPAÇÃO
PRODUÇÃO DA PRODUÇÃO DO
PRINCIPAIS NÚMERO DE ÁREA MÉDIA DA GRANDE
GRANDE REGIÃO (t) PARANÁ (t)
PRODUTOS PRODUTORES (ha) REGIÃO/PARANÁ
A B
B/A (%)
Instituições governamentais
Nos últimos anos, o poder público em todos os níveis – federal, estadual e municipal –
tem tido participação importante no desenvolvimento da agricultura orgânica, por meio de
algumas ações, programas e políticas de incentivo ao desenvolvimento da agricultura familiar.
Os quadros 3.2, 3.3 e 3.4, a seguir, destacam essa participação.
Entidades não-governamentais
90
QUADRO 3.3 - INSTITUIÇÕES PÚBLICAS ESTADUAIS DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
continua
91
QUADRO 3.3 - INSTITUIÇÕES PÚBLICAS ESTADUAIS DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
continua
92
QUADRO 3.3 - INSTITUIÇÕES PÚBLICAS ESTADUAIS DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
conclusão
93
QUADRO 3.4 - INSTITUIÇÕES PÚBLICAS MUNICIPAIS DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
continua
94
QUADRO 3.4 - INSTITUIÇÕES PÚBLICAS MUNICIPAIS DE APOIO à AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
conclusão
95
QUADRO 3.5 - ENTIDADES NÃO-GOVERNAMENTAIS DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
continua
96
QUADRO 3.5 - ENTIDADES NÃO-GOVERNAMENTAIS DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
continua
97
QUADRO 3.5 - ENTIDADES NÃO-GOVERNAMENTAIS DE APOIO à AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
continua
98
QUADRO 3.5 - ENTIDADES NÃO-GOVERNAMENTAIS DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
continua
99
QUADRO 3.5 - ENTIDADES NÃO-GOVERNAMENTAIS DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
conclusão
100
QUADRO 3.6 - OUTRAS ENTIDADES DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
continua
101
QUADRO 3.6 - OUTRAS ENTIDADES DE APOIO À AGRICULTURA ORGÂNICA NO PARANÁ - 2006
conclusão
PROCAXIAS - Localizado em - Principais produtos desenvolvidos - plantas - Falta assistência técnica. - Mercado de orgânicos em crescimento.
Quedas do Iguaçu, foi implantado medicinais, banana-passa, soja, hortaliças e - Falta crédito para os agricultores. - Venda através do PAA.
em 1999, através de uma frutas.
associação de municípios da - Na área do assentamento a ONG WWF-Brasil
região centro-sul paranaense: São tem prestado serviço visando ao
Jorge d'Oeste, Capitão Leônidas desenvolvimento agroecológico e ambiental e à
Marques, Três Barras do Paraná, capacitação técnica de produtores.
Cruzeiro do Iguaçu, Boa Vista - Tem recebido apoio institucional de prefeituras
d'Aparecida, Boa Esperança, Nova e do SEBRAE.
Prata do Iguaçu, Salto do Lontra e
Quedas do Iguaçu
102
103
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105
Com base nos dados coletados na pesquisa de campo elaborou-se uma tipologia
das feiras de orgânicos no Estado do Paraná considerando dois aspectos principais: modo
de estruturação e funcionamento. Em todas as feiras predomina a comercialização dos produtos
pelos próprios agricultores familiares produtores de orgânicos. Contudo, as diferenças podem
ser explicadas por um conjunto de fatores que envolvem forma de produção, processo de
certificação, organização dos produtores, fatores socioculturais e apoio institucional (municipal,
estadual e federal). Nesse sentido, três tipos de situações foram observadas: as feiras orgânicas,
as agroecológicas e as mistas (orgânicas e convencionais).
As feiras orgânicas são caracterizadas pela presença de produtores certificados,
que comercializam produtos in natura e processados no próprio estabelecimento ou de
terceiros também certificados, seguindo as normas da Lei 10.83157. A barraca e a
propriedade recebem o selo de certificação, com validade de um ano, que pode ser por
auditagem ou participativa.58
Este tipo de feira é característico de municípios com maior número de habitantes, a
exemplo de Curitiba, que atualmente conta com seis locais de comercialização na cidade.
O quadro 4.1 mostra que esse tipo de feira tende a se estabelecer em capitais e
municípios de maior porte, como já acontece em outros estados do País. Dos seis locais de
feiras orgânicas em Curitiba, quatro foram abertos nos últimos cinco anos. Entretanto, a
análise do contexto das feiras livres, quanto à representatividade e abrangência, mostra que
o número de pontos de feiras orgânicas ainda é pequeno em relação às feiras convencionais,
que contabilizam 40 pontos de vendas em 75 bairros da cidade. Vale lembrar que todos os
pontos funcionam em bairros de maior poder aquisitivo no centro da cidade e entorno.
57 A Lei 10.831 estabelece normas para produção, processamento, transporte e comercialização de produtos orgânicos.
58 A diferenciação nos formas de certificação são discutidas neste trabalho na Parte 2, item 2.2, que trata da
QUADRO 4.1 - LOCAL, ESTRUTURA, DIA DE FUNCIONAMENTO E DATA DE ABERTURA DAS FEIRAS ORGÂNICAS
EM CURITIBA - PARANÁ - 2006
A feira orgânica de Curitiba, conhecida inicialmente como "Feira Verde", foi inaugurada
em 1989, com uma barraca junto à feira de artesanato no Largo da Ordem, na Rua Jaime Reis,
ao lado da Sociedade Garibaldi. Foi criada oficialmente em 06/06/1993, com oito barracas, e
depois transferida para o Passeio Público, em 18/03/1995, com 10 barracas. Em 2005, este
espaço de comercialização passou a ser denominado "Feiras Orgânicas"59.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento (SMAB)
de Curitiba, em 2006 foram contabilizados 39 permissionários nos seis locais de feiras orgâ-
nicas, sendo 34 produtores certificados e 5 distribuidores, que trabalham com revenda de
produtos certificados.
Os dados de acompanhamento da comercialização mostram que o consumo nas
feiras orgânicas passou de 156 toneladas/ano, em 1997, para 470 toneladas/ano, em 2005,
segundo informações obtidas junto à Secretaria Municipal do Abastecimento de Curitiba. No
gráfico 4.1, a seguir, observa-se que o incremento maior na comercialização ocorreu entre 2000
e 2001, mantendo-se relativamente estável nos anos seguintes. Alguns fatores contribuíram
para o aumento nas vendas das feiras orgânicas, como a frustração das associações na
comercialização com os supermercados, a abertura de novos pontos de feira, a expansão
do número de agricultores e de barracas nas feiras, acrescidos da maior divulgação a
respeito dos produtos na mídia. Nesse mesmo período ocorreu também a fundação da
Associação de Consumidores de Produtos Orgânicos do Paraná (ACOPA)60, que tem como
um de seus objetivos a divulgação da agricultura orgânica.
59 Ver item 2.2, Parte 2, deste estudo, que aborda a institucionalização da agricultura orgânica no Paraná.
60 A ACOPA foi fundada em 15 de julho de 2000 com o objetivo de aproximar agricultor e consumidor, e apoiar o
consumo responsável e o mercado justo e solidário. Possui uma barraca na feira do Passeio Público para divulgar e
apoiar a abertura de novos pontos de venda de orgânicos na cidade, estimulando o consumo consciente.
107
estados brasileiros e mesmo de outros países. Encontrar a equação ideal entre a participação
das associações de agricultores e as empresas nesse empreendimento será um desafio
para todos os envolvidos no processo. Para diminuir a margem de erro, o apoio institucional
da Prefeitura Municipal tem sido decisivo, realizando pesquisas com os consumidores, os
produtores e os distribuidores. Tomando como base o Mercado Municipal de produtos
convencionais, a tendência é de que os produtos in natura e processados, provenientes da
região, sejam comercializados pelas associações, enquanto produtos orgânicos processados
de outras regiões e países seja tarefa das empresas.
Em relação à divulgação, o estudo de campo mostra que não existe uma estratégia
de marketing que permita aos consumidores diferenciarem a feira orgânica de uma feira
convencional, por exemplo. Apesar de a feira orgânica apresentar barracas diferenciadas
(confeccionadas em bambu) e o selo de certificação (pouco reconhecido pelos consumidores),
as informações ainda são insuficientes para sensibilizar a grande massa de consumidores
em potencial, o que faz com que o aumento do número de clientes seja gradual, ocorrendo
principalmente na forma de comunicação direta (boca-a-boca).
