Você está na página 1de 14

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça da Paraíba


Des. Abraham Lincoln da Cunha Ramos

ACÓRDÃO

REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL Nº 0803595-65.2017.815.0751 06

RELATOR : Exmo. Des. Abraham Lincoln da Cunha Ramos

APELANTE : Município de Bayeux

PROCURADOR : Israel Remora – OAB/PB 17755

PROMOVENTE : Ministério Público do Estado da Paraíba

REMETENTE : Exmo. Juiz de Direito da 4ª Vara Mista da Comarca de Bayeux

PROCESSUAL CIVIL – Remessa necessária – Ação civil


pública – Sentença de procedência – Fazenda Pública no
polo passivo - Irrelevância - Prevalência dos interesses
difusos e coletivos sobre os interesses ligados à Fazenda
Pública - Duplo grau de jurisdição - Inocorrência –
Inaplicabilidade do art. 19 da Lei da Lei 4.717/65 – Não
conhecimento.

– A partir do julgamento do REsp 1.108.542 - SC, o


colendo Superior Tribunal deJustiça, por aplicação
analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº
4.717/65(lei da ação popular) , determinou a sua
aplicação às sentenças de improcedência de ação civil
pública(Lei 7.347/65), sujeitando-as ao
reexame necessário, independentemente do valor da causa.
E, posteriormente, no julgamento do REsp 1.374.232 - ES,
decidiu não comportar duplo grau de jurisdição as
decisões que julgar improcedentes ações civis publicas
relativas a direitos individuais homogênios.

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 1
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
- Por se tratar a sentença ora vergastada de procedência de
ação civil pública, ainda que contra a Fazenda Pública, não
é caso de duplo grau de jurisdição, porquanto se deve
conferir maior relevância aos interesses difusos e coletivos
do que aqueles ligados diretamente à Fazenda Pública.

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – Apelação cível


– Ação Civil Pública - Escola Pública – Necessidade de
reforma – Precariedade – Estrutura não adequada para
atendimento – Direito fundamental social – Norma de
eficácia plena e imediata – Poder Judiciário – Interferência
– Não violação da separação dos poderes - Manutenção da
r. sentença – Desprovimento.

- É inconcebível que entes públicos se esquivem de


fornecer meios e instrumentos necessários à garantir direito
fundamental à educação.

- AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. (...). VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA.
PRECEDENTES. 1. (...). 2. O Poder Judiciário, em
situações excepcionais, pode determinar que a
Administração pública adote medidas assecuratórias de
direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais
sem que isso configure violação do princípio da separação
de poderes. 3. Agravo regimental não provido". (STF - RE
417408 AgR, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira
Turma, julgado em 20/03/12, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-081 DIVULG 25-04-12 PUBLIC 26-04-12).

RELATÓRIO

Trata-se de remessa oficial e apelação cível oriunda da sentença de id 6223179 prolatada pela MM. Juíza
de Direito da 4ª Vara da Comarca de Bayeux que, nos autos da ação civil pública ajuizada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face do Município de bayeux, julgou procedente o pedido,
para confirmar a tutela antecipada no ID. nº 13285738, e, por conseguinte, determinar ao demandado que
adote as providências necessárias para corrigir todas as irregularidades encontradas na Escola Municipal
de Ensino Fundamental Dom Hélder Câmara, constantes do item 1 e subitens 1.1 a 1.17 da exordial,
tais como: proceder ao conserto do piso de cerâmica, das portas, dos ventiladores(ou aquisição de

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 2
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
ventiladores novos), do teto; conserto ou aquisição de carteiras para os alunos; instalação de lâmpadas nas
salas e nos banheiros, remoção dos lavatórios e outros obstáculos físicos que se encontram nos corredores
da escola; equipar os banheiros com vasos com tampas, disponibilizar material de higiene para os
usuários; instalação de caixa d`água; construção de quadra para a prática do desporto; reforma da área de
recreação, instalação de extintores; construção ou disponibilização de ambientes para refeitórios;
realização de pintura em toda escola, e, ainda, realizar as adequações técnicas descritas no Laudo de
Vistoria do Corpo de Bombeiro sob pena de aplicação da multa já fixada, bloqueio online para custear o
pagamento dos serviços, além da adoção das demais medidas legais cabíveis na espécie. Sem custas (art.
26 da Lei Estadual 5.672/92).