Em pesquisa recente, Kirchner (2006) observou que a média de público que passa
pela maior feira orgânica do Estado, a do Passeio Público, é similar à média da feira
convencional, cerca de 600 pessoas/feira, com pico entre 10 e 12 horas. A pesquisa revelou
também que o perfil do público em feiras orgânicas e convencionais também é semelhante,
formado por profissionais liberais e funcionários públicos com famílias de 3 a 4 membros,
nível de renda entre 9 e 12 salários mínimos e instrução superior. É interessante observar que os
consumidores de produtos convencionais mostram-se motivados a adquirir produtos orgânicos,
porém consideram como entraves o preço alto e a dificuldade de encontrá-los. Muitos
consumidores desconhecem o local da feira orgânica próximo à residência, bem como as
diferenças entre as feiras orgânicas e as convencionais.
Um dos motivos principais para o baixo consumo dos orgânicos está relacionado aos
altos preços destes. Nesse sentido, o tipo de canal tem influência preponderante. O gráfico
4.2 mostra uma comparação de preços, para uma cesta de 13 produtos hortifrutigranjeiros,
entre a feira convencional e a orgânica. Os resultados indicam uma similaridade em relação
ao preço e qualidade dos produtos. Assim, pode-se concluir que o fator preço, normalmente
apontado como motivo para o não-consumo de orgânicos, não é relevante neste tipo de
canal – as feiras – para uma mudança de atitude do consumidor.
109
Por outro lado, quando se comparam os preços dos orgânicos nas feiras e supermer-
cados, as diferenças são muito significativas, apontando uma variação superior a 100% (gráfico
4.3). Como a maior parte das pessoas freqüenta os supermercados, a imagem predominante
é a de que os produtos orgânicos são caros, difíceis de encontrar e destinados à população
com alto poder aquisitivo.
Quanto à origem dos produtos, a maior parte das hortaliças e frutas in natura
encontradas na feira orgânica é proveniente de produção própria e colhida num raio que varia
entre 30 e 100 km do local dos estabelecimentos dos agricultores familiares. Alguns produtos
processados, com destaque para sucos de frutas e geléias, são provenientes de outras
regiões e também de outros estados, como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo.
110
O terceiro tipo de feira encontrado na pesquisa é a feira mista, que possui barracas
de venda de produtos certificados (orgânicos e/ou agroecológicos) e produtos convencionais e
hidropônicos (com uso de agrotóxicos e adubos químicos). Este tipo de feira ocorre no Paraná
em cidades-pólo, como Maringá. A estrutura e o funcionamento das barracas orgânicas seguem
as mesmas regras da feira convencional, ocupando uma pequena parte (de 10% a 15%) em
relação ao total de barracas. A diferenciação básica se dá por meio de cartazes e faixas, que
identificam as barracas como certificadas. Os preços praticados apresentam uma pequena
diferença em relação aos dos similares convencionais, cerca de 5 a 10% superiores.
Em termos de divulgação, esse formato acaba por confundir ainda mais o consumidor,
por nivelar os produtos orgânicos com os convencionais e hidropônicos. Outro ponto a ser
observado é que, nos grandes centros, parte dos produtos convencionais é proveniente das
Centrais de Abastecimento Atacadistas (CEASAs), fazendo o agricultor mais o papel de
intermediário do que de produtor. Neste caso, a maior parte dos produtos é proveniente de
outros estados, com destaque para São Paulo, que possui o maior centro atacadista da América
Latina, distribuindo para as regiões Norte e Oeste do Paraná, além de Curitiba. Ressalte-se que
esta concorrência acaba prejudicando os produtores orgânicos.
Segundo os agricultores entrevistados as dificuldades estão relacionadas, sobretudo,
à falta de assistência técnica na produção, e de assistência administrativa na comercialização, o
que resulta na pouca diversidade de produtos oferecidos. No caso de Maringá, as 13 barracas
de orgânicos acabam ofertando os mesmos tipos de produtos, destacando-se alface, almeirão,
rúcula e cenoura, evidenciando uma falta de planejamento conjunto da produção. Os dados da
pesquisa mostram uma aparente contradição. Se por um lado a demanda dos consumidores
aumenta, há pouco interesse por parte de novos agricultores de se inserirem no processo, o
que pode ser explicado pela gestão inadequada do processo e pela falta de apoio para a
diminuição dos riscos inerentes à fase de conversão.
A pesquisa identificou ainda outras dinâmicas de comercialização de orgânicos, como
a entrega de cestas em domicílio, restaurantes e pequenos varejos, e o mercado ambulante,
que circula com veículo identificado (em bairros de Marechal Cândido Rondon, por exemplo).
Outras oportunidades têm surgido com as vendas institucionais para merenda escolar e
instituições públicas.
Além do trabalho dos próprios agricultores familiares e de suas entidades de
apoio, o que se verificou é que o apoio institucional tem sido decisivo, situação que ficou
evidente em alguns municípios do Oeste do Paraná.
No quadro 4.2, a seguir, apresentam-se algumas características do mercado face
a face, destacando-se as feiras, a entrega em domicílio e a venda direta, apontando-se
também algumas oportunidades e restrições identificadas.
QUADRO 4.2 - MERCADO DA VENDA DIRETA DE PRODUTOS ORGÂNICOS (FEIRAS, ENTREGA EM DOMICÍLIO E VENDA NA PROPRIEDADE) - CARACTERÍSTICAS, OPORTUNIDADES E
RESTRIÇÕES - PARANÁ -2006
112
113
agricultores a eles ligados. Alguns produtos são trazidos de outras regiões do Estado e também
dos demais estados do sul do País. Entretanto, em sua expressiva maioria são originários
da produção de agricultores familiares individuais ou de organizações de agricultores.
Para o presente estudo, uma das principais características a ser consideradas é
que neste mercado as transações comerciais são estabelecidas mediante a relação face a
face entre o produtor e o consumidor. Em todos os tipos de feiras mencionados são os próprios
agricultores familiares os comerciantes dos produtos orgânicos, e, como já se mencionou,
uma mesma barraca pode oferecer produtos de uma única família de agricultor ou reunir a
produção de mais de uma família e mesmo de um grupo de agricultores familiares.
Esse tipo de mercado oportuniza, de um lado, que o consumidor tenha um maior
conhecimento sobre os produtos que está comprando, o que de certa forma amplia sua
compreensão de que, para além do produto, há um processo que envolve o sistema de
produção, e, do lado do agricultor, há a oportunidade de desenvolver habilidades no âmbito
das transações comerciais, o que certamente contribui para a apreensão do mercado como
um ambiente fundado em relações sociais.
O presente estudo identificou que esse último formato também predomina na cidade
de Curitiba, cujas características de abastecimento assemelham-se àquelas dos grandes
centros urbanos da Região Sudeste do País. Como se mostra a seguir, as grandes redes da
capital só transacionam com fornecedores já estruturados empresarialmente, os quais mantêm
115
61 A AOPA foi criada em 1995 tendo como um de seus objetivos viabilizar processos de comercialização da
produção de orgânicos para os agricultores a ela associados. A comercialização de alguns agricultores já ocorria
no mercado face a face, na Feira Verde e na entrega de sacolas, mas o objetivo da Associação era encontrar
novos canais a fim de dar vazão à produção que crescia em volume à medida que se ampliava o número de
novos agricultores. A primeira iniciativa da AOPA na relação com supermercados ocorreu fora do Paraná, em
1996, resultando de uma parceria com uma empresa paulista, fornecedora de produtos orgânicos no mercado
varejista de São Paulo, atendendo lojas do Carrefour e da rede Pão de Açúcar. Frustrados nesta primeira
iniciativa, voltaram, em 1998, a estabelecer nova parceria com outra empresa, Sítio "A Boa Terra", para também
entregar produtos às redes de supermercados (KARAM, 2001, p.123-130).
116
do município de Colombo, na RMC, e transferiu sua sede junto a esta entidade, que passava
por dificuldades de manutenção.
Embora a APAC e seus agricultores já comercializassem a produção de hortaliças
com algumas redes de supermercados da cidade de Curitiba, foi a AOPA que desencadeou
as negociações com os supermercados para comercialização de produtos orgânicos na
RMC, através das gerências de FLV. Em 1997 começaram a ser atendidas quatro lojas da
rede Mercadorama de Curitiba. Em 1998 a relação comercial ampliou-se para 12 lojas, e em
1999 este número cresceu para 16 lojas de supermercados que ofertam produtos orgânicos
em Curitiba, sendo a maioria da rede Mercadorama (KARAM, 2001, p.128-129).
Cabe destacar que os agricultores familiares envolvidos não se restringiam somente
àqueles situados nos municípios da RMC, mas também participaram deste processo grupos
de agricultores associados à AOPA da região centro-sul do Estado (principalmente União da
Vitória e entorno, Palmeira, Irati, São João do Triunfo, Lapa, entre outros).
Ao mesmo tempo em que a AOPA acompanhava tecnicamente a produção orgânica,
para atender ao mercado varejista foi necessário montar e organizar toda uma estrutura de
recebimento, seleção, embalagem dos produtos, bem como a logística de distribuição às
lojas dos supermercados. Os dois principais embates, na época, eram a dificuldade em
efetivar o planejamento da produção, garantindo a produção demandada pelas lojas, e arcar
com o processo de devolução dos produtos não comercializados pelos supermercados, que
tratavam os produtos orgânicos nos mesmos termos da relação contratual com os
fornecedores de hortaliças convencionais.
Entre 2000 e 2001, a relação entre a associação e os supermercados, já bastante
tensionada, chega no limite, e os agricultores, em assembléia, decidem desistir de se relacionar
por meio da AOPA com os supermercados. As razões que levaram à decisão passavam pelas
novas relações contratuais impostas pelo grupo Sonae, como aquisição do espaço, devolução
integral, taxa sobre cada produto cadastrado, e, a mais perversa, o pagamento à Associação
passou a ser feito mensalmente, chegando a ocorrer, porém, 120 dias após a entrega
dos produtos.62
A partir desse período as relações entre os fornecedores e os supermercados
passaram a ocorrer nos moldes que predominam no mercado agroalimentar, tendo, de um
lado, os próprios equipamentos, e, de outro, empresas estruturadas para tal fim. A exceção
ficou por conta de algumas lojas de supermercados locais e regionais, que permaneceram
62 A AOPA, após ter deliberado pelo fim da relação com os supermercados, transferiu sua sede para Curitiba,
com o propósito de instalar uma loja de produtos orgânicos. A loja funcionou até 2003. Os produtos eram
entregues no local, onde havia um barracão para recepção, seleção e armazenagem dos produtos, sendo
vendidos prioritariamente a granel, tanto aqueles in natura como os grãos. A diversidade ofertada era bastante
expressiva, com produtos tanto da RMC como de outras regiões do Paraná, e também de outros estados.
117
negociando com a APAC, a qual, além dos produtores de hortaliças convencionais, tinha já
agricultores produzindo orgânicos.
Duas empresas estruturaram-se e mantêm-se como as principais fornecedoras
para os supermercados de Curitiba: Fruto da Terra e Rio de Una. A primeira é de propriedade
de uma família agricultora do município de Colombo, tradicionais produtores de hortaliças,
que em 1995 destinaram uma parte das terras para o cultivo de orgânicos. Como a empresa
já era fornecedora e transacionava com os supermercados, a partir de 2000 estrutura-se como
uma fornecedora empresarial de orgânicos. A segunda é uma empresa instalada no município
de São José dos Pinhais, que antes de 2002 já era fornecedora de hortaliças para os
supermercados, atuando principalmente com embalados e minimamente processados. A partir
dessa data deixa de produzir e ingressa no ramo de orgânicos como uma empresa agrícola.63
Essas empresas obtêm grande parte da produção de agricultores familiares, com os
quais mantêm relações de integração vertical e, por vezes, horizontal, denominadas parcerias.
Atualmente, segundo informações dos gerentes das maiores redes de supermer-
cados da região de Curitiba, no setor de FLV o percentual das vendas de hortícolas orgânicas
em relação às convencionais varia de 8% a 15%, contra menos de 3%, há dois anos. As
hortaliças são, sem dúvida, o grupo de produtos orgânicos de maior comercialização nos
equipamentos varejistas, sendo que o percentual de vendas dos produtos orgânicos de
mercearia seca (produtos não-perecíveis e que não precisam de refrigeração) em relação
aos similares convencionais é irrisório.64
Os supermercados em Curitiba
63 A empresa Rio de Una iniciou suas atividades em 1996 como uma empresa de alimentos, trabalhando com
65 O Wal-Mart é uma empresa varejista americana que atua também no ramo supermercadista. Em 2006 a
empresa comprou a rede de supermercados do grupo Sonae, em Curitiba, sendo que este último havia
adquirido a rede regional Mercadorama, atuante em Curitiba, em 2000.
118
Nas grandes redes, até o ano de 2004 as negociações e o recebimento dos produtos
hortícolas eram definidos e realizados pelos responsáveis do setor de FLV, diretamente nas lojas.
Mais recentemente os procedimentos são feitos pelas centrais de compras e distribuição.66
Os fatores que motivaram essas mudanças foram principalmente o aumento da demanda,
das vendas no varejo e do volume, e a concentração da oferta em duas grandes empresas
fornecedoras em Curitiba (Fruto da Terra e Rio de Una), o que permitiu aos supermercados
empregar a mesma logística aplicada aos demais grupos de produtos comercializados.
Também contribuiu para isso o movimento recente e acentuado de concentração no setor
supermercadista em Curitiba e no Paraná, com aquisições de redes de médio e grande
portes por grupos maiores (o Wal-Mart adquiriu o Sonae, em 2005), os quais têm aberto um
número significativo de novas lojas nas principais cidades do Estado. Nas demais redes, de
médio e pequeno portes,67 predomina o modo anterior de aquisição de produtos pelas lojas,
com tendência a centralizar os processos à medida que crescem e ajustam a logística.
Em termos de estrutura desse tipo de mercado, os produtos orgânicos estão
inseridos nos processos de transação comercial da mesma forma que os demais produtos do
mercado agroalimentar. Entretanto, há algumas iniciativas nas redes maiores, que atualmente
mantêm um mesmo profissional para negociar a aquisição dos produtos com os fornecedores
atuais e buscar novos fornecedores, quer se trate de produtos convencionais ou orgânicos,
declarando a atenção ao crescimento da demanda destes últimos. Porém, de modo geral
não há qualquer diferença nas negociações por se tratar de produto orgânico – os prazos de
pagamento, a consignação, as formas de desconto e a devolução são semelhantes aos que
se aplicam aos demais produtos.
66 No Wal-Mart o processo é coordenado pelo Clube do Produtor, uma gerência responsável pela negociação
com os produtores/fornecedores de FLV convencionais e orgânicos, fiambreria, padaria, açougue e peixaria.
Nos demais, há os encarregados pelas negociações nos diferentes setores de produtos, nas Centrais de
Compras e Distribuição (CDs).
67 Segundo a tipificação dos formatos de loja elaborada pela Abras/Nielsen, um supermercado pequeno possui
até 250 m² de área de vendas, em média 3 check-outs (caixas de saída) e número médio de 5.000 itens de
venda. Nos supermercados médios, esses indicadores situam-se em 1.001 a 2.500 m² de área de venda, 12
caixas e média de 14.464 itens ofertados. Os grandes, classificados como supermercados ou hipermercados
compactos, têm uma área de venda de 2.501 a 5.000 m² de venda, 22 check-outs e média de 19.880 itens
ofertados. Finalmente, os hipermercados possuem acima de 5.000 m², 49 caixas e média de 36.716 itens.
119
A visão dos supermercados com relação aos orgânicos é apresentada a seguir, a partir
de algumas entrevistas realizadas com gerentes ou responsáveis por setores de frutas, legumes
e verduras. Em geral, esses referem-se aos produtos orgânicos de forma positiva quanto:
- às suas peculiaridades (por serem isentos de agrotóxicos, pela qualidade
alimentar);
68 A ACEMPRE (Associação Central de Produtores Rurais Ecológicos) comercializa produtos de uma "rede" de
associações de agricultores familiares orgânicos, estruturada há uma década, e atende aos supermercados
locais, porém de forma intermitente.
120
Relativamente aos pontos negativos, afirmam que o principal deles está na esfera
da produção, referindo-se ao fato de a atividade não estar estruturada tal como a produção
convencional, o que resulta em dificuldades para atender aos parâmetros ditados pelo mercado
agroalimentar.