Nas suas razões recursais, o ente público municipal alega a necessidade de aplicação do princípio da
reserva do possível, tendo em vista que a simples imposição de decisão judicial em termos amplos,
desproporcionais financeiramente e com intuito de cumprimento imediato esbarra inevitavelmente no
princípio da reserva do possível, estando o ente municipal absolutamente desprovido de recursos
financeiros para atendimento de todas as demandas postas na decisão guerreada.

Dessa forma, requereu a reforma da sentença, julgando-se improcedente o pedido ou que aumente a
dilação dos prazos para atendimento do processo de reestruturação física apontada, além de instruir
referido cumprimento em etapas para atender às reservas de ordem legal e orçamentárias.

Contrarrazões apresentadas, pugnando pela manutenção da r. sentença.

Instada a opinar, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo desprovimento do apelo,
mantendo a sentença em todos os seus termos (id 7263126).

É o que interessa relatar.

VOTO

DA REMESSA NECESSÁRIA

É consabido que no nosso ordenamento jurídico, algumas hipóteses de litígio apenas são aptas a transitar
em julgado após ser serem julgadas, obrigatoriamente, por dois graus de jurisdição. Nessas circunstâncias,
mesmo quando não houver interposição de recurso, a sentença deverá ser necessariamente examinada
pelo órgão jurisdicional superior. Não se trata, objetivamente, de um recurso, mas de condição de eficácia
da sentença, como se dessume da Súmula 423 do STF de seguinte verbete:

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 3
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
"Sumula 423. Não transita em julgado a sentença por
haver omitido o recurso ex officio, que se considera
interposto ex lege."

Trata-se da remessa necessária(denominação atual), atualmente disposta no art. 496 do CPC/2015, mas
que denominam de remessa obrigatória, remessa ou recurso ex officio e de reexame necessário(ou
obrigatório), este último adotado pela doutrina na vigência do CPC/1973(Art. 475) e que ficou claro que
ela é um instituto que visa proteger o interesse público. Funcionaria, assim, como um mecanismo de
proteção ao erário público e a direitos difusos e interesses coletivos, em litígios que envolvam bens
jurídicos relevantes.

Esse mecanismo protetivo estatal, frise-se, não foi instituído pelo CPC/1973, nem pelo CPC/1939. Ele
remonta no processo civil brasileiro desde o século XIX, quando foi editada em 1831 lei que impunha ao
juiz, nas situações em que proferisse sentença contra a Fazenda Nacional, o dever de recorrer, ou seja,
pedir sua revisão, para instância superior. E ainda antes disso, desde o século XIV, o direito português já
contemplava hipóteses de “apelação obrigatória” – inspiradas no direito canônico.

Como regra geral, a remessa necessária é cabível nas hipóteses de sentenças contrárias à Fazenda Pública,
nos termos do art. 496 do CPC/2015(em linhas gerais, equivalente ao art. 475 do CPC/1973), o qual
prescreve:

"Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não


produzindo efeito senão depois de confirmada pelo
tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito


Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e
fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os


embargos à execução fiscal."

Como visto, o art. 496 do CPC enumera duas hipóteses de cabimento do duplo grau de jurisdição, que
podem ser reconhecidas no juízo "ad quem"(Súmula 423, do STF). No inciso I, menciona as sentenças
contrárias à Fazenda Pública. No inciso II, alude às sentenças de procedência total ou parcial de embargos
à execução fiscal.

Todavia, há de se consignar que não é toda sentença desfavorável à Fazenda Púbica que se submete à
remessa necessária. Os §§ 3º e 4º do art. 496, do CPC/2015, bem como o seu §1º, estabelecem exceções.