Segundo esses mesmos gerentes, a comercialização de produtos orgânicos ainda
não se firmou no grande varejo pelas seguintes dificuldades:
a) pouco volume e diversidade - alega-se que os clientes demandam a mesma
variedade de produtos orgânicos durante todo o ano, por estarem habituados
a consumir os produtos convencionais sem muita variação no suprimento;
afirmam também que, além das hortaliças, há poucos produtos disponíveis,
como frutas e produtos de origem animal;
b) preço elevado - o preço pago ao produtor seria muito superior ao dos
produtos convencionais, acima de uma variação admitida pela maioria como
razoável (em torno de 30% a mais). Contudo, em nenhum dos casos solicitados
os entrevistados dispuseram-se a apresentar a planilha de preços pagos aos
produtores. Em consulta aos produtores, a afirmação geral é de que os seus
produtos são mais caros que os convencionais, mas com variações para mais
que raramente excedem os 50%.69
c) insuficientes divulgação institucional/campanhas educativas da população - os
produtos orgânicos são divulgados na mídia apenas em ocasiões especiais,
como a Semana de Alimentos Orgânicos; mesmo os consumidores de renda
elevada e outros, como os profissionais da saúde, são pouco incentivados a
consumir orgânicos;
d) atuação dos fornecedores - segundo os entrevistados, os fornecedores de
orgânicos devem responsabilizar-se pela promoção, exposição, arrumação e
reposição dos produtos nas gôndolas, a exemplo dos demais fornecedores de
produtos convencionais.
69 É o caso dos produtos fora de época ideal da espécie, de produção extemporânea, em situações bastante adversas
de clima etc. Um fornecedor em Curitiba afirmou que, em diversas ocasiões, quando os produtores baixam o
preço dos produtos, os supermercados não fazem o mesmo, acarretando aumento das margens de lucro.
121
QUADRO 4.3 - FORNECEDORES DE PRODUTOS ORGÂNICOS PARA AS LOJAS DE CURITIBA - PARANÁ - 2006
A pesquisa mostrou que a maioria das lojas trabalha com o esquema de entrega
de sacolas em domicílio. Este serviço, ainda pouco explorado, permite que o consumidor
receba os produtos orgânicos em casa com preços inferiores aos dos supermercados e um
pouco superiores aos da feira. A operacionalização desse sistema de venda ocorre de
diferentes maneiras: pela internet, com opção de escolha de produtos pelo cliente, ou por
meio de telefonema a cada um dos clientes, fornecendo-lhes a lista dos produtos disponíveis
naquele dia. A maioria das lojas procura valorizar suas vendas oferecendo material educativo
sobre os orgânicos, como fôlderes, panfletos, distribuídos nas sacolas ou durante as vendas
no balcão.
Outra constatação do estudo é que a procura dos consumidores por orgânicos está
crescendo e que este canal ajuda na divulgação e conscientização do trabalho das associações.
O trabalho de certificação também oferece uma garantia ao consumidor e auxilia nas vendas.
A aquisição dos produtos pelas lojas segue alguns critérios. São eles, em ordem
de prioridade:
- o produto deve ser certificado, o que aumenta a credibilidade e facilita a
comercialização;
- diversidade de produtos (mix) (para o abastecimento da loja, o que permite oferecer
diversificação ao consumidor);
- preço e prazo (pois possibilitam capital de giro);
- negociação do frete (relação custo/benefício).
O terceiro produto mais comercializado deste grupo é a soja em grão. Por último, tem-se o
fubá (amarelo e branco, respectivamente). Um dos pontos que podemos destacar neste
grupo é a falta de milho orgânico ranço no mercado.
Passando para a análise da venda de frutas orgânicas, ficou evidente, na
pesquisa, a dificuldade de aquisição deste produto no Estado do Paraná, mostrando o
grande potencial para as diferentes regiões do Estado, que têm a possibilidade de trabalhar
com frutas orgânicas tropicais e temperadas. A procura maior é por laranja, seguida de
mamão papaia, que apresenta preços muito altos (R$ 12,00/quilo), caqui, abacaxi e banana.
Em relação à venda de produtos de origem animal, os mais procurados são os
derivados de leite (queijo, manteiga e iogurte), o frango, o peixe e o porco. Para os suínos, o
fornecimento foi interrompido em função da perda de certificação e descredenciamento do
fornecedor, por falta de ingredientes orgânicos na ração. Outro grupo importante de
produtos para sustentação de uma loja é o alimento processado. A venda maior ocorre com
os sucos de frutas, com destaque para o suco de uva, citrus e amora preta. Neste grupo,
seguem as geléias de frutas, como a de morango, e novidades como a geléia de melancia
sem açúcar. Por último, têm-se as farinhas de trigo, soja e arroz.
Quanto à origem dos produtos, os resultados da pesquisa mostram que a maioria
deles é adquirida de produtores individuais ou de associações de produtores locais. No caso
de Curitiba, 100% das hortaliças folhosas são provenientes de municípios da RMC que se
encontram num raio de até 60 km da loja. Para os legumes, 60% vêm da RMC e os outros
40% do Norte, Oeste e Centro do Paraná. No caso da cenoura, por exemplo, a região Norte
apresenta um clima bastante favorável à adaptação desta cultura ao sistema orgânico.
As frutas são originárias da RMC (Adrianópolis, Cerro Azul) e Litoral, que
respondem por 25% do total comercializado, seguidos de municípios das regiões Norte e
Oeste do Paraná, que respondem por 50%, e o restante, 25%, é proveniente de outros
estados (15% de Santa Catarina - maçã, kiwi, maracujá; 5% do Rio Grande do Sul -
Ecocitrus; 5% de São Paulo - manga, laranja, tangerina morgote).
Os grãos comercializados são originários do próprio Estado do Paraná (60%) e do
Rio Grande do Sul (40%). Os feijões são provenientes do grupo da Rede Ecovida do município
da Lapa, e o arroz tem origem na região do litoral do Paraná e do Rio Grande do Sul.
Para os processados, a pesquisa mostrou que o Paraná tem um grande potencial
de investimento nas agroindústrias orgânicas. A maior parte (60%) deles vem do Rio Grande
do Sul (doces e geléias sem açúcar), 20% do Paraná, 10% de Santa Catarina (Cooperativa
Afruta) e 10% de São Paulo.
O perfil do consumidor das lojas é semelhante ao que foi identificado nas feiras.
A maioria dos clientes são mulheres que buscam, normalmente, produtos orgânicos in natura.
Os homens procuram mais os processados, como bebidas (vinhos e cachaças). A faixa de
idade dos compradores está entre os 35 e 50 anos, e o nível de renda situa-se acima dos
10 salários mínimos.
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Muitos outros aspectos merecem destaque nesses tipos de relação, dentre eles a
troca de experiências entre os agricultores e a empresa. Nesse sentido, os pontos mais
ressaltados foram relativos ao sistema produtivo, tanto no que se refere a contar com
assistência técnica, como ter acesso a insumos orgânicos. Ainda neste campo destacam-se
a organização e o próprio planejamento da produção, o qual favorece não só a empresa,
garantindo regularidade, diversidade, quantidade, qualidade etc., mas também contribui com
o agricultor que se organiza na unidade. Outro aspecto mencionado refere-se à certificação,
quando, via de regra, a empresa contribui com os agricultores na viabilização da acreditação,
particularmente naquelas situações em que o produto final é destinado à exportação. Por
fim, cabe citar a maior estabilidade financeira do agricultor, desde que a empresa efetivamente
cumpra com os acordos estabelecidos previamente.
À exceção de situações bastante particulares, onde estão envolvidos agentes
relacionados ao mercado justo (fair-trade), também neste tipo de mercado o que se verifica
é uma maior ênfase nas tecnologias de produto do que nas de processo.
Do ponto de vista da gestão da produção processada ou beneficiada, o resultado
da pesquisa de campo possibilitou a construção de tipos de empresas, tomando por base a
proposta de Alcantara e Souza (2005):
a) empresas de processamento: produzem produtos que passam por algum
processo de transformação, mudando as características físicas, químicas e
fisiológicas do produto original, resultando em maior valor agregado. São
empresas com grau de investimento e tecnologia de processo de produção
conhecidos, e pouco exigentes em termos de mão-de-obra especializada. No
caso dos orgânicos, são exemplo dessas empresas as que processam cana-
de-açúcar para fabricação de cachaça ou de açúcar mascavo, e mandioca,
para a produção de fécula;
b) empresas de processamento mínimo: os produtos permanecem em sua forma
in natura, apenas com leve modificação em suas condições iniciais (são
eliminadas as partes não comestíveis, com redução de tamanho ou montagem
de mix diversos). Os produtos são menos elaborados e, portanto, com menor
agregação de valor. Tais empresas necessitam fazer investimentos em equi-
pamentos, como câmaras frias, transporte refrigerado, técnicas de processo
de produção (saladas higienizadas e preparadas diretamente para o consumo
em embalagens com atmosfera modificada) e mão-de-obra especializada.