A primeira consiste em um limite quantitativo, de dimensão econômica (art. 496, § 3.º).

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 4
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
Por esse dispositivo (art. 496, § 3º), não há remessa necessária de sentenças cuja condenação ou proveito
econômico para o vitorioso tenha valor certo e líquido de até: (I) mil salários mínimos, quando contrárias
à União e respectivas autarquias e fundações; (II) quinhentos salários mínimos, quando contrárias aos
Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações ou os Municípios que constituam
capitais dos Estados; e (III) cem salários mínimos, no caso de todos os demais municípios e respectivas
autarquias e fundações.

Assim, o CPC/15, ao prever expressamente que o valor deve ser líquido, recepcionou orientação do STJ já
sumulada, no sentido de que as hipóteses de dispensa da remessa necessária por limite de valor somente
incidem quando for líquida a sentença (Súmula 490). Ei-la:

"Súmula 490. A dispensa de reexame necessário,


quando o valor da condenação ou do direito
controvertido for inferior a sessenta salários
mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".

A segunda exceção diz respeito a um limite qualitativo, de consonância da sentença com orientação
jurisprudencial ou administrativa assente (art. 496, § 4.º). Nesse toar, não se submeterão ao reexame
necessário as sentenças em concordância com: (I) acórdão proferido em procedimento de resolução de
recursos repetitivos no STF ou STJ, (II) súmula de tribunal superior, (III) entendimento firmado em
incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência ou (III) entendimento que
esteja em conformidade com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente
público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Por fim, a terceira e última exceção, por inteligência do art. 496, § 1º, do CPC/2015, não se sujeita à
reapreciação obrigatória a decisão em desfavor da qual fora apresentada apelação no prazo legal pela
Fazenda Pública.

Eis o dispositivo processual invocado:

“Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não


produzindo efeito senão depois de confirmada pelo
tribunal, a sentença:

(…)

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a


apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos
autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do
respectivo tribunal avocá-los-á.” (Grifei)

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 5
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em
referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver
apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa
obrigatória.

Há sentido na norma, ao passo em que há a presunção de aceitação implícita dos demais pontos que não
foram objeto de questionamento no recurso aviado.

Não obstante toda essa argumentação fático-jurídica, há um detalhe no caso "sub oculis": trata-se de uma
ação civil pública, regida pela Lei 7.347/85.

Veja-se o que preceitua o art. 19 da Lei 7.347/65:

"Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta


Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº
5.869, de 11 de janeiro de 1973(atual Lei nº 13.105, de
16 de março de 2015, naquilo em que não contrarie suas
disposições." (Destaquei)

Entretanto, na Lei da Ação Civil Pública não há dispositivo que preveja a obrigatoriedade da remessa
necessária quando a ação for julgada improcedente ou extinta sem julgamento do mérito ou com
julgamento do mérito(prescrição/decadência). Concluir-se-ia que, nesse caso, se aplicaria
subsidiariamente o Código de Processo Civil, como autoriza o seu art. 19. Contudo, figurando na ação
civil pública como demandada a Fazenda Pública, o sistema das ações coletivas permite e determina que
se deve conferir maior relevância aos interesses difusos e coletivos do que aqueles ligados diretamente à
Fazenda Pública. Daí não se aplicar o art. 496 do CPC/2015, mas sim invocar-se por analogia o regime da
Lei 7.853, de 24.10.1989(art. 4.º, § 1.º), pelo qual somente há reexame necessário em caso de carência ou
de improcedência, independentemente de a pessoa jurídica de direito público migrar para o polo ativo da
demanda

Eis o texto do art. 4º, § 1º, da Lei 7.853/1989:

"Art. 4º A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível


erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada
improcedente por deficiência de prova, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação com
idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

§ 1º A sentença que concluir pela carência ou pela


improcedência da ação fica sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal"

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 6
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
Sem embargo, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Segunda Turma, sob a relatoria do Min.
Castro Meira, no julgamento do REsp 1.108.542 - SC, decidiu que, na omissão da Lei da Ação Civil
Pública, nos casos de ação julgada improcedente ou extinta sem julgamento do mérito ou com julgamento
do mérito(prescrição/decadência), independentemente do valor da causa, aplica-se, por analogia, o
disposto no art. 19 da 4.717/65, que regula a Ação Popular, em face das similitudes entre os direitos e
interesses tutelados de ambas as ações, de seguinte redação:

"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela


improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação
procedente caberá apelação, com efeito suspensivo."