Este é o caso, principalmente, das empresas que atuam com hortaliças e frutas;
c) empresas de beneficiamento: os produtos não sofrem nenhum processo de
transformação e não ocorre agregação de valor, passando apenas por proce-
dimentos mais simples que não alteram suas características como produto
natural. A retirada de impurezas que acompanham o produto do campo, a
130
TIPOS DE NÚMERO DE
EMPRESAS MUNICÍPIOS PRINCIPAIS PRODUTOS
TRANSFORMAÇÃO EMPRESAS
Gama S/A Ponta Grossa/Londrina Soja e açúcar mascavo
Lapinha Alimentos Orgânicos Lapa Geléias, sucos e conservas
Quina Amarela Campina Grande do Sul Geléias
Porto Morretes Morretes Cachaça
Terra Verdi Café Orgânico Curitiba Café
Tribal Brasil Campo Largo Chás, erva-mate e açúcar mascavo
Nutrimental São José dos Pinhais Barra de cereais
Processamento 15 Fruto da Terra - Chác. Oliveira Antonina Banana passa
Fecularia Yamakawa Amaporã Fécula de mandioca
Fecularia Loanda Loanda Fécula de mandioca
Gebana do Brasil Capanema Soja, farinhas (trigo, milho)
Matraga Planalto Cachaça
Moinho D'Alegria Medianeira Soja, fubá e farinhas
Alimentos Marechal Paulínea Mal. Cândido Rondon Açúcar mascavo e melado
Açucarita Medianeira
Rio de Una S. José dos Pinhais Hortaliças
Processamento mínimo 2
Fruto da Terra Colombo Hortaliças
Indústria Breyer União da Vitória Mel, pólen e cera de abelha
Tozan Alimentos Orgânicos Ponta Grossa Soja
Beneficiamento 5 Gama S/A Ponta Grossa/Londrina Arroz, feijão, milho e trigo
Agroorgânica Campo Largo Soja
Gralha Azul Avícola Francisco Beltrão Ovos
FONTE: Pesquisa de campo - IPARDES e IAPAR
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ESTUDO PROSPECTIVO DA DEMANDA E
TENDÊNCIAS DO MERCADO DE PRODUTOS
ORGÂNICOS NO PARANÁ
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134
Café
Fécula de mandioca
quais fazem a produção em áreas mais extensas (entre 10 e 100 hectares por produtor),
situação bastante diversa daquela que se verifica na maioria dos demais cultivos de orgânicos.
Outro fato observado é que uma das empresas produz parte de sua própria demanda de
matéria-prima, o que indica um processo de verticalização entre produção e transformação.
Com relação ao processamento da matéria-prima para a produção de fécula,
trata-se de um processo bastante simples: inicialmente a mandioca, ao ser descarregada,
passa por uma lavagem para retirar as impurezas vindas do campo; em seguida é
transportada para um picador para retirada da camada mais fina e, depois, para um
secador; depois, este produto é ralado e prensado para separar a fibra do leite; o leite passa
por um secador até atingir 13% de umidade, quando então é transformado na fécula de
mandioca, cuja validade é de dois anos.
Chás e Erva-Mate
Existem pelo menos quatro empresas que vêm processando chás ou erva-mate
orgânicos no Estado do Paraná. Para este estudo pesquisou-se somente uma delas, situada
na região metropolitana de Curitiba.
De um modo geral a produção de chás e erva-mate orgânicos é bastante recente.
A empresa entrevistada iniciou suas atividades em 2000, com uma linha de produtos que
apresenta oito variedades. Os chás têm como base a própria erva-mate, a qual é misturada
a outras ervas ou essências naturais que originam sabores específicos.
A matéria-prima vem tanto de produção própria como do sistema de parceria, este
último estabelecido com produtores individuais, cooperativas e associações de produtores,
chamados de fornecedores. A relação entre ambos tem se mantido estável, segundo a
empresa, sendo que, além do cultivo, os parceiros fazem a limpeza do produto colhido.
A empresa oferece aos seus parceiros capacitação na produção orgânica e intermedia
os serviços das certificadoras – a ECOCERT, que certifica para o mercado interno, e a USDA-
Organic e JAS, para os produtos destinados à exportação. Segundo a empresa há também
um trabalho voltado à organização dos agricultores e um trabalho de conscientização sobre a
relevância de se produzir um produto limpo e saudável.
O processamento se dá a partir da erva-mate seca e desidratada – etapa
realizada nas unidades de produção dos parceiros –, a qual é encaminhada posteriormente
à empresa. A partir deste ponto, a erva-mate é picada e misturada às outras ervas, que
também passaram pelo mesmo processo (secagem/desidratação/picagem). Após, o produto
é colocado em embalagens prontas para o consumo em forma de sachês ou a granel
(a empresa prioriza o layout da embalagem, em latinhas ou pacotes em papel kraft metalizado e
embalado a vácuo). Por ora a produção está sendo destinada ao mercado externo, mas a
empresa acredita que em breve estará lançando o produto no mercado interno.
137
Açúcar mascavo
Hortaliças
Frutas
Soja
A empresa Tozan Alimentos Orgânicos atua no setor desde 1999. Criada na região
sudoeste, em 2004, transferiu a planta industrial para Ponta Grossa por uma questão de
logística, para atender à demanda do mercado exportador pelo porto de Paranaguá. O custo
do frete foi o fator decisivo para tal mudança.
Atua basicamente com soja, tanto para o consumo humano quanto animal, traba-
lhando em menor escala, também, com arroz e fécula de mandioca. Cerca de 80% de seus
principais fornecedores estão localizados nos Estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso,
São Paulo e Santa Catarina. No Paraná estão cerca de 10% dos demais agricultores
fornecedores, e os outros 10% estão situados no Paraguai, onde a relação se estabelece a
partir de uma associação de produtores com 500 famílias. O relacionamento que mantém é
de contrato e integração com pequenos e grandes produtores (existem áreas de até 2 mil
hectares), com vínculo de fidelidade comercial.
As exportações da empresa são destinadas principalmente aos países europeus.
A Bélgica adquire em torno de 80% dos produtos. Em menor proporção, a empresa destina
os produtos para países asiáticos, e não comercializa com países norte-americanos.
Mel
Pesquisou-se somente uma empresa que beneficia mel, a saber, a Indústria Breyer,
situada no município de União da Vitória, na região centro-sul do Estado. A empresa comercializa,
como orgânico, o mel, vendido em tambores de 200 litros, o própolis, o pólen e a cera de
abelha. Além destes, comercializa também outros produtos com a designação de naturais, por
não ter certeza de serem de origem orgânica. São eles: mel, geléia real liofilizada, propolina-
extrato, shampoos e condicionadores, mel com própolis, sabonete, protetor solar, entre outros.
Os produtos orgânicos são exportados principalmente para a Europa, com destaque
para a Alemanha, Espanha, França e Inglaterra, e também para os EUA e Japão. A exigência
dos países compradores é a qualidade do produto, e para tanto são avaliados mais de
100 itens que determinam essa qualidade, como, por exemplo, a existência de resíduos de
agrotóxicos ou antibióticos.
141
Ovos
Curitiba, cujo produto é ofertado em uma única loja de supermercado. Neste último caso, as
relações comerciais são estabelecidas através de outra empresa que não a produtora.
Como principal restrição para a atividade a empresa aponta o preço elevado do
milho orgânico (R$ 32,00 a saca), que encarece o custo de produção, resultando em um
produto final de R$ 4,35 para meia dúzia de ovos.
143
144
70 Fair trade: movimento internacional, notadamente ativo na Europa, pela ampliação do acesso ao mercado de
já chegam a outros países da América Latina, como Venezuela, Chile, Paraguai e toda a
América Central. Participante do programa Organics Brasil, a empresa afirma que
campanhas educativas são a melhor forma de conscientizar as pessoas em relação ao
consumo de alimentos orgânicos.
a mais que o convencional, o que torna sua utilização ainda restrita no mercado brasileiro.
Essa aparente desvantagem é compensada pelo interesse despertado pelo produto brasileiro
nos vários países europeus.
Segundo o representante da ONG Agriterra, a Holanda tem interesse em estabelecer
parceria com a agricultura familiar brasileira no incentivo à produção de soja orgânica.
O país compra 12% (aproximadamente 50 mil toneladas) da soja orgânica exportada no mundo
e vem demonstrando interesse pelo produto ecologicamente correto. Conforme os levantamentos
da ONG, a Holanda consome 5,145 milhões de toneladas de soja por ano. O país alimenta,
com o produto, um rebanho suíno de 15 milhões de cabeças e tem preocupações de ordem
sanitária e ambiental, provocadas, principalmente, pelo aparecimento de doenças como o
mal da vaca louca.
De acordo com especialistas na área entrevistados para este estudo, os países
europeus preferem comprar produtos orgânicos in natura aos produtos industrializados.
Para a venda de produtos orgânicos processados, as empresas necessitam de um agente
do país europeu comprador para facilitar a entrada dos mesmos. Aqueles países são grandes
compradores de soja e café. No entanto, a maior parte dos grãos é vendida sem processamento,
sendo que, no caso do café, algumas vezes vende-se o grão torrado.
Segundo o representante da APEX, verifica-se uma situação diferente com relação
aos EUA, pois neste país os compradores têm se mostrado dispostos a adquirir os produtos
orgânicos brasileiros com a marca desenvolvida aqui no país. Haveria, por parte deles,
interesse pela busca de produtos que mantenham uma boa relação socioambiental, uma
vez que os consumidores norte-americanos desejariam saber a origem do produto orgânico,
como e por quem foi produzido, entre outras informações. Tais fatores têm levado a uma
maior atividade da APEX na relação com aquele país.
Para tanto, alguns produtores brasileiros se uniram, sob a supervisão da APEX, e
contrataram uma trading no Brasil para fazer o trabalho de adequação da embalagem,
rotulagem, desembaraço alfandegário etc. e entregar os produtos ao importador norte-americano.
Este agente é o responsável pela distribuição dos produtos orgânicos brasileiros aos pontos de
venda, geralmente o mercado do varejo dos grandes equipamentos – hiper e supermercados.
No caso da importação por países europeus, a estrutura de transação ocorre a
partir de grandes importadores, que consolidam os produtos e os distribuem para agentes
de outros mercados, como o de processamento, da distribuição e do varejo. Nestes países
não há interesse na marca brasileira. Os produtos são vendidos com a marca de um
produtor ou distribuidor local, já que os consumidores europeus valorizam a produção
orgânica local. Portanto, é mais difícil para a APEX ou produtores e processadores venderem
produtos com a marca brasileira naqueles países.
Entretanto, há situações em que as empresas brasileiras contratam tradings para
vender seus produtos orgânicos aos importadores europeus, como há também algumas
150
empresas que trabalham com representantes de vendas (da própria empresa ou não) para
tal. Esta é a situação da empresa paranaense Tozan, cujo carro-chefe é o soja, que negocia
diretamente com clientes internacionais. A empresa possui apenas um cliente em cada país
importador, dentre distribuidores, processadores e tradings.
Segundo declarações do proprietário da Tozan, os importadores europeus são
mais estáveis, tanto para a compra de soja para alimentação animal quanto para alimentação
humana. E menciona que a responsabilidade da empresa é entregar o produto até o porto do
país comprador e, a partir daí, o agente responsável (trading, processador ou distribuidor)
encarrega-se do produto. Tal situação implica uma rede de relações na qual os produtores
brasileiros nem sempre estão preparados para atuar, uma vez que exige que se diferencie a
transação de acordo com sua destinação, como é o caso do soja.
No caso dos EUA, o tipo de relação que a Tozan mantém é outra, sendo ela a
responsável pela entrega do produto até o comprador. Para auxiliar neste processo, a empresa
contrata uma trading ou distribuidor. No entanto, a empresa ressalta que o mercado de soja
orgânica nos EUA é altamente competitivo e os custos logísticos são muito elevados.
Com relação à negociação com o Japão, as vendas de soja pela empresa são
esporádicas, pois, segundo o entrevistado, o produto brasileiro perde em qualidade e preço para
o soja chinês. Dessa forma, afirma, a exportação para o Japão não é o foco para a Tozan.
Ainda com relação ao Japão, segundo se verificou na pesquisa, a entrada no país
dos produtos orgânicos ocorre, via de regra, por meio de uma trading. Além do selo
específico para o país (JAS), a trading também representa uma entidade creditadora para os
compradores japoneses. Para esses clientes não basta a certificação. Eles querem saber
como esta certificação é feita e são bastante sensíveis às questões relacionadas à saúde, e
principalmente às questões socioambientais.
Com essa perspectiva é que a empresa paranaense Café Terra Verdi, situada em
Curitiba, trabalha com aquele país via comércio justo. Além de exportar o café em grão,
também negocia o produto processado, com maior valor agregado, exportando o café
torrado, o verde, o moído e o solúvel. A empresa trabalha com o mercado japonês desde
1992, como processadora e como uma trading no Brasil. Trabalha a divulgação de seus
produtos com a estratégia "boca-a-boca", baseando-se na concepção de comércio justo,
produtos orgânicos e rastreabilidade.
Com outros países importadores a empresa atua como intermediadora (trading),
vende produtos fora do comércio justo, mas com certificação para produtos orgânicos, por
pressão dos produtores. No entanto, o dirigente da empresa ressalta que esta forma de
comercialização é pouco expressiva, e que o foco da empresa é o comércio justo (80%
das vendas).
151
que a demanda cresça mais rapidamente que o fornecimento desses produtos, mas esta
diferença pode ser equacionada com o ingresso de maior número de produtores no
processo produtivo, apoiados no processo de transição, na produção propriamente dita e,
posteriormente, nos processos que envolvem a comercialização dos produtos orgânicos.
De um modo geral considera-se que os países em desenvolvimento estão começando
a se beneficiar com as oportunidades do mercado de produtos orgânicos. Porém, sob as
circunstâncias atuais, não são os agricultores familiares mas sim os grandes produtores que
têm se mostrado mais estruturados para atuar nos mercados internacionais. Entretanto, o
que se verifica é que ainda é limitada a quantidade de produtos orgânicos brasileiros no
mercado externo, e é ainda menor a participação dos orgânicos do Paraná neste mercado.
Os principais limitantes parecem estar relacionados principalmente às exigências e padrões
impostos por aqueles países, bem como às normas que regulamentam os processos de
certificação em cada país importador. Cabe ao Brasil regulamentar rapidamente todo o
processo que envolve a agricultura orgânica, estimular e apoiar a produção, em particular
aquela já praticada pela agricultura familiar, incentivar e desenvolver novas formas de
processamento dos produtos orgânicos. Estes são apenas alguns dos desafios que se
colocam, mas que necessitam de ações rápidas e efetivas que envolvam todos os atores e
agentes interessados no mercado de produtos orgânicos.
A CONAB tem a tarefa de executar ações do PAA, por ser a empresa pública
responsável pelo abastecimento agroalimentar e por dispor de unidades em todas as
regiões do Brasil. Através do Programa a CONAB compra produtos da agricultura familiar
"de maneira rápida e descomplicada" e os encaminha aos grupos sociais em situação de
insegurança alimentar e nutricional.
Os mecanismos do PAA têm sido considerados como um programa relevante para
o agricultor familiar, particularmente aquele com limitações para a comercialização da sua
produção, possibilitando que acesse um tipo de mercado, neste caso o institucional.
Segundo informações obtidas junto à CONAB, "ao comprar a produção familiar, o
governo assegura preço remunerador aos produtos, gera renda ao agricultor [...] permite
valorizar o produto regional, dinamizar a produção nas diversas regiões, resgatar a cidadania,
preservar o meio-ambiente e a cultura gastronômica local". A aquisição de alimentos pelo
PAA é efetuada como segue:
- com isenção de licitação;
- são definidos preços de referência, que não podem ser superiores nem
inferiores aos praticados nos mercados regionais;
- o limite atual é de R$ 3.500,00 ao ano por agricultor familiar que se enquadre
no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),
exceto na modalidade Incentivo à Produção e Consumo do Leite, cujo limite é
semestral.
A aquisição dos produtos pelo PAA é praticada segundo quatro modalidades:
Compra Direta da Agricultura Familiar (CDAF); Compra Antecipada Especial da Agricultura
Familiar (CAEAF); Compra Antecipada da Agricultura Familiar (CAAF); e Compra Direta Local
da Agricultura Familiar (CDLAF).
Para operacionalizar a modalidade CDLAF são estabelecidos convênios entre o
Ministério do Desenvolvimento Social e as administrações municipais e os governos
estaduais. As demais modalidades são operacionalizadas pela CONAB sem a participação
de mediadores ou intermediários, em que a aquisição da produção se dá com base nos
preços de referência, segundo a avaliação baseada nos mercados locais e regionais.
Mattei (2006) destaca, em recente estudo, o impacto do programa:
das ações da modalidade CDLAF. Este convênio entre o nível federal e o estadual constituiu-
se como um projeto-piloto, inicialmente envolvendo dois estados – Paraná e Piauí –, sendo
que em 2005 este projeto foi ampliado para os Estados do Tocantins, Rio Grande do Norte e
Santa Catarina.