Eis o verbete, sumário e ementa do aresto supra declinado (REsp 1.108.542 - SC):

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


REPARAÇÃO DE DANOS AO ERÁRIO. SENTENÇA
DE IMPROCEDÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA.
ART. 19 DA LEI Nº 4.717/64. APLICAÇÃO.

1. Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da


Lei nº 4.717/65 , as sentenças de improcedência de ação
civil pública sujeitam-se indistintamente ao
reexame necessário. Doutrina.

2. Recurso especial provido."

Posteriormente, no julgamento do REsp 1.374.232 - ES, ocorrido em 26.09.17, através de sua Terceira
Turma, sob a Relatoria da Min. Nancy Andrighi, em caso análogo, o Superior Tribunal de Justiça
entendeu que não é obrigatória a remessa necessária na ação civil pública julgada improcedente ou
extinta sem julgamento ou com julgamento do mérito(prescrição/decadência), tal como prevista no art. 19
da Lei 4.717/65, se versar sobre direitos individuais homogênios, exemplo dos autos em análise.

É importante lembrar que, se na ação civil pública constar a pessoa jurídica de direito público como
autora e a ação vier a ser julgada improcedente ou houver carência, o reexame necessário dar-se-á pelo
tipo de interesse em jogo (coletivo ou difuso), e não porque se cuida de Fazenda Pública.

Ainda assim, na hipótese "sub judice", além do óbice prefalado - ação que versa sobre direito individual
homogênio - há também um obstáculo maior a admissibilidade do duplo grau de jurisdição: a ação foi
julgada procedente. Não sendo o caso, pois, de aplicação do art. 19 da lei 6.717/65.

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 7
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
Frente ao exposto, não se conhece da remessa necessária.

DA APELAÇÃO CÍVEL

A postulação da presente Ação Civil Pública cinge-se em compelir o Município de Bayeux/PB a realizar
as obras de reparo necessárias para o desenvolvimento do processo ensino- aprendizagem na Escola
Municipal de Ensino Fundamental Dom Helder Câmara, no Município de Sobrado/PB.

Joeirando os autos, verifico restar evidente a precariedade da referida Escola, o que compromete a sua
finalidade de educação e expõe as crianças e adolescentes a riscos.

Como é cediço, o direito a educação, dentre outras passagens, está elencado na Constituição Federal no
rol dos Direitos Sociais, bem como se encontra no art. 205 da Carta Magna. Veja-se:

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o


trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e


da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Da leitura do art. 205 da CF, poder-se-ia concluir que a referida norma programática seria uma
norma-programa, indicando um projeto que, em um dia aleatório, seria alcançado pelo Estado.

Ocorre que o Estado, “lato sensu”, deve efetivamente proporcionar condições mínimas de higiene e
segurança, de modo a garantir o perfeito funcionamento e a dignidade dos alunos e professores que ali
realizam suas atividades.

Ora, um direito tão cristalino e evidente não pode ficar, como visto, subordinado a qualquer ato
burocrático.

Em verdade, é uma lástima que o Poder Judiciário, mantedor deste Estado Democrático de Direito, seja
convocado para efetivar um direito consagrado na Carta Política, o qual deveria ser colocado à disposição

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 8
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
de toda a sociedade mediante políticas econômicas e sociais, quer através da União, dos Estados ou dos
Municípios.

É certo que, se o Estado, “lato sensu”, não pode ser obrigado a fazer algo além do possível, deve, ao
menos, garantir o mínimo existencial a cada indivíduo, sobrelevando-se a dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, da CF).