A coordenação estadual do PAA no Paraná é realizada pela Secretaria Estadual
do Trabalho, Emprego e Promoção Social (SETP), Secretaria de Estado da Agricultura e
Abastecimento (SEAB), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), Central
de Abastecimento (CEASA) e Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional
(CONSEA-PR). Os executores do Programa no Estado são as associações de utilidade pública
com apoio das prefeituras, CONSEA-PR e CEDRAF-PR.
Dentro da SETP quem coordena o Programa é a Coordenadoria de Programas
Especiais de Enfrentamento à Pobreza (CPEEP), que, com recursos do governo federal, faz a
compra de alimentos produzidos por agricultores familiares enquadrados no PRONAF (DAP -
Declaração de Aptidão do Pronaf - do A ao D), também de agroextrativistas, quilombolas,
famílias atingidas por barragens, trabalhadores rurais assentados, comunidades indígenas.
Os alimentos adquiridos são doados simultaneamente para instituições sociais,
consideradas beneficiárias consumidoras. Essas instituições devem possuir o Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e desenvolver trabalhos publicamente reconhecidos de
atendimento às populações em situação de risco social, prioritariamente: creches, asilos,
hospitais, associações beneficentes, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos, APMs das
escolas municipais e estaduais, entre outros.
Segundo técnicos das duas instituições que operacionalizam o PAA no Estado do
Paraná – CONAB/PR e CPEEP/SETP –, embora o PAA também atue junto aos agricultores
familiares que praticam a agricultura orgânica e remunere de forma diferenciada os produtos,
com 30% a mais, é ainda insignificante a quantidade adquirida, que não ultrapassa 5% do
total dos produtos adquiridos no Estado.
Segundo dados da CPEEP/SETP, o PAA no Paraná tem tido um crescimento
significativo nos três anos de atuação. Em abril de 2004, o Programa iniciou com 41
municípios participantes, um recurso disponível de 5 milhões de reais e um investimento de
1,7 milhão de reais. Naquele ano eram 943 agricultores fornecedores, 341 entidades
beneficiadas e mais de 96,5 mil pessoas atendidas.
Em 2006 esses números cresceram expressivamente. Os recursos disponíveis
passaram para 6 milhões de reais. A expectativa é de se atingir 210 municípios, com
previsão de que mais de 6.000 famílias agricultoras sejam fornecedoras, atendendo a cerca
de 3.000 entidades beneficiadas que, por sua vez, atendem aproximadamente 650 mil
pessoas, segundo informações obtidas junto à SETP.
Como se mencionou anteriormente, segundo os técnicos envolvidos na execução
do PAA no Paraná a participação dos produtos orgânicos não ultrapassa os 5% do total de
156
alimentos e produtos adquiridos, embora tenham um valor diferenciado em até 30% dos
produtos convencionais. Entretanto, os dados disponíveis não permitem que se identifique o
número de agricultores familiares orgânicos que são fornecedores, onde estão situados, quais
os produtos orgânicos que são adquiridos, tampouco quais as quantidades comercializadas.
Contudo, é interessante considerar que, dentre os 20 principais alimentos e
produtos adquiridos pelo PAA no primeiro semestre de 2006 (quadro 4.7), verifica-se que há
um enorme espaço para que muitos deles venham a ser adquiridos dos agricultores
orgânicos do Paraná, pois praticamente todos os produtos mencionados, como se vê a
seguir, também são produzidos pelo sistema da agricultura orgânica, tanto os alimentos in
natura como os transformados, em praticamente todas as grandes regiões envolvidas na
pesquisa para este estudo.
QUANTIDADE
PRODUTOS
(kg)
Arroz 225.216
Feijão 208.667
Carne de frango 30.173
Carne de gado 175.504
Carne de porco 45.286
Peixe 7.442
Verduras e legumes 1.283.026
Frutas 821.346
Milho verde 121.945
Açúcar mascavo 14.986
Mel 26.229
Melado de cana 8.127
Polpa de fruta 17.423
Queijo 6.240
Doce de leite 8.547
Doce de frutas 23.509
Conservas 2.138
Bolacha caseira 71.182
Macarrão caseiro 24.092
Cuca 23.923
71 Ver Apêndice 6 deste estudo, extraído do artigo de Darolt (2002b), onde se aborda a experiência de implantação
do programa de merenda orgânica no município de Palmeira/PR, que atualmente não existe mais.
159
- repasse para 311 municípios com estabelecimentos de ensino atendidos pelo Programa
Estadual de Alimentação Escolar, para a aquisição de alimentos in natura, prefe-
rencialmente cultivados por métodos orgânicos, de forma a promover práticas
alimentares saudáveis através da inclusão de gêneros perecíveis. [grifo nosso]
Para poder alcançar esses objetivos, o Projeto previu, para 2006, a ampliação do
atendimento com a merenda agroecológica de 45 mil crianças (em 2005) para 75,7 mil
crianças, de 185 escolas, em 24 municípios. Estima-se que os alimentos e produtos
envolverão pelo menos 350 propriedades de agricultores familiares.
Embora não se disponha de dados para confirmar a previsão do início de 2006,
caso esta se confirme o atendimento passará de 5% de alunos/dia com merenda orgânica
para mais de 9% (atualmente são cerca de 830 mil crianças/dia atendidas com alimentação
escolar, em 320 municípios do Paraná). Se se confirmar tal fato, caberá conhecer os efeitos de
tal ação sobre a produção de alimentos e produtos orgânicos, bem como sobre o incremento
no número de agricultores, além de estudar com mais profundidade como se estabeleceram
as relações comerciais entre os agentes envolvidos.
Dentre os alimentos e produtos que compõem a pauta alimentar72, vários são
produzidos pelos agricultores orgânicos no Paraná. Para se ter uma idéia dos produtos e da
dimensão que envolve este mercado, relacionam-se, a seguir, os alimentos e produtos (não-
72 Segundo dados da FUNDEPAR (2006), atualmente os gêneros que fazem parte da pauta são: achocolatado
em pó, açúcar cristal, almôndega bovina, amido de milho, arroz, bebidas lácteas, biscoito coco ou leite,
biscoito cream craker/água e sal, biscoito tipo "it sal", biscoito Maisena, biscoito Maria, biscoito rosquinha,
biscoito recheado, biscoito sortido, biscoito wafer, carne bovina em cubos, carne de frango ao molho, carne
moída, carne suína, cereais de milho enriquecido com ferro, chá-mate, charque bovino, ervilha em conserva,
extrato de tomate, farinha de milho, feijão carioca e preto, fubá de milho comum, leite em pó integral,
macarrão espaguete, macarrão padre-nosso, conchinha ou letrinha, macarrão parafuso, milho para canjica,
milho verde em conserva, mistura para preparo de molho à bolonhesa, mistura para preparo de picadinho,
mistura para preparo de sopa (diversos sabores), óleo de soja, pão de mel, pescado em conserva, preparado
para refresco, sagu, sal refinado iodado, salsicha Viena e tempero em pó.
160
orgânicos) adquiridos no ano de 2006, e a respectiva quantidade: carne bovina - 145 toneladas;
carne de frango - 115 t; carne suína - 105 t; charque bovino - 82 t; pescado - 75 t; fubá (farinha
de milho) - 92 t; milho de canjica - 64 t; feijão carioca - 155 t; feijão preto - 58 toneladas.
Segundo informações da responsável pelo Projeto na FUNDEPAR, também fazem
parte da pauta as hortaliças, arroz e chá-mate, podendo ser acrescidos outros produtos locais,
desde que sejam realizados os procedimentos legais necessários para tanto.
Esse talvez seja um dos principais entraves para os agricultores familiares estabe-
lecerem relações nesse mercado institucional, uma vez que a aquisição de alimentos e produtos
para o Programa de Alimentação Escolar é feita normalmente por meio de procedimentos
licitatórios, os quais exigem que os participantes sejam pessoas jurídicas, situação nem
sempre adequada aos agricultores, com exceção daqueles que estão mais organizados, via
de regra em cooperativas, já prevendo situações desta ordem.
Recente estudo73 sobre esse mercado tem mostrado um esforço de desburocratização
por parte do poder público de muitos municípios. Como exemplo pode-se citar o fato de os
editais de licitação especificarem a aquisição por produto e não por pauta, uma vez que
empresas que participavam desse mercado entravam com mandato de segurança ou
qualquer processo de contestação legal sobre um produto, trancando todo o processo.
Outra medida para a simplificação do processo de aquisição tem sido o uso de instrumentos
como carta-convite ou nota do produtor, quando o valor é inferior ao limite mínimo
propugnado pela Lei de Responsabilidade Fiscal n.º 8.666, de 21/06/93 (em 2004 este valor
era inferior a R$ 8.000,00).
Por fim, cabe mencionar que o Programa Nacional da Alimentação Escolar, bem
como o Programa do Estado do Paraná, ampliaram, desde 2003, o benefício da merenda
escolar para creches públicas e filantrópicas e alunos das comunidades indígenas e, em 2005,
passaram a contemplar também os estudantes matriculados em escolas localizadas em
comunidades quilombolas. Além disso, nestes últimos dois anos foram efetuados reajustes
significativos no valor da merenda escolar. Atualmente o valor é de R$ 0,22 por aluno/dia do
ensino fundamental e da pré-escola, bem como para crianças de creches e instituições
filantrópicas; para os estudantes indígenas e quilombolas o valor é de R$ 0,44 aluno/dia. Para
2006, o orçamento do programa foi de R$ 1,5 bilhão, para atender 37 milhões de alunos
brasileiros. No Paraná, a previsão total do PEAE é de atender a 830 mil alunos/dia de 1.863
estabelecimentos, em 320 municípios, com um orçamento de R$ 3 milhões.
73 Estudo realizado pela AOPA, em 2004, com o título Um Olhar sobre a Alimentação Escolar Ecológica no Sul
As informações apresentadas até aqui mostraram o papel relevante que o Estado vem
tendo como agente no mercado institucional, não necessariamente como um comercializador
direto, mas propiciando que se simplifiquem os procedimentos em programas onde há comercia-
lização de alimentos e produtos orgânicos, como é o caso do PAA e do PNAE. Mais que isso,
o que se pode verificar é que a definição de uma política pública voltada à segurança
alimentar e nutricional, além de ter como público central as populações em risco alimentar,
também é capaz de articular atores sociais no campo da produção, por vezes com limitações
para se relacionar com outros tipos de mercado, ou, ainda, que prioriza a ação num tipo de
mercado como o institucional.
A análise sobre os dois programas evidenciou que a participação dos orgânicos é
incipiente. Contudo, em ambos, o potencial de crescimento e consolidação para a comercialização
desses alimentos e produtos é muito amplo. Como se verificou, trata-se de um mercado que
permite que os alimentos sejam vistos não só como produtos, mas inseridos num contexto de
proximidade entre o ambiente da produção e do consumo, em que os processos produtivos são
melhor conhecidos e interligados a outras questões locais e regionais, como as ambientais, as
sociais, as culturais e as referentes ao desenvolvimento econômico.
Ademais, esse tipo de mercado é importante como espaço de aprendizado na
construção de relações sociomercantis, uma vez que nele estão envolvidos muitos agentes,
exigindo acordos entre as partes, ajustes de procedimentos etc., situação que favorece os
produtores de orgânicos e aprimora a própria ação do Estado e a definição de novas
políticas públicas para os alimentos e produtos orgânicos.
162
74 O mapa foi elaborado a partir das informações constantes do Cadastro de Agentes de Comercialização e de
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desencadeadas por agentes envolvidos nos processos de transações mercantis. Esta perspectiva
insere-se na abordagem proposta pela Nova Sociologia Econômica (NSE), que vê o mercado
como uma construção social e não como um ambiente de domínio meramente econômico.
Um dos autores da NSE, Pierre Bourdieu (2005), ligado à abordagem político-
cultural, sugere que os estudos sobre o mercado devem ser pesquisados como um campo
de ação, ou seja, um lugar onde há agentes sociais concretos, onde há situações históricas
específicas, onde há disputas políticas para garantir estruturas. Destaca ainda que o Estado
tem um papel relevante, pois, como diz o autor,
O estudo de campo mostrou que as feiras podem ser caracterizadas segundo três
tipos: as feiras orgânicas, as feiras agroecológicas e as feiras mistas. O que diferencia as
feiras orgânicas das agroecológicas é a certificação. No primeiro caso, todos os produtores
e barracas exibem um selo de certificação, seja por auditagem ou pelo sistema de garantia
participativa. Nas feiras agroecológicas pode ou não ser exibido um selo de certificação
(caso haja, é o da Rede Ecovida de Certificação Participativa), pois a principal garantia é
firmada pela relação de confiança estabelecida entre o agricultor e o consumidor. As feiras
mistas são aquelas que originariamente comercializavam produtos convencionais e, com o
passar do tempo, foram agregando barracas que comercializam produtos orgânicos, sejam
eles certificados com selo ou tenham a garantia do produtor.
Embora os três tipos de feira ocorram em vários municípios do Paraná, é em
Curitiba que predomina a feira orgânica. Atualmente existem seis espalhadas em vários bairros,
e mais duas estão previstas para o ano de 2007. Nas cidades de menor porte predominam as
feiras agroecológicas, em razão da proximidade física e social entre agricultor e consumidor.
As feiras mistas predominam nas cidades de porte médio, a exemplo de Maringá.
A pesquisa mostrou que, nas feiras, os principais produtos comercializados são os
produtos in natura, do grupo das hortaliças, notadamente as folhosas. Também se ofertam grãos,
produtos de lavoura temporária, frutas e produtos transformados, desde os beneficiados aos
processados, embora em menor quantidade e diversidade, havendo uma grande demanda
por estes produtos pelos consumidores.
Em todas as feiras a grande maioria dos produtos vem da produção dos próprios
agricultores, que são também os comerciantes nas barracas, ou do grupo de agricultores
aos quais estão ligados. Verificou-se também que há intercâmbio de produtos de outras
regiões e de agricultores e/ou associações do Paraná e demais estados do sul do País, que
são comercializados nas barracas.
Outro aspecto que merece destaque neste tipo de mercado é o perfil do consumidor
de produtos orgânicos. O estudo mostrou que o consumidor da feira orgânica, em particular
em Curitiba, tem renda acima de 10 salários mínimos, possui formação de 3.o grau, muitos
são profissionais autônomos e a maioria são mulheres. A principal motivação de consumo é
a saúde da família e o meio ambiente. Entretanto, embora a maioria conheça o agricultor
comerciante, pouco sabe do seu papel como ator fundamental para a expansão deste tipo
de mercado, bem como para a própria agricultura orgânica.
O estudo mostrou também que em municípios onde ocorre a articulação entre os
diferentes atores ligados a esse mercado, a possibilidade de este se estruturar e fortalecer é
maior. Esta situação é visível na cidade de Curitiba, onde se verifica uma estreita interação
entre o poder público municipal, por meio da Secretaria de Abastecimento, entidades não-
governamentais, como a AOPA, organizações de agricultores dos municípios produtores e
participantes da feira, bem como a associação de consumidores, a ACOPA. O resultado
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desta ação integrada aparece quando se constata que em dez anos o número de feiras
expandiu-se significativamente: de 1 feira, em 1995, hoje já funcionam 6, com a projeção de
mais 2 para janeiro de 2007.
A partir desses resultados, são apontadas, a seguir, diretrizes e orientação de
políticas públicas para o fortalecimento do mercado da venda direta no Paraná.
Diretriz
- Promover apoio institucional ao mercado da venda direta de produtos
orgânicos.
Mercado do Varejo
Diretriz
- Promover os alimentos e produtos orgânicos no mercado do varejo.
Mercado de Transformação
Diretriz
- Apoiar a agricultura familiar no mercado da transformação de produtos
orgânicos.
Mercado Externo
O estudo demonstrou que existe uma demanda crescente por produtos orgânicos
não atendida no mercado mundial. Alguns produtores ou empresas brasileiras que já
conseguiram atender às exigências de certificação e padrões de qualidade impostos pelos
países importadores estão exportando regularmente produtos orgânicos beneficiados e
alguns processados para o atendimento desta demanda insatisfeita. No entanto, a pesquisa
revelou que não são os agricultores familiares e nem mesmo suas organizações que estão
se beneficiando desta situação, mas sim grandes produtores ou empresas que se mostram
mais estruturadas para atuar no mercado internacional. Esta situação não é diferente no
Estado do Paraná.
Em função disso, cabe aos organismos nacionais, e também aos organismos
estaduais dedicados à promoção das exportações, desenvolver ações efetivas para democratizar
o acesso ao mercado externo de produtos orgânicos, disponibilizando informações e oportu-
nidades de negócios, indicando produtos com potencialidade para exportação, incentivar e
capacitar produtores ou associações de produtores para desenvolverem tecnologias de
processamento dos produtos orgânicos mais demandados pelo mercado de outros países.
Diretriz
- Democratizar o mercado externo de produtos orgânicos, promovendo a
participação da agricultura familiar.
Mercado Institucional
Diretriz
- Incrementar as ações dos programas institucionais (PAA) e Merenda
Escolar Orgânica.
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