Como se sabe, para a implantação de políticas públicas, faz-se necessária a presença de dois requisitos: a
razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e a existência de
disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.

A postulação da parte autora é mais que razoável. Está em jogo, como visto, um dos fundamentos da
República: o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), que, no caso em testilha, deve ser
respeitado pelo Poder Público, na sua feição de direitos fundamentais de segunda geração, já que o direito
à educação se encontra no rol dos direitos sociais.

Ocorre que o implemento das políticas públicas depende, obviamente, de dispêndio financeiro, o que, em
regra, impede o Poder Judiciário de imiscuir no trato administrativo, sob pena de malferir o Princípio da
Separação dos Poderes.

Entrementes, a discricionariedade do Poder Executivo na formulação e execução das políticas públicas


não se mostra absoluta, pois, procedido de forma a comprometer a eficácia dos direitos sociais de segunda
geração plasmados no art. 6° da CF, dentre eles, o da educação, cabe ao Poder Judiciário nelas intervir, de
modo que o mínimo existencial seja garantido as crianças e aos adolescentes.

Nesse sentido, conferir trechos da ADPF 45 (informativo 345 do STF), cuja relatoria coube ao eminente
Min. CELSO DE MELLO:

“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA
LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE
E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM
TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE
DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO
POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS,
ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER
RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO
DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO
DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL".

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 9
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR
DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA
INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO
CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO
EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO
DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS
(DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA
GERAÇÃO).

(...)

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das


funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta
Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e
de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS
VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05,
1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo
reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e
Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em
bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder
Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes,
por descumprirem os encargos político-jurídicos que
sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal
comportamento, a eficácia e a integridade de direitos
individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, ainda que derivados de cláusulas
revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar,
presente esse contexto - consoante já proclamou esta
Suprema Corte - que o caráter programático das regras
inscritas no texto da Carta Política "não pode
converter-se em promessa constitucional inconseqüente,
sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir,
de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria
Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel.
Min. CELSO DE MELLO). Não deixo de conferir, no
entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao
tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN
HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights",
1999, Norton, New York), notadamente em sede de
efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos
de segunda geração (direitos econômicos, sociais e
culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe
e exige, deste, prestações estatais positivas
concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou
coletivas. É que a realização dos direitos econômicos,
sociais e culturais - além de caracterizar-se pela
gradualidade de seu processo de concretização - depende,
em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro
subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado,
de tal modo que, comprovada, objetivamente, a
incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal,

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 10
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do
comando fundado no texto da Carta Política. Não se
mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal
hipótese - mediante indevida manipulação de sua
atividade financeira e/ou político-administrativa - criar
obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e
censurável propósito de fraudar, de frustrar e de
inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor
da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas
de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a
cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a
ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não
pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de
exonerar-se do cumprimento de suas obrigações
constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou,
até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais
impregnados de um sentido de essencial
fundamentalidade.

Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE


BARCELLOS ("A Eficácia Jurídica dos Princípios
Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar): "Em
resumo: a limitação de recursos existe e é uma
contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá
levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser
exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao
determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado,
não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter
recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de
obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política
pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais
da Constituição. A meta central das Constituições
modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser
resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do
homem, cujo ponto de partida está em assegurar as
condições de sua própria dignidade, que inclui, além da
proteção dos direitos individuais, condições materiais
mínimas de existência. Ao apurar os elementos
fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial),
estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos
prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de
atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos
recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá
investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao
estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de
conviver produtivamente com a reserva do possível."
(grifei)

Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela


cláusula da "reserva do possível", ao processo de
concretização dos direitos de segunda geração - de
implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um
binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade
da pretensão individual/social deduzida em face do Poder

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 11
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade
financeira do Estado para tornar efetivas as prestações
positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se,
considerado o encargo governamental de tornar efetiva a
aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que
os elementos componentes do mencionado binômio
(razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira
do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em
situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer
desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade
estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante
a formulação e a execução de políticas públicas
dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por
delegação popular, receberam investidura em mandato
eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta,
nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador,
nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais
Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou
procederem com a clara intenção de neutralizar,
comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais,
econômicos e culturais, afetando, como decorrência
causal de uma injustificável inércia estatal ou de um
abusivo comportamento governamental, aquele núcleo
intangível consubstanciador de um conjunto irredutível
de condições mínimas necessárias a uma existência digna
e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí,
então, justificar-se-á, como precedentemente já
enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um
imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção
do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o
acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente
recusada pelo Estado.

(...)

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas,


julgo prejudicada a presente argüição de descumprimento
de preceito fundamental, em virtude da perda
superveniente de seu objeto. Arquivem-se os presentes
autos. Publique-se. Brasília, 29 de abril de 2004. Ministro
CELSO DE MELLO Relator - decisão pendente de
publicação”.

No caso dos autos, verifica-se que a não reestruturação da Escola Municipal de Ensino Fundamental Dom
Helder Câmara, na cidade de Bayeux/PB, poderá colocar em risco a vida das crianças e dos funcionários
da escola, uma vez que as condições em que se encontra fere todas as normas de educação e saúde,
comprometendo o aprendizado e podendo causar acidentes graves.

Ressalte-se que não cabe ao Poder Judiciário interferir na Administração Pública, em relação ao mérito
propriamente dito de suas decisões e atos, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 12
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
No entanto, em situações de estrita necessidade em virtude de fatos que coloquem em risco a instituição
ou pessoas que dela dependam como é o caso, pode-se impor ao Poder Executivo determinada obrigação.

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal. Veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. (...). VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA.
PRECEDENTES. 1. (...). 2. O Poder Judiciário, em
situações excepcionais, pode determinar que a
Administração pública adote medidas assecuratórias de
direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais
sem que isso configure violação do princípio da separação
de poderes. 3. Agravo regimental não provido". (RE
417408 AgR, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira
Turma, julgado em 20/03/12, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-081 DIVULG 25-04-12 PUBLIC 26-04-12).

E:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


ABRIGOS PARA MORADORES DE RUA. REEXAME DE
FATOS E PROVAS. SÚMULA 279 DO STF. OFENSA AO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.
INEXISTÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. Incabível o recurso extraordinário quando
as alegações de violação a dispositivos constitucionais
exigem o reexame de fatos e provas (Súmula 279/STF).
Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que não
ofende o princípio da separação de poderes a
determinação, pelo Poder Judiciário, em situações
excepcionais, de realização de políticas públicas
indispensáveis para a garantia de relevantes direitos
constitucionais. Precedentes. Agravo regimental
desprovido. (RE 634643 AgR, Relator: Min. JOAQUIM
BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 10-08-2012
PUBLIC 13-08-2012

Assim, vê-se que a judicialização de políticas públicas é possível para assegurar o mínimo existencial que
é dever dos entes públicos, não havendo, nesse caso, ofensa ao princípio da Separação dos Poderes.

Ressalte-se que, em momento algum nos autos, o ora promovido comprovou não ter condições financeiras
para realizar as obras e melhoramentos determinados.

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 13
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026
Nesse contexto, é forçoso concluir que o veredicto do Primeiro Grau encontra-se absolutamente
consentâneo com o escólio pretoriano prevalente.

Diante desse delineamento jurídico e das razões fáticas do caso vertente, não há outro caminho a ser
trilhado, senão não conhecer da remessa necessária e negar provimento à apelação cível, devendo,
portanto, ser mantida instacta a decisão “a quo”.

É como voto.

João Pessoa, 06 de novembro de 2020

Des. Abraham Lincoln da Cunha Ramos

Relator

Assinado eletronicamente por: Abraham Lincoln da Cunha Ramos - 17/11/2020 20:12:20 Num. 8628177 - Pág. 14
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=20111720121970700000008599026
Número do documento: 20111720121970700000008599026

Você também pode gostar